domingo, 26 de junho de 2016

O homem. Quem é ele?

     Battista Mondin buscou explorar essa questão em Elementos de Antropologia Filosófica: "O homem. Quem é ele? Esta é a grande, a máxima interrogativa, a interrogativa das interrogativas. São infinitos os quesitos que se juntam em nossa mente; muitos roçam problemas de grande interesse, mas nenhuma questão a precede em ordem de importância, urgência e gravidade. Com efeito, a interrogativa "O homem, quem é ele?" não se refere a qualquer fato, coisa, pessoa estranha ou afastada de nós, mas toca diretamente a nós mesmos, a todo nosso ser, a nossa origem e nosso destino. Frente a tantas outras interrogações, poderemos ficar indiferentes e deixar que outros se preocupem em achar a resposta conveniente. Ante a pergunta "O homem, quem é ele?" não podemos adotar uma atitude de indiferença ou superficialidade, posto que o encaminhamento de nossa vida depende desta solução, seja individual seja social, bem como nossa conduta, nossas relações com outrem e com o mundo. "O homem, quem é ele?" constitui, por conseguinte, um problema importantíssimo, mas, infelizmente, também um problema muito difícil, dada a enorme complexidade de nosso ser, o nosso grande dinamismo, as fortes e elevadas aspirações, as múltiplas expressões do bem e do mal, do ódio e do amor, da generosidade e da perversidade, do progresso e do retrocesso de que somos capazes. Que a questão do homem seja um problema difícil, atesta-o claramente a história: realmente o homem tem sido objeto de pesquisa e de estudo, desde os primórdios da filosofia grega. A questão que importava a Sócrates precipuamente era: "Conhece-te a ti mesmo". Todos os grandes filósofos da Antiguidade (Platão e Aristóteles), da Idade Média (Santo Agostinho e Santo Tomás) e da época moderna (Descartes, Kant, Hegel, Marx, Heidegger) estudaram-na com paixão. Contudo, nenhuma de suas mais brilhantes soluções satisfaz-nos plenamente. A questão, pois, torna a apresentar-se e a impor-se com reiterada urgência. É uma questão que, como se viu, não podemos nem evitar, nem contornar, nem passar aos outros. Devemos enfrentá-la, pois, com empenho e até com humildade, sem a pretensão de obter resultados portentosos sobre um argumento em que as mentes mais geniais, nem de perto, balbuciaram miseravelmente. Procederemos com bastante prudência, submetendo a uma análise atenta, ampla, possivelmente completa todas as manifestações (fenômenos) mais significativos do ser humano: desde a corporeidade à vida, do conhecimento à liberdade, da cultura à linguagem, da sociabilidade à arte, da técnica até a religião. Exploraremos o ser do homem de todos os prismas principais para entrever, se é possível, de que coisa se trata, ou melhor, o que eles sejam efetivamente. Somente após uma vasta fenomenologia da aparência (dos fenômenos) ousaremos tentar compreender e explicar o que eles sejam no seu ser mais profundo e no seu destino último. Fá-lo-emos com a esperança de chegar a uma solução satisfatória, embora não perfeitamente adequada, sendo o homem um mistério muito grande para o próprio homem.". 
     A sequência dessa pesquisa deve passar também pelos trabalhos de Pierre Teilhard de Chardin (O Fenômeno Humano), Ralph Linton (O Homem), Fustel de Coulanges (A Cidade Antiga) e Emílio Mira y López (Manual de Psicologia Jurídica). É que quem vai passar a vida com a pretensão de dirigir e encaminhar homens nas escolhas das próprias ações deve ter uma plataforma sólida de conhecimentos adequados para que essa tarefa seja a mais sólida possível. Nosso estudo deve ir além da superficialidade e buscar a profundidade. Assim é que aos profissionais do Direito é lícito a máxima: "A quem muito foi dado, muito será cobrado" (LC 12,48). A eles há uma responsabilidade enorme porque receberam ou optaram por uma missão de contribuir para a construção da nação em favor do povo que nela vive. É chegada a hora de semear boas sementes (ideias) para colher frutos bons. E sem preparo adequado essa tarefa se torna impossível, no máximo seguirá a repetição do que aí está: o discurso sem a ação transformadora.

domingo, 19 de junho de 2016

A Teoria do erro na construção da aprendizagem

     É possível sustentar que a construção do conhecimento ocorre considerando a presença do chamado erro. Caso ilustrativo é de Thomas Alva Edison (1847-1931), que ao trabalhar com a construção da lâmpada incandescente, relata a literatura especializada, que teria realizado mais de 400 tentativas, ao que um dos ajudantes teria sugerido a desistência, ao que respondera: não! Agora já sabemos mais de 400 modos como não dá certo, estamos bem próximo de chegar a um resultado positivo. Nessa linha, escrevera Emanuelle Oliveira: "Para compreendermos como acontece a aprendizagem é preciso direcionar a ação educativa na direção de conhecimentos teóricos aprofundados. Para isso é necessário haver estudos teóricos que possam direcionar o professor ao conhecimento dos mecanismos de aprendizagem. Muitas vezes o professor não é capaz de descrever com exatidão a teoria que o orienta, todavia, as suas ações podem mostrar, evidenciar essa teoria. Já que, seu conceito de aprendizagem e seu posicionamento teórico estão presentes na forma como ele traça os objetivos e as técnicas que irá utilizar na sua ação didática. Os estudos mostram que existem duas grandes linhas da teoria da aprendizagem, a comportamental que entendem a aprendizagem como uma de mudança do comportamento através de estímulos e respostas e a cognitiva que percebem a aprendizagem como algo capaz de modificar conceitos, percepções e padrões de pensamento através de uma organização interior. Temos alguns especialistas que contribuíram para o desenvolvimento da pedagogia e suas teorias: l) Skinner: acredita na modelagem do comportamento, no condicionamento operante e na influência do meio-ambiente no comportamento. Valoriza o acúmulo de conhecimentos e de práticas sociais. O educando é um ser passivo e receptor de informações e o educador um controlador da aprendizagem; 2) Freinet: a criança constrói através do fazer e refazer das atividades, sendo a educação a serviço da causa social. A aprendizagem é feita através da ação experimental e da valorização do erro e do acerto. O educando assume o papel de pesquisador e autônomo na construção de seu conhecimento. Já o educador é um estimulador de transformações sociais e educacionais; 3) Bruner: relaciona a aprendizagem às situações já vivenciadas, ressaltando a importância do pensamento intuitivo. Existe o cultivo de uma excelência do produto da aprendizagem. O educando é um participante ativo na busca do desenvolvimento intelectual e o educador incentivador da aprendizagem; 4) Vygotsky: há uma relação entre pensamento e linguagem, estimulando a consciência crítica e o respeito as potencialidades. O aluno é visto como sujeito da aprendizagem e o centro do processo, sendo o educador o responsável pela compreensão desse processo; 5) Piaget: sua teoria é baseada na pesquisa da evolução mental da criança e nas fases evolutivas da aquisição de conhecimentos. O processo educacional pode se dar através da vivência concreta e dos jogos. O educando é agente da aprendizagem e o professor o organizador das situações; 6) Paulo Freire: acredita que deve haver o compartilhar do saber através de um processo de mútua troca do saber. O educador deve conduzir o aluno na percepção da leitura do mundo que o cerca, pois ó é possível conquistar o saber se aprendermos a analisar o mundo em que vivemos.". Todas as teorias, que são inúmeras - aqui apenas foram relacionadas de seis educadores - comportam intercâmbio. Ainda há que se considerar o projeto pedagógico da instituição de ensino. Um educador que também merece estudo aprofundado é Rousseau com o seu Emílio. Para que a prática ensino/aprendizagem aconteça como esperado, as variáveis são inúmeras. O importante é desenvolver uma prática responsável para atingir o objetivo traçado. Em Direito, por exemplo, há que se considerar a construção do conhecimento levando em conta a hermenêutica.

domingo, 12 de junho de 2016

Avaliação: um processo dinâmico

     Sob esse título escreveram, Iny Salete Chudzikiewicz e Niura Bicalho Barroso, valiosa contribuição: "Na prática, a avaliação da aprendizagem acadêmica pouco tem tido a ver com avaliação qualitativa. Na verdade tem muito a ver com provas, exames, trabalhos que verificam o nível do desempenho do educando em determinado conteúdo algumas vezes descontextualizados. Verificar o rendimento escolar do aluno deve ser estabelecido com vistas às características de cada disciplina observando as variáveis individuais e os instrumentos de coletas das informações são essenciais para a qualidade técnica da avaliação. Avaliar não é concluir, mas um espaço para reticências e reflexões. Refletir sobre como avaliar é propósito deste trabalho, cujo objetivo é deixar claro que cada indivíduo tem seu ritmo de aprendizagem. Segundo a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, a atual exigência que se impõe aos sistemas de ensino é que seja efetuado um processo avaliativo, contínuo, qualitativo e mediador.
     O ponto de partida para uma avaliação de qualidade é a reflexão sobre o quanto deverá estar voltada para o crescimento do educando. Para isso é preciso fazer uma distinção entre julgamento e avaliação, no sentido de que o julgamento define situações (do ponto de vista do que é certo ou errado); a avaliação acolhe alguma coisa, ato, pessoa ou situação, caracterizando diagnóstico e tomada de decisões para a transformação e melhoria de um processo de aprendizagem. Para que o equilíbrio ocorra entre diagnóstico e decisões, é necessário definir um projeto pedagógico que adira a uma referência evocativa e, mais que prescritiva, explore e enfoque questões que tenham peculiar interesse na diversidade, mais que na homogeneidade, além de incluir o tema da avaliação no processo de capacitação dos profissionais da Educação, pois o fator mais sensível da política científica são os Professores. A meta primordial da Educação deveria ser a de transformá-los em pesquisadores, de sorte que, via pesquisa, possam dar aulas, demonstrando o que praticam. Assim, para possíveis aplicações das teorias sobre avaliação, é de suma importância refletir que avaliar é mais que uma técnica, pois decorre de uma atitude política e ética. Nesse sentido, nosso embasamento teórico tem derivado daqueles autores que são amantes do livre intercâmbio dos pontos de vista, da liberdade, otimistas quanto à sua realização social. [...]. O assunto, avaliação, não é tarefa fácil tendo em vista de que há um sem número de trabalhos a esse respeito. [...].". E Elas concluem: "O propósito da avaliação é saber o resultado da caminhada desenvolvida durante determinado período no processo de aprendizagem. É saber aonde o aluno chegou e ajudá-lo a percorrer as etapas do conhecimento, permitindo que se instale uma realidade moderna na forma de ensinar e aprender, fazendo que nossa função de ensinar e também de aprender seja aplicada através de estratégias que promovam o rendimento, a ampliação significativa do horizonte em todas as áreas, de valores éticos, ambientais, de direitos humanos, da educação para a paz e para a saúde - objetivos fundamentais da Educação, ferramentas para uma educação participativa e qualitativa. A relação que o professor estabelece com seus alunos acaba também por definir a dinâmica da ação docente desde os planos de ensino, a escolha da metodologia e os materiais instrucionais até a disciplina em sala de aula e as avaliações dos resultados. Planejar e entender o processo evolutivo da humanidade, portanto, da Educação no Brasil e no mundo é fundamental para uma Educação de qualidade. Educar deve ser sempre um ato de amor, no sentido mais amplo da palavra. E avaliar, um ato consciente, indica caminhos, mas também aporta dúvidas, acima de tudo deve ser um incessante recomeçar e partir.". Pois bem, no texto, as autoras, implicitamente, abordam a distinção entre Educar e Ensinar. Ensinar não transforma. Aqui não há crescimento, prestigia-se, basicamente, a retenção pela memória. No máximo, para aquele aluno talentoso, o resultado será o de conseguir repetir ou até chegar onde o professor chegou. Na Educação há crescimento; há transformação. Aqui, o educando, pela via da reflexão crítica, ultrapassará a herança recebida e alçará altos voos. E aqui há transformação também do professor. Aqui, professor e alunos compartilham e crescem.

domingo, 5 de junho de 2016

O Contexto Cultural na Formação do Sentido Perceptivo


     “Do ponto de vista da percepção, vemos a invariância do sentido perceptivo em face da mutabilidade dos elementos mais simples representados por subsentidos ou impressões sensíveis. No plano do ato perceptivo, que nos leva a uma intuição direta do objeto, não há uma decomposição do objeto e também não há referência a algo que não seja ele mesmo. Assim, não há, nesse plano, explicitação consciente de sensações isoladas, apercepção de agregados ou associação de sensações ou evocação atenta de elementos da memória, pois nada disso encontramos na intuição perceptiva direta (O papel da memória na percepção foi muito acentuado na psicologia clássica. No entanto, trata-se precisamente de destacar o critério pelo qual se seleciona a lembrança, visto ela não ter por si só a propriedade de se evocar adequadamente para compor um objeto da percepção). Ver uma conduta é ter diante de si formas físicas do corpo; movimentos singulares ou gestuais; características sensíveis do revestimento do corpo e matizes; objetos sobre o qual atua; entorno material; fundo especial; duração; mas, é preciso que se note com ênfase, a conduta não é só isso. Não digo que vejo somente formas, movimentos, fundo, cores, espaço, tempo, ambiente, mas sim, e principalmente, um processo integrado como conjunto indissociável, um fato, um evento – a conduta como unidade cultural, como objeto estrutural de sentido -, ao qual aqueles elementos pertencem ou cuja composição integram organicamente. E mais, a conduta, para ser efetivamente uma conduta e não um mero reflexo, faz referência à instância da finalidade para a qual ela se dispõe como conduta. Ela sempre se inclui em um todo cultural. Por isso, não vejo o ato ou a atividade em si mesma, senão em um horizonte e em um contexto, mesmo por suposição ou expectativa, nos quais os fatores de envolvimento cultural e valores dessa conduta lhe dão igualmente a base para o sentido perceptivo. O ambiente contextual e cultural da conduta faz parte do seu sentido. Por isso, seria ridícula ou estranha a conduta de estar em trajes de banho em um velório! Ou a de uma pessoa cozinhando com um chique chapéu de casamento! Ou a da pessoa estar carregando um guarda-chuva aberto dentro de casa! A tendência não é percebê-la com naturalidade ou apenas como natureza física. Por isso, haveria inevitavelmente sua tematização mediante a indagação (já não mais de natureza puramente sensitiva) do porquê de tal conduta estar ocorrendo. Perceber e compreender o sentido de uma conduta é imergi-la em um contexto cultural. [...]”.Pontua Alaôr Caffé Alves e foi assim que o STF decidiu: “Gerald Thomas consegue arquivar processo por atentado ao pudor.
O Supremo Tribunal Federal concedeu, nesta terça-feira (17/8), Habeas Corpus ao diretor teatral Gerald Thomas e determinou o imediato trancamento da ação penal proposta contra ele no Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro. Thomas foi acusado de praticar ato obsceno, previsto no artigo 233 do Código Penal.
A denúncia foi feita depois de o diretor abaixar as calças, mostrar as nádegas para a platéia e simular ato de masturbação ao reagir a vaias durante a montagem da ópera Tristão e Isolda, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 2003.
A decisão foi apertada -- houve empate no julgamento. O ministro Carlos Velloso, relator, e a ministra Ellen Gracie negaram o pedido, enquanto os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram a favor de Thomas.
O presidente da Turma, Celso de Mello, agiu de acordo com o Regimento Interno do STF que determina, no parágrafo 3º, do artigo 150 que, em casos de empate no julgamento de HC, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente.
O ministro Joaquim Barbosa considerou que não teria condições de votar porque não assistiu à sessão em que foi lido o relatório do caso.
Um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu o julgamento em maio deste ano, depois de o ministro Carlos Velloso indeferir o pedido.
Ele considerou que a conduta atribuída a Gerald Thomas se ajustaria ao tipo inscrito do artigo 233 do Código Penal e que, para a configuração do crime, não é necessária a intenção específica de ofender o pudor público.
Liberdade de expressão
No julgamento, o ministro Gilmar Mendes abriu dissidência. Disse que, no caso, apesar de a manifestação do diretor teatral ter sido deseducada e de mau gosto, tudo não passou de um protesto grosseiro contra o público.
Segundo o ministro, quando simulou a masturbação, Gerald Thomas não estava pretendendo mostrar qualquer prazer sexual, mas que as vaias não lhe atingiam.
Segundo Gilmar Mendes, o contexto em que se verificou o fato não pode ser esquecido, pois tratava-se de um momento seguinte a uma apresentação teatral, depois de uma manifestação desfavorável do público, às duas horas da manhã.
"Difícil admitir, neste contexto, que a conduta do paciente tivesse atingido o pudor do público. Um exame objetivo da querela há de indicar que a discussão está integralmente inserida no contexto da liberdade de expressão, ainda que inadequada ou deseducada", disse.
De acordo com o STF, o ministro salientou que a sociedade moderna dispõe de mecanismos próprios e adequados a esse tipo de situação, como a própria crítica, "prescindindo-se do eventual enquadramento penal".
Já a ministra Ellen Gracie qualificou a conduta do diretor como “pouco edificante e esteticamente questionável", e que ele demonstrou desprezo pela opinião do público. "Figuras bem mais qualificadas, como Victor Hugo, adotaram postura de humildade diante daqueles que não compreenderam na época as inovações introduzidas nas suas criações".
Último a votar, o ministro Celso de Mello questionou se poderia se revestir como obsceno "um ato praticado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, às duas horas da manhã, perante um público culto e sofisticado".
Segundo ele, o conceito de obscenidade é variável no tempo e no espaço e, tendo em vista o contexto em que a conduta ocorreu, "tenderia a reconhecer que foi muito mais uma expressão, ainda que grosseira, mas de sua própria liberdade de manifestação e reação às vaias".
Ainda de acordo com Celso de Mello, quando a doutrina discute a questão de obscenidade para efeito de configuração no artigo 233 do Código Penal, o ato obsceno real ou simulado deve ter uma conotação sexual, transgredindo o sentimento de decência da coletividade.
"Isso ofenderia o pudor de coletividades interioranas em nosso país, em determinadas regiões, mas não me parece que na cidade do Rio de Janeiro, antiga capital federal, centro culturalmente evoluído, esse ato possa ser reconhecido como impregnado de obscenidade", finalizou. HC 83.996, Min. Gilmar Mendes.”.
“Ao perceber um comportamento, por exemplo, de comprar uma arma, não percebemos preliminarmente, em um processo ativo de compreensão, as qualidades sensíveis desse comportamento pelas impressões inarticuladas dos sense-data (=dados dos sentidos), mas também que o objeto adquirido é ofensivo para a vida humana ou animal; que a entrega da coisa se efetiva em uma loja e que, por isso, não será normalmente adquirida por doação, e sim por compra; que o vendedor faz a nota e lança um preço, fazendo-nos perceber a arma como mercadoria; que há um entendimento entre vendedor e comprador constitutivo de um negócio; que a arma está sendo adquirida com um propósito etc. Se uma criança de cinco anos percebe o mesmo fato, é quase impossível ela ter essa mesma percepção, embora as impressões (sense-data) dos sentidos não variem substancialmente entre nós. Por outro lado, seria bem incompreensível que víssemos uma criança de cinco anos, em uma loja, examinando com um balconista uma arma de fogo e tivéssemos o sentido perceptivo de ser um comportamento de compra e venda. Isso seria bem diferente se víssemos, em vez da arma, um saco de guloseimas. Note-se ser praticamente impossível separar a dimensão pragmática do objeto em relação à sua figuração percebida como sentido perceptivo; o contexto cultural está presente. A arma cumpre uma função defensiva ou ofensiva à vida que não pode deixar de ser instantaneamente percebida no objeto na medida em que nossa cultura permita ter a experiência desse objeto. Essa compreensão não existiria em um índio primitivo que não estivesse em contato com a civilização do branco. Há, é certo, um nível de indeterminação que pode nos confundir no ato de percepção: se a pessoa estivesse comprando uma faca, não saberíamos por certo, se não tivéssemos experiência antecedentes sobre ela, de suas intenções recônditas: se é para cortar algo (utilidade inocente) ou para matar alguém (arma). Claro que, se a compra fosse de um revólver, as intenções poderiam ser mais explícitas quer para a defesa quer para o crime. Um silvícola não aculturado, como dissemos, pode não perceber imediatamente um revólver como uma arma, por esta lhe ser estranha culturalmente.Isso significa que o objeto percebido não é o real em si mesmo, mas é precisamente o sentido perceptivo, aquele sentido que ao qual também fazemos referência com a estrutura linguística disponível em situações determinadas. Por essa senda, vê-se também que, nos atos perceptivos, não percebemos a coisa em si, neutra, independente de sua organização de sentido, em determinados níveis históricos e culturais da práxis social. Nesse sentido, vemos com muita clareza a impossibilidade da separação entre sujeito e objeto, mesmo na escala mais concreta de nossa experiência vital, representada pelo contato empírico-sensorial com os seres e processos do mundo.” Conclui o autor.