sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Ensaiando a Liberdade

     Sob e esse título, escrevera Hamilton Rangel Junior (Ensaiando a Liberdade, São Paulo, Terra Editora, 1995). Dissera ele: "Didaticamente, poderíamos dizer que qualquer raciocínio que façamos, sobre os assuntos de nossa realidade mais comum, pode ser bem desenvolvido se refletirmos a respeito da razão-de-ser, das características e da utilidade maior desses mesmos assuntos. É. Isso faz sentido. Veja você o caso de uma cozinheira dedicada. Que ela queira raciocinar sobre o almoço a fazer para seus patrões. Inicialmente, ela vai pensar na razão-de-ser daquele almoço. Então, cabe a ela descobrir quais os valores envolvidos, o método que ela deve utilizar e os critérios a serem observados por ela. Descobre o valor envolvido na situação como sendo, por exemplo, o bem-estar físico dos seus patrões, sua nutrição etc. Verifica, ainda, que o método é a culinária e critérios são, por assim dizer, as expectativas dos que vão sentar-se à mesa: se é verão, comidinha leve; se inverno, um pouco mais densa...e, assim, por diante. Interessada em quais seriam as características desse almoço, a adorável cozinheira, com todo o talento que só ela tem, busca saber quem, o quê, como, pra quê e quando. Ou seja, ela precisa considerar aquele pessoal quanto às suas preferências alimentares; que produtos tem à sua disposição; a estrutura para prepará-los; a finalidade desse almoço - simples refeição, ou comemora-se alguma coisa?; e, finalmente, a que horas deve ser servido. O raciocínio dessa competente cozinheira só se conclui quando ela analisa a utilidade maior desse almoço. Para ela, é importante, não apenas que se devore em segundos o que ela levara uma manhã inteira para preparar (essa é ou não é uma das reclamações das donas-de-casa?). Importa o reflexo positivo daquele almoço por todo o resto do dia, na vida daquelas pessoas - é a extensão dos efeitos do seu trabalho, oferecendo aos seus patrões, por exemplo, a possibilidade de trabalhar mais e mais, sem preocuparem-se com a fome. Ainda, a energia e capacidade de desempenho profissional do seu pessoal naquele resto de dia vai ser outro reflexo do seu almoço - é a intensidade dos efeitos do seu trabalho. E, já se arranjando com as panelas, ela pensa na profundidade dos efeitos daquele almoço na realidade de seus patrões. Ela entende que, para ser completo, esse almoço precisa lembrar-lhes, digamos, da magia da natureza, de como as coisas se complementam e, fundamental!, como suas mãos e seu carinho são importantes para que tudo corra bem. Ora, esse passeio pela ideia de almoço na realidade de uma cozinheira é análogo ao que faremos para Constituição da República Federativa do Brasil e, por via de consequência, pelo assunto mais apaixonadamente amplo da Liberdade Institucional. Apenas, tudo quanto a cozinheira entendeu como razão-de-ser do seu almoço, resumiremos nos Princípios de Liberdade Institucional. O que para o seu almoço, ela chamou de características, em nosso trabalho vai atender pelo nome de Normas de Liberdade Institucional. Onde ela aponta, sobro o almoço, a utilidade maior, aqui, concluímos como sendo Exercício de Liberdade Institucional. É claro, nossa doce cozinheira já domina certas formas e conteúdos do seu mundo de delícias - ferramentas e receitas. Nós, aqui, vamos sugerir as "ferramentas e receitas" para o mundo da Liberdade Institucional. O que são Princípios e Normas; quais as derivações destas relações jurídicas, direitos, obrigações, deveres, interesses, funções, atos, fatos e contextos. Quanto ao Exercício, situações do nosso cotidiano e seu tratamento na Constituição. Vai-se perceber, durante o nosso percurso, uma especial ênfase aos Direitos Fundamentais do Homem. Será de propósito. Achamos que esse gostinho de simplicidade que queremos imprimir àquilo que, nas faculdades de Direito, denomina-se Teoria Geral do Direito Constitucional e Direito Constitucional Positivo, vai acabar favorecendo que essa disciplina jurídica chegue também aos bancos escolares - 2º grau, basicamente - além de, no 3º grau, direcionar-se às vocações jurídicas (acadêmicas, consultivas, contenciosas e cartorárias), bem como às vocações não jurídicas em geral, no que couber. Muitíssimo cá entre nós, acabamos por oferecer uma espécie de Almanaque de Liberdade Institucional, o que não é de todo mal, para quem, como nós, confessa querer levar a reflexão sobre esse tema às donas de casa, aos profissionais de áreas diversas, aos crentes, agnósticos e magos; aos bares e lares; sempre na tentativa de contribuir, por exemplo, para uma leitura melhor orientada de jornais; para um acompanhamento mais lúcido dos fatos que envolvem o homem e o Estado, para uma familiaridade cada vez mais doméstica com a Constituição. Na verdade, com toda imodéstia, a única virtude desse nosso ensaio - um ensaio narrativo, até - é sua vocação masoquista. Ele nasce com desejo de ser destruído em meio a críticas; de ser superado pelo debate de alto nível, de desaparecer com os problemas que ele tenta resolver. Eis a grande magia de tudo quanto você vai ler. O "fundo musical" (de verdade!!), neste nosso passeio, vai completar o cenário, permitindo, até, classificá-lo como uma aventura de COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL, com o seguinte roteiro: Razão-de-ser da Liberdade Institucional VIDA E LIBERDADE. LIBERDADE EXTERIOR E CONSTITUIÇÃO. PRINCÍPIOS DE LIBERDADE INSTITUCIONAL. Características da Liberdade Institucional NORMAS DE LIBERDADE INSTITUCIONAL.". De nossa parte, uma vez que o autor mostra um objetivo visado, só nos resta desejar ao estudioso que possa extrair do livro os frutos respectivos. Assim, é momento de deixar o espírito da obra dizer. Que se inicie o diálogo, por esta objetivação interpretativa e que torne o livro a ensinar.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Aspectos Históricos da Lógica

     Para compreender a lógica, é fundamental o conhecimento dos aspectos históricos respectivos. Nesse sentido, a pesquisa, realizada por Mariluze Ferreira de Andrade e Silva (A Razão e a Emoção, Londrina, Edições Humanidades, 2004), descreve o que precisamos saber. Com efeito: "Nos séculos XVIII e XIX, vários pensadores se puseram em conflito em vista dos debates entre defensores da Lógica formal (aristotélico-tomista) e da Lógica positiva (comteana). Os confrontos - verdadeiras disputas - ocorriam, sobretudo, no contexto da educação e eram justificáveis tendo em conta a necessidade de se criar uma Lógica útil para a Ciência, pois os princípios da Lógica aristotélico-tomista já não satisfaziam aos interesses da época.[...] A Lógica positiva apresentava uma doutrina bem determinada, contrapondo-se à Lógica aristotélica-tomista. A Lógica positiva declarava-se capaz de solucionar problemas humanos, a partir da humanização da razão e da Ciência. Examinando os resultados da Lógica positiva, a história revela ter sido esta uma pretensão inglória. A Lógica positiva não só dificultou o desenvolvimento como abriu caminho para o naturalismo, o subjetivismo e o evolucionismo, além  de fortalecer o racionalismo exagerado que ela havia denunciado na Lógica aristotélico-tomista. A Lógica positiva é uma doutrina associada a um método. Como doutrina, contém um conjunto de ensinamentos destinados a reformar a sociedade, razão pela qual se preocupa com temas científicos, morais, sociais, políticos, filosóficos, teológicos e ideológicos. Na condição de método, caminha da indução para a dedução e valoriza, como ponto de partida, o conhecimento intuitivo, dando ênfase à evidência, como único critério de verdade. A Lógica formal, especificamente a silogística, foi criada para ser um instrumento propedêutico aos estudos das Ciências e para operar da dedução para a indução. A princípio, esta Lógica não tinha objetivo doutrinário. Este uso lhe foi atribuído pela escolástica. Também não se preocupava em discutir aspectos ideológicos, apesar de a Lógica positiva apontar o "autoritarismo de autor", próprio da escolástica, como um aspecto ideológico da Lógica formal. Nesse caso, não é a Lógica em si mesma, em seus princípios, que se revela ideológica, mas a forma como foi instrumentalizada, isto é, o método que a escolástica usou para tornar acessível o pensamento aristotélico. Isto se constata na denúncia feita por Verney, empirista mitigado, um dos precursores do pensamento lógico-positivo. Augusto Comte, na Síntese Subjetiva, declara que sua fonte de inspiração, para a construção da Lógica positiva, foi o apóstolo São Paulo. Entretanto, verificamos que as epístolas paulinas foram submetidas, por Augusto Comte, a uma exegese exclusivamente de caráter naturalista. Isso resultou em negação da relação de São Paulo com Deus e em afirmação do social como fator determinista essencial na vida dos seres humanos. A consciência transforma-se em aspecto acidental e a sociedade divinizada passa a ser entendida como substância de Deus. Retomamos as referidas epístolas e as submetemos a uma exegese com base no pensamento cristão católico atual, resgatamos as idéias da relação do homem com Deus, afirmando a consciência como elemento essencial, sem, contudo, negar a natureza social dos seres humanos. A Lógica positiva levava em consideração o corpo e a alma (natureza e sentimento) e excluía o espírito (intelecto). Em pouco tempo, ruiu sem alcançar seus objetivos, tal qual a Lógica aristotélico-tomista, que, por si só, também falhou em relação à solução dos problemas existenciais humano ao entender o Homem apenas pela perspectiva racional (intelectual). Entendemos necessário conciliar as duas Lógicas, tendo em vista o que ensina a História da Lógica positiva no Brasil. O problema relevante aqui focalizado é o de haver possibilidade de uma conciliação entre a Lógica formal e a lógica indutiva. Ao longo da pesquisa, investigamos a possibilidade de conciliação da razão com a emoção, uma vez que o conflito entre as duas Lógicas se situa na perspectiva de separar uma da outra. Cada Lógica se define e se caracteriza por um conteúdo específico. Entretanto o conteúdo específico da Lógica formal é a estrutura do pensamento e sua coerência interna, o conteúdo específico da Lógica positiva é a estrutura da natureza humana. Enquanto a Lógica formal se preocupa com o aspecto racional, a Positiva se preocupa com o aspecto natural. Enquanto a Positiva define o Homem como um "animal social", a Formal o define como um "animal racional". Buscamos uma conciliação entre os conteúdos dessas duas Lógicas, levando em conta que o homem é uma unidade composta de corpo-alma-espírito. [...] Não nos esqueçamos que a Lógica positiva resulta de uma síntese subjetiva entre a Lógica dos instrumentos (Lógica espontânea) e a Lógica da razão, porém, o elo desta síntese foi a imanência. Propomos uma Lógica da conciliação cujo elo seja a transcendência, sem, contudo, negar a imanência.". E aqui é possível acolher a observação de Lukasiewicz: "Aristóteles não é responsável pelo fato de, por muitos séculos, sua silogística, ou melhor uma forma de sua silogística, ter sido o único saber lógico para os filósofos. Ele não é responsável pelo fato de a influência de sua lógica sobre a filosofia ter sido desastrosa.". Na verdade, diante desse debate promissor, temos a Lógica Jurídica a buscar seus fundamentos e o Direito se beneficia disso tudo no sentido de que ele trabalha mediante a argumentação com vistas à persuasão ( advogado) e o convencimento (juiz), porque o conhecimento e a prática jurídica se apresentam em diferentes contextos, considerando-se, sempre, a complexidade que lhe é inerente e a necessária busca de solução consistente.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Método de Investigação e Método de Exposição

     Em substancioso artigo, o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, sob o título "O Crime pode ser nosso e a punição também, publicado (O Estado de São Paulo, edição de 12 de janeiro de 2015 - Opinião, referido em Migalhas-3533, de 12/01/15 e 3534, de 13/01/15, sob o título "Crime e Castigo"), assegura que: "O crime é um fenômeno humano, representado por uma conduta que é descrita pela lei penal, que prevê uma sanção para quem o comete, sendo por essas razões passível de ser praticado por dolo e por qualquer homem. Assim sendo, ninguém poderá, em sã consciência, afirmar que jamais cometerá um crime. Repito, trata-se de um evento inserido dentro das atividades humanas e que assim, potencialmente, sujeita cada um de nós à sua prática. É claro que há delitos e delitos. Sabemos que, em face da formação ética e moral, como também dos valores superiores que informam a  sua conduta, o homem que preza o seu semelhante jamais adotará determinadas condutas previstas pela lei penal, em face da enormidade da infâmia e de desumanidade nelas contidas. No entanto, mesmo no rol dos delitos chamados de hediondos, por paradoxal que possa parecer, o crime de homicídio, por exemplo, é um daqueles crimes que poderá ser cometido por qualquer um de nós, embora atinja o bem supremo que é a vida. Exatamente por ser um crime de ímpeto, provocado por circunstâncias criadas pela própria vida, é grande o seu grau de imprevisibilidade, podendo atingir o mais equilibrado e ponderado dos homens, que diante de situações excepcionais passa a ter a sua vontade subjugada por estas mesmas circunstâncias. Repito, portanto, que alguns crimes, como o homicídio, podem ser cometidos por qualquer cidadão, independentemente dos elevados princípios que possam orientar a sua conduta. Ademais, não se pode esquecer a possibilidade de haver uma acusação falsa em razão das distorções da realidade ou por outro qualquer fator, atingindo um inocente. Saliente-se: acusações improcedentes ou desproporcionais à própria realidade delituosa, que conduzem às condenações injustas, estão cada vez mais presentes no nosso sistemas de Justiça. Esse sistema está, atualmente, impregnado por uma cultura punitiva que cria sempre a expectativa da culpa e da condenação, e jamais a da inocência e da absolvição. [...]". Diante disso e mais o que o leitor poderá ver diretamente no próprio texto, Migalhas encontrou, por desvio, a analogia perfeita para o "Crime e Castigo", do escritor russo Fiodor Dostoiévski, o qual narra a história de Rodion..., um jovem estudante que comete um assassinato e se vê perseguido por sua incapacidade de continuar sua vida após o delito. Esse romance se baseia numa visão sobre religião e existencialismo com um foco predominante no tema de atingir salvação por sofrimento, sem deixar de comentar algumas questões do socialismo e niilismo. Assim é que, de certo modo, a tarefa dos operadores do Direito vem realizar. Então, na concepção de Karel Kosik (Dialética do Concreto, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976): "Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde. Compreender o fenômeno é atingir a essência. Sem o fenômeno, sem a sua manifestação e revelação, a essência seria inatingível. No mundo da pseudoconcreticidade o aspecto fenomênico da coisa, em que a coisa se manifesta e se esconde, é considerado como a essência mesma, e a diferença entre o fenômeno e a essência desaparece. [...] Tal ocultação não pode ser absoluta: se quiser pesquisar a estrutura da coisa e quiser perscrutar "a coisa em si", se apenas quer ter a possibilidade de descobrir a essência oculta ou a estrutura da realidade - o homem, já antes de iniciar qualquer investigação, deve necessariamente possuir uma segura consciência do fato de que existe algo suscetível de ser definido como estrutura da coisa, essência da coisa, "coisa em si", e de que existe uma oculta verdade da coisa, distinta dos fenômenos que se manifestam imediatamente. O homem faz um desvio, se esforça na descoberta da verdade só porque, de um modo qualquer, pressupõe a existência da verdade, porque possui uma segura consciência da existência da "coisa em si". [...]. Indo ao conhecimento, diz ele: "O conhecimento se realiza como separação de fenômeno e essência, do que é secundário e do que é essencial, já que só através dessa separação se pode mostrar a sua coerência interna, e com isso, o caráter específico da coisa. Neste processo, o secundário não é deixado de lado como irreal ou menos real,mas revela seu caráter fenomênico ou secundário mediante a demonstração de sua verdade na essência da coisa. Esta demonstração do todo, que é elemento constitutivo do conhecimento filosófico - com efeito, sem decomposição não há conhecimento - demonstra uma estrutura análoga à do agir humano: também a ação se baseia na decomposição do todo. [...] Com se sabe, Marx distinguia entre o método da investigação e o método da exposição. Apesar disso, passa-se por cima do método da investigação como sobre qualquer coisa já conhecida; e equipara-se o método de exposição à forma de apresentação, não se percebendo, por conseguinte, que ele é o método da explicação, graças ao qual o fenômeno se torna transparente, racional, compreensível. O método da investigação compreende três graus: 1) minuciosa apropriação da matéria, pleno domínio do material, nele incluídos todos os detalhes históricos aplicáveis, disponíveis; 2) análise de cada forma de desenvolvimento do próprio material; 3) investigação da coerência interna, isto é, determinação da unidade das várias formas de desenvolvimento. Sem pleno domínio de tal método de investigação, qualquer dialética não passa de especulação vazia.". Pois bem, percorrido esse trajeto, de modo cuidadoso, mediante interpretação dos fatos, provas robustas, com possibilidade de manifestação de todos os envolvidos, pode-se dizer que foi observado o devido processo legal - característica do regime democrático - com seus requisitos inafastáveis: contraditório e ampla defesa e daí a decisão pode ser considerada legítima, antes disso ou sem isso, será mero simulacro, não processo.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Como estudar o Direito

     Sob esse título, Hamilton Rangel Júnior (Manual de Lógica Jurídica Aplicada, São Paulo, Atlas, 2009, p. 90/92), em boa técnica, assim descreve: "Ainda que complexo o estudo da lógica jurídica, após entendê-la, a facilidade para estudar-se o Direito tem de ser infinitamente maior. Sim, a lógica jurídica revelada exprime um roteiro de como elaborar o raciocínio sobre qualquer tema jurídico. Claro é que o que primeiro se nos apresenta na vida profissional não é a premissa da lógica jurídica, mas justamente o que se tem como premissa menor: o fato jurídico. Assim, não se estuda o Direito partindo-se da hermenêutica. Deve-se, antes, interdisciplinarmente identificar o caso concreto como prioritariamente pertencendo à esfera da autonomia individual, privada ou política. Somente então, a hermenêutica poderá dizer dos elementos que a Ordem Jurídica oferece para evitar a imoralidade institucional de o tema ser objeto de qualquer arbitrariedade dos demais interesses. Finalmente, a conclusão, expressando dialeticamente qual a solução para o caso, por meio de uma daquelas linguagens vistas na parte anterior. Estudar o Direito, então, é obedecer às seguintes etapas: a) interdisciplinarmente situar o caso concreto como prioritariamente pertencente à autonomia individual, privada ou política (premissa menor); b) promover a adequada hermenêutica, para, dinamizando as fontes de revelação de licitude, localizar os elementos definidos pela Ordem Jurídica, no entendimento doutrinário e jurisprudencial (sujeitos, objeto, meios, fins e tempo) para que a autonomia a que pertence o fato em análise não sofra arbitrariedades das outras duas manifestações de autonomia - moralidade institucional. Claro, casos haverá em que o legislador foi injusto. Então, caberá ao jurista destacar o absurdo (ridículo: eu diria, seguindo Perelman) e pleitear que prevaleça o Princípio Geral do Direito que privilegia a moralidade institucional, até porque, como se trata de regra constitucional, decorrente da dialética entre as três autonomias, postura diferente será nula por inconstitucionalidade; c) estabelecer a dialética conclusiva, revelando o porquê dessa ou daquela solução para o caso e as razões de as demais serem equivocadas. Dessa forma, por exemplo, se nos é apresentado um caso relativo ao tema reforma agrária, estudá-lo significará: l. apesar de aparentemente relativo ao âmbito da autonomia privada, já que envolve, no mínimo, a coletividade constitutiva da titularidade da propriedade - a compra-e-venda, a sucessão, a doação etc. -, esse tema é majoritariamente pertencente à esfera da autonomia política, por conta de sua sujeição ao Estado, a título de função social; 2. hermeneuticamente, a doutrina (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 15 ed., revista. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 797) tem encaminhado a exegese lógico-sistemática entre os dispositivos constitucionais (5º, XXIV e 184-5), epistemologicamente enriquecendo-a com noções de economia e sociologia, no sentido de firmar-se a premência do processo de reforma agrária; inexistentes antinomias, integra-se o regime da política agrária (185) incluindo-se as propriedades produtivas de qualquer dimensão, bem como as pequenas e médias de proprietários que não possuem outras (sujeito/objeto), como também suscetíveis de desapropriação, desde que a indenização seja justa, prévia e em dinheiro (5º, XXIV) (meio/tempo); parte-se do argumento de que, se, por força da função social (fim), à improdutividade da terra corresponde a iliquidez dos títulos da dívida agrária, a contrario sensu, à produtividade da terra deve-se fazer corresponder a liquidez do dinheiro justo e prévio. Rejeitar-se essa possibilidade será arbitrariedade da autonomia individual do proprietário que manteve seu patrimônio íntegro, por conta da indenização, sobre a autonomia política de fazer valer a função social do bem (imoralidade institucional); e 3. conclui-se que, para reforma agrária, também são desapropriáveis terras não arroladas no art. 185, desde que sob o regime do art. 5º, XXIV, já que visão diferente estaria contradizendo a noção de função social da propriedade. Acrescente-se, por fim, que a vantagem de se manter fiel à lógica jurídica, inicialmente, está na facilidade para organizar de forma completa as informações de doutrina e jurisprudência, mais facilmente memorizando-as, mesmo aquelas situações em que o legislador, o julgado, ou o estudioso se equivocou e desrespeitou a noção de moralidade institucional - nesse caso, a memorização se dá por reductio ad absurdum. Ainda, e mais vantajosamente, esse domínio lógico, no estudo, permite que, diante de casos não abordados pelos seus estudos, tematicamente desconhecidos, porém de solução premente (respostas em concursos públicos, por exemplo), possa o jurista lançar mão desse silogismo dialético-interdisciplinar geral característico do raciocínio jurídico, para deduzir o que seria a melhor solução. Esta última utilidade da lógica é a única situação em que a verossimilhança corre o risco de se converter em verdade.". Percebe-se que esse raciocínio está conforme o desenvolvido por Chaim Perelman (Lógica Jurídica, São Paulo, Martins Fontes, 1998), o qual adverte que: "Nas obras atuais consagradas à lógica jurídica, raramente levanta-se a questão: "Que é o direito?". Basta mudar de meio, de sociedade, de século ou de cultura para que se manifestem claramente divergências, e mesmo divergências fundamentais, nesta matéria. Dever-se-á separar o direito da moral e da religião? Haverá critérios, geralmente aceitos, que permitam distinguir um raciocínio jurídico de um raciocínio estranho ao direito? E, mais especificamente, considerações relativas à justiça serão ou não estranhas ao direito? É impossível responder a tais questões sem nos colocarmos no ponto de vista de uma ideia do direito próprio de dada sociedade, ou ao menos, tacitamente admitida por ela. Ora, haveremos de ver que a resposta a estas questões é determinante para que possamos precisar a noção de raciocínio jurídico, bem como a natureza e o estatuto dos conceitos e das teorias jurídicas.". Disso tudo, é lícito concluir que se a lógica jurídica é ligada à ideia que fazemos do direito e se adapta a ela, por essa razão, uma reflexão sobre a evolução do direito é uma preliminar indispensável ao exame das técnicas de raciocínio próprias desta disciplina que os juristas qualificam tradicionalmente de lógica jurídica indispensável à tarefa de como estudar o Direito.