domingo, 28 de fevereiro de 2016

Problemas Lingüísticos na Escritura do Discurso Científico

     1º) "Onde não texto, também não há objeto de pensamento".(Mikhail Bakthin); 2º) "A qualidade do Direito é inversamente proporcional à quantidade dos argumentos." (Jean Carcagne); 3º) "E é por isso, Senhor, que disseste, creio eu, tanto às águas quando aos homens: 'Crescei e multiplicai-vos' - Nessa benção, percebo que nos deste a faculdade, o poder de formular de muitas maneiras uma única idéia, e de compreender também de muitas maneiras uma fórmula única, mas obscura. - É assim que as águas do mar se povoam, e suas vagas simbolizam as diversas interpretações que podem receber das palavras. É assim também que a terra se povoa de gerações humanas; sua aridez se revela à sua paixão pela verdade, e está sujeita ao poder da razão." (Santo Agostinho - As Confissões - Livro XIII - Cap. 24).
     Sob esse título, Orlando Antunes Batista escreveu o manual - Edições Omnia, Gráfica Santo Antonio: Adamantina, 2002 - voltado para um uso prático e seu objetivo é o de determinar o valor do espaço da pesquisa e da reflexão dentro da Universidade. Diz o autor: "Nos tempos modernos, onde o Conhecimento se encontra em perene crise, as frinchas para as descobertas de regiões abissais estão à disposição do docente universitário. Infelizmente, os professores, em sua maioria, e o que é pior, em todos os níveis de ensino, não consideram a pesquisa como fundamento do ato de ensinar. Contudo, a despeito do panorama de transformação da mentalidade científica brasileira, elaboramos este manual para demonstrar que em terra de cego quem tem um olho tem a obrigação de contribuir para tirar a trave do olho alheio. [...] A reflexão foi elaborada a partir de uma concepção experimental, percebida em alguns elementos que não são operacionalizados no ensino da produção do texto dissertativo na área do gênero científico, seja ele artigo, monografia, dissertação ou tese. Foi pela pesquisa desses elementos que percebemos que o ato elaboracional da informação sofre uma entropia e a idéia é mal transmitida ao leitor do texto e foi em função desta má recepção da idéia por parte do consumidor do texto científico que propomos um modus operandi para modelar o perfil linguístico do produtor do ensino científico. Através de um comportamento didático perseguido ferrenhamente, e por vezes de modo enfadonho, lutamos por ultrapassar as dificuldades que cercam a modelagem da consciência hermenêutica em geral diante do momento da montagem do juízo crítico. [...] O objetivo do estudo é o de sistematizar as relações entre o método científico e o método linguístico durante a composição do texto dissertativo no gênero discursivo concebido enquanto ensaio. Procuramos alinhar a questão da Pragmática como ponto de convergência entre os dois métodos. Se torna intenção do autor do manual harmonizar do modo mais didático possível as interferências da teoria da informação com as questões discursivas durante a elaboração do discurso no texto científico visando atingir elevado grau de produtividade pessoal. Esta obra procura ser útil para a modelagem do comportamento do produtor do texto científico no campo do ensaísmo, na maioria das vezes, a orientação para o ato de comunicação no texto, visto que a construção de uma formação discursiva sempre fica a desejar no discurso científico e que nem sempre a Verdade é transmitida de forma exata na mensagem científica. Necessário se torna afirmar que algumas lacunas não foram preenchidas mas na totalidade dos problemas o que foi discutido servirá para doravante inserir uma fundamentação argumentativa mais sólida para a compreensão da estrutura do discurso científico.", adverte e pontua: "Os professores têm aspirações muito diversas. A pedagogia de domínio não interessará àqueles preocupados essencialmente com a renda, o status, a segurança do emprego, que não pretendem investir em sua própria profissão (...) Quanto aos que aderem ao modelo de competência profissional, só apreciarão a pedagogia de domínio se ela permitir que conservem grande parte de sua autonomia, de responsabilidade, de criatividade.", nas palavras de Philipe Perrenoud.  Na avaliação do Professor Doutor Olympio Correa de Mendonça: "O método científico e o método linguístico aplicados pragmaticamente para orientação de trabalhos escritos desde o ensaio científico, passando pelo artigo, monografia, dissertação ou tese, é o que encontramos na presenta obra, [...]. Trata-se de um manual com noções essenciais e aprofundadas sobre o tema, que vem suprir a demanda dos leitores não atendidos pelos manuais tradicionais que se mostraram no uso, esquemáticos, restritos e insuficientes. Tais esquemas não impediram, na elaboração de trabalhos escritos, a ocorrência de cópias, paráfrases, colagem de trechos, ao lado das meras transcrições, colchas de retalhos costuradas na internet. Para a superação deste problema o autor está presente ao longo desta obra como orientador, mostrando ao leitor e ao elaborador de texto científico os limites da "palavra-do-outro", da "palavra-alheia" e a sua transformação em "palavra-alheia-própria" e "palavra-minha". Através da reflexão sobre O ensaísta e o discurso, na Introdução e sobre a Criatividade e Estados estéticos do discurso científico até a Última parada, no Desenvolvimento, o autor explicita que só através da consciência dos problemas linguísticos recorrentes no texto, pode-se construir o "estado estético a ser projetado na estrutura do texto científico, visando torná-lo comunicativo e informativo ao mesmo tempo durante a escritura e transmissão da idéia". Este é mais um livro que vem à luz, [...] para consolidar o ensino, a pesquisa e a extensão de serviços à comunidade, bem como, pela difusão da ciência e da cultura em nossa região.". Apresentação feita, cabe ao estudioso interessado no aprimoramento do próprio trabalho ir à luta porque atarefa de escrever bem é uma tarefa árdua e inconclusa.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

A Sentença. A Liberdade. O Cérebro

     Ricardo Luis Lorenzetti escreveu (Teoria da Decisão Judicial, RT, 2009), que: 1º) "A experiência jurídica não se esgota na lei."; 2º) "A paixão pelo direito leva-se por toda a vida."; 3º) "Chegando aos quarenta anos escrevi um livro de problemas e formulação de perguntas corretas (Fundamentos do direito privado). Agora, chegando aos cinquenta anos, me atrevo a formular as possíveis respostas, ampliando o campo de visão para mais além dos temas jusprivatistas, ainda que sem abandoná-los totalmente. Em nossa cultura jurídica não é o habitual, já que se estudam a lei e a jurisprudência de maneira estática, é dizer, como uma descrição do sistema de direito. Essa atitude é diferente daquela de quem compreende que o direito é uma ferramenta para resolver problemas, e, portanto, descreve os conflitos e os modos de resolvê-los. Implica em conceber o direito como um discurso jurídico que é parte da razão prática."; 4º) "A ideia, então, é discutir o modo como se raciocina juridicamente, em vez de se dar uma definição para cada problema.". John R. Searle, em conferências proferidas em Paris, no início de 2001, a convite da Universidade Pris-Sorbone e da Unité de Formation et de Recherche, dentro das atribuições do seminário da equipe de recepção, de filosofia e sociologia - "Racionalidades contemporâneas" -, por iniciativa de Pascal Engel, das quais resultou (Liberdade e Nurobiologia), explicou: 1º) "[...] a peculiaridade da filosofia: para resolver um problema, é preciso inicialmente resolver uma série de outros problemas."; 2º) "Mostrei que a solução filosófica do problema tradicional da relação entre mente e corpo consiste em destacar que todos os nossos estados conscientes são características superiores ou sistêmicas do cérebro, embora sejam, ao mesmo tempo, causados pelos microprocessos inferiores que se produzem no cérebro. No plano do sistema, temos a consciência, a intencionalidade, as decisões e as intenções. No plano micro, temos os neurônios, as sinapses e os neurotransmissores."; 3º) "É preciso um exemplo para explorar as diversas hipóteses. Tomemos o exemplo célebre do julgamento de Páris. Ele foi intimado por três belas deusas, Hera, Afrodite e Atenas, para deliberar e decidir qual, entre as três, receberia a maçã de ouro que os deuses destinavam à mais bela. Páris não determina seu julgamento pela beleza das deusas, mas em função das recompensas que cada uma prometia. Afrodite prometeu-lhe que ele possuiria a mais bela mulher do mundo; Atenas assegurava-lhe que conduziria os troianos à vitória contra os gregos; e Hera ofereceu-lhe ser rei da Europa e da Ásia. O importante aqui é que a decisão decorra de uma deliberação. Páris não reagiu espontaneamente. Suponhamos igualmente que ele tenha operado no espaço que constitui o intervalo: ele tem consciência de uma série de escolhas que lhe são oferecidas e sua decisão não é movida nem pelo desejo, nem pela cólera, e tampouco pela obsessão. Após deliberação, ele toma uma decisão racional. Arthur Schopenhauer (O Livre Arbítrio, Ediouro, sem data), anotou: 1º) "O universo concebido como ilusão, como fenômeno cerebral, não sendo verdadeiramente real tudo o que percebemos; a vida humana tomada como uma simples repetição; o progresso tido como equívoco; a individualidade acoimada de fatuidade; a criação apresentada como vulgar miragem; o futuro como sentido vago; o tempo como fantasma; os fastos da história como eterna mesmice; o caráter como imutável; a vontade cega. alógica, inconsciente... Seria possível assentar em bases desse jaez, com a renúncia de todo querer e a extirpação da vontade individual um sistema filosófico? Schopenhauer demonstrou essa possibilidade."; 2º) "Com efeito, existe outra verdade de fato atestada pela consciência, da qual até aqui deliberadamente não me ocupei, a fim de não interromper o curso do que tratamos. Esta verdade consiste no sentimento perfeitamente claro e seguro de nossa responsabilidade moral, da imputação e nós mesmos dos nossos próprios atos; tal sentimento repousa nesta indefectível convicção de que nós mesmos somos os autores das nossas ações. Por esta íntima convicção. a ninguém vem à lembrança, nem mesmo a quem esteja perfeitamente persuadido da necessidade da concatenação de nossas ações, alegar esta necessidade em abono de qualquer transvio, deitando a culpa sobre os motivos que o induziram a agir, se bem seja acertado que, uma vez aqueles presentes em campo, a sua ação deveria produzir-se de modo inevitável."; 3º) "Já havíamos visto como toda ação humana é produto de dois fatores: o caráter individual e o motivo. Isto, todavia, não significa que ela seja um meio termo, localizado entre o motivo e o caráter; antes, ela satisfaz plenamente tanto um como outro, fundamentando-se, em toda a sua possibilidade, sobre ambos ao mesmo tempo; porque, convenhamos, é necessário que a causa ativa possa agir sobre tal caráter, e que esse caráter seja determinado por aquela causa enunciada."; 4º) "Toda coisa age de acordo com a própria natureza; e sua natureza se manifesta precisamente por meio das suas extrinsecações ativas, debaixo do impulso dos motivos."; 5º) "Todo homem apenas faz o que deseja e, portanto, age sempre de modo necessário.". Segundo John R. Searle: "O problema do livre-arbítrio consiste em indagar se os processos conscientes do pensamento que se produzem no cérebro - os processos que constituem nossas experiências do livre-arbítrio - são realizados no âmago de um sistema neurobiológico que é totalmente determinista.". Disso tudo é possível imaginar que a questão lançada ainda está longe de conclusão. Assim, temos, pelo CPC-1973, art. 162, § 1º, que: "Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.". Já o CPC-2015, optou por não conceituar sentença. Um coisa parece certa: a sentença é um ato extremamente complexo, que passa por inúmeras variantes até ser concluída, onde a racionalidade e a liberdade formam a plataforma para a própria elaboração. Talvez por essas e outras é que ela dificilmente consegue agradar a todos. Via de regra, acaba por desagradar a todos por várias perspectivas consideradas. De qualquer forma é uma tarefa que cabe aos estudiosos se ocupar.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Referenciais

     Alaôr Caffé Alves (Dialética e Direito, Linguagem, sentido e realidade, Barueri, SP: Manole, 2010, p.XI) dá a descrição de que: "O homem não nasce pronto e acabado; ele se faz historicamente, é produto da história. Só ele tem história porque é o único animal que vai além das necessidades naturais, criando culturalmente novas necessidades e precisando satisfazê-las mediante trabalho, com a transformação da natureza. As máquinas e as usinas, seus utensílios, bens e instituições, pelos quais ele existe e mantém sua vida produtiva, são projeções objetivadas pelo seu espírito e ação social. Nesse processo, ele ganha consciência e autoconsciência por meio de sua práxis diuturna. Por meio dela, o homem transforma historicamente o mundo natural e social e, ao mesmo tempo, constrói a si mesmo e se objetiva no seio da cultura ao realizar o mundo de significados nas coisas e em seus produtos sociais e espirituais. Assim, ele não existe pronto desde o começo, pois o ser humano vai se realizando como possibilidade atualizada dentro de cada momento, de cada fase. Em cada fase, ele é sempre original. Ele nunca é o mesmo; é sempre um novo homem. Fabricando progressivamente seu mundo mediante ação consciente, o ser humano propõe-se fins e valores pelos quais se orienta de modo racional e se torna um ser genérico. Ele não é só espécie animal de cada situação ou de cada época, como o urso polar, o camelo do deserto, a baleia dos mares, os elefantes da África, o tigre-de-dentes-de-sabre ou o mamute. É também gênero humano em contínuo processo de adaptação a inúmeras e diferentes circunstâncias do planeta, a todos os climas, aos mais adversos ambientes, até mesmo ao espaço sideral longe da Terra mãe. [...]".
     André Comte-Sponville (Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, São Paulo: Martins Fontes, 1995), explica que: "Das virtudes quase não se fala mais. Isso não significa que não precisemos mais delas, nem nos autoriza a renunciar a elas. É melhor ensinar as virtudes, dizia Spinoza, do que condenar os vícios. É melhor a alegria do que a tristeza, melhor a admiração do que o desprezo, melhor o exemplo do que a vergonha. Não se trata de dar lições de moral, mas de ajudar cada um a se tornar seu próprio mestre, como convém, e seu único juiz. Com que objetivo? Para ser mais humano, mais forte, mais doce. Virtude é poder, é excelência, é exigência. As virtudes são nossos valores morais, mas encarnados, tanto quanto pudermos, mas vividos, mas em ato. Sempre singulares, como cada um de nós, sempre plurais, com as fraquezas que elas combatem ou corrigem. Não há o bem em si: o bem não existe, está por ser feito, é o que chamamos virtudes. [...]".
     Nesse ritmo, já foi dito que se educa mais e melhor pelas costas; não se educa melhor pelos ouvidos do que pelos olhos, ou seja: é o exemplo observado que acaba por proporcionar resultados melhores. O homem nasce num mundo já orientado. Daí é que ele vai transformando o mundo ao mesmo tempo em que se transforma com ele, donde os referenciais tornam-se importantes. Os mais comuns são os pais, depois os professores, os líderes e aqueles que apresentam uma vida produtiva. Para Alaôr Caffé Alves, "O possível é atualizado pelo possível anterior e não pronto desde o início dos tempos. O possível é mediatizado por outros possíveis já realizados, num espaço em que as possibilidades de terceiro grau não podem ser atualizadas diretamente a partir das de primeiro grau, senão passando pelas de segundo grau, e assim por diante nos limites do universo que conhecemos. Tudo se inova, tudo muda, tudo é transformação." Há, portanto, uma herança cultural a ser recepcionada queira ou não. Além dos referenciais humanos que poderão dar um norte seguro, há o referencial dos valores. É nesse sentido que os valores são fundamentais. Fácil notar que aqueles que não cultivam valores e/ou não possuem referenciais sólidos e saudáveis, quase sempre, perdem-se durante a caminhada: terminam a existência sem realizações úteis.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

A Arte de Escrever

     Adverte e recomenda Arthur Schpenhauer (1788-1860) - sob o título: A arte de escrever - nesta antologia de ensaios de Pererga e Paralipomena, que o leitor vai encontrar textos que trazem as mais ferinas, entusiasmadas e cômicas reflexões acerca do ofício do próprio Shopenhauer, isto é, o ato de pensar, a escrita, a leitura, a avaliação de obras de outras pessoas, o mundo erudito como um todo. São eles: "Sobre a erudição e os eruditos", "Pensar por si mesmo", "Sobre a escrita e o estilo", "Sobre a leitura e os livros" e "Sobre a linguagem e as palavras". Embora redigidos na primeira metade do século XIX, estes ensaios, ao tratar sobre o mundo das letras, os vícios do pensamento humano, as armadilhas da escrita e da crítica, continuam válidos - hoje talvez mais do que nunca. E, marca personalíssima do autor, são modernos, pulsantes de vida, de inteligência e humor: "[...] deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço da leitura. É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela.". Na mesma linha de pensamento, Dad Squarisi e Arlete Salvador - Escrever Melhor - dizem: "Escrever exige 10% de inspiração e 90% de transpiração. Sim, senhor, escrever é trabalho árduo. Textos são cortados, aumentados, transformados, virados pelo avesso, amassados, condensados. O texto só brilha depois de muito apanhar. Estudantes, jornalistas, advogados, executivos e outros profissionais que usam a escrita no dia-a-dia lêem, relêem e reescrevem dissertações, reportagens, teses, petições, documentos. A mensagem precisa chegar às mãos dos chefes e dos clientes com correção, clareza e objetividade. Este livro se destina a esses escritores-editores. Eles aprenderão a passar a limpo, que é a segunda etapa do processo de criação. é o momento de cortar, ajustar, mudar, adaptar, transformar, socar, chacoalhar. Mas como saber quando e onde mexer? Este livro serve de guia.". De fato: ESCRITOR. Do latim "scriptor", do verbo "scribere" = escrever. É aquele que domina a arte da comunicação mediante símbolos escritos. Numa cultura que, rapidamente, se urbaniza e que, cada vez mais, formaliza o relacionamento entre os homens, torna-se sempre mais indispensável que todos saibam se exprimir mediante a escrita. O escritor, porém, é aquele cuja palavra escrita se reveste de um brilho e de um encanto que o distingue na atenção dos leitores. Escrever bem é uma arte que não supõe apenas falar bem. Muitos, cuja palavra falada possui uma excepcional eficácia de persuasão, são incapazes de se comunicar com os outros pela escrita, e vice-versa. Quem escreve não se dirige a um público presente; deve assim ter o cuidado de prevenir qualquer dúvida ou objeção, que na comunicação oral seria levantada e esclarecida. O escritor deve saber colocar-se na perspectiva do leitor. Mais especificamente, o termo escritor prende-se a um certo culto da palavra escrita, no campo da literatura, onde as próprias palavras têm um valor em si, e não apenas um valor meramente algébrico, como nas obras científicas. O escritor não se improvisa. Supõe qualidades inatas, como uma visão penetrante e original de situações que lhe permite surpreender relações e compor associações mentais que escapam aos que não têm este dom. Supõe que essas qualidades sejam cultivadas, trabalhadas, por um profundo conhecimento da língua que lhe forneça o seu material de expressão e, especialmente, por uma disciplina mental de explicitação do que é meramente sentido, vivido ou intuido. O escritor tem uma função importante e uma grave responsabilidade social porque, dominando a palavra escrita, pode influir decisivamente na formação da mentalidade de um povo.Para os bacharéis em Direito, temos, dentre outros: "O Processo" (F. Kafka - teatro do absurdo) e "Em Segredo de Justiça" (Gabriel Lacerda - um brasileiro) que podem servir de inspiração àqueles que queiram dedicar-se a romances jurídicos, uma das muitas (quase ou mais de 50 catalogadas) alternativas de exercitar o Direito. "Em Segredo de Justiça" é um romance e é um processo judicial completo. E a este romance-processo não faltam nem um final imprevisível, chaves de um bom romance e de um bom processo. À medida que o processo se desenvolve o leitor vai descobrindo, ao mesmo tempo em que o juiz, o que realmente se passa por trás das petições brilhantes em que advogados tarimbados se esgrimem. E o leitor, como o juiz, podem ir separando a aparência da realidade e formando a consciência do que é a verdade em meio à emoção de cada parte envolvida. O personagem do juiz, que é, enfim, em torno de quem se passa o processo, traz, pela primeira vez na ficção brasileira, uma complexidade psicológica e um conjunto de indagações éticas que colocam em questão a própria essência da atividade judicial. Ao mesmo tempo, "Em Segredo de Justiça", sem pretendê-lo, é uma grande leitura para os interessados em direito processual civil, pois a estrutura do processo que transcorre nestas páginas não é fantasiada: pelo contrário, obedece rigorosamente às formas, prazos e ritos prescritos pelo Código de Processo Civil brasileiro, mencionados de forma acessível para o leigo não faltando sequer um glossário, ao final do livro, para auxílio de estudantes e curiosos. Finalmente, "Em Segredo de Justiça" aborda pela primeira vez a questão, até então pouco abordada pela justiça brasileira, do assédio sexual e moral de consequências jurídicas. Por tantos méritos, este livro é um marco na literatura brasileira, acentua o comentador.