terça-feira, 26 de novembro de 2013

O exame crítico do laudo pericial

     É objetivo desta exposição examinar o papel da crítica jurídica aplicada ao laudo pericial. De início, a fim de precisar o conteúdo desta abordagem, será útil propor definições para alguns aspectos do laudo pericial. Com efeito, em geral, expressa a doutrina que perícia é espécie de prova consistente no parecer técnico de pessoa habilitada a formulá-lo, a qual denomina-se perito, que é auxiliar do juiz, cuja função é suprir a insuficiência de conhecimentos específicos sobre o objeto da prova e que constituem perícias os exames, as vistorias, os arbitramentos e as avaliações, com valor relativo. Ainda, que o documento elaborado pelo perito chama-se laudo, que pode ser arbitral ou pericial, em que o arbitral resume-se na decisão dos árbitros, no juízo arbitral, ou avaliação por eles feita em outros casos de arbitramento e o pericial traz os esclarecimentos conclusivos do ou dos peritos, que também se diz consultivo ou informativo.

     Portanto, chegado o momento da verificação da perícia, ao profissional do direito cabe o exame e crítica unicamente sob o ponto de vista jurídico, para ver se e como ele corresponde à função judiciária, que a lei atribui a esse gênero de provas. Então, daqui tiram-se duas consequências evidentes: primeiro, que o exame pericial deve conter as circunstâncias de fato, em que se basearem as conclusões e os raciocínios explicativos que demonstrem ao juiz como dessas circunstâncias se pode e deve chegar, cientificamente, àquelas conclusões; segundo, que o juiz, portanto, permanece soberano na decisão do ponto controvertido, quando outros elementos do processo lhe fornecerem o fundamento e a razão duma opinião diferente. Entretanto, não é incomum a presença de defeitos jurídicos encontrados em laudos periciais como, por exemplo, afirmativa dogmática e monossilabicamente, sem nada demonstrar; o silêncio completo em todo o exame, tanto no que se refere a elementos de fato, como raciocínios explicativos, pelos quais tenham chegado àquela conclusão; ou a presença de contradição lógica, em que das premissas não surjam logicamente a conclusão. E assim é que exige-se ainda que o exame pericial, precisamente como investigação técnica estranha aos interesses particulares das partes em litígio e apenas inspirada pelas razões da ciência, deva ser, sobretudo e antes de mais nada, sereno e imparcial.


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Prova científica e prova histórica ou judicial

     O homem não age diretamente sobre as coisas. Sempre há um intermediário, um instrumento entre ele e seus atos. Isto também acontece quando se faz ciência, quando se investiga cientificamente. Ora, não é possível fazer um trabalho científico, sem conhecer os instrumentos. E estes se constituem de uma série de termos e conceitos que devem ser claramente distinguidos. Com efeito, o método científico, ou como quer que seja definido, é dependente da avaliação de fenômenos e experimentos, ou de observação repetida. Tanto é assim que a ciência consiste de uma série de conceitos inter-relacionados e em esquemas conceituais, que surgiram como resultantes de experimentos e observações e podem produzir outros experimentos e observações. Desse modo, fica certo que a prova científica baseia-se na demonstração de que algo é fato pela repetição do experimento em presença do indivíduo que o questiona. Existe, então, um ambiente controlado onde se podem fazer observações, chegar a conclusões e testar hipóteses empiricamente. Agora, se o método científico fosse o único meio de se provar qualquer coisa, não se poderia provar, por exemplo, quem foi à aula ou ao trabalho hoje pela manhã ou que almoçou ou, ainda, que Napoleão ou Jesus existiram, porque é totalmente impossível repetir tais eventos numa situação controlada. Portanto, há um problema quando necessário provar qualquer coisa acerca de pessoas ou eventos históricos, cuja solução só pode vir da prova histórica ou judicial. Esta prova estriba-se em três tipos de testemunho: oral, escrito e de evidências. Usando o método judicial para determinar o que ocorreu, pode-se provar claramente, que alguém esteve na aula hoje pela manhã porque os colegas o viram, tem anotações e o professor lembra-se de tê-lo visto. Esses fatos situam-se fora da esfera da prova científica e precisamos colocá-los no plano da prova judicial. Assim, quando alguém se apóia no método judicial, precisa verificar a fidelidade dos testemunhos, bem como a autenticidade dos documentos. Desse modo, recordando o que foi exposto no início, que o homem não age diretamente sobre as coisas, que ele é repleto de limitações e que a realidade que pretende conhecer e provar é múltipla e complexa, para que haja credibilidade, ele precisa lançar mão de três questões fundamentais: saber da verdade, da evidência e da certeza, donde pode-se dizer que há verdade quando entre o que o homem percebe e o que se manifesta há uma certa conformidade, evidência e certeza, de cujo trinômio, poder-se-ia concluir que: havendo evidência e certeza,  pode-se afirmar: há verdade.

     

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O deslocamento no discurso de acusação de Jesus

     Jesus teve de suportar duas acusações, após ser preso: uma religiosa e outra civil. Se a preponderante foi a primeira, com a decisão da própria morte, foi, todavia, o veredito da segunda que o levou definitivamente ao fim. Assim, o tribunal religioso era representante do povo hebreu e o tribunal civil era representante dos povos pagãos, isto é, dos demais povos, a morte de Jesus foi, portanto, causada por todos os povos da terra. E assim predisse o próprio Jesus: "O Filho do Homem será entregue aos sumos sacerdotes e escribas. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para ser escarnecido e sacrificado" (Mt 20:18-19). Com efeito, a acusação religiosa contra Ele começou provavelmente cerca de meia-noite com um interrogatório da parte de Anás, se bem que não oficial, pois este não mais era sumo sacerdote e a hora imprópria. Interrogou-O acerca de seus discípulos e de seus ensinos e já que juridicamente um acusado não podia dar testemunho válido de si mesmo, digno de fé, havendo outrem, tal foi a resposta de Jesus: "Eu falei abertamente ao mundo, ensinei sempre nas sinagogas e no templo, onde se reúnem os judeus; nada falei às ocultas. Por que me interrogas? Perguntai aos que ouviram o que lhes ensinei e eles bem sabem o que Eu falei" (Jo 18:20-21). E nesse momento recebeu Jesus um bofetão de um dos guardas que lá estavam e que se escandalizaram: "É assim que respondes ao sumo sacerdote?" Ao que Jesus respondeu: "Se falei mal, mostra em quê; se falei bem, por que me bates?" (Jo 18:22-23). Esperava Anás do inquirido palavras que lhe fornecessem argumentos para a próxima acusação oficial, mas ou ouvi-lo certo ficou de tal modo aturdido que tratou logo de remeter o preso a seu genro Caifás. E apesar de tantas acusações, Jesus permaneceu calado. Porém, o mais grave para o tribunal foi a confissão de Jesus à pergunta manifestada solene e decidida de Caifás: "Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos diga se és o Messias, o filho de Deus!". Firme foi a resposta de Jesus: "Vós o dissestes! Aliás eu vos declaro: de agora em diante vereis o Filho do Homem a direita da Onipotência e vir sobre as nuvens do céu!". Foi então que o Pontífice rasgou as vestes, exclamando: Blasfemou! Que necessidade temos ainda de testemunhas? Eis que acabais de ouvir a blasfêmia! Que vos parece? Sem titubeio, a resposta dos presentes foi: "É réu de morte" (Mt 26:62-66). E assim, após mais alguns atos, terminou a acusação religiosa em face de Jesus: "É réu de morte por ser blasfemador!". Mas como poderiam condená-Lo à morte se estava a nação sob o domínio de Roma? Requeria, em consequência, levar Jesus ao tribunal da autoridade romana competente para ser julgado: é a necessária acusação civil. Sabia, todavia, o Sinédrio não ser tal possível justamente porque as razões eram de natureza religiosa. O levaram, entretanto, mediante uma engenhosidade, ao tribunal do magistrado de Roma (Pôncio Pilatos) para outra acusação, por motivos políticos, perante o qual, a multidão, fora do pretório, dirigiu-se Pilatos: "Que acusação há contra este homem?". "Se, responderam, não fosse um malfeitor, não vô-lo entregaríamos" (Jo 18:29-30). Tal não era uma acusação, mas implícita esperança de acatamento do julgamento anterior. Não duvidava Pilatos de que eram questões relativas à religião, por isso foi taxativo: "Levai-o vós mesmos, e julgai-o conforme a vossa Lei" (Jo 18:31). Certo que tais palavras não significavam que os acusadores pudessem fazer o que quisessem com o acusado; apenas esperava fosse o caso resolvido mediante leis judaicas, que excluíam a pena capital. Todavia, precisamente aqui aflorava o ponto delicado e os acusadores o assinalavam indiretamente: "A nós não é lícito matar ninguém" (Jo 18:31). Esta resposta manifestava ao procurador o secreto desejo dos acusantes, fazendo-lhe ainda entrever o que havia sucedido no Sinédrio à noite, e, por outro lado, dava-lhe entender que, para a multidão, o Messias era um homem já condenado à morte. E apesar de tudo, para convencer o novo juiz, requeriam provas, provas de outra natureza que não as de religião: "Encontramos este homem subvertendo a nossa nação, impedindo que se paguem os impostos a Cesar", e ademais "pretendendo ser o Messias Rei" (Lc 23:2). Daí, não haver dúvida de que tal acusação, estritamente política, perante o delegado de Cesar, vinha, em conseguinte, substituir as acusações religiosas diante do Sinédrio. Assim, fora Jesus indiciado como um revolucionário a exemplo de Judas, o Galileu (Flávio José na "História da guerra judaica contra os romanos"). Daí em diante outros fatos aconteceram, por exemplo, notificado Pilatos de que Jesus era da Galiléia, da jurisdição de Herodes Antipas, para lá foi remetido Ele. E Herodes cedeu à pressão. 

     Para finalizar este relato, resta a notícia veiculada de que em 1933, ao memorar a Igreja Católica, 1900 anos da morte de Jesus, foi em Jerusalém instituído um tribunal oficioso composto de cinco insignes israelenses com o propósito de reexaminar a antiga sentença do Sinédrio, cujo veredito, pronunciado por esse tribunal, por quatro votos favoráveis contra um, foi que a sentença do Sinédrio devia ser retratada porque "a inocência do indiciado era manifesta. A condenação veio a ser um dos mais terríveis erros que os homens haviam cometido, e, reparando, a raça judaica seria honrada!" (Revista "Jerusalém", Paris, maio-junho de 1933, p. 464). Certamente que sim.

     

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Discursos de Acusação

     Desde os povos antigos aos contemporâneos, há questões que tendem a se repetir. Assim, pelo viés adotado nesta abordagem, um exemplo, historicamente marcante, foi o da acusação perpetrada contra Jesus. É que Ele foi acusado pela própria situação pessoal e não pelo ato supostamente praticado. Outrossim, recentemente, um cidadão brasileiro foi acusado em circunstâncias semelhantes. Porém, na maioria dos casos, as pessoas são acusadas por atos que praticados com inobservância à ordem jurídica imposta.

     Com efeito, como bem argumentara o advogado Irwin Linton: "Singular entre os processos criminais é este, em que que se acha em jogo não as ações do acusado, mas, sim, sua identidade. A acusação criminal formulada contra Cristo, a confissão e o testemunho, ou antes, o ato presenciado pelo tribunal, com base no qual ele foi condenado, o interrogatório levado a efeito pelo governador romano, e a inscrição e a proclamação feitas na cruz por ocasião da execução, tudo está relacionado apenas com a questão da identidade e dignidade de Cristo." (The Sanhedrin Verdict, New York: Loizeaux Brothers, Bible Truth Depot, 1943, p. 7). Se por lá e naqueles tempos as coisas se passaram nesse tom, por aqui e nestes tempos as coisas trilham vias semelhantes.

     Deveras, no caso brasileiro, recentemente um cidadão fora acusado, com base no art. 25, da lei das contravenções penais, que trata do porte de injustificado de objeto por pessoas com condenações por furto ou classificadas como vadias ou mendigos, do qual ocupou-se o STF (RE-583.523). Nesse caso, a defesa "considerou que o referido dispositivo inverte o ônus da prova ao determinar a presunção de culpa de pessoas por sua condição de miserabilidade ou por ter antecedentes criminais", ao que, o Procurador-Geral da República, "retificou o parecer anterior do MPF para considerar que o dispositivo legal não está recepcionado pela CF. Em seu entender, a norma dá tratamento jurídico desigual a cidadãos já socialmente desigualados. Segundo ele, ao invés de restabelecer o equilíbrio entre situações díspares acentua a desigualdade.". Assim, no julgamento, por decisão unânime do plenário do STF, "que seguiu entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes, segundo o qual o dispositivo é discriminatório e contraria o princípio fundamental da isonomia.". Ainda, o ministro assentou que: "Não se pode admitir a punição do sujeito apenas pelo fato do que ele é, mas pelo que fez. Acolher o aspecto subjetivo como determinante para caracterização da contravenção penal equivale a criminalizar, em verdade, a condição pessoal e econômica do agente, e não fatos objetivos que causem relevante lesão a bens jurídicos importantes ao meio social.". Portanto, confirmada está a assertiva de que há tendência de que certas questões se repitam nesse domínio.