domingo, 10 de dezembro de 2017

O Direito de Nome


A mutabilidade do nome no sistema registral

(Vitor Frederico Kümpel, in Migalhas, 4251, quinta-feira, 7 de dezembro de 2017)

"Ao voltar de Padã-Aram, Deus apareceu de novo a Jacó e o abençoou, dizendo: Seu nome é Jacó; mas você não se chamará mais Jacó: seu nome será Israel. E lhe deu o nome de Israel." 1
A importância do nome para a identificação e individualização das pessoas é, mais que uma afirmação jurídica, uma constatação histórica. O nome, de fato, é o principal meio de chamamento no trato social diário, bem como o mais importante elemento de identificação da pessoa natural no serio das relações jurídicas.
Se por um lado o interesse individual no nome é irrefutável, até pela opção do Código Civil hodierno em trata-lo como direito da personalidade, por outro não se pode afirmar que o bem jurídico tutelado se encerra na esfera individual da pessoa. Afinal, além de expressão da personalidade individual, existam outros interesses igualmente legítimos subjacentes à questão, na medida em que o nome, sendo essencial para a distinção dos diversos sujeitos de direito, permitindo a correta imputação de direitos e obrigações no desenlace das relações sociais2.
Partindo desse viés, é natural que o sistema busque a estabilização onomástica, garantindo que o nome atribuído a determinada pessoa a ela se vincule ao longo do tempo, não apenas para a aquisição de direitos mas também para a correspectiva imputação de deveres e obrigações. A inidentificabilidade do sujeito é uma das principais mazelas para o sistema jurídico, trazendo sérios transtornos à operabilidade do sistema. Daí se reconhecer, no nome, também uma questão de ordem pública.
Se por um lado o intuito identificatório apenas se perfaz ao longo do tempo se houver certa estabilidade no nome, por outro, há uma série de situações em que a mudança onomástica se mostra necessária, seja para alinhar a forma de chamamento a uma nova realidade jurídica vivida pela pessoa, seja para tutelar direitos da personalidade tangenciados pela questão. Justamente por existir essa variedade de interesses envolvidos, que ora convergem ora se contrapõem, a questão da mutabilidade do nome deve ser tratada com parcimônia, buscando um equilíbrio entre os bens jurídicos cuja tutela, no caso concreto, possa vir a conflitar.
Foi nesse espírito de ponderação que a lei 9.708/98 modificou o art. 58, caput, da Lei dos Registros Públicos (lei 6.015/73), que até então, priorizando o interesse social na possibilidade de identificação e individualização das pessoas, determinava peremptoriamente a imutabilidade do nome. Pela nova redação, contudo, a ideia de imutabilidade cedeu espaço à noção – menos radical – de definitividade, abrindo-se inclusive a possibilidade de sua substituição por apelidos públicos notórios3.
Assim, embora não seja propriamente imutável, não se nega o caráter definitivo do nome, que, por sua vez, coloca certos entraves à liberdade da sua modificação. Daí a lei exigir não apenas fundamentação, em regra, decisão judicial, inclusive com a participação do Ministério Público.
Com fulcro na noção de definitividade, e sempre levando em consideração os interesses subjacentes à temática, abordar-se-á, nos próximos tópicos, as principais hipóteses de modificação do nome contempladas no sistema civil atual, bem como seus reflexos na disciplina dos registros públicos.
2) Alteração intermediária imotivada:
A lei 6.015/73, como mencionado, possibilita a alteração do nome em situações especiais, estabelecendo a primeira delas no art. 56, segundo o qual o "interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa".
Assim, a lei prevê uma hipótese de alteração imotivada (independente de fundamentação ou justificativa), de natureza administrativa, mas ao mesmo tempo confere proteção especial ao nome de família, na medida em que o sobrenome caracteriza a pessoa como parte de um grupo familiar dentro do meio social em que vive.
Tal dispositivo, entretanto, deve ser lido em conjunto com o art. 58 da mesma lei, segundo o qual não poderá o interessado suprimir prenome simples ou composto na medida em que o prenome é definitivo, podendo ser substituído por apelidos públicos notórios, ou outras modificações legalmente autorizadas.
Sendo assim, a liberdade de alteração imotivada consagrada no art. 56 é balizada, de um lado, pela definitividade do prenome, e de outro, pela tutela aos apelidos de família, daí restar apenas as chamadas "adições intermediárias", ou seja, acréscimos que não comprometam nem o prenome e nem o sobrenome4.
O sobrenome familiar, embora não possa ser prejudicado, pode ser ampliado, sendo comum, inclusive, a hipótese, para evitar a homonímia. É possível ainda o acréscimo de um apelido público notório, como o nome intermediário, bem como a supressão de elementos acessórios do nome, como agnomes e partículas (exceto se integrarem a estrutura do sobrenome).
3) Erro de grafia:
A segunda hipótese de modificação do nome prevista na LRP diz respeito ao erro de grafia, que era previsto expressamente como exceção à imutabilidade do prenome na redação original da lei, cujo art. 59, parágrafo único, determinava: "Quando, entretanto, for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do Juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do artigo 56, se o oficial não o houver impugnado.".
Com a alteração efetuada pela lei 9.708, de 1998, porém, tal dispositivo foi suprimido, mas a hipótese perdurou na norma genérica do art. 110, que diz respeito à retificação de "erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção", fixando o procedimento a ser seguido para a averbação correspondente. Trata-se, portanto, de erros evidentes, isto é, perceptíveis, à primeira vista, por qualquer pessoa.
Com fulcro no art. 110, o erro pode tanto se encontrar no prenome, simples ou composto, quanto no sobrenome, paterno ou materno, ou até mesmo no agnome ou partícula. A correção poderá ser solicitada na própria serventia, mediante requerimento do interessado, acerca do qual deverá manifestar-se o Ministério Público (art. 110, § 1º). Se porventura o parquet entender que a modificação exige, sim, maiores indagações, será necessário o deferimento judicial, com assistência de advogado, nos termos do § 3º do art. 110. Deferido o pedido, averbar-se-á a retificação à margem do assento, mencionando o número do protocolo, e a data do deferimento (art. 110, §4º).
4) Uso
Com o advento da lei 9.708, em 18 de novembro de 1998 ocorreu importantíssima mudança no sistema onomástico. A redação anterior dizia: "O prenome será imutável". A nova lei passou a determinar: "O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelido público notório". Assim, além de, como mencionado, substituir a ideia de imutabilidade por definitividade, o legislador consagrou a tutela do pseudônimo. Assim, com a mudança legislativa, o apelido público notório tornou-se não só agregável ao prenome, mas suscetível também de substituí-lo.
Se por um lado a lei não deixa dúvidas quanto à possibilidade de substituição do prenome pelo apelido público notório, não há consenso na doutrina e na jurisprudência quanto aos requisitos que devem ser observados para autorizar tal mudança.
Uma corrente mais restritiva entende que cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, o caráter da notoriedade do apelido mencionado na lei5, mediante a verificação de três requisitos: a) que o apelido exista e o interessado atenda de fato quando chamado por ele; b) que o apelido seja conhecido no grupo social em que o apelidado convive, posto que público; c) a notoriedade do apelido6.
Outra vertente, mais liberal, entende que o simples auto chamamento da pessoa configura "apelido público notório", prescindindo de prova testemunhal que ateste ser aquela pessoa conhecida no núcleo da sociedade por outra denominação. Basta que a pessoa não esteja tentando lesar interesses individuais, coletivos ou difusos que deverá ter guarida a modificação.
5) Exposição ao ridículo:
Hipótese autorizadora da modificação do nome, que demonstra nitidamente a estreita relação entre o nome e os direitos da personalidade, é a exposição ao ridículo. O art. 55, parágrafo único, da lei 6.015/73, na verdade, estabelece um dever negativo aos oficiais de registro civil, que não deverão registrar "prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores". Caso os pais não se conformem com a recusa do oficial, este deverá submeter o caso à decisão do juiz competente.
Em todo caso, mesmo que o oficial não obstaculize a escolha do prenome vexatório, ao arrepio da vedação legal, ou por não considera-lo, num primeiro momento, suscetível de expor o registrando ao ridículo, este poderá requerer a modificação posteriormente, a qualquer tempo. Afinal, a questão atenta diretamente à dignidade da pessoa humana, já que o nome é a principal forma de chamamento, gera publicidade inata, e, dependendo de como formulado, tem o potencial de sujeitar cotidianamente a pessoa a escárnio, causando significativos danos à sua personalidade.
Cumpre anotar que, ao contrário do que afirma parte da doutrina, a questão do ridículo não é apenas uma questão externa objetiva, é também uma questão de foro íntimo. Não é razoável exigir que, para autorizar a modificação, haja bullying ostensivo, basta que o titular de direitos se sinta constrangido com seu próprio nome, pois a tutela do nome, na perspectiva individual, é a tutela de um direito da personalidade, e deve levar em consideração também aspectos subjetivos da pessoa.
Muito embora a jurisprudência moderna continue refratária nesse ponto, é preciso pontuar que não é razoável que um ato, muitas vezes irrefletido, por parte de um pai ou de uma mãe, - ou até de um outro declarante que está no rol dos obrigados pelo nascimento, mas que muitas vezes nem guardam vínculos de afeto ou familiar com a criança – deva repercutir como uma pena perpétua na personalidade e na vida de determinado indivíduo.
6) Proteção à testemunha:
Uma quarta hipótese de modificação do nome reporta ao chamado Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçada, instituído pela lei 9.807, de 13 de julho de 1999, que determina, em seu art. 9º: "em casos excepcionais, e considerando as características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos objetivando a alteração de nome completo". A referida lei, ainda, modificou o parágrafo único do art. 58 da LRP, determinando que "A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público".
Por fim, considerando a peculiaridade da situação, e visando assegurar a efetividade do programa sem prejudicar a necessária segurança jurídica dos livros públicos, o legislador incluiu o § 7º ao art. 57 da LRP, dispondo que "Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração".
Assim, o referido conselho, admitindo o ingresso da vítima ou testemunha no programa, considerando as peculiaridades do caso, poderá peticiona ao Juiz Corregedor ou da Vara de Registros, e este, após ouvir o Ministério Público, expede mandado de averbação para alteração integral do nome do protegido, sob sigilo indispensável, devendo a averbação fazer referência expressa ao juiz que a exarou, porém, sem apor o nome alterado.
Cumpre ressaltar que a alteração, nesse caso, até mesmo para garantir a efetividade do programa e a completa dissociação entre a nova identidade e a antiga, deve ser obrigatoriamente integral (prenome, sobrenome e eventuais designativos acessórios), sendo que o novo nome deve ser completamente diverso do nome originário ou anterior.
Uma vez cessada a ameaça ou coação, e findo o programa, faculta-se ao titular o retorno ao nome anterior, observadas as mesmas etapas procedimentais exigidas para a mudança (art. 9º, §5º).
7) Alterações no estado familiar:
O nome, como mencionado, visa não apenas identificar a pessoa como ser autônomo e individualizado, mas também associá-la a um determinado grupo familiar, identificando laços de parentesco dentro de uma sociedade, função desempenhada notadamente pelo sobrenome ou patronímico.
Não obstante, as relações familiares não são necessariamente estáticas, havendo uma série de acontecimentos durante a vida da pessoa natural que podem implicar modificações no seu estado familiar, dentre as quais destacam-se o casamento, a união estável, a separação e o divórcio, o reconhecimento de parentalidade, a adoção etc.
Ora, se o sobrenome reflete o estado familiar, as eventuais mudanças na situação jurídica familiar podem implicar uma correspondente alteração no sobrenome – seja pela aquisição de apelidos de família, seja pela sua exclusão.
O maior exemplo de aquisição de apelido de família é o do casamento, ocasião em que os cônjuges podem adotar o sobrenome um do outro, de modo a tornar notória a união7. Nesse ponto, é bom lembrar que, sob a égide do Código de 1916, a adoção do patronímico do marido era obrigatória para a mulher, operando-se ipso iure por ocasião do matrimônio. Com a redação dada pela lei 6.515/77, contudo, passou a haver a facultatividade na adoção do sobrenome do marido, ou seja, a aquisição deixou de ser automática, passando a depender de consenso.
Por fim, com o advento do Código atual, o art. 1.565, § 1º, passou a estabelecer: "qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro". A melhor interpretação do dispositivo é que não apenas um dos nubentes poderá adotar o sobrenome do outro, mas também ambos podem, simultaneamente, acrescer ao seu o sobrenome do outro, ainda que faça transparecer, em certa medida, que são irmãos.
Note-se ainda que, pela dicção normativa, não seria possível a substituição do sobrenome familiar anterior, pelo sobrenome do outro nubente, já que o texto legal fala apenas em "acrescer". Porém, na prática, e por força das normas de serviço estaduais8, tanto tem sido admitido a supressão parcial de sobrenome com a adoção do sobrenome do cônjuge, quanto a supressão integral de sobrenome, com a adoção do sobrenome do cônjuge9.
Ora, se a aquisição do sobrenome pelo casamento visa indicar a existência do vínculo matrimonial, o que ocorre com o sobrenome adquirido se houver dissolução desse vínculo? Antes da entrada em vigor do atual Código Civil, vigorava o princípio da transitoriedade, ou seja, a dissolução exigia, por regra, a supressão do nome. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, porém, a regra passou a ser a da manutenção, enquanto a supressão tornou-se excepcional, condicionada à expressa renúncia10. A nova orientação coaduna com o a natureza de direito da personalidade reconhecida ao nome pelo novo diploma (art. 16 do Código Civil), e como tal incorpora-se, de forma inata e permanente, a essência do titular, independentemente da origem ou a forma de aquisição11.
Cumpre anotar que a aquisição do sobrenome do cônjuge pode implicar a modificação de assentos reflexos12, como no caso do art. 3º, parágrafo único, da lei 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que ressalva "o direito de averbar alteração do patronímico materno em decorrência do casamento, no termo de nascimento do filho". Isso significa que caso a mãe se case já possuindo filho, poderá não só modificar seu assento, por meio da averbação do nome do marido no seu próprio registro de nascimento (Livro "A"), como também poderá averbar a retificação no assento dos filhos13.
Há também a possibilidade de retificação do sobrenome do filho nos casos em que a mãe, tendo adotou o sobrenome do marido na época do matrimônio em substituição ao próprio, volta a usar o nome de solteira após o divórcio, autorizando, por conseguinte, a retificação do nome do filho para adicionar o sobrenome de solteira da mãe, desde que não prejudique os apelidos de família paternos14.
8) Adoção:
O art. 47, §5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente determina: "a sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome". Assim, o sobrenome originário do adotado deve ser suprimido, podendo ou não haver alteração de prenome.
A alteração do sobrenome decorre da própria finalidade da adoção, como instituto voltado à alocação do adotado em família substituta, implicando seu desligando jurídico em relação à família originária. Assim, o adotado passa a estar vinculado não só aos adotantes – pelo vínculo de paternidade e/ou maternidade – mas também às famílias destes, passando a pertencer a um novo tronco familiar. Nesse contexto, a substituição do antigo sobrenome pelo do adotante torna-se imperiosa, lembrando que o patronímico é o principal indicativo de parentesco perante a sociedade.
9) Conclusão
Há diversas outras questões polêmicas em matéria de mudança do nome, como a alteração do prenome decorrente de mudança de sexo15, a supressão de sobrenome paterno ou materno em face de abandono socioafetivo16, a aquisição do sobrenome pela união estável17, dentre outras questões importantíssimas que merecem tratamento mais esmiuçado. Buscou-se apenas breve exposição das principais situações ensejadoras da alteração atualmente previstas pelo ordenamento jurídico, de modo a demonstrar a dificuldade inerente à questão, que, como acima sustentado, perpassa diversos polos de interesse igualmente tutelados pelo ordenamento jurídico.
Sendo o direito ao nome um direito de personalidade, conforme adotado pela quase unanimidade de doutrinadores18, realmente não parece razoável que haja necessidade, nos pedidos de modificação do nome, de justo motivo para acolhimento, presumindo-se pela rejeição. Somente será efetivamente direito da personalidade quando a regra for a da autodeterminação pessoal19.
Na medida em que o nome constitui direito da personalidade não faz muito sentido que toda a modificação precise ser justificada20. Desde que não prejudique terceiro e não atente a outro interesse social relevante, a mudança tem que ser admissível21. Isso significa que se o titular de direitos não tem apreço pelo seu nome ou tem interesse em apor outro sobrenome, sem prejudicar a terceiros sob o prisma comutativo ou distributivo, a mudança tem que ser admissível ainda que calcada apenas no foro íntimo22. Caso contrário, o nome, que deveria servir como expressão da personalidade, tornar-se-ia pena eterna ao seu portador23.
Os registros públicos são orientados justamente pela busca da segurança jurídica, e sendo assim o registro civil assume inestimável importância em matéria de mutabilidade do nome, já que permite suprir, por meio da publicidade, a segurança que poderia ser perdida por uma possibilidade irrestrita de mutação do nome24.
Afinal, a segurança jurídica garantida pelo sistema registral não é simplesmente estática – é dinâmica, já que alicerçada na constante atualização e correção das informações assentadas, que permite a aferição não apenas da situação jurídica vigente no registro originário mas de todas as modificações supervenientes (publicizadas por meio das averbações), e garante – na medida do possível – a correspondência entre a realidade registral e a realidade jurídica ao longo do tempo.
______________________
1 Bíblia Sagrada, Gen. 35:9-10.
2 L. G. LOUREIRO Registros Públicos – teoria e prática, 8ª ed., Salvador, Juspodvm, 2017, p. 166: "O nome, juntamente com outros atributos, tem por missão assegurar a identificação e individuação das pessoas e, por isso, é como se fosse uma etiqueta colocada sobre cada um de nós. Cada indivíduo representa uma soma de direitos e de obrigações, um valor jurídico, moral, econômico e social e, por isso, é importante que tais valores apareçam como o simples enunciado do nome de seu titular, sem equívoco e sem confusão possível".
3 Cf. V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, pp. 258-259.
4 C. R. GONÇALVES, Direito Civil Brasileiro – Parte Geral, vol. I, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 2010, p. 159.
5 "Retificação de registro civil. Alteração do prenome. Presença de motivos bastantes. Possibilidade. Peculiaridades do caso concreto. - Admite-se a alteração do nome civil após o decurso do prazo de um ano, contado da maioridade civil, somente por exceção e motivadamente, nos termos do art. 57, caput, da lei 6.015/73. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, 3ª T., Resp. n. 538.187, rel. Nancy Andrighi, j. 2-12-04).
6 S. S. VENOSA, Direito Civil – Parte Geral, vol. I, 8ª ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 189.
7 V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, pp. 267-269.
8 Nesse sentido, dispõe as normas de serviço de São Paulo (t. II, cap. XVII, item 70) e de Minas Gerais (cap. V, art. 593).
9 O registrador deve orientar as partes, ainda que haja permissão nas normas estaduais, para não haver a supressão integral de sobrenome, afim de que o cônjuge não perca sua identidade familiar anterior, até por força da multiplicidade de divórcios.
10 Embora reconheça o direito à manutenção do nome de casado, o Código Civil prevê a possibilidade de o ex- cônjuge solicitar a supressão do seu patronímico do sobrenome do outro, na hipótese de ser este o "culpado" da separação e desde que não haja prejuízo ao cônjuge condenado (art. 1.578). Não obstante, para boa parte da doutrina, com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, não existe mais dissolução culposa, de sorte que toda supressão de sobrenome seria facultativa. Cf. M. BERENICE DIAS, Manual cit. (nota * supra), p. 85: "Assim, a culpa foi abandonada como fundamento para a dissolução coacta do casamento. Mesmo quem dá causa à dissolução da sociedade conjugal não pode ser castigado. O 'culpado' não fica sujeito a perder o nome adotado quando do casamento. Nem mesmo no que diz com os alimentos persiste o instituto da culpa, pois não mais cabe ser questionada a responsabilidade pelo fim da união".
11 Cf. V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, pp. 273-277..
12 Cf. V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, pp. 278-279..
13 Além da adoção do princípio da continuidade e especialização do registro civil, o objetivo da norma é "evitar que o registro revele que o filho nasceu antes do casamento de seus pais, valorando, ao que parece, a família constituída pelo matrimonio". Cf. M. BERENICE DIAS, Manual de Direito das Famílias, 10ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 124.
14 J. M. BRUM, Troca, Modificação e Retificação de Nome das Pessoas Naturais, Rio de Janeiro, Aide, 2001, p. 45.
15 Cf. V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, pp. 281-285.
16Cf. V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, p. 287.
17 Cf. V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, pp. 269-273.
18 F. C. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. I, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 143; L. BRANDELLI, Nome cit. (nota * supra), p. 45; WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, Curso cit. (nota * supra), vol., p. 106; MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 27ª ed., São Paulo, Saraiva, 2010, p. 209; S. S. VENOSA, Direito Civil – Parte Geral, vol. I, 5ª ed., São Paulo, Atlas, 2005, pp. 214-215.
19 A. SCHREIBER, Direitos da personalidade, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2014, p. 193: "Como se vê, a proteção da dignidade humana impõe a urgente inversão na abordagem dos pedidos de modificação de nome: não é o seu acolhimento, mas a sua rejeição que depende de ‘motivo suficiente’. Somente assim o direito ao nome pode assumir sua verdadeira vocação de direito da personalidade, atraindo para a esfera de autodeterminação pessoal não a mera questão do uso do nome, mas também a sua definição, como símbolo primeiro de identificação da pessoa. É sob essa perspectiva que o direito ao nome deve ser examinado".
20 Cf. V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, pp. 287-288.
21 Para R. LIMONGI FRANÇA, Do Nome cit. (nota * supra), p. 251, o princípio da imutabilidade do nome é a mais importante das regras que objetivam a regularidade da identificação das pessoas. A consagração desse princípio em forma de lei é hoje reconhecida pela legislação da maior parte dos países civilizados.
22 Cf. V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, pp. 259.
23 V. F. KÜMPEL – C. M. FERRARI, Tratado Notarial e Registral, São Paulo, YK, 2017, p. 264.
24 Para F. C. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. VII, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 114, nada impediria que alguém mudasse de nome várias vezes durante a vida, o problema se encontra na publicidade dessas mudanças.

domingo, 26 de novembro de 2017

Fragmentos para uma aula de Direito

Acadêmicos de Direito! Rumo ao Sucesso!



Tu és eternamente responsável por quem cativas.” (O Pequeno Príncipe).

“Navegar é preciso; viver não é preciso.” (Pompeu – 106 – 48 a.C.).

“Para nós, advogados, que significa pedir justiça?” (Goffredo da Silva Telles Junior).

Ninguém acreditou nos fenícios quando eles afirmaram – 2000 anos antes de os Portugueses chegarem a África Ocidental -. Foram objeto de troça quando insistiram que, o Sol do meio-dia ficava ao norte. Todos os homens do mundo antigo sabiam que o Sol se encontrava sempre e invariavelmente na parte Sul do firmamento. Mesmo Heródoto, o grande historiador grego que escreveu a história dos Fenícios, 150 anos mais tarde, considerou esse relato um logro. No entanto, os Fenícios, povo aventuroso, realizaram de feto a viagem que descreveram. E a prova mais convincente de que o fizeram para os historiadores contemporâneos é exatamente a mesma afirmação que convenceu o mundo antigo da falsidade do relato: a referência de que viam o Sol à sua direita quando navegavam em direção a Oeste, contornando o Cabo da Boa Esperança. E diziam os Fenícios: o importante não é viver; o importante e navegar.

Nossa história é semelhante a dos Fenícios. Pois, quando do início do curso, havia os que não acreditavam na sua conclusão. A esses, provamos o contrário e aqui estamos como prova material da efetiva possibilidade inicialmente intuída. Alguém já sustentara que: “O Homem é dotado de inteligência e força de vontade. A inteligência é muito importante, pois nos dá a capacidade de escolher o que, para nós, é melhor. Mesmo assim é a força de vontade que nos faz caminhar, que faz vencer! Com ela, sentimos sempre a emoção de tentar acertar e errar e depois acertar. Somente desta forma conseguiremos vencer os desafios.

Nada de ilusão, será um dos nossos lemas. Ao iniciar a militância forense, recém saído (a) dos bancos acadêmicos, o ou a advogado (a) noviço (a) se depara com percalços e regras não escritas cuja existência não foi objeto de estudo no curso de ciências jurídicas. Enquanto não conscientiza, assimila e ultrapassa essas “esfinges”, corre o risco de assemelhar-se à figura da “barata tonta” com que Pitigrilli ironiza os advogados, debatendo-se desnorteado para resolver problemas processuais que os livros didáticos não mencionam, nem solucionam. Quando depois, consegue contornar as dificuldades, persiste ao lado da satisfação profissional pelos sucessos alcançados o travo amargo da lembrança das injustiças a que precisou se submeter, das humilhações que absorveu para solucionar os problemas legais do cliente. Assim, o livro de J. F. Oliosi da Silveira, advogado experiente e militante, longe de ser uma coletânea de queixumes dos causídicos, representa exposição de síntese das falhas da organização judiciária, de vez que os óbices que dificultam a atuação profissional do advogado resultam em última análise no desvirtuamento da finalidade primordial do 3º Poder da República, que é indubitavelmente a distribuição da Justiça aos cidadãos que a ele recorrem. Apesar dessas aporias, nada nos deterá. Assim é que, quando Eduardo Couture, escrevera “Os Mandamentos do Advogado”, no 10º - AMA A TUA PROFISSÃO, ele termina o texto - e nós vamos segui-lo – com a expressão dos versos de Wilhelm Meister, no poema imortal:
Se bem-vindo, jovem noviço!
Sê bem-vindo ao sacrifício!”, de nossa parte, sem sacrifício, evidentemente!

Antes de objetivarmos o estudo da atividade profissional do advogado, entendemos, de passagem, fazer uma necessária distinção entre ele e o bacharel, tema este que foi motivo de concurso por ocasião das comemorações do ano Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, instituído pelo Egrégio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Antes, ainda, vale a pena ressaltar que o bacharel tem inúmeras possibilidades de exercício profissional. Segundo a literatura, há mais de 50 possibilidades. Há muitas possibilidades ainda inexploradas no Brasil. Por exemplo: o Direito e a arte; o romance jurídico etc.. Nos Estados Unidos, o Direito e a arte está bem desenvolvido. Lá existem mais de 50 filmes nesse domínio e a literatura, em cada estado, é imensa. Outro detalhe importante diz respeito a ingratidão (uma armadilha). Se o advogado não considerar que esse vício integra a profissão ele poderá ficar aborrecido com a profissão, enquanto que o problema não é com a profissão e sim com os usuários da arte. Logo, a questão é do outro, não do profissional.

Conceito – Distinção – Prerrogativas

Ao menos avisado pode parecer, em primeira vista, que os vocábulos “advogado” e “bacharel” são sinônimos. Não o são, de forma alguma. Bacharel, do francês, “bachelier”, em sentido lato, como usado, originariamente, em Portugal, distingue o indivíduo que cursou a Universidade, em qualquer especialidade. Outrora, no Brasil, o termo era usado para todo aquele que tivesse concluído o curso médio, ginasial. Com o passar do tempo foi se limitando aos cursos de Direito, Filosofia, Ciências e Letras. Na sua origem, a palavra francesa “bachelier” teria se formado do Latim “bacca lauri”, que significava “coroado de louros, com bagas” (Caldas Aulet, v. I, p. 478/9). Em sentido restrito, o vocábulo bacharel é usado, apenas para aqueles que concluem o curso de Direito. Não é aplicável a outras especialidades, como Engenharia, Medicina, Agronomia, Veterinária, por exemplo. O bacharel que, aprovado no exame de ordem, se inscreve na Ordem dos Advogados do Brasil, passa a denominar-se advogado, isto é, aquele que tem o direito de advogar, que significa, em termos mais amplos, a capacidade de ingressar em juízo. Etimologicamente, a palavra é derivada do Latim – advocatus. Como se vê, a distinção objetiva entre o bacharel e o advogado, é a inscrição na OAB, que só pode ser efetivada uma vez preenchidas certas formalidades legais, constantes do Estatuto próprio. A figura do advogado existe desde os tempos mais remotos. J. M. Carvalho Santos sintetizara, com objetividade, a evolução da advocacia na antiguidade, entendendo que “A justiça social, em verdade, considerava essencial e imprescindível a defesa do acusado, que, a princípio, era feita, na expressão de DUPIN, por um parente ou um amigo, que emprestava à ignorância ou à fraqueza o apoio de sua coragem ou de seu saber. Mais tarde, observa a ser turno LABORI, as necessidades da justiça exigiram que homens especializados, versados no conhecimento das leis, viessem se colocar ao lado dos litigantes, para assisti-los na reivindicação de seus direitos. Essa a origem da profissão de advogado, que, embora conhecida entre os Egípcios e os Persas, só na Grécia mereceu os cuidados de uma verdadeira organização. Em Roma, a advocacia se restringia, de início, ao patrono: o patrono encarregava-se de defender perante a Justiça os interesses de seus clientes, aos quais devia, além disso, proteção sob todos os outros pontos de vista”. Posteriormente, ainda em Roma, os advogados agrupavam-se em sociedade, denominada “colégios”. No Brasil, somente em 18 de novembro de 1930, a profissão passou a ser, efetivamente, regulamentada, por meio do Decreto nº 19.408, que criou a Ordem dos Advogados do Brasil. Durante o Império e parte do período republicano, a profissão existia sem qualquer regulamentação. A expressão legalmente habilitado significa a inscrição na Ordem.

O ADVOGADO E A ADVOCACIA

Os jornais, de forma corriqueira e repetida, dão notícias de manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil quanto a lesões que se praticam, quase sempre impunemente, ao Direito e a aplicação da Justiça, nos mais diversos locais do mundo. Cumpre, assim, a OAB, com o importante dever de zelar pela dignidade da Justiça e pela intangibilidade do Direito. É um gesto, neste mundo de conturbações, tão arriscado quanto heroico. E, talvez, por essa missão absorvida, a entidade de classe preocupa-se mais com o Direito, a Justiça e a Advocacia, na sua forma ideal, transferindo para o advogado, como simples pessoa, a missão incumprível de enfrentar, sozinho, todas as adversidades que sua profissão se lhe impõe diuturnamente.

O ADVOGADO E A ARTE

O condenado, Henri Cherrièrre, no livro Papillon, bem reflete o pensamento daqueles que, por desconhecimento, emitem conceitos deformados da figura do advogado: “Dentro de alguns instantes serei julgado por homicídio. Meu advogado, Raymond Hubert, veio cumprimentar-me: ‘Não há qualquer prova contra você, tenho confiança, seremos absolvidos’. Acho graça nesse “seremos”. Como se ele, Doutor Hubert, fosse perante o tribunal como acusado e, se houvesse condenação, também tivesse que sofrê-la”. Realmente, é difícil para um leigo entender que o advogado, de certa forma, também participa da solução do processo, inclusive sofrendo a condenação.

O entendimento obscuro da missão do advogado não se limita, apenas, aos mais humildes ou aos condenados. Alan Hynd, conhecido escritor americano, no seu livro “Gênios do Crime” (a biografia de três famosos advogados americanos do norte – Real Rogers, Clarence Seward Darrow we William Josep Fallon), no prefácio, afirma: “Pois se não fosse por certos tipos de advogados – os advogados do crime, em todos os sentidos – muitos malfeitores pensariam duas vezes antes de infringirem uma lei qualquer. Com a ajuda de um advogado astucioso, muito bem remunerado, orador hábil, capaz de impingir as mais mirabolantes histórias a jurados simplórios, que se defrontam com políticos profissionais e sem talento, no papel de assistentes da promotoria, o criminoso frequentemente leva a melhor e o crime permanece impune”. Esse pensamento, grosseiramente primário, eis que ninguém praticaria um delito pelo simples fato de ter um bom advogado, lastimavelmente encontra eco em considerável parte da sociedade que, em face do esquema de pressão exercido sobre esse profissional, vai dele formando um conceito equivocado e altamente desprestigiante.

Conclui-se, desses raciocínios, que o criminalista, antes de prestar um serviço público, sóbrio, juntamente com a Magistratura e o Ministério Público, pela administração da Justiça, é o responsável direito pela delinquência que, hoje, é uma indisfarçável calamidade social. E isso se diz impunemente, como se verdade fosse, como se os jornais não noticiassem, diariamente, o sequestro e o homicídio de advogados quando no cumprimento do seu dever de defesa, em regra exercido contra os fortes e os poderosos.

Como ensinara J. M. Carvalho Santos: “A missão do advogado é das mais nobres. Exige competência, dignidade, honradez e bravura moral da parte de quem se propõe a desempenhá-la. Às vezes toca às raias do sublime essa missão, quando visa a defesa dos fracos, quando é exercida gratuitamente em prol do direito de pessoas miseráveis, quando traduz a irrestrita dedicação à causa da liberdade e da democracia. Como quer que seja, é sempre nobre essa profissão, cujo exercício outra coisa não visa senão fazer triunfar o direito, a verdade e a justiça”.

O ADVOGADO E O PODER JUDICIÁRIO

Enquanto a violência e a coação ocorrem, e ocorrem com repetição estarrecedora, a Advocacia, como “expressão da defesa dos direitos humanos”, está, naturalmente, sendo atingida, mas quem sofre a rudeza do golpe, quem é desumanamente ferido pela arbitrariedade, é a pessoa do advogado em todos os sentidos. Sempre houve e, hoje mais acentuadamente há, uma tendência indisfarçável de se calar o advogado que representa, em última instância, o protesto sentido e a repulsa heroica contra toda violência. Contraditoriamente, a Magistratura e o Ministério Público não possuem a necessária independência para o protesto formal e frontal. O advogado, sim, tem condições para exercer essa faculdade, embora pague, não poucas vezes, com sacrifício próprio, o preço do seu protesto e do seu atrevimento. E ao assim proceder não está zelando, apenas, pela conservação de um direito seu, mas pela integridade do próprio Poder Judiciário. Com efeito, já foi dito em 1974 e continua atual: “Percebe-se, então, que a crise da advocacia é, em parte, o sinal de enfraquecimento do próprio Poder Judiciário. O advogado integra a administração da Justiça. Há sofrimento global. Existe uma só diferença: uns detém, ainda, a condição de apontar falhas e buscar melhorias; outros não”. (Publicação da OAB-SP, 1974, p. 2). E isso se dá por um motivo relevante: o advogado não está subordinado a qualquer hierarquia.

O ADVOGADO – DIREITO DE ACESSO A REPARTIÇÕES PÚBLICAS

A advocacia é serviço público igual aos demais prestados pelo Estado. O advogado não é mero defensor de interesses privados. Tampouco é auxiliar do Juiz. Sua atividade, como particular em colaboração com o Estado, é livre de qualquer vínculo de subordinação para com Magistrados e agentes do Ministério Público. O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas – (...) – pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição – no horário de expediente ou fora dele – basta para impor ao serventuário a obrigação de atender ao advogado. A recusa de atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o Juiz vedar ou dificultar o atendimento de advogado, em horário reservado a expediente interno (STJ, Ac. 1ª T, DJU-I, 23.3.92, RMS-1.275-RJ, Rel. Min. Gomes de Barros).

O ADVOGADO E O CLIENTE

O eterno problema das relações advogado-cliente, na cobrança de honorários, é dos que deixam marcas mais profundas no exercício da profissão. A dificuldade, aliás, é extranacional. Por isso alguns cuidados devem ser tomados.

O advogado e o médico são os únicos profissionais liberais que contatam com o homem, sempre, em condições patológicas, anormais. O paciente, ao procurar o facultativo, comumente, é portador de uma enfermidade psicossomática. Reivindica, desesperadamente, sua cura. O médico torna-se receptáculo de um processo reivindicatório intenso. Diferente não é a posição do advogado. O cliente lhe chega às mãos sofrendo de um mal psicossocial. Nas mãos do facultativo, o paciente deposita sua saúde, sua vida, mesmo. Ao advogado, o cliente confia seu patrimônio e, não raro, sua liberdade. Está em pânico, e o profissional, queira ou não, absorve, suporta toda a carga emotiva que lhe é transferida ou, pelo menos, com ele divide. Outras atividades profissionais não exigem tanto do profissional. O relacionamento advogado-cliente também é dificultado pela dependência que sua atividade, sempre, tem com terceiros. E o fundamental, que é a sentença, foge da influência do advogado e, dependente do juiz, produz na parte e seu procurador insuportável e angustiante insegurança. Em princípio, tem o advogado que expor ao cliente o problema da morosidade judicial. Precisa tato, eis que se culpa o Poder Judiciário para justificar a demora ou a decisão incorreta, violenta-se, pois confessa a falência do órgão para o qual e em função do qual está seu ideal e sua atividade profissional (o perigo do fogo amigo). Se não é feliz nas suas explanações, assume o ônus de parecer negligente. Em face desses problemas, é comum que o profissional assimile a dramaticidade da situação do cliente e, incorporando a angústia, passe a sofrer a resultante de todos os casos postos a seus cuidados. Dizia um velho e experiente advogado: “O problema do cliente não se põe aqui (apontava para o coração), mas aqui (e apontava para a cabeça)”. No entanto, isso não é fácil e, por consequência, torna-se um candidato natural ao enfermo. Vive em torno dos problemas alheios e toda sua atividade é dirigida no sentido de solucioná-los. Problemas não se trancam em cofres nem se colocam nas gavetas dos arquivos mortos; acompanham o profissional até no convívio familiar, produzindo, muitas vezes, insuportável tensão com sérias consequências psicossomáticas. Vezes há que, em face de uma justa sentença contrária, tem o profissional que suportar incompreensões oriundas do desencanto e do desespero do seu defendido. E não raro, os honorários, que é o que de concreto fica do cliente, como dizia Couture, numa conferência no Sul, depois de resolvida a questão, sofrem inaceitáveis procrastinações, forçando o profissional a constituir advogado para ressarcir-se dos danos. Cabe, portanto, ao profissional prever essa situação e procurar prevenir-se. Fato comum, ainda a respeito dos honorários, ocorre por ocasião de acordos. As partes, sempre com a assistência direta dos procuradores, após debates e propostas recíprocas, chegam a um acordo. Então, comumente, acontece um desagradável constrangimento ao profissional. Nenhuma das partes quer acertar os honorários, e o advogado passa a sentir-se culpado pela não ultimação do acordo. E termina, violentado, cedendo e aceitando valor muito aquém do merecido. No crime, então, o problema é crucial: preso, o cliente é liberal; solto, é avaro. Criou-se uma prática altamente prejudicial e desconfortável: o chamado contrato de risco. Essa prática faz com que o advogado fique sócio do cliente. Assim o respeito entre sócios não o mesmo que pautar o respeito entre cliente e advogado. Se se é sócio, pendente do resultado, fica o advogado obrigado a suportar inúmeras indelicadezas. Por outro lado, como o advogado só receberá ao final e durante a demora do processo fica ele sem os recursos necessários para tocar a causa. Também quando termina, vem aquela polêmica sobre o valor dos honorários e também tem repercussão quando a causa termina ou pode terminar por acordo. Então: cautela é de bom proveito com esse tipo de contrato. Advogado não é investidor para correr riscos com o resultado do próprio trabalho. Quem tem de correr riscos é o cliente. O risco da demanda é do cliente. Até porque, não raro, a versão do cliente nem sempre é consistente. Outro ponto, diz respeito ao substabelecimento: clientes sem pudor, depois de muito trabalho por parte do advogado, eles aparecem com alguma desculpa para que o advogado deixe o caso para outro.

O ADVOGADO E O ADVOGADO

Falou-se do perigo que corre o advogado de incorporar o problema que aflige ao seu constituinte. Os jovens são mais sensíveis a essas influências. Por isso, é comum que o advogado noviço, unido, emocionalmente, ao seu cliente, muitas vezes não consiga distinguir bem a parte adversária do colega adverso; e, misturando as coisas, crie conflito entre os profissionais. O fato, embora compreensível, é lamentável. A luta é constante na atividade profissional, e muito mais será se além do problema trazido pelo constituinte, ainda tenha o advogado que enfrentar discórdias com os colegas. Dizem os mais experientes, repudiando essa agressividade profissional, que “os clientes passam e os colegas ficam”. De certa feita, um advogado do interior, referindo-se a esse problema, afirmava que se deve fazer da advocacia um meio de vida, não um meio de morte.

Assim é que o relacionamento entre os advogados, que aqui é tão palidamente explorado, é tema complexo e merecedor de maior estudo e reflexão. Um fato que motiva, também, desentendimentos entre colegas é a obrigação do advogado de, na defesa do seu cliente, ser compelido a atingir, de certa forma, o seu colega quando contesta os honorários. É uma situação extremamente delicada para o profissional. No entanto, existe e gera problemas. Um tema que poderia ser enfocado aqui, é que diz respeito à concorrência desleal. O conchavo com funcionários da Justiça e o aviltamento dos honorários profissionais na busca de vencer a constante concorrência, tem criado sérios dramas e só tem servido para desmotivar e desvalorizar a profissão.

Em todas as áreas de atuação, os desafios são parecidos e requerem bastante cuidados. Na área criminal, na fase do inquérito ou em juízo, o erro judiciário, o criminalista sofre pressões; na área cível, aqui, reina um deus impiedoso e sem entranhas: o dinheiro. E este soberano encarrega-se de dar o toque de sutileza necessário. Com o desenvolvimento da indústria, do comércio e dos serviços, os empreendedores passaram a perceber que não podiam prescindir de constante assistência jurídica, sob pena de irreparáveis danos. Eis que a legislação, especialmente fiscal, tributária, trabalhista, previdenciária, ambiental etc., desenvolveram-se em ritmo acelerado e descortinaram-se, assim, campos férteis para o exercício profissional.

A CARACTERÍSTICA ÉTICO-POLÍTICA ESSENCIAL

O bacharel em Direito, qualquer que venha a ser a atividade profissional que exerça, tem uma relação profunda e indelével com uma questão nuclear: a consciência jurídica. Escrevera Cesar Luiz Passold (O Advogado e a Advocacia): “Na minha concepção, consciência jurídica é a noção clara, precisa, exata, dos direitos e dos deveres que o indivíduo deve ter, assumindo-os e praticando-os consigo mesmo, com seus semelhantes e com a Sociedade. Portanto, a consciência jurídica, num primeiro momento, é a noção explícita que alguém detém a respeito de seus direitos e obrigações. Trata-se, nesta dimensão, de uma filosofia, de uma metafísica, e, sobretudo, de uma atitude ético-política. A consciência jurídica, num segundo momento, requer aquilo que denomino elemento consequente, ou seja, o fato de que ela deve implicar em prática efetiva de direitos e deveres. Trata-se, agora, de uma vivência, de uma práxis coerente com a atitude, com a noção. E é justamente a distância entre a noção e seu elemento consequente o grande problema a ser enfrentado por todos nós. É preciso enfatizar que a consciência jurídica tem uma função importantíssima no confronto entre Estado e Sociedade, porque é através dela que se tem probabilidades concretas da devida conciliação entre a criatura (o Estado) e a criadora (a Sociedade). Em todos os países a noção da consciência jurídica é fundamental, enquanto o seu elemento consequente é estratégico, mas nos subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, ela é essencial para a efetivação da Justiça (na sua tríplice dimensão: comutativa, distributiva e social) e para a consolidação da Democracia. Não considero uma leviandade o afirmar que a maior parte dos graves problemas nacionais, acumulados ao longo de nosso processo histórico, se deve ao fato de que, aqui, não se tem o hábito de cultivar a consciência jurídica e, em decorrência, ela não é devidamente vivenciada, praticada. Mas o leitor deve perguntar-se: quem são (ou devem ser) os detentores da consciência jurídica? A resposta é que todos os indivíduos que vivem numa sociedade deveriam deter a consciência jurídica, quer no plano conceitual – isto é, possuir a noção clara e precisa de seus direitos e deveres -, quanto no do seu elemento consequente – ou seja, no aspecto vivencial, prático. A indagação que merece ser feita agora é: quem tem o dever de ser o principal estimulador, o grande difusor e o garantidor da noção e da prática da consciência jurídica? A resposta é: indiscutivelmente o bacharel em Direito! Em todos os diversos papéis profissionais que ele pode desempenhar, o bacharel em Direito detém, sem dúvida, uma função social específica. Tal função social se consagra no seu dever inarredável de ser o estimulador, o difusor e o garantidor, qualquer que seja a possibilidade profissional que esteja exercendo, da noção e da prática da consciência jurídica. Aliás, o bacharel em Direito é o único profissional de nível superior que detém tal função social. Esta constatação aumenta imensamente a sua responsabilidade pessoal e profissional. [...] Jurista, na minha concepção, é aquele que tem noção da sua função social decorrente da condição de bacharel em Direito e, com vigor, a prática. Enfatizo: o que chancela um jurista não é o número de livros por ele publicados ou o seu renome nacional ou internacional. O que confere a um bacharel em Direito, qualquer que seja o papel social que exerça, a condição especial e honrosa de jurista é o fato de ele, muito aplicadamente, deter a noção, praticar, estimular, difundir e empenhar-se pela existência da consciência jurídica e de suas consequências no meio em que vive e em que exerce a sua profissão. Diante disso, é natural que a nossa preocupação se volte imediatamente para a maneira como deve ser desenvolvida a formação do bacharel em Direito, de tal forma que ele seja despertado, estimulado e informado sobre os direitos e deveres, estes vistos não apenas como regras constantes em dispositivos constitucionais, legais ou regulamentares, mas, e sobretudo, considerados como elementos essenciais à vida social na qual preponderam, realmente, a Justiça e a Democracia. Isto é, a que concepção fundamental deve obedecer o ensino jurídico para que possa produzir o bacharel em Direito que venha a ser realmente jurista, seja ele Advogado, Magistrado, Delegado de Polícia, Promotor de Justiça, etc.? Penso que o ponto basilar desta questão é a colocação da consciência jurídica como tema central de todo o processo de aprendizagem. Este deve desenvolver-se de forma a que ocorra uma constante realimentação entre e teoria e a prática jurídicas. É necessário um pensar crítico responsável a respeito da relação entre a teoria e a prática jurídicas. Sem isto, o curso de Direito forma “engenheiros legais”, que podem ser competentes e eficientes, mas com função social limitada. O desenvolvimento da consciência jurídica pelo acadêmico de Direito é, acima de tudo, fruto de um compartilhado ato de vontades. A primeira vontade não é do professor nem da direção da faculdade. É do aluno, porque ele é o sujeito do processo educacional. Toda a estrutura educacional só tem sentido se o aluno for o seu centro. Em consequência, a vontade predominante para que se absorva e se exercite a consciência jurídica, já durante o desenrolar do curso, deve ser a do aluno. E quais são os requisitos para o exercício desta vontade? O acadêmico de Direito tem que deter uma constituição cultural muito peculiar: ele deve constituir-se num ser pesquisador, num ser reflexivo, num ser político. Ser pesquisador significa dedicar-se com muito afinco à investigação cultural, ampliando as suas fontes bibliográficas, lendo muito, quer o direito positivado, quanto a doutrina e a jurisprudência, sem descuidar de aumentar o seu vocabulário, e não apenas o pertinente ao tecnicismo jurídico; isto tudo, sem descuidar das leituras que lhe possam fornecer uma percepção a mais completa possível da vida em Sociedade. Ser reflexivo implica em receber os conhecimentos – todos – sempre com uma atitude crítica responsável, vale dizer, perquirindo e buscando os fundamentos de ordem valoral que estejam a sustentar as informações, sem desrespeitar a ordem constituída. Ser político significa assumir, coerente e consequentemente, a postura de indivíduo que tem compromissos claros e sólidos com a Sociedade na qual está inserido, agindo no sentido de que o poder seja exercido sempre sob a égide do interesse coletivo, do bem comum. Com esta tríplice característica, o acadêmico de Direito conseguirá exercitar-se e desenvolver as capacidades da crítica inteligente e responsável, do conhecimento apurado e da noção de sua função social, equipamento com o qual ele haverá de se tornar um cidadão útil à sociedade. Enquanto for aluno, se portador da tríplice constituição, o acadêmico de Direito tem melhores condições de desempenhar-se eficazmente no correto processo de ensino/aprendizagem. Neste, professores e alunos somam o aprendizado, e não se confrontam no aprendizado. A relação entre ambos deve ser, insisto, de soma, e nela o professor exercerá o papel de coordenador do processo, na medida em que estimula o aluno e lhe abre as portas do conhecimento. Tal é, aliás, aberta a porta da aprendizagem, empenhar-se na absorção dos conhecimentos, reflexivamente, politicamente, como um meticuloso pesquisador. O resultado disto será, sem dúvida, a formação não apenas de um bacharel em Direito, mas sim de um verdadeiro jurista, isto é, do estimulador, do difusor e do garantidor da consciência jurídica do país.”.

Coincidiu a fala do autor (país) com o nosso interesse, e, neste momento, vamos lembrar Rui Barbosa: “A Pátria não é ninguém, são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A Pátria não é um sistema, nem um monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Os que a servem são os que não invejam, os que não conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam, os que não emudecem, os que não se acobardam, mas resistem, mas ensinam, mas esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam a justiça, a admiração, o entusiasmo. Porque todos os sentimentos grandes são benignos e residem originariamente no amor.”.

Do que exposto, é possível entender que se trata de moral. Moral é diferente de moralismo. Moral é prática e ação. Moralismo é apontar defeitos nos outros. O bacharel em Direito é um ser moral e pratica a moralidade. A moralidade é não provocar constrangimentos. Daqui podemos chegar na Ética.

A Ética consiste na busca, na pesquisa, no estudo do conhecimento dos meios adequados para atingir o objetivo em plena liberdade. Ética cuida da teoria, do estudo. A moral cuida da prática. Ética é epistemologia, conhecimento. Assim como a Hermenêutica é a teoria e a Interpretação é a prática. Qual o objetivo almejado pelo bacharel em Direito?

DIREITO – JUSTIÇA – FELICIDADE

“Poucas questões respeitantes à sociedade humana têm sido postas com tanta persistência e têm obtido respostas, por parte de pensadores sérios, de formas tão numerosas, variadas, estranhas e até paradoxais como a questão <O que é o direito>” (Herbert L. A. Hart). O que é direito? Uma das tarefas mais simples e, ao mesmo tempo, mais difíceis do mundo é dar uma definição do direito. Tarefas simples: todos os manuais de direito apresentam uma definição do direito e qualquer estudante ou profissional da área jurídica pode oferecer sua própria definição. Tarefa difícil: nunca houve nem haverá uma única definição do direito. [...] O direito faz parte dos conceitos controvertidos porque a sua definição está vinculada a ideias filosóficas e políticas que possuem forte carga emotiva e em relação às quais não fácil obter um acordo. O estudante do direito deve aceitar essa realidade. Direito significa sempre controvérsia. E já que as pessoas entendem o direito de várias formas é de se esperar que sobre os problemas concretos de sua aplicação haja muitas opiniões, conflitos e contestações. [...]. Estudamos dezoito definições do direito que foram dadas nos últimos vinte e quatro séculos, por vários autores” (Dimitri Dimoulis – Manual de IED). A dele: “O Direito é o conjunto de normas que objetivam regulamentar o comportamento das pessoas na sociedade. Essas normas são editadas pelas autoridades competentes e preveem, em caso de violação, a imposição de penalidades por órgãos do Estado.”. A nossa: O Direito consiste no resultado do processo cultural intelectual (histórico, contextual e social), tendo por fontes leis, sentenças, contratos, costumes, princípios, valores, analogias, mitos (dogma), ficções, presunções, símbolos, decorrentes do conhecimento, do reconhecimento (= aceitação: aceito como vinculante pelos afetados), da vontade e do poder, para atender a objetivos práticos (dirigir ações).

Da mesma forma, há dificuldades com relação às concepções de Justiça. Mesmo assim, Chaim Perelmam (Ética e Direito, São Paulo, Martins Fontes, 2002), nos dá um norte apresentando seis concepções de Justiça, dependendo do objetivo almejado. Dissera ele: “É ilusório querer enumerar todos os sentidos possíveis da noção de justiça. Vamos dar, porém, alguns exemplos deles, que constituem as concepções mais correntes da justiça, cujo caráter inconciliável veremos imediatamente:

1.     A cada qual a mesma coisa. Segundo essa concepção, todos os seres considerados devem ser tratados da mesma forma, sem levar em conta nenhuma das particularidades que os distinguem.
2.     A cada qual segundo seus méritos. Eis uma concepção da justiça que já não exige a igualdade de todos, mas um tratamento proporcional a uma qualidade intrínseca, ao mérito da pessoa humana.
3.     A cada qual segundo suas obras. Essa concepção da justiça tampouco requer um tratamento igual, mas um tratamento proporcional. Considera o resultado da ação.
4.     A cada qual segundo suas necessidades. Essa fórmula da justiça, em vez de levar em conta méritos do homem ou de sua produção, tenta sobretudo diminuir os sofrimentos que resultam da impossibilidade em que ele se encontra de satisfazer suas necessidades.
5.     A cada qual segundo sua posição. Eis uma fórmula aristocrática da justiça. Consiste ela em tratar os seres não conforme critérios intrínsecos ao indivíduo, mas conforme pertença a uma ou outra determinada categoria de seres.
6.   A cada qual segundo o que a lei lhe atribui. Esta fórmula é a paráfrase do célebre cuique suum dos romanos. Se ser justo é atribuir a cada qual o que lhe cabe, cumpre, para evitar um círculo vicioso, poder determinar o que cabe a cada homem. Se atribuirmos à expressão “o que cabe à cada homem” um sentido jurídico, chegamos à conclusão de que ser justo é conceder a cada ser o que a lei lhe atribui. Esta concepção nos permite dizer que um juiz é justo, ou seja, íntegro, quando aplica às mesmas situações as mesmas leis. Ser justo é aplicar as leis do país. Tal concepção da justiça, contrariamente a todas as precedentes, não se arvora em juiz do direito positivo, mas se contenta em aplicá-lo. É evidente que essa fórmula admite em sua aplicação tantas variantes quantas legislações diferentes houver. Cada sistema de direito admite uma justiça relativa a esse direito. O que pode ser justo numa legislação, pode não o ser numa legislação diferente: com efeito, ser justo é aplicar, ser injusto é distorcer, em sua aplicação, as regras de um determinado sistema jurídico. E. Dupréel opõe essa concepção a todas as outras. Qualifica-a de “justiça estática”, por ser baseada na manutenção da ordem estabelecida, e lhe opõe todas as outras consideradas como as formas da “justiça dinâmica”, por poderem trazer a modificação dessa ordem, das regras que a determinam. “Fator de transformação, a justiça dinâmica se mostra um instrumento do espírito reformador ou progressista, como ele se autodenomina. A justiça estática, propriamente conservadora, é fator de fixidez.”.
O maior objetivo do homem, e há consenso nisso, é alcançar a felicidade e como a felicidade implica a Justiça, que por sua vez tem como instrumento de acesso o Direito, [um acadêmico interrompe: Professor! Pois não! Podemos encerrar com o que foi dito para nós no início? E acrescentou: “Tu és eternamente responsável por quem cativas.”]. Concordo plenamente! Encerremos então com um texto “DESIDERATA”, escrito por um filósofo e advogado.
A palavra “Desiderata” vem do Latim e significa “coisas que são desejadas”. Também é o título de um famosíssimo poema, que se tornou particularmente conhecido durante os anos sessenta, junto com o movimento hippie. O texto é uma reunião de sábios conselhos que deram a volta ao mundo inteiro, pela precisão de suas ideias e pela profundidade de seu conteúdo.
Em um dado momento, surgiu todo um debate sobre a origem desse poema. Em torno do texto foi criada a lenda de que havia sido escrito por um monge anônimo e que havia sido encontrado sobre o banco de uma igreja em Baltimore, há duzentos anos. De acordo com esta versão, o poema teria sido escrito no ano de 1692.
Na verdade, tudo se tratava de um equívoco. O autor de “Desiderata” foi o filósofo e advogado Max Ehrman. Mas o texto não foi publicado em vida; só foi a público em 1948, quando sua esposa publicou seus poemas de forma póstuma.
O erro surgiu porque, por muitos anos, ‘Desiderata’ foi um poema que passou de mão em mão, como uma espécie de ato de boa vontade. Transformo-se em algo como uma proclamação; buscava-se que quem o recebesse praticasse tudo que estava escrito ali.
Muitos resolveram omitir o nome do autor, e foi assim que chegou às mãos de um pastor de Maryland, que compilou vários textos para fazer uma edição especial de Natal. Dentro destes textos estava o ‘Desiderata’ e, ao lado do nome, o presbítero anotou uma legenda: “Igreja de Saint Paul, 1692”. Ele só escreveu estes dados para identificar seu tempo e o ano de fundação do mesmo.
Alguém da congregação ficou encantado com o poema e pediu que um jornal o publicasse. Assim aconteceu, então, a popularização do erro que dizia ser um texto de 1692 que havia sido encontrado na Igreja de Saint Paul.
Seja como for, a verdade é que se trata de um lindo texto que foi traduzido para mais de 70 idiomas.
Este é o texto desse maravilhoso poema:
“Vá placidamente por entre o barulho e a pressa e lembre-se da paz que pode haver no silêncio.
Tanto quanto possível, sem sacrificar seus princípios, conviva bem com todas as pessoas.
Diga a sua verdade calma e claramente e ouça os outros, mesmo os estúpidos e ignorantes, pois eles também têm sua história. Evite as pessoas vulgares e agressivas, elas são um tormento para o espírito.
Se você se comparar aos outros, pode tornar-se vaidoso ou amargo, porque sempre existirão pessoas superiores e inferiores a você.
Usufrua de suas conquistas, assim como seus planos. Manter-se interessado em sua própria carreira, mesmo que humilde, é um bem verdadeiro na sorte incerta dos tempos.
Tenha cautela em seus negócios, pois o mundo é cheio de artifícios, mas não deixe isso te cegar à virtude que existe. Muitos lutam por ideais nobres e por toda parte a vida é cheia de heroísmo.
Seja você mesmo. Sobretudo, não finja afeições.
Não seja cínico sobre o amor, porque apesar de toda aridez e desencantamento, ele é tão perene quanto a relva.
Aceite gentilmente o conselho dos anos, renunciando com benevolência às coisas da juventude.
Alimente a força do espírito para ter proteção em um súbito infortúnio. Mas não se torture com temores imaginários. Muitos medos nascem da solidão e do cansaço.
Adote uma disciplina sadia, mas não seja exigente demais. Seja gentil consigo mesmo.
Você é filho do Universo, assim como as árvores e as estrelas. Você tem o direito de estar aqui.
E mesmo que não lhe pareça claro, o Universo, com certeza, está evoluindo como deveria.
Portanto, esteja em paz com Deus, não importa como você O conceba.
E, quaisquer que sejam as suas lutas e aspirações no ruidoso tumulto da vida, mantenha a paz em sua alma.
Apesar de todas as falsidades, maldades e sonhos desfeitos, este ainda é um belo mundo. Alegre-se. Empenhe-se em ser feliz!”