quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Biografias

     Tramita no Congresso Nacional projeto de lei que trata a questão da autorização para divulgação de filmes ou publicação de livros que sejam considerados biográficos, sem autorização do biografado ou de seus familiares. A necessidade dessa autorização passa pela importância dada aos conceitos e desdobramentos relacionados com o direito à intimidade e o modelo adotado pelo Brasil com relação à nossa composição: se, na solução dos conflitos, deve prevalecer o interesse individual, social, científico ou todos, em harmonia. Com efeito, pela declaração estampada no preâmbulo da Constituição Federal constata-se que o nosso Estado está "...destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,...". Além da observância desses conceitos e seus desdobramentos faz-se necessário, ainda, verificar o conceito em que consiste uma biografia e um biógrafo; se o texto pode ser considerado uma biografia e se o autor dele detém autoridade para tanto. 

     Segundo Julien Benda,  em "O Pensamento Vivo de Kant" (tradução de Wilson Veloso, Livraria Martins Fontes, São Paulo, 1961, p. 13): "É comum dizer-se que as vidas dos filósofos consistem de pouca coisa mais que da biografia de suas idéias. E, na verdade, a natureza essencialmente meditativa desta raça de homens parece excluir de sua carreira, como por necessidade, aquelas aventuras e revoluções, pelo menos as aventuras e revoluções deliberadas, tão freqüentemente encontradas nas vidas de poetas e romancistas.[...]". Assim, para o autor existem diversas formas de compor uma biografia que dependerá do perfil do biografado.

    Nessa linha de pensamento, numa rápida pesquisa pela Barsa (v. 3, 1979, p. 140) encontra-se que: "biografia é o relato da vida de uma pessoa. Outrora gênero literário, a biografia está hoje mais ligada à história. Além de historiador, o biografo tem que ser um retratista. Como historiador seu dever é ser exato, basear-se em documentos, e apresentar os fatos de maneira inteligível. Como retratista, deve reunir qualidades literárias, na construção e no estilo, de modo a tornar a obra artística. Tecnicamente, a biografia participa da ciência e da arte: é escrupulosamente fiel aos fatos, mas dá a impressão de um romance. O que a crítica literária moderna condena é a biografia romanceada, ou romance histórico, em que o autor inventa episódios e diálogos. Dar a impressão de realidade e apresentar o retratado em sua verdadeira humanidade, não quer dizer romancear a sua vida.".  Com relação ao biógrafo,  a exigência que se faz é que detenha autoridade necessária para cuidar do tema, ou seja: tenha formação acadêmica para tanto. Por fim, com relação a necessidade de autorização ou não do biografado, é uma questão de natureza política a ser avaliada considerando os pressupostos constitucionais.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O homem, o Direito, a Norma e a Sociedade

     O homem é, simultaneamente, indivíduo e ente social. Embora relativamente independente não deixa de integrar, por necessário, a comunidade (unidade comum), ou seja: o grupo social. Com efeito, ele é gerado num grupo menor, nasce num grupo e passa a existência num grupo maior, já orientados. Deveras, necessariamente, ele pertence a algum grupo e os grupos são normatizados. Assim,  não há grupamento humano sem normatização, cujas normas organizam, direcionam e promovem a adaptação dos membros do grupo, entre si, dentro do grupo e entre grupos.

     Com isso, percebe-se que o Direito é uma necessidade natural e é, de certa forma, como um véu protetor, sob o qual há tutela dos comportamentos, sempre de relação, dos indivíduos entre si, em grupo menor e ou maior, ou seja: o Direito é relacional. Todavia, o Direito não é a norma simplesmente. A norma é um dos frutos de elaboração do homem e serve como instrumento para a incidência do Direito, também, necessária. Ela vem da ciência do Direito, que é mais ampla. Pois, claro que a ciência do Direito não seria ciência se apenas se ocupasse dos atos legislativos. Por certo, as normas jurídicas pertencem ao Direito, porém não são o direito, como as normas da natureza, as leis naturais, já não são a natureza. É o que escreveu Alois Hilinger, conforme notação de Pontes de Miranda.

     Ainda mais, o Direito, ao lado de outras ciências, sob prisma, método e léxico próprio, transcende conceitos herméticos, tem como objeto de conhecimento a sociedade. Esta no sentido lato, ou seja: formada por aquilo que os homens têm ou por aquilo que são, donde o que José de Aguiar Dias fizera notar que: "Seja dom dos deuses, seja criação dos homens, o direito tem como explicação e objetivo o equilíbrio, a harmonia social. Estivesse o homem sozinho nu mundo, como seu primeiro habitante ou seu último sobrevivente, e não haveria necessidade de direito, por ausência de possibilidade de interpretação e conflito de interesses, cuja repercussão na ordem social impõe a regulação jurídica, tendente à pacificação ou, pelo menos, à contenção desses conflitos". Portanto, para que tudo isso faça sentido e se possa entender bem, há que se levar em conta, também, o espaço, o tempo e o movimento de cada um dos aspectos sociais que compõem o Direito e as demais ciências, cujo ponto de convergência está na relação existente entre todos esses elementos reciprocamente implicados.

     

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Segurança Jurídica e Ordem Intrínseca

     É como notara Pontes de Miranda: o conceito de justiça é liberdade, cultura, felicidade relativa; e da segurança, ordem, paz. Uma atenta no presente, no que é, porque se alimenta de julgamentos do que se dá, isto é, do que agora acontece, nas circunstâncias em que, na vida em comum, alguém se acha; a outra olha o futuro: artificializa-o para o tornar previsível; e, para que algo perdure, cria a permanência da regra. Ora, muitas vezes, tal estabilidade faz injustiça e traz maiores danos do que tudo. Então, parece-nos que há confusão a respeito de segurança do direito: até aqui se tem prometido a estabilidade de dispositivos, de regras, de códigos, quando, em verdade, necessário a promessa de critérios justos. Pois, o conteúdo da segurança do direito e bem assim o da justiça devem adaptar-se um ao outro: não podem ferir-se mutuamente, desmentir-se, anular-se. Lei que é dura, é feroz, é bárbara, é autoritária; só o absolutismo poderia conceber e aplaudir o dura lex, sed lex. Certamente seria anarquia não garantir a permanência do direito. Contudo, a permanência do direito não é, necessariamente, a permanência da lei. Não raro a lei permanece sem que permaneça o direito. Outras vezes, permanece o direito, o critério jurídico a despeito de não permanecer a lei, não o texto e, sim, o método de resolver, de acudir e de prover aos casos.

     O que é preciso é que vigore determinado sistema jurídico e haja a convicção de que será aplicado aos casos particulares, pois é isto que dá a segurança jurídica. Porque a atividade humana encontraria empecilhos e desalentos se não soubesse que do ato A surgiriam  os fatos A, B ou C, que são os efeitos jurídicos dele no mundo das relações sociais. E é assim porque  a ordem é a mais objetiva revelação do bem, porque representa a revelação experimental. Em suma, a segurança, por si só, não basta; faz-se necessário a ordem intrínseca, que é dada pelo sistema jurídico no que contém de provimento, em si mesmo. À ordem extrínseca basta a previsão; à outra, é preciso a perfeição interna do direito objetivo.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Há Possibilidade do Nexo




 O homem é habitante de um espaço artificial comum a todos conhecido por mundo. Os assuntos humanos são expressos pela relação de dominação do homem pelo homem, o que significada afirmar uma relação de mando e obediência, uma espécie de guerra que transcorre no âmago da sociedade - todos os homens são adversários de alguém.
De modo que as leis surgiram com o advento das guerras. Para Foucault [...] “a lei não nasce da natureza, junto das fontes frequentadas pelos primeiros pastores; a lei nasce das batalhas reais, das vitórias, dos massacres, das conquistas que têm sua data e seu herói de horror; a lei nasce das cidades incendiadas, das terras devastadas; ela nasce com os famosos inocentes que agonizam no dia que está amanhecendo. [...]”.  Então a lei não é pacífica há um silêncio no arcabouço violento do ato fundador.
Assim um feixe de elementos como coragem, medo, desprezo, ódio, derrotas e vitória, fracassos e êxitos, corpos, paixões, edificam a sociedade. Sociedade que segundo Hannah Arendt [...] “espera de cada um dos seus membros certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a “normalizar” seus membros, a fazê-los comprometerem-se, a excluir a ação espontânea [...]”.  Ora no momento em que a sociedade se “normaliza”, ou seja, quando o comportamento se torna padrão o homem dá lugar ao sujeito – aquele que acata e nada decide.
Logo se torna patente o nexo entre sociedade normalizada, experiência da lei e sujeito. Certamente em tal contexto o sujeito fica compelido a se apresentar integralmente diante da totalidade da lei e esse entregar-se integralmente à lei significa respeitar a lei não porque é justa, mas, simplesmente porque é lei.