sábado, 12 de janeiro de 2019

CÉREBRO E JUSTIÇA

"O que não consigo construir, não consigo entender." (Richard Feynman).

Conforme pesquisa encetada, António R. Damásio (E o Cérebro Criou o Homem), sustenta que:

"As concepções biologicamente fundamentadas de controle consciente e inconsciente são importantes para o modo como vivemos e em especial para como devemos viver. Mas talvez sua maior importância resida nas questões pertinentes ao comportamento social - em particular o setor do comportamento social conhecido como comportamento moral - e à violação dos acordos sociais codificados em leis.

A civilização, sobretudo em seu aspecto relacionado à justiça, tem por eixo a noção de que os seres humanos são conscientes de um modo que os animais não são. Em geral, as culturas desenvolvem sistemas de justiça que recorrem ao senso comum para fundamentar as complexidades da tomada de decisão e proteger a sociedade de quem viola as leis estabelecidas. Compreensivelmente, e com raras exceções, tem sido ínfimo o peso atribuído às evidências provenientes da ciência do cérebro e da ciência cognitiva.

Vem crescendo o temor de que os dados revelados pela ciência sobre o funcionamento do cérebro, ao se tornarem mais amplamente conhecidos, possam solapar a aplicação das leis, coisa que em geral os sistemas legais têm evitado, deixando de levar esses dados em consideração. Mas o necessário, na verdade, é uma análise mais criteriosa desses dados na hora de aplicar a justiça. O fato de que qualquer pessoa capaz de conhecimento é responsável por suas ações não significa que a neurobiologia da consciência seja irrelevante para o processo da justiça e para o processo de educação destinado a preparar os futuros adultos para a existência adaptativa em sociedade. Ao contrário, advogados, juízes, legisladores, planejadores e educadores precisam familiarizar-se com a neurobiologia da consciência e da tomada de decisão. Isso é importante para promover a elaboração de leis realistas e preparar as futuras gerações para o controle responsável de suas ações.

Em certos casos de disfunção cerebral, até a mais exercitada deliberação pode não ser capaz de sobrepujar forças não conscientes ou conscientes. Mal começamos a vislumbrar o perfil desses casos, mas sabemos, por exemplo, que pacientes com certos tipos de lesão pré-frontal podem ser incapazes de controlar a impulsividade. O modo como tais indivíduos controlam suas ações não é normal. Como devem ser julgados quando postos nas mãos da justiça? Como criminosos ou doentes neurológicos? Talvez as duas coisas, eu diria. Sua doença neurológica não deveria, de modo algum, desculpar suas ações, mesmo que pudessem explicar aspectos de um crime. Mas se eles têm uma doença neurológica, são de fato pacientes, e é nessa condição que a sociedade deve lidar com eles. Uma tragédia no nosso tempo nessa área é que estamos apenas começando a entender essas facetas da doença neurológica; depois que a doença é diagnosticada, temos pouco a oferecer como tratamento. Isso, porém, não limita absolutamente a responsabilidade que a sociedade tem de investigar e debater em público os conhecimentos disponíveis, assim como a necessidade de mais estudos sobre esses problemas.

Outros pacientes, cuja lesão pré-frontal concentra-se no setor ventromedial, julgam dilemas morais hipotéticos de um modo muito prático e utilitário que tem pouca ou nenhuma aplicação para o lado mais humanitário do nosso espírito. Quando confrontados, por exemplo, com um suposto caso de tentativa de assassinato que fracassou apesar da intenção de matar, eles não julgam que a situação seja significativamente diferente de um homicídio involuntário, impremeditado. Podem, inclusive, achar a primeira dessas situações mais previsível. O modo como tais indivíduos entendem as motivações, intenções e consequências é inconvencional, para dizer o mínimo, mesmo que em seu dia a dia eles provavelmente não sejam capazes de fazer mal a uma mosca. Ainda temos muito que aprender sobre como o cérebro humano processa os julgamentos de comportamento e controla as ações.".

É lícito concluir esta transcrição, a propósito que vem ocorrendo, comas outra transcrição das palavras do Professor Lenio Luiz Streck (Conjur, 10/01/2019):"[...] Só mais uma coisa: Por que escrevi isso? Porque sou jurista. Quase 30 anos de Ministério Público. Advogado. Professor. Uma pessoa doente pode procurar um curandeiro. Uma benzedeira. Ou ajuda religiosa. Mas o correto é ir ao médico. No Direito ocorre o mesmo. Crime não se combate com opiniões morais. A tentação de esfolar criminosos sempre é grande. Quase incontrolável. Mas um jurista tem de tratar (d)o problema com o Direito. Isto é, com os seguintes remédios: com o CP, o CPP e a CF. Ou vira justiceiro. Simples assim. Advogado (enfim, gente do direito lato sensu) que é contra garantias processuais de liberdade é como médico que odeia antibióticos. Ambos devem trocar de ofício ou profissão. Antes que matem os pacientes.".

domingo, 6 de janeiro de 2019

Direito e Literatura (Cultura)

"O que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu." (Goethe - Fausto).

"Ao abrir um encontro internacional, a atriz Melina Mercuri, à época ministra da Cultura da Grécia, anunciou que pronunciaria algumas palavras em sua língua natal. A plateia mirou-a com certa surpresa e desencanto, antecipando que nada entenderia. Não foi o que se passou, todavia, quando ela falou, sonora e pausadamente: "Democracia. Política. Matemática. Teatro." Vocábulos de uma língua universal, que fazem parte da semântica do mundo contemporâneo. Se fosse para utilizar um chavão da temporada, não haveria excesso em dizer: "Somos todos gregos." (Luís Roberto Barroso). "A História não caminha linearmente. Ela avança aos solavancos, com notáveis explosões de criatividade, normalmente temperadas pela rebeldia. [...] Nesse ponto, vale fazer uma distinção entre cultura e informação. Vivemos numa sociedade assolada por informações. Temos fácil acesso a todo tipo de dados, sobre os mais diversos assuntos. As informações chegam pela televisão, pelo celular, pelos jornais (que, em breve, serão ultrapassados por outras mídias). A informação vale no momento, mais rapidamente se torna absoleta. (...). Diferentemente, a cultura é tecida de registros de maior força. São conceitos fundamentais, obras de arte ou monumentos políticos que, por sua importância, se afirmam na memória coletiva, criando uma consciência comum. A partir da cultura, estabelecemos padrões de beleza, de correção, de justiça. A cultura nos une. Esses padrões culturais podem mudar com o tempo, mas a transformação é lenta e jamais o padrão antigo fica totalmente sufocado. Essas grandes obras que tecem a cultura atravessam os séculos, entronizadas por suas lições. A informação pode ser armazenada indefinidamente. A cultura permite escolha de que fontes selecionar para buscar a informação adequada e a melhor forma de usá-la. Eis porque se revela fundamental recorrer a essas fontes de cultura, pois apenas assim a civilização humana não se fragmenta por completo, perdendo-se. Para o aplicador do direito, vale ressaltar que o raciocínio jurídico é analógico. "Analógico" vem de "analogia", palavra grega que significa proporção. Esta parte de uma comparação. Trata-se, pois, de um processo de raciocínio pelo qual se comparam situações ou coisas, nas suas dimensões, para daí chegar a uma conclusão. Para a analogia, é fundamental partir de algum ponto: de um padrão ou mesmo da distorção. Sem um paradigma, não há analogia, pois não se tem proporção. Para compreender e distinguir o feito do belo e o certo do errado, é necessário um raciocínio analógico. O melhor ponto de partida é fornecido pela cultura. Hoje, quando se deseja colher alguma informação, as pessoas simplesmente digitam em seus aparelhos eletrônicos um nome, um objeto de pesquisa. O computador imediatamente devolve a informação. Não se olha para o lado, para trás ou para a frente. Trata-se de um mundo digital. A busca analógica, por sua vez, é distinta. A informação não se oferece pronta, mas deve ser encontrada por meio de um raciocínio. O direito, como se disse, reclama essa apreciação analógica. Os fatos da vida, que servem de fonte à análise legal, não vêm prontos, tal como uma pesquisa feita no computador. O intérprete deve encontrá-los por meio do referido raciocínio analógico, que reclama padrões e pontos de partida. Sem cultura, essa busca, se não impossível, é, ao mesmos, seriamente comprometida." (José Roberto de Castro Neves).