quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Sobre a Justeza dos Nomes - Palavra e Linguagem

     Sob esse título, Maik Dias Mende desenvolvera um texto, em que busca uma análise hermenêutica do diálogo platônico Crátilo que idealiza uma tentativa ontológica a luz da dialética socrática para estabelecer a formação dos nomes e as respectivas denominações das coisas, também o valor e veracidade do discurso, tendo em vista, que o discurso é incapaz de inferir a essência das coisas, mas apenas subjugar uma predefinição da sua existência. Assim começa: "A se tratar do que é "verdade e falsidade" dentro da linguagem vemos opostos e profundos desencontros, pois o jogo de percepção particular impede o desenvolvimento do todo, isso da seguinte maneira; a verdade de um só não é a verdade da coisa em si, pois compreende sobre verdade o conjunto de afirmações universais. No diálogo Crátilo, a justeza dos nomes é buscada a partir da compreensão do seu valor semântico, etimológico e relação do objeto em si. Hermógenes dá inicio interrogando Sócrates por não compreender de Crátilo a afirmação do seu nome não ser posto corretamente a sua pessoa, as aporias socráticas quer trazer a luz da compreensão essa "angústia" de Hermógenes. A tese discutida por Hermógenes é por convenção, aderimos os nomes aos objetos porque entendemos que seja o melhor, não necessariamente poderia determinar o que é a coisa, mas a parte da visão do sujeito sobre ela, assim outro poderia dar uma nova nomenclatura pela sua experiência.Veremos que Sócrates pensará a justeza dos nomes com sua "essência natural" o próprio nome dá subsídios para ser definido, as letras com seu valor semântico deve estar harmoniosamente juntas para definir e dizer sobre a coisa, embora concluirá posteriormente que o discurso é incapaz de dizer sobre a totalidade das coisas existentes e ideais. Em pesquisa realizada, Eduardo C. B. Bittar (Linguagem Jurídica, Saraiva, 2001, p.44) sustenta que: "O Direito, frequentemente, embate-se não só com a sua estrutura mutante, mas também com o fato de que a realidade é por si pluri-discursiva e polissêmica. A culturalidade, em uma análise de cunho jurídico, é e será sempre o supedâneo de toda abordagem, visto que se trata aqui de aprender o fenômeno jurídico em sua produção, em sua estrutura regular de apresentação entre os fatos culturais. Os signos são, também, fatos culturais. Na missão de circunscrever um corpus deve-se, sobretudo, determinar com precisão a parte de um fenômeno que será estudada por meio de uma metodologia qualquer.". Eros Grau sustenta: [...] os conceitos jurídicos não são referidos a objetos, mas sim a significações, não são conceitos essencialistas [...]" (Crítica da discricionariedade e restauração da legalidade, p. 313). Para Landowski, o jurídico é mais do que se imagina a seu respeito. Ricoeur (Interpretação e ideologias, 1990, p. 53) fixa a escrita torna o texto autônomo relativamente à intenção do autor;  o que o texto significa, não coincide mais com aquilo que o autor quis dizer. Diante disso tudo, justo afirmar que transformamos uma coisa em um objeto (nominamos a coisa) quando colocamos essa coisa diante de nós a uma certa distância, sem uma posição prévia de aceitar, negar, duvidar, etc., analisando, porém, as características dessa coisa e justificando porque ela deva ser tida como tal. Aí estará firmado um conceito possível.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Matriz do Sistema Jurídico Brasileiro e as Noções de Justiça



01.   “O que hoje vigora, abrolhou dos germes existentes no passado: o Direito não se inventa; é um produto lento da evolução.” (Carlos Maximiliano); 02. “O Direito não é um fim mas um meio. Na escala de valores não figura o direito. Aparece, em contrário, a justiça, que é um fim em si mesma e a respeito da qual o direito é apenas um meio de acesso. A luta, deve, pois, ser pela justiça.” (Eduardo J. Couture); 03. “§ Único: Que a lei não seja instrumento de opressão, mas garantia de paz entre os homens.” (Charles Chaplin); 04. “Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. O que eu falei de exato? Foi. Mas teria sido? Agora, acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado. [...] A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada.” (Guimarães Rosa); 05. “Neste rés-do-chão da vida de todos os dias, a rotina prevalece: semeia-se o trigo como sempre se semeou, planta-se o mais como sempre se plantou, alisa-se o solo do arrozal como sempre se alisou [...] É o limite que se estabelece para cada época (mesmo para a nossa) entre o possível e o impossível.” (Fernand Braudel); 06. “Se a filosofia nos parece perder sua importância nos dias de hoje, na época de catástrofes espirituais e materiais que se abre para nós sobre o mundo futuro, sua causa se acha em nossa insuficiência para com ela.  A filosofia é a tal ponto o próprio da condição humana que terá de encontrar uma forma nova.”(Karl Jaspers); 07. “O homem, portanto, se distingue das demais espécies existentes porque nem tudo o que faz surge de sua estrutura genética, nem se desenvolve automaticamente em sua relação com a natureza, nem se transmite à sua descendência através dos gens. É o único animal que necessita de aprendizado para uma série de atividades que lhe são próprias.” (Maria Cristina Castilho Costa).
02.   No discurso de France Farago (A Justiça), está descrito: “Quando nos questionamos sobre a justiça, o que inicialmente impressiona é a anterioridade e a universalidade de sua petição: sempre presente sob o aspecto de esperança frustrada, exigência revigorada por uma constatação de injustiça, denunciada como escândalo que clama por julgamento. A exigência normativa que sua ideia implica sempre precede o ultimato pela intenção de enunciar a mais íntima essência. A justiça corresponde de fato a uma das mais antigas aspirações em todas as sociedades, não importa qual seja a forma de sua organização, de seu sistema.”. Assim é que o sistema jurídico brasileiro está fundado no sistema greco-romano-germânico-judaico-cristão e recebeu influência do Direito da Europa Continental. Isso é importante porque para a compreensão do nosso sistema é pressuposto entender aquele. E isso se faz mediante a pesquisa da história do direito. Dessa forma, é útil saber que o direito grego tinha em vista a coletividade. A pólis é que era importante. A ênfase era o direito público. Enquanto o direito romano, tinha em vista a individualidade. Neste a ênfase era o direito privado. O princípio norteador do direito romano caracterizou-se ao :”Dar a cada um o que lhe é devido”. Nessa linha, está Proudhon, “a justiça, sob diversos nomes, governa o mundo, natureza e humanidade, ciência e consciência, lógica e moral, economia política, política, história, literatura e arte. A justiça é o que há de mais primitivo na alma humana, de mais fundamental na sociedade, de mais sagrado entre as nações e o que as massas reclamam hoje com mais ardor.”. E Chaim Perelman, lista alguns exemplos: “1º) À cada qual a mesma coisa. Segundo essa concepção, todos os seres considerados devem ser tratados da mesma forma, sem levar em conta nenhuma das particularidades que os distinguem. 2º) À cada qual segundo seus méritos. Eis uma concepção de justiça que já exige a igualdade de todos, mas um tratamento proporcional a uma qualidade intrínseca, ao mérito da pessoa humana. 3º) À cada qual segundo suas obras. Essa concepção da justiça tampouco requer um tratamento igual, mas um tratamento proporcional. Só que o critério já não é moral, pois já não leva em conta a intenção, nem os sacrifícios realizados, mas unicamente o resultado da ação. 4º) À cada qual segundo suas necessidades. Essa fórmula da justiça, em vez de levar em conta méritos do homem ou de sua produção, tenta sobretudo diminuir os sofrimentos que resultam da impossibilidade em que ele se encontra de satisfazer suas necessidades essenciais. É nisso que essa fórmula da justiça se aproxima mais de nossa concepção de caridade. 5º) À cada qual segundo sua posição. Eis uma fórmula aristotélica da justiça. Consiste ela em tratar os seres não conforme critérios intrínsecos ao indivíduo, mas conforme pertença a uma outra determinada categoria de seres. [...] As mesmas regras de justiça não se aplicam a seres pertencentes a categorias por demais diferentes. 6º) À cada qual segundo o que a lei lhe atribui. Essa fórmula é a paráfrase do celébre ‘cuique suum’ dos romanos. Ser justo é atribuir a cada qual o que lhe cabe, cumpre, para evitar um círculo vicioso, poder determinar o que cabe a cada homem.”. Já Tourtoulon, tratando da justiça formal, a isso tudo, procura estabelecer um nexo entre as diversas concepções da justiça valendo-se da noção de limite.
03.   Por todas essas aspirações e tendências, é possível sustentar que varia a incorporação de um ramo num campo ou outro, de acordo com as funções que o estado assume, em determinadas épocas ou em certos momentos. Daí seu aspecto visível desde o direito romano, de certo artificialismo, irredutível a escalas lógicas. Além disso, a própria autonomia dos compartimentos jurídicos está em constante mutação. Disciplinas novas se especializam do corpo geral, formando ramo próprio, de acordo com as exigências sociais. A flutuação das novas disciplinas corresponde à incerteza da classificação no campo público ou privado, sem que a delimitação dos setores suscite consequências juridicamente relevantes.
(Aula de Ética – Faculdade Estácio de Curitiba – 13/11/2015 – Professor Rubens de Almeida).

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O MEDO À LIBERDADE

O MEDO À LIBERDADE (Erich Fromm - Escrito em 1941 – 2ª Guerra).

0l. “A maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar.” (Dom Hélder Câmara); 02. “Se eu não for por mim mesmo, quem será por mim? Se eu for apenas por mim, que serei eu? Se não agora – quando?” (Ditado Talmúdico – Mishnah, Abot); 03. “Não te criamos celestial nem terrestre, nem mortal nem imortal, mas de modo que pudesses ser livre de acordo com tua própria vontade e para tua própria honra, para seres teu próprio criador e construtor. A ti, somente, demos crescimento e desenvolvimento, dependentes de tua própria livre vontade. Trazes em ti os germes de uma universal.” 03. “Nada é, pois, imutável, a não ser os direitos inerentes e inalienáveis do homem.” (Thomas Jafferson).

     Nesse livro, fixa o autor: “A História moderna da Europa e da América gira em torno do esforço para livrar o homem das peias políticas, econômicas e espirituais que o têm mantido acorrentado. As batalhas pela liberdade foram sustentadas pelos oprimidos, pelos que queriam novas liberdades, contra os que tinham privilégios a defender. Enquanto uma classe lutava por se libertar da dominação, ela própria acreditava estar lutando pela liberdade humana e, assim era capaz de apelar para um ideal – o anseio de liberdade que existe arraigado em todos os oprimidos. Na longa e praticamente contínua batalha pela liberdade, contudo, as classes que lutavam contra a opressão em determinada fase, uma vez obtida a vitória, enfileiravam-se ao lado dos inimigos da liberdade para defender novos privilégios. [...]].

     Desde os tempos de estudante das Universidades de Heidelberg e Munique, Erich Fromm mantém-se fiel à grande tradição humanística da filosofia clássica alemã, a cujo patrimônio acrescentou a dimensão psicanalítica. As preocupações kantianas sobre a melhor forma de convivência social – do KANT que dizia que nada há de mais belo além do céu estrelado sobre nós e a lei moral dentre de nós – são as preocupações de FROMM, em cuja obra o traço ético é relevante – tão relevante que sendo obra de um psicanalista, ela é, simultaneamente, obra de um crítico social e de um expoente da antropologia filosófica.

     Testemunho do caos social e do totalitarismo, ERICH FROMM orientou as suas atividades científicas para o estudo dos fatores que promovem o aviltamento da condição humana: o levantamento das causas psicológicas que permitem o advento de sociedades adversas ao Homem. Mas não procede, nessa análise – e este é um dos seus grandes méritos – à supervalorização dos dados psicológicos. Mostra que, se os processos mentais realizam-se no indivíduo não serão, porém, compreendidos senão a partir da investigação da cultura – da realidade social que os deflagra. Com admirável clareza, ERICH FROMM promove a dissecação de todas as forças sociais e psicossociais que permitem a eclosão do totalitarismo. Procede ao mesmo tempo à análise das estruturas psicológicas do autoritarismo, cujo pressuposto é o de que o homem, não sendo intrinsecamente bom,  precisa de quem o tutele: de um Führer. Sob essa tutela, o indivíduo passa a sentir-se livre em sentido negativo. A liberdade adquire, então, o significado de destruição da personalidade. É a esse complexo de sentimentos e atitutes que FROMM designa como O Medo à Liberdade – a mais grave das enfermidades de que padece o mundo contemporâneo.

     Na sua radiografia de uma situação que é de conforto entre o que o homem pode ser, segundo a visão humanística, e as forças que o induzem ao cultivo dos instintos masoquistas, ERICH FROMM não se restringe ao diagnóstico do nosso tempo. Mostra como na reconquista do sentido humanístico da vida está o caminho que nos afasta do medo à liberdade. Este livro é um ato de fé na grandeza inata do homem.
(Aula de Ética – Faculdade Estácio de Curitiba – 06/11/2015 – Professor Rubens de Almeida – publicada em www.comoaprenderodireito.blogspot.com.br).
    

domingo, 1 de novembro de 2015

Democracia, Educação e Cidadania

     A obrigatoriedade do ensino de Filosofia na educação brasileira é recente e se deve ao entendimento de que se trata de uma disciplina necessária ao que preconizam os artigos terceiro e quarto da LDB-9394/96, que afirmam ser atribuição desse domínio a formação para o exercício da cidadania. Nesse sentido temos o dito de Sandro Chignola (Professor de Filosofia Política no Departamento de Filosofia, Sociologia, Pedagogia e Psicologia Aplicada na Universidade de Padova - Itália), em entrevista especial concedida ao IHU: "É preciso reinventar a democracia do século XXI". Pontua ele: "A despolitização não é o destino do mundo", diz o professor. "Trata-se de pensar e de praticar a ação política à altura dos desafios que temos à nossa frente.". Ao responder a indagação: quais os impactos que os dispositivos de poder vêm provocando nas formas de governo da vida humana? Responde: "tudo o que conecta tecnologia e vida, obtendo daí uma fantasmagoria de identidade do consumo... Celulares, computadores, cigarros... Tudo é um dispositivo.". Diz também: "os dispositivos de acumulação do capitalismo contemporâneo", os quais "trabalham diretamente em termos extrativos sobre a vida". Entre eles, destaca a "especulação financeira", que "extrai valor dos fundos de pensões", "a máquina das patentes", que "persegue o genoma", "a vida inteira dos sujeitos", que "é posta como valor". Ela acrescenta: "O que me parece decisivo, na fase da reação capitalista posterior aos anos 1980, é o esgotamento da distinção clássica entre tempo de trabalho e tempo de vida. E as novas instituições de governo neoliberal (a produção do homem endividado de que fala Maurizio Lazzarato; a crise econômica; governo das migrações; por exemplo) parecem-me exibir um traço único. Mas, de novo, nessa direção, têm mais razão aqueles que dizem que o modelo do governo da vida é mais a social-democracia norte-europeia (e a sua perversão neoliberal) que o 'campo' - campo de concentração, centro de detenção para clandestinos, zona de proteção nos aeroportos - de que fala Agamben". Para ele, a política contemporânea é compreendida como uma consequência da "cisão" entre "ser e agir" e, portanto, não se fundamenta no ser. A política, pontua, é, desse ponto de vista, "pura operatividade, eficácia, mero funcionamento de dispositivos de regulação". Essa tese, assevera, "pode ser um modo de ler o capitalismo contemporâneo ao lado do direito", à medida que "cada vez mais, a produção de regras não depende de modo algum das soberanias nacionais. Há uma crescente autopoiese jurídica, como há muito tempo defende Günther Teubner. O direito não traduz nem expressa direitos: funciona como máquina oikonomika, puramente tecnológica, para administrar e reproduzir as trocas globais". E acrescenta: "O que acabou, me parece, é a operatividade dos Estados nacionais e das categorias políticas a eles ligadas: representação democrática, partidos, centralidade dos parlamentos nacionais, territorialidade do direito, etc". Bem assim, o que está acontecendo é revelador de que a Política e o Direito estão distanciados da comum condição humana. Pois, essa leitura do que seja o ideal exercício da individualidade - feita em outro domínio e que pode ser aqui aproveitada - foi feita por John Stuart Mill (On liberty), ao procurar consignar seu protesto contra as arbitrariedades do século XIX. São passagens: "A natureza humana não é uma máquina a ser construída a molde e programada para fazer exatamente aquilo para o que tenha sido prescrita; é, na verdade, uma árvore que precisa crescer e desenvolver-se em todas as suas dimensões, de acordo com a tendência das forças que, intrínsecas a si, fazem-lhe um ser vivente.". De modo que é lícito concluir que o que está acontecendo, em nosso país, contraria a comum condição humana, por exemplo: a atual taxa de juros, bem como a carga tributária, aqui praticadas. Assim, a vida, a democracia, a educação e a cidadania requerem um acertamento dessas e outras questões gravíssimas, sob pena de não o fazendo a escravidão perpetuar-se. Só que cabe a nós essa tarefa. Ninguém virá nos salvar.