sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Estatuto tecnológico do conhecimento jurídico

     Ao escrever o Prefácio à edição brasileira do Tratado da Argumentação - A Nova Retórica, de Chaim Perelman (Martins Fontes, 1996), Fábio Ulhoa Coelho destacara  que: "[...] ao reconhecer o estatuto tecnológico do conhecimento jurídico, a filosofia do direito reúne o que foi separado pela epistemologia normativa, isto é, o trabalho cotidiano dos profissionais(advogado, juiz, promotor de justiça, etc.) e a produção doutrinária. Se se adota, por exemplo, a teoria de Kelsen, é necessário distinguir a redação de uma petição inicial, da elaboração de uma monografia sobre tema jurídico, negando-se peremptoriamente à primeira a natureza científica, que poderá ter a última no interior da teoria kelseniana. O que de deve fazer na academia - a ciência do direito - não influi no que se faz fora dela - postulações judiciais e julgamentos. Tal separação é eliminada pela ruptura anticientíficista, uma vez que todos os chamados operadores do direito - nesse conceito englobando-se desde os doutrinadores e jurisconsultos até os advogados e juízes - são tidos como articuladores de argumentos convincentes, gnoseologicamente situados em pé de igualdade.
     Essas duas perspectivas inauguradas pela ruptura anticientificista servem como exemplo do potencial representado pelo novo enfoque jusfilosófico; enfoque que muito deve a Perelman, inegavelmente um de seus inspiradores mais destacados. Desse modo, conhecer sua obra - em especial o Tratado da argumentação, que recebe agora primorosa tradução para o português -, é indispensável a todos os profissionais do direito, cujas preocupações se ponham além das lides cotidianas, alcançando questões sobre o próprio sentido do trabalho que realizam. Assimilar seus entendimentos é, sem dúvida, essencial para compreender nosso tempo.".
     Pois bem, a contribuição desse trabalho é importante na medida em que, se observado, as peças processuais possam deixar de imitar os trabalhos acadêmicos, numa pretensa erudição descabida, cujas preocupações não são as mesmas.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A Estrutura do Voto Secreto

     A ordem jurídica estabelece: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direito e secreto, com valor igual para todos,..."(CF, artigo 14). Pois bem, a hermenêutica e a aplicação do Direito orientam no sentido de que aquilo que não pode ser feito diretamente, também não pode ser feito por via oblíqua. Esse princípio orientador é relevante sempre. E no momento atual ele ganha destaque porque se trata de período eleitoral em que há uma constante divulgação de resultados, obtidos por meio de pesquisas estimuladas ou não, das chamadas intenções de voto. Ora, essas práticas são antipedagógicas na medida em que: sendo, em essência, o voto secreto, ele não pode ele sofrer qualquer ataque, na sua estrutura interna, quer diretamente quer por via oblíqua, sob pena de destruição. Sendo assim, outro efeito nocivo dessas práticas está em potencializar o induzimento do eleitor a votar com a própria vontade por que esta foi alterada. É assim que ele - o eleitor - pelas abordagens e pelas informações veiculadas, sofre um ataque psicológico nocivo por várias razões detectadas, em vista do mais inexato dos fenômenos - o comportamento humano, nesse domínio. Essa pratica acaba por atingir a neutralidade que é da essência do instituto, mediante intervencionismo indevido. É que o conceito de voto secreto traz em si a ideia de neutralidade. Daí não poder sofrer intromissão por qualquer modo. Ainda, não se pode confundir Democracia com 'democratice' e muito menos com demagogia. Evidentemente, é de desconfiar do demagogo porque ele fabrica frustrações ao prometer mais do que pode dar e destrói sob pretexto de reformar. A democracia é fundamental. É uma doutrina sobre o que a sociedade deve ser. Democracia é um método, variável no tempo, de organizar a sociedade para esse fim. Ela não alimenta ilusões sobre as dificuldades práticas; mostra até um certo pessimismo saudável. Essas dificuldades têm raízes no plano político e no plano econômico. No plano político, a administração busca pacificar os conflitos - que são próprios da democracia - pressupondo consenso básico sobre as instituições. O que pressupõe, por sua vez, um certo grau de homogeneização cultural. No plano econômico, as necessidades de acumulação de capital exigem a contenção de pressões distributivistas, que a prática democrática libera e, às vezes, açula. Pois bem, o objetivo destas chamadas é estimular a reflexão sobre as consequências das práticas adotadas e as tomadas de decisões se devemos continuar nesse caminho ou fazer ajustes julgados necessários em busca da preservação da qualidade do voto secreto.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Que devo escolher?

     A essa pergunta respondo: o melhor. Parece, a primeira vista, óbvia a resposta. Só que a medida em que aprofundamos as indagações, a obviedade vai desaparecendo. É que aquilo que parece óbvio não é tão óbvio assim. Se há escolhida, evidente que há mais de uma alternativa. Depois vem a questão de descobrir o sentido em que essa palavra - melhor - estará sendo empregada. Na sequência pode ser verificada a questão no sentido de que será melhor à quem? Por exemplo: parece que para um carcereiro o melhor seria que o prisioneiro ficasse preso e não tentasse a fuga; parece que para o prisioneiro, o melhor será a busca da liberdade a qualquer custo; parece que para um terceiro observador, o melhor poderia ser o ponto de vista do carcereiro ou pode entender que o melhor poderia ser o ponto de vista do prisioneiro. É que para esse terceiro observador o fato de o prisioneiro for mantido preso à ele pode ser um benefício em vez de prejuízo, uma vez que preso está em segurança e livre de eventuais acidentes; pode, porém, estar que o melhor seria a busca da liberdade porque o tempo de prisão é irrecuperável e quanto antes consegui-la será melhor. Pois bem, em Direito é assim mesmo. Nesse domínio impera a lógica da possibilidade razoável aplicável em cada caso concreto. 
     Assim é que investigando Aristóteles (Tópicos III-2) teremos mais alguma coisa. Com efeito: "Além disso, sempre que duas coisas se assemelham muito entre si e não podemos ver nenhuma superioridade numa delas sobre a outra, devemos examiná-las sob o ponto de vista de suas consequências. Porquanto a que tem como consequência o bem maior é a mais desejável; ou, se as consequências forem más, será mais desejável a que for seguida de um mal menor. Com efeito, embora ambas sejam desejáveis, pode haver entre elas alguma consequência desagradável que faça pender a balança. Nosso exame a partir das consequências segue duas direções, pois há consequências anteriores e consequências posteriores; por exemplo se um homem aprende, segue-se que antes era ignorante e depois sabe. Como regra geral, a consequência posterior é a que mais deve entrar em consideração. Cumpre escolher, portanto, aquela das consequências que melhor ser aos nossos fins.".
     Do exposto, fica evidente que a questão da escolha - aquilo que julgador faz - longe de ser simples, é um, de certo modo, tormento. Essas breves anotações servem para alertar o tamanho da dificuldade. Por outro, serve, também, que passados, mais de 25 séculos de investigação, a questão continua em aberto. E assim a sorte está lançada. Cabe a cada um gastar fosfato em busca da solução. É disso que nos ocupamos.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O Comportamento Humano

     Desmond Morris propõe em (Você: Um Estudo Objetivo do Comportamento Humano), como introdução, que: "Um observador de homens observa as pessoas exatamente como um observador de pássaros observa os pássaros. Mas como estudioso do comportamento humano, não como voyeur. Para ele, o modo como um idoso cavalheiro acena para um amigo é absolutamente tão excitante quanto o modo como uma jovem cruza as pernas. É um observador de campo das ações humanas, e seu campo são todos os lugares - a parada de ônibus, o supermercado, o aeroporto, a esquina, o jantar formal, a partida de futebol. Em todo lugar onde as pessoas se comportam, lá está o observador de homens a aprender alguma coisa - alguma coisa sobre os seus semelhantes e, em essência, sobre si mesmo.
     Em certa medida todos nós somos observadores de homens. De vez em quando tomamos nota mentalmente de uma postura ou gesto em particular, e perguntamos a nós mesmos como tal atitude poderia se ter originado, mas raramente fazemos alguma coisa em relação a essa curiosidade. Dizemos coisas como: "Fulano faz com que eu me sinta apreensivo, não sei por quê, mas faz", ou "Ela não estava se comportando de modo estranho a noite passada?", ou "Sempre me sinto completamente à vontade com aqueles dois - tem alguma coisa a ver com o jeito deles". E ficamos nisso. Mas o observador sério quer saber por que essas sensações são despertadas. Deseja saber como chegamos a agir do modo como o fazemos. Isso significa passar longas horas executando trabalho de campo e olhando as pessoas de maneira nova.
     Não há nada de especialmente técnico nessa abordagem. Tudo de que se necessita é a compreensão de um número de conceitos simples, e são esses conceitos que esse livro pretende apresentar. Cada um nos fala de um tipo especial de comportamento, ou de um modo especial como o comportamento se desenvolve, se origina ou muda. Conhecer esses conceitos torna possível identificar certos padrões de comportamento com muito mais clareza. 
     Portanto este é um livro sobre ações, sobre como as ações se tornam gestos e sobre como os gestos transmitem mensagens. Enquanto espécie podemos ser tecnologicamente inteligentes e filosoficamente brilhantes, mas não perdemos nossa propriedade animal de sermos fisicamente ativos; e é essa atividade corporal o interesse fundamental do observador de homens. Ao se concentrar tanto nas próprias palavras, o homem parece esquecer que seus movimentos, posturas e expressões contam uma história própria.
     Deve-se acrescentar, porém, que este livro não visa a ser um auxílio ao domínio dos comportamentos por meio da leitura dos pensamentos secretos deles. Um observador de pássaros não os observa a fim de abatê-los. De modo semelhante, um observador de homens não tira vantagens injustas da compreensão especial que tem do comportamento humano. Sua finalidade fundamental é chegar a uma compreensão mais profunda das interações humanas e da notável previsibilidade de muito do comportamento humano.
     Assim como com toda pesquisa científica, claro que existe o risco de um novo conhecimento poder levar a novas formas de exploração do ignorante por parte do informado, mas neste caso em particular talvez haja uma probabilidade maior de tal conhecimento ser, pelo contrário, a fonte de uma tolerância mais ampla. Pois compreender o significado das ações de outro homem é ganhar uma visão dos problemas dele; ver o que se encontra por trás da sua conduta é, talvez, perdoá-lo naquilo em que, anteriormente, ele teria sido atacado.
     Acima de tudo, deve-se salientar que não há nada de insultante em olhar as pessoas como a animais. Afinal de contas, somos animais. O Homo sapiens é uma espécie de primata, um fenômeno biológico dominado por regras biológicas, como qualquer outra espécie. A natureza humana não é mais do que um tipo particular de natureza animal. De acordo, a espécie humana é um animal extraordinário; mas todas as outras espécies também são animais extraordinários, cada uma à sua maneira, e o observador científico de homens poderá trazer muitas revelações novas ao estudo dos assuntos humanos se conseguir conservar essa atitude básica de humildade evolucionária.". É que todos os animais desempenham ações e a maioria faz pouca coisa mais. Isso tudo interessa diretamente ao Direito, na medida em que este se ocupa das ações humanas.