domingo, 27 de novembro de 2016

Ensino, Aprendizado e a Vontade

     Em artigo elaborado e publicado pelo professor Desidério Murcho, ele destaca: "Quando levamos a sério a nossa formação intelectual e humana não queremos parafrasear o que estudamos nem falar disso à toa. O que queremos, ao invés, é a correcta e rigorosa compreensão do que estudamos. A compreensão correcta e rigorosa do que estudamos manifesta-se na formulação e expressão precisa das ideias estudadas. A formulação e expressão rigorosa das ideias estudadas é uma competência muito diferente da mera paráfrase acéfala ou do falar à toa. A competência para formular e exprimir com rigor as ideias estudadas é um trabalho que envolve inteligência, deliberação e escolha da nossa parte. Não se trata de falar à toa do que nos vem à cabeça ao ler aquele livro, nem de repetir sem pensar o que lemos, mas antes de manifestar da maneira mais rigorosa possível a maneira como entendemos as ideias estudadas.".
     Só existem duas maneiras de leitura: a informativa e a expressiva. Há diferença entre leitura expressiva e informativa. A leitura informativa é aquela realizada tão somente do que consta do texto. Por exemplo, a leitura de uma bula (tome de 6 em 6 horas), a leitura de um manual de eletrodoméstico (ligue na tomada de 110 ou 220). Já a leitura expressiva, que é que mais nos interessa, constitui a leitura que requer interpretação, ou seja, atribuição de sentido.
     Aqui entra a questão da vontade, do esforço. É o esforço o que constitui o valor da vida. Para Sêneca: "Não foi tão inimiga a Natureza a ponto de conceder a facilidade de vida aos outros animais e querer que fosse o homem o único que não pudesse viver sem tantas artes... Somos nós que nos temos dificultado tudo devido à nossa tendência a cansar-nos (fastidio) das coisas fáceis...". Assim também, deixou assentado Lucílio: "Viver é militar.". Portanto, os que se agitam e se expõem a toda classe de peripécias para realizar empreendimentos trabalhosos e árduos, e acometem expedições perigosíssimas, são homens fortes, e a flor do acampamento. Mesmo assim, os que deixam trabalhar os demais e se abandonam calmamente à quietude corruptora não chegarão ao desenvolvimento adequado para uma vida significativa.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Valorização Positiva do Trabalho

     Numa bela página, Rodolfo Mondolfo (O Homem na Cultura Antiga), descreve o pensamento antigo sobre o trabalho, em recortes, assim: "O homo sapiens era, ao mesmo tempo, homo faber, interessado nos problemas e no desenvolvimento da técnica, e considerava sua sabedoria vinculada com sua atividade fabril; assim como, inversamente, o homo faber experimentava a exigência de conhecimentos técnicos que o convertessem, segundo diz Platão, em perito conhecedor de sua arte, capaz de proceder de acordo com as regras da arte e não por impulsos casuais.[...] O conceito de que conhecer é fazer e fazer é conhecer se apresenta desta maneira no escritor hipocrático, e converte o trabalho produtor em forma de conhecimento: a única verdadeira ou, pelo menos, a mais eficaz de todas. Os trabalhos que o hipotrático examina e cujas operações descreve - do forjador, do apisoador, do remendão, do jardineiro, do construtor, do músico, do curtidor, do cesteiro, do refinador de ouro, do escultor, do oleiro, do escriba - são todos produtivos e quase todos tipicamente manuais; mas reconhece ele que todos são capazes de iluminar a inteligência, porque acompanham e criam conhecimentos, e podem revelar processos ocultos cuja produção não pertence ao homem. É evidente que tudo isto deve conduzir a uma valorização positiva do trabalho. E tal consequência aparece expressa em Anaxágoras, que também partilha com Demócrito o mérito de haver buscado nas inovações da técnica estímulo e sugestão para o adianto de suas teorias científicas, como resulta das aplicações e desenvolvimentos geométricos, ópticos e astronômicos que teriam extraído ambos da novidade técnica introduzida pelo pintor Agatarco com sua pintura cenográfica em perspectiva. Mas sobretudo é Anaxágora quem generalizou a ideia da vinculação entre o homo sapiens e o homo faber, quando afirma que a superioridade intelectual do homem com respeito aos animais - isto é, sua capacidade de progresso e criação da cultura - tem sua causa e fonte na posse da mão. A mão é a executora de todo trabalho material, produtora de realidades novas que não surgem espontaneamente da Natureza mas da Arte, todavia operam sobre a Natureza e a modelam, e cuja produção vai acompanhada pelas operações que se cumprem e dos fins para os quais tendem, e implica e gera, portanto, conhecimentos e reflexões. Os produtos do trabalho manual e seu próprio processo de produção reagem desta maneira sobre seu produtor, e mediante seu próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento desenvolvem e aperfeiçoam o homem. A superioridade do homem sobre os demais animais procede, pois, para Anaxágoras, do trabalho. Em sua proposição, portanto, pode intuir-se germinalmente o conceito moderno de que o trabalho - como escreveu Antônio Labriola - é o meio pelo qual o homem se produz e desenvolve a si mesmo, como causa e efeito, autor e consequência ao mesmo tempo das condições sucessivas de seu próprio ser; e assim pode elevar-se acima da Natureza, dentro de cujos limites ficam encerrados os animais.".
     De minha parte, faria, se indagado, duas observações: 1ª) se Deus perguntasse, Rubens, o que você acha que falta no homem? Eu responderia: faltam mãos. Porque apenas duas são insuficientes, basta perceber na prática que sempre está faltando mão. Sempre estamos com as duas ocupadas. Tivéssemos mais, melhor seria. 2ª) considerando que o trabalho, efetivamente, dá dignidade ao homem, importante seria que pensasse bem, antes de provocar a demissão de qualquer trabalhador, sob qualquer pretexto (redução de custos etc.), porque o homem sem trabalho perde a dignidade e poderá vir a cometer delitos os mais variados. Neste caso, não seria culpado e sim vítima. Isto é importante tendo em vista a onde de violência tão reclamada pela sociedade. E a indagação terminal, seria esta: o que nós (a sociedade) estamos fazendo com o trabalhador?

domingo, 6 de novembro de 2016

A Gratidão e a Ação

     O Templo Cultural Delfos postou vídeo sobre o III Encontro PIBID Unespar 2014 - Formar Professores para o futuro - em que teve a participação do Professor Antônio Sampaio Nóvoa, o qual dedicou alguns instantes para falar sobre o significado da gratidão, eis: "Se me derem mais dois minutos explico-vos o quero dizer com a palavra agradeço. Há uns meses atrás estava em Brasília a preparar a aula magna da universidade de Brasília e vinha-se à cabeça que queria agradecer aos colegas brasileiros tudo o que me têm dado e tem sido muito. E vinha-me à cabeça o tratado da gratidão de Santo Tomás de Aquino. Todos aqui saberão que o tratado de Santo Tomás de Aquino tem três níveis de gratidão: um nível mais superficial, um nível intermediário e um nível mais profundo. O nível mais superficial é o nível do reconhecimento; do reconhecimento intelectual; o nível cerebral, o nível cognitivo do reconhecimento; o segundo nível é o nível do agradecimento, do dar graças a alguém por aquilo que esse alguém fez por nós e o terceiro nível mais profundo do agradecimento é o nível do vínculo, é o nível do sentirmos vinculados e comprometido com essas pessoas. E de repente descobri algo que eu nunca tinha pensado, que em inglês ou em alemão se agradece no nível mais superficial da gratidão. Quando se diz "thank you" ou quando se diz "zu danken" estamos a agradecer no nível intelectual. Que na maior parte das muitas línguas europeias se agradece no nível intermediário da gratidão. Quando se diz "merci" em francês, quer dizer dar uma mercê, dar uma graça... Eu dou-lhe uma mercê, estou-lhe grato, dou-lhe uma mercê por aquilo que me trouxe, por aquilo que me deu. Ou "gracias" em espanhol ou "grazie" em italiano. Dou-lhe uma graça por aquilo que me deu e é nesse sentido que eu lhe agradeço, é nesse sentido que eu lhe sou grato. E que só em português que eu conheço que eu saiba é que se agradece com o terceiro nível do tratado da gratidão. Nós dizemos "obrigado". E obrigado quer dizer isso mesmo. Fico-vos obrigado. Fico obrigado perante vós. Fico vinculado perante vós. Fico-vos comprometido a um diálogo, agradecendo-vos o vosso convite, agradecendo-vos a vossa atenção. Fico obrigado, vinculado a continuar este diálogo e a poder contribuir, na medida das minhas possibilidades para os vossos projectos, para os vossos trabalhos, para as vossas reflexões, para o vosso diálogo... É esse diálogo que quero e é nesse preciso sentido que vos digo MUITO OBRIGADO.".
     A expressão dada pelo Professor confirma aquela dada por Antoine de Saint-Exupéry em outro domínio "O Pequeno Príncipe": Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...". Assim também, Wallace Delois Watles, em domínio diverso,narrara: "A Lei da Gratidão é princípio natural de que ação e reação são sempre iguais, em direções opostas. O alcance de sua mente em louvor agradecido ao Supremo é a libertação ou o uso da força criadora. Não pode deixar de alcançar aquele ao qual é endereçado e a reação é um movimento instantâneo em sua direção. "Aproxime-se de Deus e Ele se aproximará de você.". Essa é uma afirmação psicologicamente verdadeira. Se sua gratidão for forte e constante, a reação da Substância Informe será forte e contínua. As coisas que você deseja estarão sempre se movimentando em sua direção. Observe a atitude agradecida de Jesus, como Ele sempre dizia: "Eu Te agradeço, Pai, por teres me ouvido." Não se pode exercer muito poder sem gratidão, pois é ela que nos mantém ligados ao Poder." 
     Talvez seja por essas razões que Hanna Arendt (em Condição Humana), e outros, tenha dito que o homem entra no mundo pelo nascimento e sai do mundo pela morte. Ele se firma no mundo pela ação que pratica. Quando nasce, o mundo já é orientado. A ação dele consiste em dar continuidade às as ações já praticadas por outros que o antecederam. Ele não parte da estaca zero do conhecimento. E a dignidade humana consiste na preservação da espontaneidade. O mal consiste no constrangimento da espontaneidade. E a ação uma vez praticada, desencadeada, ganha movimento próprio e é difícil prever todas as consequências. E não se delibera contra a Natureza. Por isso, devemos sofrer as nossas convicções e seguir em frente.