domingo, 19 de fevereiro de 2017

As vantagens da função de Professor


     "[...] é impossível admitir hoje uma atividade qualquer sem aplicação da inteligência e do estudo." (Dalla Nora).
     "O trabalho do professor não se resume em transmitir conhecimentos." (Lourenço Filho).
     Assim é que Arthur Gilbert Highet, que nasceu na Escócia, em 1906, fez estudos de letras clássicas na Universidade de Glasgow e na de Oxford. Nesta ultima, passou a ensinar latim e grego, para logo dedicar-se também a pesquisas de literatura comparada. Ano ano de 1938, foi chamado a ensinar na Universidade de Columbia, em Nova York, viajando depois em missão cultural por vários pontos dos Estado Unidos e do Canadá. De 1943 a 1946, serviu no Exército Britânico. Depois, foi professor da Universidade de Columbia, em Nova York. Publicou numerosos estudos de literatura comparada, e poemas. Verteu para o Inglês a famosa obra "Paideia", do filósofo alemão Jaeger. Depois de vinte anos de ensino, dispôs-se a relatar a sua experiência no assunto, fazendo-o através de uma forte consciência humanística, em que salienta os "valores humanos" da educação. No livro "A Arte de Ensinar", publicado no Brasil pela Editora Melhoramentos, com tradução do Professor Lourenço Filho, por volta de 1970. No livro são estudados grandes Mestres da humanidade, como os Sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles e Jesus Cristo, além dos professores da Renascença, os mestres jesuítas, etc.. Em menos de três meses, da edição, nos Estados Unidos, quadro edições sucessivas, continuando a imprimir-se como das obras do gênero de maior agrado naquele país, onde tanto se estuda a educação e tanto se publica sobre ela.
     De modo parcial, apresenta-se o que ele observara e descrevera sobre as vantagens da função de Professor. Eis: "O professor desenvolve trabalho muito pessoal. Nalguns casos, fácil; em outros, difícil. A parte mais fácil é a da ampla rotina que lhe caracteriza a atividade. Há numerosos professores que, como os homens de negócios ou os funcionários, dão de quarenta e oito a cinquenta semanas de trabalho por ano; e há ainda bom número deles que ensina das nova da manhã às cinco da tarde, todos os dias, em cinco ou seis dias da semana. Mas a maioria das escolas e universidades funciona somente durante nova meses no ano, e raramente chama ao trabalho os professores em outras épocas. É certo que há uma grande tarefa a cumprir fora das horas de aula. Uma parte é rotina - preparo de provas escolares e sua correção, encontro com alunos e com os pais. Outra parte, porém, demanda pesquisa e estudo. Mas muito desta parte pode ser livremente realizada pelo professor, em sua própria casa ou no ambiente silencioso de uma biblioteca. A grande vantagem da profissão é que relativamente poucos professores estão amarrados a uma escrivaninha, presos a um telefone que começa a tocar às nove horas de segunda-feira, e ainda, aos sábados à tarde, está tilintando; outra vantagem é a de que as suas férias não são tão curtas como a de milhões de outros fatigados trabalhadores. O aproveitamento do tempo livre é uma das três maiores vantagens dos professores. Infelizmente muitos deles não a utilizam da melhor maneira. [...] Mas, verdade se diga, não há neste mundo horas de lazer em demasia. A maior dificuldade do professor decorre do voto de pobreza que deve fazer. Homens ou mulheres, pertencem os professores a uma das profissões mais mal pagas, em geral. Embora o professor não possa vestir-se e viver como um operário, muitas vezes recebe remuneração tão baixa como a de um aprendiz de fábrica. É verdade que há magníficas recompensas no topo da profissão, e algumas poucas e lucrativas oportunidades colaterais; mas o professor médio, em qualquer parte do mundo, deve resignar-se a viver numa pobreza decente. Em alguns países em que a fortuna é o único símbolo de êxito, isso representa pesado sacrifício. Em outros, é parcialmente compensada com mostras de prestígio e respeito. Mas a profissão é sempre penosa. Ainda assim, é emprego seguro, porque sempre haverá gerações novas que necessitam de ensino. Um meu colega contou-me que nunca viveu melhor do que durante o grande período de depressão econômica, que tivemos. No período de grande prosperidade, que foi o do segundo decênio do século XX, companheiros de estudos desse meu amigo condoíam-se ao vê-lo ganhar tão pouco como professor e lembraram-lhe que poderia ganhar três vezes mais se fosse corretor de títulos; mas, em 1932, ele ainda dispunha de emprego certo, e o seu salário valia um pouco mais com a baixa dos preços, ao passo que colegas, dantes tão prósperos, nada mais possuíam. Contudo, a pobreza segura é enervante; e muitos dos professores resmungões e de mau gênio, de que nos lembramos com amargura, foram na realidade boas pessoas, exauridas por anos e anos de ansiedade e necessidade. A segunda vantagem do professor é a de que usa da inteligência em coisas dignas de seu emprego. Em todo o mundo há milhares e milhares de pessoas que gastam o seu tempo em tarefas nas quais o espírito fica entorpecido, mesmo em atividades altamente remuneradas, mas aborrecidas ou frívolas. Alguém pode acostumar-se a manejar uma máquina de calcular durante todos os dias da semana, ou redigir anúncios destinados a persuadir o público de que certa marca de cigarros é melhor do que outras. Mas ninguém fará qualquer dessas coisas por seu próprio prazer. Só o dinheiro as torna toleráveis. Se, porém, chegarmos a bem compreender uma disciplina interessante e importante, tal como a da estrutura do corpo humano ou a  história contemporânea, e a pudermos explicar aos outros, sentindo que o nosso espírito lhes atenua as dificuldades, então poderemos nisso encontrar uma fonte de verdadeira felicidade, que se renovará ao contato de cada novo livro sobre a matéria ou os métodos de ensiná-la. A terceira vantagem  de ser professor está estritamente relacionada com isso. É a satisfação íntima de criar alguma coisa. Quando os alunos chegam, seu espírito está formado apenas pela metade, com grandes espaços vazios entre vagas noções ou ideias extremamente simplificadas. Se, na realidade souber ensinar, o professor não lançará sobre tudo isso um amontoado de fatos. Ensinar não é a mesma coisa que injetar 500 gramas de soro, ou administrar uma dose de vitaminas, que possa valer por um ano. O professor toma um espírito vivo e o modela. É certo que muitas vezes encontra resistência. Pode acontecer que esse espírito permaneça passivo, e que, aparentemente, se recuse a aceitar quaisquer novas ideias. Outras vezes o trabalho de modelar pode parecer muito fácil e, por isso mesmo, sem mais atraentes aspectos. Com frequência, porém, o espírito do aluno adquire formas precisas, exatamente como se quer, e isso proporciona ao professor uma incomparável felicidade, que é a de ajudar a natureza a dar completa expressão a um ser humano. Ensinar a um rapaz as diferenças entre as verdades e as mentiras que aparecem impressas; iniciá-lo na compreensão do que significa a poesia ou o patriotismo; ouvi-lo aprofundar fatos e argumentos de que lhe tenhamos dado as primícias, fortalecendo e engrandecendo as suas capacidades, proporciona a mesma espécie de satisfação que um artista sente quando da tela em branco e das tintas informes extrai um quadro verdadeiramente artístico; ou a satisfação que tem o médico, quando, ao auscultar um corpo que esteve doente, percebe que novas energias de vida lhe foram comunicadas, e que isso foi feito por suas mãos. Existem professores, é verdade, que só raramente, ou nunca, puderam ter impressões dessa espécie. Esses privam-se de uma das vantagens que o seu trabalho lhes poderia proporcionar. Ao invés disso, queixam-se de um mal quase tão profundo como a sua pobreza. Afirmam que os alunos não gostam deles; e, frequentemente também que não gostam dos alunos. No correr dos anos, a aversão pelos alunos torna-se consciente, erguendo assim uma barreira que nunca mais poderá ser desfeita. Lembro-me de que, quanto tinha oito anos, fui matriculado numa classe, dominada por uma Fúria sob a forma da mestra. Todos aí nos sentíamos terrificados, mesmo antes que ela entrasse na sala. Tudo quanto aprendemos naquele ano não foi senão detestar a escola, os colegas mais velhos e o poder da autoridade; adquirimos uma compreensão fascinadora do que seja o poder, ao mesmo tempo que um terror pânico a respeito dos castigos físicos. Por outro lado, nenhum professor por si só pode ser tão diabólico como uma classe de jovens impetuosos, que se queiram ver livre de um mau sistema de disciplina. Poucos anos depois, na mesma escola, recordo-me de ter ajudado a humilhar um mestre inofensivo (e que aliás possuía a melhor comprovação de bravura na guerra) levando-o a chorar de desgosto; e conheci também um professor que me confessou que o seu maior problema era conter os alunos em classe, pois, aí mesmo, à sua vista, procuravam agredir-se uns aos outros com canivetes. É perfeitamente natural que um aluno tente resistir a seu mestre; isso pode ter suas vantagens, servindo para reanimar certas capacidades fundamentais, em um e em outro. As melhores expressões artísticas são criadas em circunstâncias difíceis: é muito mais fácil dar forma a um bloco de mármore do que a um pedaço de cera. Desde, porém, que a resistência não cesse e se transforme em hostilidade, desde que o professor sinta igual hostilidade, ano após ano - ou, na melhor das hipóteses, uma disfarçada indiferença - então, alguma coisa estará profundamente errada. Às vezes são os alunos que não têm razão. Outras vezes é o professor que está em erro. Ainda outras vezes essa desagradável situação reflete um conflito entre os ambientes de cultura a que o mestre e o aluno pertençam. [...] Seja como for, isso representa para o mestre uma prova cruel. Das duas piores desvantagens da profissão, essa é uma delas. A pobreza é amarga; mas é uma tortura despender as energias de uma vida, dia a dia, na tentativa de estimular o gosto pelo estudo e o apreço pelas coisas mais belas e importantes do mundo a um grupo de jovens corrompidos, de bobos mal educados, pretensiosos ou ameaçadores, desatentos ou conversadores, cujos ideias de vida se repartem entre ser gangster, jogador de futebol, ou mulher divorciada em Hollywood. Tem-se a impressão, nesse caso, de uma cena de transfusão em que o sangue generoso do doador caia no chão, para escorrer pela sarjeta. E isso pode acontecer, em certos casos, mesmo a um bom professor. É mais frequente que aconteça, porém, aos maus professores. E como poderá ser evitado? Em outros termos, quais são os requisitos de uma bom professor? Em primeiro lugar é preciso que ele conheça bem a disciplina que ensina. Que deva saber o que ensina é óbvio, embora nem sempre assim aconteça. Isso significa que se a sua tarefa é ensinar química, ele deve saber química. Não é bastante que um professor de química saiba apenas a parte que ensine e seja exigida nos exames finais. Ele deve realmente compreender a química como uma ciência. Os assuntos mais elevados não lhe podem ser desconhecidos, ao menos de modo geral; ele deve saber quais são as mais importantes e novas descobertas dos últimos tempos. Se um jovem demonstra pendor para o estudo dessa ciência, o professor deve sentir-se capacitado para guiá-lo, ajudando-o a ver mais longe, mostrando-lhe o que poderá aprender na universidade, quais os ramos da química mais importantes na guerra e na paz, quais os grandes problemas que ainda permanecem sem solução, e (o que é mais importante) como os grandes químicos do passado e do presente têm vivido e trabalhado.".
     Alguém pode indagar porque tenho dedicado tempo e energia com estas chamadas. É que há consenso de que a melhor maneira de levar o progresso civilizatório adiante é pelo estudo. Supondo como é lícito supor que assim seja, nada melhor do que estimular que isso seja buscado por todas as forças. Estas estão abundantes no ambiente acadêmico e basta ou exige-se que cabe ao professor fazer com que os espíritos ali, sob sua regência, deem o melhor de si nessa tarefa em benefício da humanidade.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

História da Educação Moderna


     Um livro riquíssimo, que vale a pena estudar, sob o título, História da Educação Moderna, de Frederick Eby (1874-1968), traduzido por Maria Angela Vinagre de Almeida, Nelly Aleotti Maia e Malvina Cohen Zaide, professores da Faculdade de Educação da UFRJ, publicado pela Editora Globo, em 1976,  em convênio com o Instituto Nacional do Livro - MEC, trata da teoria, organização e práticas educacionais. 
     "Do alvorecer do Humanismo aos currículos escolares atuais, do movimento científico do século XVI à psicologia genética de Stanley Hall, da Reforma protestante à democratização do ensino, da revolução industrial e consequentes reivindicações à escola pública para todos: os grandes progressos humanos examinados em seus processos de interação social e sua repercussão pedagógica - eis a obra de Frederick Eby, descortinando para o leitor o panorama da educação moderna. Poderíamos dizer, sem exagero, que é uma história da cultura, tal o âmbito dos problemas tratados e o nível em que são abordados.
     Ao tratar da evolução da educação moderna o autor não se restringe ao desenvolvimento histórico linear dos problemas, ao contrário, entrelaça os diversos movimentos, autores e doutrinas, avaliando-os filosoficamente. Outro ponto digno de atenção é que poucos livros de História da Educação se estendem até os dias atuais - a dificuldade de analisar a própria época tem intimidado os autores. O Professor Eby, porém, ousou penetrar no conjunto de movimentos que surgiram no início do século XX para com eles familiarizar os estudantes. Esse livro, apresenta-se, de certa forma, como um apelo no sentido da resolução de problemas cruciais da nossa época: a segregação racial, a educação religiosa, a educação sexual e outros. A crise atual tem raízes históricas; embora sua busca seja proveitosa e interessante e a solução almejada só poderá advir com o aperfeiçoamento da conduta humana, ou seja, uma melhor educação axiológica da educação. O grande desvelo posto na seleção dos dados, o número de autores a que se recorreu, as citações que o documentam, tornam este livro uma obra digna de confiança, recomendando-se seu resgate e sua leitura, ao mesmo tempo, a alunos e professores de História e Filosofia da Educação. Nenhum estudante de Educação pode, realmente, prescindir da análise histórica que esclarece o fato presente pelo conhecimento do passado. A posição do Autor não chega a ser revolucionária, mesmo assim ele se destaca por colocar o fato educacional exatamente no âmago de todas as grandes modificações que ocorreram no passado e caracterizaram épocas, reconhecendo assim o verdadeiro papel da educação na evolução social do homem. Baseia-se, implicitamente, no fato de que a educação é afetada pelas crenças, costumes e instituições dominantes numa sociedade e de que, por sua vez, afeta esta mesma cultura, transformando-a, constituindo, assim, uma força propulsora do progresso.", pontua a resenha. 
     De fato este livro é dos mais belos e profundos entre quantos já se tenham escrito sobre ensino e a sua arte. Todos os mestres (e, principalmente, os de ensino secundário e superior), bem como todos os planejadores educacionais, com estas páginas se deliciarão. É de supor que não haverá um só que, neste ou naquele trecho, não se detenha para recordar fatos, situações e pessoas ou, ao contato do texto, não passe a meditar sobre o valor real e o alcance de suas aulas, de seu trabalho ou ainda que, assim reencontrando em seu íntimo o que parecia perdido, não aflore a convicção da grandeza humilde de seu próprio trabalho e anime-se a cada vez mais com essa tarefa.