sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Metodologia da Ciência

     Há consenso de que o que caracteriza a ciência é a possibilidade de refutação, o que não ocorre com o mito. Com efeito, segundo Fustel de Coulanges "A história não estuda apenas os fatos meteriais e as instituições; seu verdadeiro objeto de estudo é a alma humana; a história deve propor-se a conhecer o que essa alma acreditou, pensou e sentiu nas diferentes idades da vida do gênero humano.", o que parece aplicável, nas devidas proporções, também, ao Direito. De modo que qualquer empecilho que se coloque será inconsistente. Contudo, há os que sustentam que tanto a História como o Direito é ciência e há os que sustentam o contrário. Essas opiniões se assentam e são aceitas, sem que se dê maior atenção ao problema. No entanto, a questão é interessante e merece melhor análise. Entre os especialistas, considerados como um grupo, quase nada se tem feito no sentido de esclarecer a posição dos trabalhos históricos e jurídicos diante da ciência e dos chamados métodos científicos. Assim, como profissionais, situam-se entre as ciências e as humanidades, mais propensos a inclinar-se em favor destas, muito conscientes da dicotomia entre ciência natural e estudos humanísticos. De um lado, há uma espécie de convicção arraigada de que a História e o Direito não se comparam à ciência; de outro, a certeza de que a História e o Direito não são artes. Daí a tendência a afirmar que são disciplinas sui generis, cujo método, também peculiar, nasce do trato dado pelos historiadores e juristas aos fatos que investigam. Ora, valeria a pena salientar que o início de um estudo é sempre difícil, orientado por algumas leituras ocasionais e ditado por preferências nem sempre explícitas. Lentamente, porém, o interessado poderá delimitar mais claramente a sua área de investigação e passar para as obras representativas do setor escolhido. Depois de um primeiro contato, superficial, com a matéria, vem o desejo de continuar. Se assim acontecer, o que se recomenda é o contato imediato com uma boa revista do assunto e as questões, daí em diante, se tornam, gradativamente, mais fáceis. Desse modo, a melhor forma de penetrar nos terrenos científicos dessas disciplinas, ganhando boa visão do tem despertado a curiosidade dos especialistas, requer a) contato com artigoss de periódicos; b) conhecimento das discussões travadas nos congressos e simpósios e c) análise, mais minuciosa, das obras de alguns autores contemporâneos.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A importância do bom humor

     Segundo Osho, "A vida é algo impossível. Não deveria ser, mas é. É um milagre que nós existamos, que as árvores, que os pássaros existam. É realmente um milagre, porque todo o universo está morto. Milhões e milhões de estrelas e milhões e milhões de sistemas solares estão mortos. Somente neste pequeno planeta Terra, o qual não é nada - se você pensar em termos de proporção, é apenas uma partícula de poeira - somente nele, a vida aconteceu. Este é o lugar mais afortunado de toda a existência. Os pássaros estão cantando, as árvores estão crescendo, florescendo, as pessoas estão amando, cantando, dançando. Alguma coisa simplesmente inacreditável aconteceu.". Diante desse quadro, fácil perceber que a vida é uma grande piada cósmica. Todavia, Aristóteles disse que o homem é o único animal racional. Talvez isso não seja verdade - porque as formigas são muito racionais, as abelhas são muito racionais. Na realidade, comparado às formigas, o homem pareça ser quase irracional. Pois bem, racional ou não, pouco importa. O que importa é viver com bom humor, porque a vida não é um fenômeno sério. Leve-a a sério e você continuará a perdê-la. Ela é compreendida apenas através do riso. Parece que o homem é o único animal que ri. Nenhum computador ri, nenhuma formiga ri, nenhuma abelha ri, apenas o homem é capaz de rir. É o pico mais alto do crescimento e é através do riso que você pode alcançar Deus - porque é apenas através do mais alto que está em você que se pode alcançar o Supremo. O riso tem que se tornar a ponte. Até mesmo a medicina expressa que a risada é um dos remédios que vão mais fundo dentre os que a natureza forneceu ao homem. Portanto, ria, dance, divirta-se e assim o pensamento, a vida não pára.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O Homem e o Cidadão

     O Direito é uma força dinâmica e criadora que impulsiona o homem e o grupo para o equilíbrio. Vale-se, para tanto, da linguagem (linguística e da gramática), da norma, da jurisprudência, da doutrina, do contrato, dos princípios gerais, da equidade, do costume, da analogia. A dogmática jurídica trata do homem indiretamente; do cidadão e da pessoa (abstrações) diretamente. Contudo, a disciplina que trata do homem diretamente é antropologia, que para Ralph Linton "O fim último da Antropologia é descobrir os limites dentro dos quais os homens podem ser condicionados, e quais os padrões de vida social que parecem impor o mínimo de tensão ao indivíduo.". Já a biologia trata do ser vivo (animais e plantas). Enquanto a filosofia se ocupa da reflexão sobre o sentido último da vida e segundo Louis Ragey "Felizes os jovens que podem ser filósofos sem deixar de viver a vida de seu tempo.", a teologia, de certo modo, na expressão de S. Boaventura, existe para nos tornarmos bons. Assim, segundo Plauto Faraco de Azevedo "Como o homem concebe sua visão do mundo em função de sua experiência pessoal e grupal, nas várias comunidades, diferentes escalas de valores. (...). Desta atitude mental resulta a mútua incompreensão, de que testemunham as brutalidades cometidas em nosso século, em que 'a primitiva recusa de aceitar qualquer transação tornou-se um princípio teórico e a ortodoxia passou a ser considerada uma virtude.' (...). Agindo, diante das situações que a vida lhe apresenta, o homem escolhe entre as diversas alternativas que naquelas percebe, segundo a imagem que delas realiza, que lhe permite perceber os limites de sua possibilidade de opção.". Transparece, então, que em face a contingências inerentes à sua condição, é o homem, de certa forma, constrangido a adaptar-se  para viver em sociedade, donde o Direito lhe aparece como o melhor indicador.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Uma Árvore de Presente

     Há diferença importante entre a física e a biologia. Enquanto a física trata da matéria inerte, a biologia trabalha com o ente vivo. Assim, limitada pelas exigências morais, a experimentação biológica não conduz, necessariamente, a resultados tão seguros quanto a experimentação nas ciências da matéria inerte e isso porque o ser vivo é um indivíduo e a análise experimental quebra, justamente, sua unidade fundamental. Daí decorre que os físicos e os fisiologistas sustentam, dentre outras, duas idéias importantes. Para os fisiologistas cada parte depende do todo e de todas as outras partes, como justamente escrevera Ganguilhem: "Não é certo que um organismo, após a ablação de um órgão (ovário, estomago, rim), seja o mesmo organismo diminuído de um órgão. Ao contrário, há lugar para crer que a partir desse momento temos, diante de nós, um outro organismo, que dificilmente pode ser superposto, mesmo em parte, ao organismo testemunha.". Para os biologistas, uma árvore até chegar ao ponto de fornecer utilidade plena demanda muito cuidado e investimento. Nesse ponto, ela proporcionada vários benefícios: segurança, sombra, protege da tempestade, regula a temperatura, ajuda na qualidade do ar. Só que a ela também dá algum trabalho. Conta-se que certa feita alguém ganhou de presente uma árvore a qual estava no estágio de plena utilidade. Passado algum tempo, o donatário passou a sentir-se insatisfeito com a árvore porque ela deixava cair algumas folhas e isso seria um defeito incontornável. Daí o donatário passou a ouvir palpiteiros de todos os tipos, chegando a zombar da árvore de várias formas até chegar ao ponto de eliminá-la, simbolicamente. Feito isso, percebeu que já não tinha mais a folhas caídas e também não tinha os demais benefícios que a árvore lhe proporcionara. Em resumo, aquela árvore fora cortada. Não dianta arrependimento. A solução é buscar outra árvore.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Deus! Essência ou Existência

     Há uma série de perguntas formuladas a respeito de Deus que parece impróprias. Por exemplo, é recorrente a indagação, dentre outras do mesmo tom: você acredita que Deus existe? Há prova da existência de Deus? De fato, essas questões são seguramente mal formuladas. Com efeito, mesmo que de certo modo, seja justificável afirmar que Deus é eterno, infinito, imutável, único, onipotente, onipresente, onisciente, soberanamente justo e bom, ainda assim não é uma ideia completa dos Seus atributos. Assim, que a palavra existência é redutora por que implica matéria, esta implica movimento e que ocupa lugar no espaço. Ora, Deus não é matéria, é eterno e não ocupa lugar no espaço porque se assim fosse seria menor que o espaço. Portanto, Deus não existe, Deus é. Por outro lado, o verbo crer é um verbo fraco porque quem crê, não sabe, tem opinião, enquanto o verbo saber é um verbo forte, quem sabe, sabe e pronto. Nessa linha de pensamento, Carl Gustav Jung indagado teria respondido: "Eu não acredito. Eu sei!" e Dominique Morin teria justificado:"Deus não está nem ao fim de um raciocínio nem ao termo de uma experiência de laboratório. É uma evidência.". Portanto,segundo Innocentius Marie Bochenski a questão não gira em redor da existência de um absoluto, mas em redor de sua natureza e expusera:"Quanto a isto, os filósofos podem ser divididos em duas classes, segundo o método de que se utilizam em 'intucionistas' e 'ilacionistas' em que para os primeiros o infinito não é atingido direta mas indiretamente,em nós mesmos, em nosso próprio ser finito, enquanto que para os segundos, de modo geral, a questão se resolve pelo princípio da concretização, ou seja: a causa pela qual as coisas são como são e não diferentes. Tudo o que é, vem a ser, torna-se e passa a ser tal. Assim, a maçã é verde e se torna madura.". Então, seguramente essa questão enfrenta um problema dos limites da nossa linguagem.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O exame crítico do laudo pericial

     É objetivo desta exposição examinar o papel da crítica jurídica aplicada ao laudo pericial. De início, a fim de precisar o conteúdo desta abordagem, será útil propor definições para alguns aspectos do laudo pericial. Com efeito, em geral, expressa a doutrina que perícia é espécie de prova consistente no parecer técnico de pessoa habilitada a formulá-lo, a qual denomina-se perito, que é auxiliar do juiz, cuja função é suprir a insuficiência de conhecimentos específicos sobre o objeto da prova e que constituem perícias os exames, as vistorias, os arbitramentos e as avaliações, com valor relativo. Ainda, que o documento elaborado pelo perito chama-se laudo, que pode ser arbitral ou pericial, em que o arbitral resume-se na decisão dos árbitros, no juízo arbitral, ou avaliação por eles feita em outros casos de arbitramento e o pericial traz os esclarecimentos conclusivos do ou dos peritos, que também se diz consultivo ou informativo.

     Portanto, chegado o momento da verificação da perícia, ao profissional do direito cabe o exame e crítica unicamente sob o ponto de vista jurídico, para ver se e como ele corresponde à função judiciária, que a lei atribui a esse gênero de provas. Então, daqui tiram-se duas consequências evidentes: primeiro, que o exame pericial deve conter as circunstâncias de fato, em que se basearem as conclusões e os raciocínios explicativos que demonstrem ao juiz como dessas circunstâncias se pode e deve chegar, cientificamente, àquelas conclusões; segundo, que o juiz, portanto, permanece soberano na decisão do ponto controvertido, quando outros elementos do processo lhe fornecerem o fundamento e a razão duma opinião diferente. Entretanto, não é incomum a presença de defeitos jurídicos encontrados em laudos periciais como, por exemplo, afirmativa dogmática e monossilabicamente, sem nada demonstrar; o silêncio completo em todo o exame, tanto no que se refere a elementos de fato, como raciocínios explicativos, pelos quais tenham chegado àquela conclusão; ou a presença de contradição lógica, em que das premissas não surjam logicamente a conclusão. E assim é que exige-se ainda que o exame pericial, precisamente como investigação técnica estranha aos interesses particulares das partes em litígio e apenas inspirada pelas razões da ciência, deva ser, sobretudo e antes de mais nada, sereno e imparcial.


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Prova científica e prova histórica ou judicial

     O homem não age diretamente sobre as coisas. Sempre há um intermediário, um instrumento entre ele e seus atos. Isto também acontece quando se faz ciência, quando se investiga cientificamente. Ora, não é possível fazer um trabalho científico, sem conhecer os instrumentos. E estes se constituem de uma série de termos e conceitos que devem ser claramente distinguidos. Com efeito, o método científico, ou como quer que seja definido, é dependente da avaliação de fenômenos e experimentos, ou de observação repetida. Tanto é assim que a ciência consiste de uma série de conceitos inter-relacionados e em esquemas conceituais, que surgiram como resultantes de experimentos e observações e podem produzir outros experimentos e observações. Desse modo, fica certo que a prova científica baseia-se na demonstração de que algo é fato pela repetição do experimento em presença do indivíduo que o questiona. Existe, então, um ambiente controlado onde se podem fazer observações, chegar a conclusões e testar hipóteses empiricamente. Agora, se o método científico fosse o único meio de se provar qualquer coisa, não se poderia provar, por exemplo, quem foi à aula ou ao trabalho hoje pela manhã ou que almoçou ou, ainda, que Napoleão ou Jesus existiram, porque é totalmente impossível repetir tais eventos numa situação controlada. Portanto, há um problema quando necessário provar qualquer coisa acerca de pessoas ou eventos históricos, cuja solução só pode vir da prova histórica ou judicial. Esta prova estriba-se em três tipos de testemunho: oral, escrito e de evidências. Usando o método judicial para determinar o que ocorreu, pode-se provar claramente, que alguém esteve na aula hoje pela manhã porque os colegas o viram, tem anotações e o professor lembra-se de tê-lo visto. Esses fatos situam-se fora da esfera da prova científica e precisamos colocá-los no plano da prova judicial. Assim, quando alguém se apóia no método judicial, precisa verificar a fidelidade dos testemunhos, bem como a autenticidade dos documentos. Desse modo, recordando o que foi exposto no início, que o homem não age diretamente sobre as coisas, que ele é repleto de limitações e que a realidade que pretende conhecer e provar é múltipla e complexa, para que haja credibilidade, ele precisa lançar mão de três questões fundamentais: saber da verdade, da evidência e da certeza, donde pode-se dizer que há verdade quando entre o que o homem percebe e o que se manifesta há uma certa conformidade, evidência e certeza, de cujo trinômio, poder-se-ia concluir que: havendo evidência e certeza,  pode-se afirmar: há verdade.

     

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O deslocamento no discurso de acusação de Jesus

     Jesus teve de suportar duas acusações, após ser preso: uma religiosa e outra civil. Se a preponderante foi a primeira, com a decisão da própria morte, foi, todavia, o veredito da segunda que o levou definitivamente ao fim. Assim, o tribunal religioso era representante do povo hebreu e o tribunal civil era representante dos povos pagãos, isto é, dos demais povos, a morte de Jesus foi, portanto, causada por todos os povos da terra. E assim predisse o próprio Jesus: "O Filho do Homem será entregue aos sumos sacerdotes e escribas. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para ser escarnecido e sacrificado" (Mt 20:18-19). Com efeito, a acusação religiosa contra Ele começou provavelmente cerca de meia-noite com um interrogatório da parte de Anás, se bem que não oficial, pois este não mais era sumo sacerdote e a hora imprópria. Interrogou-O acerca de seus discípulos e de seus ensinos e já que juridicamente um acusado não podia dar testemunho válido de si mesmo, digno de fé, havendo outrem, tal foi a resposta de Jesus: "Eu falei abertamente ao mundo, ensinei sempre nas sinagogas e no templo, onde se reúnem os judeus; nada falei às ocultas. Por que me interrogas? Perguntai aos que ouviram o que lhes ensinei e eles bem sabem o que Eu falei" (Jo 18:20-21). E nesse momento recebeu Jesus um bofetão de um dos guardas que lá estavam e que se escandalizaram: "É assim que respondes ao sumo sacerdote?" Ao que Jesus respondeu: "Se falei mal, mostra em quê; se falei bem, por que me bates?" (Jo 18:22-23). Esperava Anás do inquirido palavras que lhe fornecessem argumentos para a próxima acusação oficial, mas ou ouvi-lo certo ficou de tal modo aturdido que tratou logo de remeter o preso a seu genro Caifás. E apesar de tantas acusações, Jesus permaneceu calado. Porém, o mais grave para o tribunal foi a confissão de Jesus à pergunta manifestada solene e decidida de Caifás: "Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos diga se és o Messias, o filho de Deus!". Firme foi a resposta de Jesus: "Vós o dissestes! Aliás eu vos declaro: de agora em diante vereis o Filho do Homem a direita da Onipotência e vir sobre as nuvens do céu!". Foi então que o Pontífice rasgou as vestes, exclamando: Blasfemou! Que necessidade temos ainda de testemunhas? Eis que acabais de ouvir a blasfêmia! Que vos parece? Sem titubeio, a resposta dos presentes foi: "É réu de morte" (Mt 26:62-66). E assim, após mais alguns atos, terminou a acusação religiosa em face de Jesus: "É réu de morte por ser blasfemador!". Mas como poderiam condená-Lo à morte se estava a nação sob o domínio de Roma? Requeria, em consequência, levar Jesus ao tribunal da autoridade romana competente para ser julgado: é a necessária acusação civil. Sabia, todavia, o Sinédrio não ser tal possível justamente porque as razões eram de natureza religiosa. O levaram, entretanto, mediante uma engenhosidade, ao tribunal do magistrado de Roma (Pôncio Pilatos) para outra acusação, por motivos políticos, perante o qual, a multidão, fora do pretório, dirigiu-se Pilatos: "Que acusação há contra este homem?". "Se, responderam, não fosse um malfeitor, não vô-lo entregaríamos" (Jo 18:29-30). Tal não era uma acusação, mas implícita esperança de acatamento do julgamento anterior. Não duvidava Pilatos de que eram questões relativas à religião, por isso foi taxativo: "Levai-o vós mesmos, e julgai-o conforme a vossa Lei" (Jo 18:31). Certo que tais palavras não significavam que os acusadores pudessem fazer o que quisessem com o acusado; apenas esperava fosse o caso resolvido mediante leis judaicas, que excluíam a pena capital. Todavia, precisamente aqui aflorava o ponto delicado e os acusadores o assinalavam indiretamente: "A nós não é lícito matar ninguém" (Jo 18:31). Esta resposta manifestava ao procurador o secreto desejo dos acusantes, fazendo-lhe ainda entrever o que havia sucedido no Sinédrio à noite, e, por outro lado, dava-lhe entender que, para a multidão, o Messias era um homem já condenado à morte. E apesar de tudo, para convencer o novo juiz, requeriam provas, provas de outra natureza que não as de religião: "Encontramos este homem subvertendo a nossa nação, impedindo que se paguem os impostos a Cesar", e ademais "pretendendo ser o Messias Rei" (Lc 23:2). Daí, não haver dúvida de que tal acusação, estritamente política, perante o delegado de Cesar, vinha, em conseguinte, substituir as acusações religiosas diante do Sinédrio. Assim, fora Jesus indiciado como um revolucionário a exemplo de Judas, o Galileu (Flávio José na "História da guerra judaica contra os romanos"). Daí em diante outros fatos aconteceram, por exemplo, notificado Pilatos de que Jesus era da Galiléia, da jurisdição de Herodes Antipas, para lá foi remetido Ele. E Herodes cedeu à pressão. 

     Para finalizar este relato, resta a notícia veiculada de que em 1933, ao memorar a Igreja Católica, 1900 anos da morte de Jesus, foi em Jerusalém instituído um tribunal oficioso composto de cinco insignes israelenses com o propósito de reexaminar a antiga sentença do Sinédrio, cujo veredito, pronunciado por esse tribunal, por quatro votos favoráveis contra um, foi que a sentença do Sinédrio devia ser retratada porque "a inocência do indiciado era manifesta. A condenação veio a ser um dos mais terríveis erros que os homens haviam cometido, e, reparando, a raça judaica seria honrada!" (Revista "Jerusalém", Paris, maio-junho de 1933, p. 464). Certamente que sim.

     

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Discursos de Acusação

     Desde os povos antigos aos contemporâneos, há questões que tendem a se repetir. Assim, pelo viés adotado nesta abordagem, um exemplo, historicamente marcante, foi o da acusação perpetrada contra Jesus. É que Ele foi acusado pela própria situação pessoal e não pelo ato supostamente praticado. Outrossim, recentemente, um cidadão brasileiro foi acusado em circunstâncias semelhantes. Porém, na maioria dos casos, as pessoas são acusadas por atos que praticados com inobservância à ordem jurídica imposta.

     Com efeito, como bem argumentara o advogado Irwin Linton: "Singular entre os processos criminais é este, em que que se acha em jogo não as ações do acusado, mas, sim, sua identidade. A acusação criminal formulada contra Cristo, a confissão e o testemunho, ou antes, o ato presenciado pelo tribunal, com base no qual ele foi condenado, o interrogatório levado a efeito pelo governador romano, e a inscrição e a proclamação feitas na cruz por ocasião da execução, tudo está relacionado apenas com a questão da identidade e dignidade de Cristo." (The Sanhedrin Verdict, New York: Loizeaux Brothers, Bible Truth Depot, 1943, p. 7). Se por lá e naqueles tempos as coisas se passaram nesse tom, por aqui e nestes tempos as coisas trilham vias semelhantes.

     Deveras, no caso brasileiro, recentemente um cidadão fora acusado, com base no art. 25, da lei das contravenções penais, que trata do porte de injustificado de objeto por pessoas com condenações por furto ou classificadas como vadias ou mendigos, do qual ocupou-se o STF (RE-583.523). Nesse caso, a defesa "considerou que o referido dispositivo inverte o ônus da prova ao determinar a presunção de culpa de pessoas por sua condição de miserabilidade ou por ter antecedentes criminais", ao que, o Procurador-Geral da República, "retificou o parecer anterior do MPF para considerar que o dispositivo legal não está recepcionado pela CF. Em seu entender, a norma dá tratamento jurídico desigual a cidadãos já socialmente desigualados. Segundo ele, ao invés de restabelecer o equilíbrio entre situações díspares acentua a desigualdade.". Assim, no julgamento, por decisão unânime do plenário do STF, "que seguiu entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes, segundo o qual o dispositivo é discriminatório e contraria o princípio fundamental da isonomia.". Ainda, o ministro assentou que: "Não se pode admitir a punição do sujeito apenas pelo fato do que ele é, mas pelo que fez. Acolher o aspecto subjetivo como determinante para caracterização da contravenção penal equivale a criminalizar, em verdade, a condição pessoal e econômica do agente, e não fatos objetivos que causem relevante lesão a bens jurídicos importantes ao meio social.". Portanto, confirmada está a assertiva de que há tendência de que certas questões se repitam nesse domínio. 

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Biografias

     Tramita no Congresso Nacional projeto de lei que trata a questão da autorização para divulgação de filmes ou publicação de livros que sejam considerados biográficos, sem autorização do biografado ou de seus familiares. A necessidade dessa autorização passa pela importância dada aos conceitos e desdobramentos relacionados com o direito à intimidade e o modelo adotado pelo Brasil com relação à nossa composição: se, na solução dos conflitos, deve prevalecer o interesse individual, social, científico ou todos, em harmonia. Com efeito, pela declaração estampada no preâmbulo da Constituição Federal constata-se que o nosso Estado está "...destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,...". Além da observância desses conceitos e seus desdobramentos faz-se necessário, ainda, verificar o conceito em que consiste uma biografia e um biógrafo; se o texto pode ser considerado uma biografia e se o autor dele detém autoridade para tanto. 

     Segundo Julien Benda,  em "O Pensamento Vivo de Kant" (tradução de Wilson Veloso, Livraria Martins Fontes, São Paulo, 1961, p. 13): "É comum dizer-se que as vidas dos filósofos consistem de pouca coisa mais que da biografia de suas idéias. E, na verdade, a natureza essencialmente meditativa desta raça de homens parece excluir de sua carreira, como por necessidade, aquelas aventuras e revoluções, pelo menos as aventuras e revoluções deliberadas, tão freqüentemente encontradas nas vidas de poetas e romancistas.[...]". Assim, para o autor existem diversas formas de compor uma biografia que dependerá do perfil do biografado.

    Nessa linha de pensamento, numa rápida pesquisa pela Barsa (v. 3, 1979, p. 140) encontra-se que: "biografia é o relato da vida de uma pessoa. Outrora gênero literário, a biografia está hoje mais ligada à história. Além de historiador, o biografo tem que ser um retratista. Como historiador seu dever é ser exato, basear-se em documentos, e apresentar os fatos de maneira inteligível. Como retratista, deve reunir qualidades literárias, na construção e no estilo, de modo a tornar a obra artística. Tecnicamente, a biografia participa da ciência e da arte: é escrupulosamente fiel aos fatos, mas dá a impressão de um romance. O que a crítica literária moderna condena é a biografia romanceada, ou romance histórico, em que o autor inventa episódios e diálogos. Dar a impressão de realidade e apresentar o retratado em sua verdadeira humanidade, não quer dizer romancear a sua vida.".  Com relação ao biógrafo,  a exigência que se faz é que detenha autoridade necessária para cuidar do tema, ou seja: tenha formação acadêmica para tanto. Por fim, com relação a necessidade de autorização ou não do biografado, é uma questão de natureza política a ser avaliada considerando os pressupostos constitucionais.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O homem, o Direito, a Norma e a Sociedade

     O homem é, simultaneamente, indivíduo e ente social. Embora relativamente independente não deixa de integrar, por necessário, a comunidade (unidade comum), ou seja: o grupo social. Com efeito, ele é gerado num grupo menor, nasce num grupo e passa a existência num grupo maior, já orientados. Deveras, necessariamente, ele pertence a algum grupo e os grupos são normatizados. Assim,  não há grupamento humano sem normatização, cujas normas organizam, direcionam e promovem a adaptação dos membros do grupo, entre si, dentro do grupo e entre grupos.

     Com isso, percebe-se que o Direito é uma necessidade natural e é, de certa forma, como um véu protetor, sob o qual há tutela dos comportamentos, sempre de relação, dos indivíduos entre si, em grupo menor e ou maior, ou seja: o Direito é relacional. Todavia, o Direito não é a norma simplesmente. A norma é um dos frutos de elaboração do homem e serve como instrumento para a incidência do Direito, também, necessária. Ela vem da ciência do Direito, que é mais ampla. Pois, claro que a ciência do Direito não seria ciência se apenas se ocupasse dos atos legislativos. Por certo, as normas jurídicas pertencem ao Direito, porém não são o direito, como as normas da natureza, as leis naturais, já não são a natureza. É o que escreveu Alois Hilinger, conforme notação de Pontes de Miranda.

     Ainda mais, o Direito, ao lado de outras ciências, sob prisma, método e léxico próprio, transcende conceitos herméticos, tem como objeto de conhecimento a sociedade. Esta no sentido lato, ou seja: formada por aquilo que os homens têm ou por aquilo que são, donde o que José de Aguiar Dias fizera notar que: "Seja dom dos deuses, seja criação dos homens, o direito tem como explicação e objetivo o equilíbrio, a harmonia social. Estivesse o homem sozinho nu mundo, como seu primeiro habitante ou seu último sobrevivente, e não haveria necessidade de direito, por ausência de possibilidade de interpretação e conflito de interesses, cuja repercussão na ordem social impõe a regulação jurídica, tendente à pacificação ou, pelo menos, à contenção desses conflitos". Portanto, para que tudo isso faça sentido e se possa entender bem, há que se levar em conta, também, o espaço, o tempo e o movimento de cada um dos aspectos sociais que compõem o Direito e as demais ciências, cujo ponto de convergência está na relação existente entre todos esses elementos reciprocamente implicados.

     

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Segurança Jurídica e Ordem Intrínseca

     É como notara Pontes de Miranda: o conceito de justiça é liberdade, cultura, felicidade relativa; e da segurança, ordem, paz. Uma atenta no presente, no que é, porque se alimenta de julgamentos do que se dá, isto é, do que agora acontece, nas circunstâncias em que, na vida em comum, alguém se acha; a outra olha o futuro: artificializa-o para o tornar previsível; e, para que algo perdure, cria a permanência da regra. Ora, muitas vezes, tal estabilidade faz injustiça e traz maiores danos do que tudo. Então, parece-nos que há confusão a respeito de segurança do direito: até aqui se tem prometido a estabilidade de dispositivos, de regras, de códigos, quando, em verdade, necessário a promessa de critérios justos. Pois, o conteúdo da segurança do direito e bem assim o da justiça devem adaptar-se um ao outro: não podem ferir-se mutuamente, desmentir-se, anular-se. Lei que é dura, é feroz, é bárbara, é autoritária; só o absolutismo poderia conceber e aplaudir o dura lex, sed lex. Certamente seria anarquia não garantir a permanência do direito. Contudo, a permanência do direito não é, necessariamente, a permanência da lei. Não raro a lei permanece sem que permaneça o direito. Outras vezes, permanece o direito, o critério jurídico a despeito de não permanecer a lei, não o texto e, sim, o método de resolver, de acudir e de prover aos casos.

     O que é preciso é que vigore determinado sistema jurídico e haja a convicção de que será aplicado aos casos particulares, pois é isto que dá a segurança jurídica. Porque a atividade humana encontraria empecilhos e desalentos se não soubesse que do ato A surgiriam  os fatos A, B ou C, que são os efeitos jurídicos dele no mundo das relações sociais. E é assim porque  a ordem é a mais objetiva revelação do bem, porque representa a revelação experimental. Em suma, a segurança, por si só, não basta; faz-se necessário a ordem intrínseca, que é dada pelo sistema jurídico no que contém de provimento, em si mesmo. À ordem extrínseca basta a previsão; à outra, é preciso a perfeição interna do direito objetivo.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Há Possibilidade do Nexo




 O homem é habitante de um espaço artificial comum a todos conhecido por mundo. Os assuntos humanos são expressos pela relação de dominação do homem pelo homem, o que significada afirmar uma relação de mando e obediência, uma espécie de guerra que transcorre no âmago da sociedade - todos os homens são adversários de alguém.
De modo que as leis surgiram com o advento das guerras. Para Foucault [...] “a lei não nasce da natureza, junto das fontes frequentadas pelos primeiros pastores; a lei nasce das batalhas reais, das vitórias, dos massacres, das conquistas que têm sua data e seu herói de horror; a lei nasce das cidades incendiadas, das terras devastadas; ela nasce com os famosos inocentes que agonizam no dia que está amanhecendo. [...]”.  Então a lei não é pacífica há um silêncio no arcabouço violento do ato fundador.
Assim um feixe de elementos como coragem, medo, desprezo, ódio, derrotas e vitória, fracassos e êxitos, corpos, paixões, edificam a sociedade. Sociedade que segundo Hannah Arendt [...] “espera de cada um dos seus membros certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a “normalizar” seus membros, a fazê-los comprometerem-se, a excluir a ação espontânea [...]”.  Ora no momento em que a sociedade se “normaliza”, ou seja, quando o comportamento se torna padrão o homem dá lugar ao sujeito – aquele que acata e nada decide.
Logo se torna patente o nexo entre sociedade normalizada, experiência da lei e sujeito. Certamente em tal contexto o sujeito fica compelido a se apresentar integralmente diante da totalidade da lei e esse entregar-se integralmente à lei significa respeitar a lei não porque é justa, mas, simplesmente porque é lei.


sábado, 28 de setembro de 2013

Soberania e Constituição sob novo olhar


      
Dá para imaginar que durante muitos e muitos séculos o homem persistiu em ser um vivente com uma vivencia política?  Que só quando a vida biológica passa a ter importância é que o ocorre a mudança para o “governo dos homens” segundo Foucault, gerando a possibilidade de proteger ou não a vida.  E que há uma hesitação entre a liberdade e a felicidade, no momento em que a submissão se apresenta diante dos direitos.
Assim é possível pensar que a soberania não é uma categoria exclusivamente jurídica ou exclusivamente política visto que nela os direitos se referem à vida nos limites do tecido social, portanto, a soberania pode ser entendida como uma apatia entre natureza e cultura, violência e lei. Segundo Foucault “a soberania pressupõe o sujeito: ela visa fundamentar a unidade essencial do poder e se desenvolve sempre no elemento preliminar da lei. Tríplice “primitivismo”, pois: o do sujeito que deve ser sujeitado, o da unidade do poder que deve ser fundamentada e o da legitimidade que deve ser respeitada”. [...]. Portanto a soberania aponta para a questão do poder constituinte e de sua relação com o poder constituído.
Dessa forma observa-se que os poderes constituídos estão presentes exclusivamente no Estado – inseparáveis de uma ordem constitucional preestabelecida onde a realidade fica exposta. Já os poderes constituintes se colocam fora da moldura estatal, não lhe devem nada, existem sem ele, é a fonte cujo uso que se faz de sua corrente não pode jamais exaurir, segundo Burdeau.  É sabido que o poder constituinte se refere à vontade política que possibilita a tomada de decisão efetiva sobre a configuração da própria existência política, estando assim acima do processo legislativo constitucional, não se reduzindo as normas, de sorte que o poder constituinte se identifica com a vontade constituinte do povo. Com efeito, pode-se afirmar que uma Constituição não é ato de um governo, e sim de um povo constituindo um governo.
Em suma se a soberania transita do sujeito para o sujeito estabelecendo uma relação politica do sujeito com o sujeito, cominando na multiplicidade de poderes que por sua vez não são poderes políticos e sim a possibilidade de constituí-los no sentido político do termo. A Constituição deve ser vista como um pilar, um vinculo quando entendida, aprovada e amada, ela protege a sociedade da opressão de governantes, protege uma parte da sociedade contra as injustiças da outra parte, resguarda o direito dos indivíduos e das minorias contra as combinações de interesses da maioria, promovendo o bem estar na sociedade.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Setembro e o Sete

      Percebe-se que muitos brasileiros estão buscando resgatar importantes valores, o que é salutar. Daí ser oportuno compartilhar dessa linha de ação e nada melhor começar pela Pátria em o mês de setembro e o dia sete são os marcos do acontecimento político - a Independência do Brasil - de significado ímpar para nós.

          Do latim 'pátria', com o mesmo sentido. É o país em que nascemos, isto é, ao qual estamos presos pelas raízes mais profundas de nosso ser. Acrescenta porém a noção de país um forte potencial emocional e evocativo porque enfatiza mais a ideia de continuidade histórica de um povo, garantida pela sucessão das gerações e a ideia de um patrimônio comum de ideias, aspirações, símbolos, linguagem, valores herdados de nossos antepassados, que deve ser conservado, enriquecido para ser transmitido aos filhos de nossos filhos. A Pátria é um bem primeiro fundamental, cujo valor só apreciamos devidamente quando somos dele privados. 

         Já que estamos tratando de resgatar, nada mais oportuno resgatar, junto com o Sete de Setembro, a memória de Rui Barbosa, prestando-lhe homenagens com a transcrição de suas palavras: "A Pátria não é ninguém, são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A Pátria não é um sistema, nem um monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Os que a servem são os que não invejam, os que não conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam, os que não emudecem, os que não se acobardam, mas resistem, mas ensinam, mas esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam a justiça, a admiração, o entusiasmo. Porque todos os sentimentos grandes são benignos e residem originariamente no amor.".

         Assim, como bem notado por Rui, em diversas manifestações, o verdadeiro patriotismo não se deve reduzir a uma simples emoção sentimental, nem ser confundido com o nacionalismo. Ao contrário, como todo amor autêntico, deve exprimir-se em obras, principalmente no cumprimento dos deveres cívicos e na solidariedade com os compatriotas.

          
     

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O Devido Processo Legal

     Claudia de Lima Marques ao prefaciar o livro de Ricardo Luis Lorenzetti (Teoria da Decisão Judicial, 2ª edição revista, Revista dos Tribunais) anotara que: "A experiência jurídica não se esgota na lei. Cada vez mais, a exata apreensão sobre o que é o direito depende de uma profunda compreensão da jusrisprudência (...) e da doutrina (...), representativa da elaboração científica daquilo que é jurídico. No cerne do problema está o modo como se dá a decisão jurídica. Ou seja, como se realiza a decisão sobre o que é ou sobre o que deverá se tornar direito, tarefa esta que respeita não apenas ao juiz, mas também ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo.". 

     Anotara, ainda, que: "Sempre renovador, o autor inicialmente destaca as tensões que se produzem em face do apego excessivo à justiça formal, ou seja, tal qual se apresenta a partir da lei, e a justiça material, entendida como as exigências de solução adequada do caso concreto.".

     Gregório Robles (O Direito como Texto, Manole, 2005, p. 3), ao referir-se às decisões judiciais, com ênfase na teoria comunicacional do direito, anotara que: "Os atos de fala capazes de gerar texto novo são as decisões jurídicas. O direito se produz pela força da decisão. Sem decisão não há norma nem instituição, não há vida jurídica. Portanto, a decisão, frequentemente menosprezada pela teoria do direito, deve ocupar o lugar que lhe cabe: nada menos que o de criar o texto jurídico. A decisão é o elemento dinâmico do direito.".

     Giorgio Agamben (Estado de Exceção, Boitempo, 2004, p. 61/63), expressara que: "O conceito de aplicação é certamente uma das categorias mais problemáticas da teoria jurídica, e não apenas dela. A questão  foi mal colocada devido à referência à doutrina kantiana do juízo enquanto faculdade de pensar o particular como contido no geral. A aplicação de uma norma seria, assim, um caso de juízo determinante, em que o geral (a regra) é dado e trata-se de lhe subsumir o caso particular (no juízo reflexivo) , em contrapartida, o particular é dado e trata-se de encontrar a regra geral). Ainda que Kant estivesse, de fato, perfeitamente consciente do caráter aporético do problema e da dificuldade de decidir concretamente entre os dois tipos de juízo (sua doutrina do exemplo como caso de uma regra não é possível enunciar é a prova disso), o equívoco, a qui, é que a relação entre caso e norma apresenta-se como uma operação meramente lógica.
     Mais uma vez, a analogia com a linguagem é esclarecedora: na relação entre o geral e o particular (mais ainda no caso da aplicação de uma norma jurídica) não está em questão apenas uma subsunção lógica, mas antes de tudo a passagem de uma proposição geral dotada de um referente puramente virtual à referência concreta a um segmento de realidade (isto é, nada menos que o problema da relação atual entre linguagem e mundo). Essa passagem da langue à parole, ou do semiótico ao semântico, não é de modo algum uma operação lógica, mas implica sempre uma atividade prática, ou seja, a assunção da langue por parte de um ou de vários sujeitos falantes e a aplicação do dispositivo complexo que Benveniste definiu como função enunciativa e que, com frequência, os lógicos tendem a subestimar. No caso da norma jurídica, a referência ao caso concreto supõe um 'processo' que envolve sempre uma pluralidade de sujeitos e culmina, em última instância, na emissão de uma sentença, ou seja, de um enunciado cuja referência operativa à realidade é garantida pelos poderes institucionais.
      Uma colocação correta do problema da aplicação exige, portanto, que ela seja preliminarmente transferida do âmbito lógico para o âmbito da práxis. Como mostrou Gadamer (1960, p. 360, 395), não só toda interpretação linguística é sempre, na realidade, uma aplicação que exige uma operação eficaz (que a tradição da hermenêutica teológica resumiu na fórmula colocada em epígrafe por Johann A. Bengel em sua edição do Novo Testamento: te totum applica ad textum, rem totam applica ad te);mas, no caso do direito, é perfeitamente evidente - e Schmitt estava em situação privilegiada ao teorizar tal evidência - que a aplicação de uma norma não está de modo algum contida nela e nem pode ser dela deduzida, pois, de outro modo, não haveria necessidade de se criar o imponente edifício do direito processual. Como entre a linguagem e o mundo, também entre a norma e sua aplicação não há nenhuma relação interna que permita fazer decorrer diretamente uma da outra.".

     Assim, diante dessas abordagens, clara está a implicação entre o direito material (a coisa) o direito processual (o como se dá a coisa), a linguagem (como veículo de expressão das idéias que se tem da coisa e da forma como se dá a coisa a alguém por direito).e a sentença ou decisão. Eis, então, o que se pode dizer :devido processo legal, que é entregar a coisa devida na forma devida. 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Origem da Palavra Lei

     Na atividade pública e privada, consagrou-se o uso da palavra lei para significar aquilo que é objeto da regra ou norma jurídica. Talvez seja por isso a comum confusão que se faz entre direito, lei e justiça. Bem pensado, quase tudo o que se tem escrito como se fosse do Direito, na realidade está a se referir à norma ou regra jurídica.

   Até onde as pesquisas avançaram, constatou-se que: a) na bíblia, para quem esse livro tem alguma referência, a palavra 'lei', nas Escrituras Hebraicas, é principalmente uma tradução da palavra hebraica tohráh, aparentada com o verbo ya-ráh, que significa 'dirigir, ensinar, instruir'. Em alguns casos é traduzida do termo aramaico dath. Outras palavras traduzidas por 'lei', na versão Almeida são mish-pát (decisão judicial, julgamento) e mits-wáh (mandamento). Nas Escrituras Gregas, a palavra nó-mos, do verbo né-mo (repartir, distribuir), é traduzida por 'lei'; b) ainda que a etimologia seja incerta, a mais aceita atualmente faz derivar o termo do sânscrito 'lagh', que originou o verbo grego 'légein' e a conhecida para a latina 'lex', sugerindo, por outro lado, a ideia de estabelecer, tornar estável, permanente. Todavia, em Cícero (De Legitus, I, 6, 19), 'Lex' deriva do verbo 'legere' ou 'deligere', porque a lei indicaria o melhor caminho a ser trilhado pelo cidadão (conceito político). O próprio Cícero, contudo, ensina que 'Lex' poderia derivar, também, de 'legere', ler (lex e legendo), pelo fato de as leis serem escritas e dadas ao povo para leitura e conhecimento. Santo Isidoro adota esta etimologia, contrapondo, assim a lei ao costume, este uma lei não escrita. Santo Agostinho fica com a primeira hipótese. Outra etimologia bem aceita é a que faz 'lex' derivar de 'ligare' (ligar, unir, obrigar), porque é próprio da lei unir a vontade a uma diretriz, obrigando-a a tomar determinada direção, a qual foi eleito por Santo Tomás de Aquivo (Dicitud emim lex a ligando, quia obligat ad argendum). 

     J. Cabral de Moncada (Filosofia do Direito e do Estado, 2ª edição, Coimbra Editora, p. 283), para outro domínio, que não o religioso, escreveu: "Como escrevia Mill, a respeito de Comte: <nada conhecemos para lá dos fenómenos, e o próprio conhecimento que destes temos é relativo e não absoluto. Não conhecemos nem a essência nem o modo de produção de nenhum facto; conhecemos somente as relações de sucessão e semelhança de uns factos com outros. Essas relações são constantes, sempre idênticas nas mesmas circunstâncias. Tais semelhanças constantes, que ligam os fenômenos entre si, bem como as sucessões invariáveis que os encadeiam em séries, a título de antecedentes e consequentes, eis ao que se dá o nome de leis. É tudo o que sabemos deles. A sua essência, porém, bem como as suas causas últimas, quer eficientes, quer finais, são-nos desconhecidas e permanecer-nos-ão para sempre impenetráveis>".

     Sendo assim, este texto pretendeu ser apenas uma contribuição para a compreensão sobre a trajetória percorrida até a atual ideia de lei. É que segundo Heráclito (frag. 112), "O pensar é a maior virtude, e consiste a sabedoria em dizer a verdade e, escutando a natureza, obrar segundo ela." e Pontes de Miranda ensina que: "A humanidade não se realiza em Roma, nem em Berlim, nem em Londres, nem em Paris, - mas no Homem." e que "A ciência do direito não é somente ciência empírica da civilização, não se serve apenas do método histórico, e não tem por única preocupação os valores jurídicos; é também ciência da natureza, que estuda realidades psico-físicas, forças sociais, processos biológicos da vida em comum. Continua a biologia, como todas as ciências sociais.".

     

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Pelo viés da Ilustração

     Uma forma para entender o Direito, que funciona, ocorre pela metáfora, que é o uso de uma palavra, expressão ou ideia em sentido diferente do próprio, por analogia ou semelhança. Assim, quem poderá ajudar? O poeta, o astrônomo ou o confeiteiro? Vamos lá:

01. "Amor é fogo que arde sem se ver". (Camões). O termo fogo mantém seu sentido próprio - desenvolvimento simultâneo de calor e luz, que é produto da combustão de materiais inflamáveis, como, por exemplo, o carvão - e possui sentidos figurados - fervor, paixão, excitação, sofrimento, etc.

02. No sistema solar, o Sol exerce influência sobre os demais astros e estes, influenciados, exercerão, igualmente, influência sobre o Sol. Basta supor que um planeta deixasse de existir e certamente o Sol ressentiria essa ausência.

03. Na confecção de um bolo de boa qualidade são necessários, além da habilidade do confeiteiro, ingredientes, também, de boa qualidade (trigo, sal, açúcar, ovos, manteiga, fermento, calor adequado, etc.). Se um desses ingredientes estiver corrompido, a qualidade do bolo terá sido afetada.

04. No caso do Direito, que também tem seus 'ingredientes' (Norma Jurídica, Justiça, Paz, Ordem, Certeza, Segurança, Liberdade, Equidade, etc.), se um ou alguns desses 'ingredientes' estiver corrompido, a qualidade do Direito pode estar comprometida, porque a ideia Direito implica várias outras. A norma ou regra escrita ou não (a fila, por exemplo), que estabelece critérios, deve ser necessária, útil, proporcional, adequada e isso é verificável em si mesma, independente do Direito. Caso essas qualidades estiveram corrompidas ou ausentes, o Direito sofrerá o impacto e a norma será inconstitucional., assim considerando a norma como conjunto (desde a maior até a menor).

05. Pois bem: a) Kelsen, na terceira idade, retificou, em parte, seu pensamento, acolhendo as teses neo-Kantianas, de H. Vaihinger, principalmente a que define as categorias como expedientes para a formulação rigorosa do discurso. Nesse sentido passou e entender a 'norma fundamental', fundamento último do direito positivo, como ficção e não como hipótese, como até então fora entendida; b) Kant, na consideração dos mundos do ser e dever ser, um contraposto ao outro, ou seja: o mundo dos fins, do valioso, e portanto da vontade, que entre os dois não há ponte de passagem; c) Hegel, todavia, buscou, pela dialética, unir e a identificar o ideal e a realidade, incluída a história, donde ter dito "Todo o racional é real, e tudo o que é real é racional"; c) e Aristóteles, na Metafísica, seguindo o princípio holístico, que " O todo é maior do que a simples soma das partes.". 

Logo, diante dessa sequência de raciocínio, dialeticamente considerado, se pode inferir, com segurança, que a norma fundamental ou grande norma kelseniana é o Direito.




terça-feira, 27 de agosto de 2013

O Falso conflito entre o Direito e a Lei

     Não pode haver conflito entre o Direito e a Lei por uma impossibilidade lógica. É que o conceito de Direito reina absoluto, não admite oposição. Não pode haver conflito onde não possa haver comparação. Talvez, a confusão reine em decorrência de se tratar Direito e Lei  como se sinônimos fossem. Entretanto, o Direito supõe o a Lei (norma, regra, melhor diríamos). Essa ideia ou conceito, é daquelas poucas, como, por exemplo, a é de Pai. Alguém poderia argumentar que pai tem seu oposto que seria mãe. Entretanto, isso não procede por mãe não ser posto de pai. Mãe é complemento de pai. Explica-se: a mãe unida ao pai leva à geração do filho. Outro poderia argumentar: filho é oposto de pai. Igualmente não procede porque o filho é uma derivação do pai e da mãe. Por outro lado, filho é sempre filho de pai e pai sempre será filho de alguém e filho sempre poderá ser pai de alguém. Para que possa haver conflito ou oposição é necessário que se possa fazer comparação. Entre Direito e norma não pode haver comparação porque o Direito implica a norma. Alguém, ainda, poderia argumentar dizendo: o fogo é oposto a água, ao que diríamos não, por ser impossível a comparação. É que o fogo possui características diferentes da água. O fogo, possui como características o calor e a expansão; enquanto a água possui características como o frio e a retração. Logo, não há como fazer comparação entre ambos. Entre esses conceitos todos há compatibilidade, não conflito ou oposição. É sabido, em lógica, que duas proposições são compatíveis quando podem ser simultaneamente verdadeiras. Por exemplo: Se "há números pares" e "há números impares"  são compatíveis; porém, se "todos os números são pares" e "nenhum número é par" são incompatíveis.

     Já advertido, em 1901, quando surgiu a "teoria do abuso do direito", sustentada por Porcherot (L´abus de Droit), definindo-o como o uso do direito dentro dos limites legais, entretanto, desviado de sua finalidade, sem levar em conta a critica de Planiol, condenando a nova teoria que em uma linguagem insuficientemente estudada, vinha ganhando adeptos, quando, a sua "fórmula, uso abusivo dos direitos, constitui uma logomaquia, porque, se exerço o próprio direito, o ato é lícito", e, sendo lícito, não pode ser abusivo, que supõe inexistência de direito. É preciso, advertiu, ainda, "não nos deixar ser enganado pelas palavras: o direito cessa onde o abuso começa, não podendo haver uso abusivo do direito pela razão irrefutável de um só e mesmo ato não poder ser, ao mesmo tempo, conforme o direito e contrário ao direito". Cada ato, cada obra, conforme o setor a que pertença, tem forma própria de justificação. O direito não foge a essa regra. Logo, se há abuso, aí já não há Direito.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

DIREITO, CULTURA E HERMENÊUTICA

     Em Paulo Dourado de Gusmão (Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 116/7), o tema está apresentado assim: "Entendido o Direito como pertencendo ao reino da Cultura, não é passível de explicação, própria do reino da Natureza. Dilthey, com razão, disse compreendermos as obras do espírito, enquanto explicamos a Natureza. Não explicamos uma sinfonia, um poema, mas os compreendemos, da mesma forma que compreendemos pelo sentido nelas oculto. Conhecimento pelo sentido oculto no objeto cultural denomina-se compreensão, que o jurista chama de interpretação.

     Mas, várias formas têm sido dada à compreensão desde que Dilthey a idealizou. Deve-se a Spranger, a nosso ver, as melhores reflexões a respeito desse modo de recriar espiritualmente o objeto cultural.

     Para nós, compreensão consiste em apreender o que se encontre por trás da aparência ou da exteriorização de sentidos em variadas formas de expressão cultural (comunicação verbal, lei, obra de arte, poema, romance, obra cinematográfica, etc.). No Direito, como fenômeno cultural, como objeto cultural que é, não cabe a explicação, mas a compreensão, ou seja, a interpretação. Mesmo quando o Juiz ou o advogado tentam explicar uma conduta, por exemplo um crime, para absolver ou condenar o acusado, não a explicam como fenômeno natural, mas como conduta carregada de sentido: no sentido agarra-se, com todos os seus argumentos jurídicos, o advogado para absolver ou reduzir a pena, da mesma forma o Promotor, para condenar, e o Juiz, para dosar a pena, quando cabível a condenação, ou, caso contrário, quando for o caso. Compreender pelo sentido, para o advogado, é justificar, enquanto para o Promotor, para condenar, e para o Juiz, admitir o dolo ou a culpa. Ambas não são explicações no sentido próprio, mas formas de compreensão, bem próximas da "compreensão genética" de Jasper. Não se conclua daí a impossibilidade de ao Direito aplicar-se a explicação, por ser cabível quando considerado como fato social, estudado nesse caso com o método sociológico, inclusive estatisticamente.". Daí decorre a disciplina acadêmica hermenêutica.

sábado, 30 de março de 2013

Como Aprender Direito é um livro que se destina a auxiliar o estudante a entender, compreender e refletir sobre os conteúdos ministrados pelos professores ou conferidos nas fontes bibliográficas orientadas.

Como saber o que fazer é simples, basta seguir os passos sugeridos. Para tanto apresentamos aos estudantes as questões reputadas fundamentais.

O livro servirá como texto básico ou um guia voltado especialmente para a questão da metodologia, lógica, argumentação e comunicação jurídicas, etc.

O primeiro fato que se deve ter em mente, para entender, compreender e refletir sobre um texto determinado, vem sintetizado na seguinte afirmação: "Estudar Literatura, ou ensiná-la, é apenas estudar ou ensinar a ler. Mas, ler é uma técnica e uma arte, é um anelo dramático e doloroso dos que mais nobilitam o homem" (Fidelino de Figueiredo - Ultimas Aventuras, Rio de Janeiro, A Noite, s/d, p. 194).

No homem - enquanto as mãos trabalham e os sentidos recebem e assimilam a realidade circundante - a mente reflete, forja imagens verbais e arquiva palavras.

Vida e palavra, pensamento e palavra são inseparáveis.

Pensar e saber é querer dizer e poder dizer, conforme pontua Fidelino de Figueiredo.

(Disponível na Internet em Clube dos Autores).