sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Questão de semântica: que são "direitos"?

     Podemos dizer que a linguagem é um conjunto de signos e que estes signos linguísticos que constituem os elementos da linguagem funcionam como estímulos. Podemos, ainda, dizer com Charles Morris, que qualquer sistema de signos compreende três aspectos básicos: l) Sintática: que estuda os signos em si mesmo, como significantes (relação signo/signo); 2) Pragmática: que estuda os signos enquanto formas de comunicação (signo/objeto/pessoa); 3) Semântica: que estuda as relações do signo com os referentes (significados) (relação signo/objeto). Assim considerando: qual é a significação da palavra "meu", ou "minha", em expressões tais como "minha propriedade", "meu livro", "meu automóvel"?. É certo que a palavra "meu", ou "minha", não indica nenhuma característica dos objetos nomeados. Um cheque muda de mãos, e o "seu" automóvel se torna "meu", mesmo assim, o automóvel, em si, não muda. Que é, então, que mudou? Respondo: a mudança reside nos acordos sociais que abrangem o nosso comportamento em relação ao automóvel. Primeiramente, quando ele era "seu", você se sente livre para aproveitá-lo com bem entendesse, e eu não. Agora, que ele é "meu", uso-o como bem entendo, e você não. O significado de "seu" e "meu" repousa não no mundo externo e sim no modo pelo qual pretendemos agir. E quando a sociedade, como um todo, reconhece o meu "direito de propriedade" (por exemplo, emitindo a meu favor um título de propriedade), ela concorda em proteger as minhas intenções de usar o automóvel, e frustrar, por meio policial e judicial, se preciso for, as intenções dos que queiram usá-lo sem a minha permissão. Ela estabelece esse acordo comigo e não o faz gratuitamente. Ela, em troca, exige minha obediência às suas leis e o pagamento da parte que me cabe nas despesas do governo. Logo, as asserções de "propriedade" e "declarações de direitos" não são outros tantos enunciados diretivos? "Isto é meu" não pode, com efeito, ser traduzido por "vou usar este objeto: não ponha a mão"? E "toda criança tem direito à educação", não pode ser traduzido por "eduquem todas as crianças"? E a diferença entre"direitos morais" e "direitos legais" não é acaso a mesma diferença existente entre os acordos que as pessoas acreditam devem ser feitos e aqueles que, mediante sanção coletiva e legislativa, foram feitos? Resposta: disso tudo, legítimo concluir que a verificação de que o direito tem uma forma de linguagem que representa significativo esforço no sentido de colocar o discurso jurídico em nível de compreensão sígnica, na medida em que favorece a distinção entre sua expressão gramatical (sintaxe), seus significados (semântica) e seus usos (pragmática).

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Conhecer a Realidade

     Conhecer a realidade? A resposta é sim! Embora a tarefa seja incomensurável vale a pena a busca. É que, por instinto mesmo, todos nós somos muito centrados em nós mesmos. Projetamos nossos pensamentos e sentimentos na realidade externa e muitas vezes cometemos o erro de confundir a realidade com a percepção limitada que temos dela. Assim é que os adeptos de golfe sabem que seu jogo é determinado pela maneira como abordam a bola. Já os pilotos sabem que a parte mais delicada da aterrissagem é fazer a aproximação certa. Os Advogados, por sua vez, sabem a maneira como se dirigem ao júri será o fator determinante em cada caso. Com efeito, Migalhas-3513, de 10-12-2014, fez por veicular matéria atribuída a Marcelo Guedes Nunes (mestre e doutor em Direito Comercial para PUC-SP), o qual escrevera: "Conhecer a realidade é o primeiro passo para transformá-la e o estudo abstrato da lei não basta. É necessário analisar o resultado do que a lei propôs. Mais do que isso, é fundamental verificar se ela atingiu seu objetivo inicial. Tão importante quanto estudar o conceito legal de responsabilidade civil e de sentença, é compreender quais as características das indenizações e das sentenças produzidas concretamente pelos operadores no seu dia-a-dia.". Descrevera, ainda, que: "O ser humano é tudo, menos original.". Nessa dimensão, cabe enfatizar que as regras e as leis servem para estabelecer algum princípio de justiça; e que regras não foram feitas para serem quebradas; podem e devem ser debatidas e discutidas e mesmo assim foram feitas para serem honradas. Daí vem que, a lógica jurídica é ligada à ideia que fazemos do Direito e se adapta a ela. Por essa razão, uma reflexão sobre a evolução do Direito parece ser uma preliminar indispensável ao exame das técnicas de raciocínio próprias desta disciplina que os juristas qualificam tradicionalmente de lógica jurídica. Esta é diferente da lógica formal, que está a serviço das ciências descritivas, enquanto a lógica jurídica ou lógica quase-formal, está voltada para o saber prescritivo. Por isso nos livros consagrados à lógica jurídica, raramente levanta-se a questão: "Que é o direito?". Basta mudar de meio, de sociedade, de século ou de cultura para que se manifestem divergências, e mesmo divergências fundamentais, nessa matéria. Dever-se-á separar o direito da moral e da religião? Haverá critérios, geralmente aceitos, que permitam distinguir um raciocínio jurídico de um raciocínio estranho ao direito? E, mais especificamente, considerações relativas à justiça serão ou não estranhas ao direito? É impossível responder a tais indagações sem nos colocarmos no ponto de vista de uma ideia do direito próprio de dada sociedade, ou ao menos, tacitamente admitida por ela. Ora, haveremos de ver que a resposta a estas questões é determinante para que possamos precisar a noção de raciocínio jurídico, bem como a natureza e o estatuto dos conceitos e das teorias jurídicas. De minha parte, na minha carreira de Professor, minha preocupação primeira sempre foi no sentido de fazer com que os pensassem e pensassem e considerassem, sempre, a realidade. Ainda continuo pensando assim!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Jesus: Professor ou Mestre?

     Os professores, pela natureza do seu trabalho, falam mais do que a média das pessoas. Sua principal responsabilidade é transmitir conhecimentos, desenvolver as potencialidades dos alunos e obter o melhor da parte deles, isto é: fazer com que atinjam um desempenho do mais alto nível, mediante muito trabalho e intenso pensar. O instrumento fundamental para alcançar esses objetivos é a linguagem. Assim é que, independentemente da idade, as pessoas mostram-se ansiosas por aprender quando isso significa compreender a vida mais profundamente e vivê-la de um modo mais pleno. Por causa disso, Professor é aquele que compartilha; não é aquele que sabe, mesmo assim, é aquele que busca saber e nunca está satisfeito - como dissera Guimarães Rosa: "Professor é aquele que de repente aprende.". A cadeira de Professor deve estar sempre vazia aguardando alguém que a ocupe. À cada temporada passam por ele várias estrelas sedentas de mais luz e brilho. Cabe à ele a tarefa de buscar proporcionar isso. Com efeito, Santo Inácio de Loyola, um dos maiores educadores, dissera certa vez que só aprendemos quando estamos prontos para isso, bem assim que Friedrich Nietzsche, filósofo, filólogo e professor, também dissera: "[...] O homem do conhecimento não tem apenas de amar seus inimigos, ele também tem de poder odiar seus amigos. A gente retribui mal a um professor, quando permanece sempre se aluno. E por que vós não haveríeis de querer arrancar os louros da minha coroa? [...] Agora eu vos ordeno: perder a mim para vos encontrardes; apenas quando todos vós tiverdes me renegando, é que haverei de querer voltar a vós...". Com isso, de certo modo, o Professor está caracterizado. À pergunta e o Mestre? Este trabalha num nível mais profundo e temos como padrão: Jesus. Ele reivindicava à si o título de Mestre. A vida pública de Jesus é-nos contada pelos evangelhos. O seu ensino popular contém-se todo numa frase: o reino dos céus existe dentro de vós! Ele colocara a vida interior acima de todas as práticas exteriores, o invisível acima do visível, o reino dos céus acima dos bens da terra! Resumindo a sua doutrina, diz: "Amai o próximo como a vós mesmos, e sede perfeitos como vosso Pai celeste", deixando entrever assim, sob uma forma popular, toda a profundeza da moral e da ciência, porque o supremo mandamento da iniciação é de reproduzir a perfeição divina na perfeição da alma, e o segredo da ciência reside na cadeia das analogias e das correspondências que une em círculos engrandecentes o particular ao universal, o finito ao infinito. Se tal foi o ensino público e puramente moral de Jesus, é evidente que ao lado deste Ele deu um ensino íntimo aos seus discípulos, ensino paralelo, explicativo do primeiro, que lhe patenteava os escaninhos e penetrava até à raiz das verdades esotéricas dos essênios e da sua própria experiência. Sua maneira de ensinar era notavelmente eficaz. Ele apresentava com simplicidade, brevidade e clareza assuntos de grande peso e profundidade. Ilustrava os pontos com coisas bem conhecidas dos seus ouvintes. Coisas simples como pão, água, sal, odres de vinho, roupas velhas, foram empregadas quais símbolos de coisas de suma importância, assim como haviam sido usadas nas Escrituras Hebraicas. Sua lógica, frequentemente expressa por meio de analogias, eliminava as objeções mal direcionadas e restabelecia as coisas na sua perspectiva correta. Visava com a sua mensagem primariamente o coração dos homens, usando perguntas penetrantes para fazê-los pensar, chegar às suas próprias conclusões, examinar sua própria motivação e fazer decisões. Ele não se esforçava a granjear o favor das massas e, mesmo assim, buscava despertar o coração dos que sinceramente tinham fome da verdade e da justiça. Embora mostrasse consideração para com o entendimento limitado da sua assistência, e até mesmo dos seus discípulos, e embora usasse discernimento a respeito de quantas informações lhes devia dar, jamais amainou a mensagem de Deus no empenho de obter popularidade ou granjear favores. Sua linguagem era franca, às vezes até brusca. O tema da sua mensagem era: "Arrependei-vos, pois o reino dos céus se tem aproximado." (Mt 4:17). Ele, também, respeitou a autoridade constituída e demonstrou suas habilitações como líder e comandante, bem como testemunha para os grupos nacionais. Em decorrência, vêm os ensinos de Jane Bichmacher de Glasman, escritora e doutora em língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica pela USP e professora, quando advertindo, descreve: "aquele que aprende recebe somente uma quinta parte do mérito que cabe à quele que ensina" ou "o que aprende e não ensina é como a murta que medra no deserto: a ninguém dá alegria". Citando, Raban Gamaliel que costumava dizer: "Procura um mestre; guarda-te dos assuntos duvidosos"; "Quando nossos feitos excedem o nosso saber, o saber é real; mas, quando o saber é maior do que os nossos feitos, o saber é fútil". À pergunta: "Quem é sábio? O que pode aprender de todos os homens"; "Preza a honra do teu discípulo como a do teu colega; a do  teu colega como o respeito ao teu mestre; e o respeito ao teu mestre seja-te caro como o temor de Deus"; "Muda-te para onde houver saber, pois não podes esperar que o saber te procure"; "O que aprende com o inexperiente que é comparável? A quem come uvas verdes e toma vinho recém-saído do lagar. Mas o que aprende com o experiente? É comparável ao que come uvas maduras e bebe vinho novo"; "Há quatro tipos entre os que se sentam perante mestres: esponja, funil, filtro e peneira. Esponja é aquele que absorve tudo; funil, o que recebe de um lado e deixa escapar de outro; filtro, o que deixa sair o vinho e retém a borra; peneira, o que deixa sair o farelo e retém a farinha"; "Há quatro espécies de discípulos: O que aprende facilmente, mas esquece depressa. Nele o dom é anulado pelo defeito. Vagaroso em aprender, mas também lento em esquecer. Neste, o defeito é anulado pelo dom. Pronto a aprender, vagaroso em esquecer. Este tem uma sorte feliz. Lento em aprender a pronto a esquecer. A condição deste é má"; ainda, diz ela: "[...] estudo, ouvido atento, (...) paciência, bom coração, confiança nos sábios, resignação, conhecer o seu lugar, contentar-se com a sua porção, medir suas palavras, não exigir créditos para si, amar o Senhor, amar o próximo, amar a retidão, prezar as críticas, afastar das honrarias, não inflar o coração por causa do conhecimento, não se deleitar em dar ordens, ajudar o próximo a carregar o seu jugo, julgá-lo com indulgência, pô-lo no caminho da paz, estudar com método, perguntar conforme o assunto e responder conforme a regra, aumentar o conhecimento, aprender para ensinar, aprender para praticar, estimular a sabedoria do mestre, raciocinar sobre o que ouvir e dizer coisas em nome de quem as disse. Sabe-se que todo aquele que diz uma coisa, citando o nome de quem a disse, traz a redenção ao mundo, poi foi dito: "Quem aprende de seu companheiro um capítulo, ou um parágrafo, ou um versículo, ou uma palavra, ou mesmo uma única letra, tem a obrigação de tratá-lo com honra..."; "... muito aprendi dos meus mestres, e de meus companheiros mais que deles, e de maus alunos mais do que de todos"." Disso tudo, percebe-se a circularidade do trabalho de ensinar e influência dos professores. Por causa disso e pelo fato de receberem a responsabilidade de moldar a mente dos jovens, eles o fazem de modo tão cuidadoso quanto aos pais nas escolhas das melhores opções, com o sentido de levá-los à atitudes positivas de afirmação da vida.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Formação e Organização do Pensamento

     Como professor, meu principal objeto sempre foi fazer com que os alunos pensassem. Entretanto, é impossível pensar, de modo organizado ou não, sem o uso de imagens, símbolos e palavras. Assim é que toda espécie animal utiliza um sistema de comunicação. Com efeito, os professores de linguística concordam em relação a um ponto: nossa linguagem é o nos distingue; é o que nos caracteriza como humanos. De certo modo, muitas das ações que realizamos no dia-a-dia são idênticas às de um cão doméstico ou às de um porco numa feira agropecuária, como: comer, beber, dormir, procriar, sobreviver. Mesmo assim, como nosso pensamento se desenvolve num nível diferente ou mais elevado, como alguns preferem dizer, criamos um sistema de comunicação mais sofisticado, chamado linguagem. No seu domínio, surgiram milhares de palavras que usamos para estabelecer contatos uns com os outros e para dar sentido às experiências que vivemos e transmiti-las adiante. Nessa linha de entendimento, temos o livro de S.I.Hayakawa (A Lingaugem no Pensamento e na Ação). Ele enseja uma esclarecedora introdução à semântica, de rara simplicidade e beleza. Ele estimula e guia o leitor a pensar, ler, ouvir e escrever com precisão e mostra "como os homens usam as palavras e, como as palavras usam os homens". É assim, a semântica, uma disciplina fundamental para o estudo da comunicação. Nesse sentido, atualmente, os estudiosos, os homens de empresas, os intelectuais e o próprio público estão cientes, num grau nunca antes atingido, do papel que a comunicação desempenha em todos os setores da atividade humana. E essa consciência provém, em parte, da premência das tensões existentes entre nação e nação, classe e classe, indivíduo e indivíduo, num mundo que está se transformando com fantástica rapidez. Assim, forças poderosas propensas tanto para o bem como para o mal, estão contidas nos veículos de comunicação em massa. Aqui entra a relevância da linguagem no domínio do Direito porque é este que regula ou busca regular quase todas ações entre pessoas e entre instituições, de modo que, o operador do Direito não pode negligenciar quanto ao domínio eficaz da linguagem em seu mister. Pois, é realidade que vivemos, cada vez mais, num mundo de palavras. A concorrência entre as ideologias, grupos de pressão, e produtos anunciados resulta nesse fenômeno atual que são os milhões gastos diariamente por nações, entidades, empresas e indivíduos, na imprensa, no rádio, na televisão e na Internet com o intuito de influir sobre nós e mesmo decidir por nós. Exércitos de cientistas estudam o aperfeiçoamento das artes de convencer, de persuadir, liderar e vender. Até que aprendamos como as palavras atuam, o que dizem e o que não dizem, como delas se pode usar e abusar, seremos vítimas inermes na era da propaganda subliminar e do 'pensamento artificial'. De sorte que a atenção firme a esse estudo vem dar cumprimento ao estabelecido pela Constituição Federal (art. 13), a respeito do vernáculo nas comunicações oficiais. Vê-se, portanto, conforme acentuara J. Quadros que este livro é um livro de semântica; que estuda a linguagem, - e seu componente básico, a palavra, - na terrível influência que exerce sobre o comportamento social e nas perigosas distorções que sofre, impeditivos do diálogo, do entendimento e da própria universalidade da cultura. É um clássico de uma ciência difícil e, sem embargo, quase ameno, e com muito sentido prático. De modo sintético, fica a ideia do que o estudo desse livro pode e deve proporcionar ao leitor: é que sem o domínio pleno da linguagem não poderá haver pensamento organizado e rigoroso como é imprescindível em todas as formas de comunicações e de modo especial no âmbito jurídico.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A Ciência da Gratidão

     Saber da Gratidão implica a sabedoria do Amor, tão importante a ponto de Jesus ter dito: "Obrigado meu Pai por ter atendido o meu pedido". Daí vem que o primeiro mandamento - amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si próprio -, bem como a expressão de São Francisco de Assis de que "é dando que se recebe", estão a indicar a fundamental importância da gratidão. O "é dando que se recebe" tem o sentido, neste texto, de que ao fazer algo à alguém deve-se desejar proporcionar que aquela pessoa tem mais mais utilidade pelo que recebeu em relação ao que dispendeu. É assim que os escritores ao elaborar suas obras pensam. Basta observar o preço de um livro e os benefícios que ele proporciona: são infinitamente superiores ao valor monetário por ele dispendido. E nessa lina de entendimento, Wallace D. Wattles, descrevera: "A lei da Gratidão é o princípio natural de que ação e reação são sempre iguais, em direções opostas. O alcance de sua mente em louvor agradecido ao Supremo é a libertação ou o uso da força criadora. Não pode deixar de alcançar aquele ao qual é endereçado e a reação é um movimento instantâneo em sua direção. 'Aproxime-se de Deus e Ele se aproximará de você.'. Se sua gratidão for forte e constante, a reação da Substância Informe será forte e contínua. As coisas que você deseja estarão sempre se movimentando em sua direção. Observe a atitude agradecida de Jesus, como Ele sempre dizia: "Eu Te agradeço, Pai, por teres me ouvido." Não se pode exercer muito poder sem gratidão, pois é ela que nos mantém ligados ao Poder. Porém, o valor da gratidão não se limita a nos trazer mais dádivas no futuro. Sem gratidão, não podemos evitar por muito tempo o descontentamento de ver as coisas como elas são. No momento em que você permite que sua mente pense com descontentamento nas coisas como elas são, você começa a perder terreno. Você fixa sua atenção ao comum, no ordinário, no pobre, no esquálido e no mesquinho, e sua mente toma a forma dessas coisas. Então, você transmite essas imagens para o Informe, e o comum, o pobre, o esquálido e o mesquinho virão até você. Permitir que a mente se demore no que é inferior é tornar-se inferior e cercar-se de coisas inferiores. Por outro lado, ao fixar sua atenção no melhor, você estará se colocando no meio do melhor e caminhando para se tornar o melhor. O Poder Criativo de nós nos faz à imagem daquilo para que voltamos a nossa atenção. Nós somos Substância Pensante - e a Substância Pensante sempre toma a forma daquilo que pensa. A mente agradecida está sempre fixada no melhor; desse modo, tende a se tornar o melhor, toma a forma ou o caráter do melhor e receberá o melhor. A fé também nasce da gratidão. A mente agradecida espera sempre coisas boas e as expectativas transformam-se em fé. A reação da gratidão em nossas mentes produz a fé, e cada onda de agradecimento emitida aumenta essa fé. Quem não é grato não pode conservar a fé viva por muito tempo, e sem essa fé viva não se pode enriquecer por meio do método criativo, [...]. Portanto, é necessário cultivar o hábito de ser grato por todas as coisas boas que recebemos e agradecer continuamente. Uma vez que todas as coisas contribuíram para o seu desenvolvimento, você deve incluí-las em sua gratidão. Não gaste tempo pensando nas falhas ou nos erros dos plutocratas, ou dos magnatas dos trustes, nem falando sobre eles. A organização do mundo feita por eles criou a sua oportunidade. Tudo que você consegue é por causa deles. Não se enfureça com os políticos corruptos. Se não fosse pelos políticos, mergulharíamos na anarquia, e sua oportunidade seria muito menor. Deus trabalhou durante muito tempo e pacientemente para nos trazer ao ponto que chegamos na indústria e no governo, e Ele continua seu trabalho. Não há a menor dúvida de que Elevai acabar com os plutocratas, magnatas dos trustes, capitães de indústria e políticos, logo que eles não sejam mais necessários, mas, nesse ínterim, não esqueça: eles são todos muito bons. Lembre-se de que estão ajudando a organizar as linhas de transmissão por intermédio das quais a riqueza chegará até você, e seja grato a todos eles. Com isso, estará restabelecendo um relacionamento harmonioso com o que há de bom em tudo, que, por sua vez, vai caminhar em sua direção.". Pois bem, essas transposições todas têm a ver com a forma com que se organiza o pensamento para atingir os objetivos que se quer. De nada adiante gastar tempo e energia com coisas ou situações que não entendemos bem ou não temos condições de mudar. O mundo está certo. Nosso grau de entendimento que é limitado. Minha sugestão é que gaste seu tempo e energia com aquelas coisas que estão ao seu alcance e que acrescentam algo em sua vida. Essa indagação deve se tornar hábito em sua vida: isso acrescenta ou não? Você é quem decide! A resposta é somente sua a você as consequências atingirão.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Argumento Duplo

     A técnica do argumento duplo consiste em buscar a adesão à tese mediante a adoção e o desenvolvimento do discurso com duas premissas, por exemplo: o real e a fantasia, por certo interesse. Essa técnica tem sido adotada, com certa frequência, para atribuir aos advogados a responsabilidade pela demora na soluções judiciais, o que para os desatentos ou ignorantes isso passa como sendo verdadeiro. Só que é sabido que quando se parte de uma premissa incompatível a solução, inevitavelmente, será também incompatível. Pois bem: Hannah Arendt (Crises da República, 3ª ed., São Paulo, Perspectiva, 2013, p.15), cujo trabalho trata, basicamente, da história do processo norte-america para tomada de decisões em política vietnamita, descrevera: "Uma das características da ação humana é a de sempre iniciar algo novo, o que não significa que possa sempre partir ab ovo, criar ex nihilo. Para dar lugar à ação, algo que já estava assentado deve ser removido ou destruído, e deste modo as coisas são mudadas. Tal mudança seria impossível se não pudéssemos nos remover mentalmente de onde estamos fisicamente colocados e imaginar que as coisas poderiam ser diferentes do que realmente são. Em outras palavras, a negação deliberada da verdade dos fatos - isto é, a capacidade de mentir - e a faculdade de mudar os fatos - a capacidade de agir - estão interligadas; devem suas existências à mesma fonte: imaginação. Não é de nenhum modo natural podermos dizer "o sol está brilhando", quando na verdade está chovendo (a consequência de certas lesões cerebrais é a perda desta capacidade); a rigor isto indica que, apesar de estarmos bem capacitados para o mundo, tanto sensual como mentalmente, não estamos adaptados ou encaixados a ele como uma de suas partes inalienáveis. Somos livres para reformar o mundo e começar algo novo sobre ele. Sem a liberdade mental de negar ou afirmar a existência, de dizer "sim" ou "não", - não apenas a afirmações ou proposições para expressar concordância ou discordância, mas para as coisas como se apresentam, além da concordância e discordância, aos nossos órgãos de percepção e conhecimento - nenhuma ação seria possível, e ação é exatamente a substância de que é feita a política.". Dessa forma, Adorno & Horkheimer (Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro, Zahar, 1985, p. 179/80 - em analisam a mitologia grega e sua influência na formação do conhecimento ocidental), descreveram: "O que levou os homens a superar a própria inércia e a produzir obras materiais e espirituais foi a pressão e externa. Nisto têm razão os pensadores, de Demócrito a Freud. A resistência da natureza externa, a que se reduz em última análise a pressão, prolonga-se no interior da sociedade através das classes e atua sobre cada indivíduo, desde sua infância, na dureza de seus semelhantes. Os homens são suaves, quando desejam alguma coisa dos mais fortes, e brutais, quando o solicitante é mais fraco que eles. Eis aí, até agora, a chave para penetrar na essência da pessoa na sociedade. [...] Sob o signo do carrasco estão o trabalho e o lazer. Querer negá-lo significa esbofetear toda a ciência e toda a lógica. Não se pode abolir o terror e conservar a civilização. Afrouxar o primeiro já significa o começo da dissolução. [...] Para Voltaire [...] Apesar de todos os feitos do poder, só o poder pode cometer a injustiça, pois só e injusto o julgamento seguido da execução, não o discurso do advogado que não é aceito. O discurso só participa da injustiça geral na medida em que ele próprio visa a opressão e defende o poder em vez de defender a impotência. - Mas o poder, sussurra de novo a razão universal, é representado por homens. Ao expor o poder, você faz desses homens um alvo. E depois deles virão talvez outros piores.". Pois bem, há quem sustente e li isto numa dissertação que: "No Plenário do Júri, atitudes conscientes ou inconscientes do uso espaço como forma de comunicação humana (Proxêmica) temos não apenas na proximidade do orador com seu público-ouvinte (o Conselho de Sentença), mas também na banco dos réus (onde o acusado senta-se, algumas vezes escoltado por policiais, em posição que sinaliza uma situação-limite, irrefragavelmente humilhante). Outro exemplo temos no costume de posicionar-se a cadeira do Juiz de Direito (não somente no Júri, mas nas audiências, de um modo geral) num plano ligeiramente (em alguns Fóruns não tão ligeiramente assim) superior ao dos demais profissionais do Direito, a indicar uma certa hierarquia, uma certa superioridade dada ao homem-juiz, como reflexo do que simboliza - a Justiça - muito embora tal hierarquia (entre Juiz, Promotor de Justiça e Advogado) ontológica ou legalmente não exista, vigorando inclusive dispositivos legais expressos regulando o tratamento mutuamente respeitoso e cordial.". Esse argumento é inconsistente porque: l) há, nele, confusão implícita tratando a regra (lei) como se fosse sinônimo de Direito ou ordem jurídica; 1) sabe-se que o Estado é superior sim; 3) quem tem o poder de decisão é o Estado, materializado no homem que exerce a função de Juiz; 4) a ordem jurídica é toda uma hierarquia; 5) superioridade hierárquica não implica, por si só, em falta de cordialidade e de respeito; 6) e o fato de existir regras (leis) não implica, por si só, que essas regras sejam legítimas e não contrariem a ordem jurídica. Essa forma de entendimento leva a que os próprios advogados assumam uma culpa (demora na prestação jurisdicional) que não é sua ontologicamente. Assim é que, em entrevista concedida à OAB/PR (Jornal da Ordem/PR, 165, 10/2012), o filósofo, livre-docente e professor titular da Universidade de Campinas, Roberto Romano da Silva, em certo momento, descrevera: "[...] O que é um processo judicial? É um equilíbrio, que deve ser o mais estável possível, dos componentes da acusação. da defesa, do juiz e, ocasionalmente, dos jurados. Se você desequilibra esse sistema e privilegia um desses elementos em detrimento dos outros, você não tem justiça. Não digo justiça absoluta, que não existe no planeta Terra, nunca vai existir. Mas você não se aproxima do ideal de justiça, você não tem os elementos fundamentais da justiça. E aí eu cito Platão. O que é justiça? Justiça é um bicho que está dentro da moita e pode fugir pelo meio das pernas da gente. É muito difícil você agarrar a justiça. Você pode começar um processo com razão e três passos depois pode perder essa razão, desde que não tenha o respeito próprio e o respeito do outro. Assim, um juiz pode ter agido durante todo o processo de maneira correta e, num determinado momento, ele cochila. Aqui no Brasil você tem uma tradição de grandes defesas porque, infelizmente, você tem uma tradição de pouca justiça. Por que Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, são considerados heróis da advocacia? Porque o Sobral Pinto teve que apelar para a lei de proteção dos animais para defender o Luiz Carlos Prestes. Porque tinha juiz que não ouvia. Então, esse sistema precisa ser pensado bem. Se você precisa de um advogado herói, é porque você não tem um sistema de Direito adequado. A função da advocacia, no meu entender, é importantíssima porque ela apresenta o outro lado da acusação e permite que o juiz tenha uma visão multilateral do que está em jogo. Esse equilíbrio no Brasil não existe e essa pesquisa sobre a confiabilidade da justiça mostra bem isso: que o jurisdicionado não respira dentro do tribunal. Quanto mais ele precisa da presença do advogado para garantir o mínimo, evidentemente é porque o tribunal não está vendo os dois lados. Esse é um problema sério.". Com esses fragmentos expostos, fica demonstrado que o uso da técnica do argumento duplo, busca-se inserir, no discurso, premissas incompatíveis com a realidade, para obter a adesão do destinatário desatendo ou ignorante sobre a matéria, no sentido de passar, de modo ilegítimo, a responsabilidade real pelas disfunções judiciais. É importante notar que o Estado é o que decide e os advogados não poderiam cair na armadilha de discursos com esse viés.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O Advogado e a Regra de Justiça

     A inteligência jurídica instituiu a data de 05 de novembro para comemorar o dia do Patrono da Advocacia, cujo título fora consagrado a Ruy Barbosa. Nessa data, em 2014, o Conselho Nacional de Justiça, visando homenagens a esse ilustre Jurista, o fez resgatando o pensamento dele assim sintetizado: "Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento da Justiça.". Pois bem, considerando o binômio - Advogado e Justiça -, Chaim Perelman (Tratado da Argumentação, São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 248), sintetiza: "A regra de justiça requer a aplicação de um tratamento idêntico a seres ou a situações que são integrados numa mesma categoria. A racionalidade dessa regra e a validade que lhe reconhecem se reportam ao princípio da inércia, do qual resulta, notadamente, a importância conferida ao precedente. Para que a regra de justiça constitua o fundamento de uma demonstração rigorosa, os objetos aos quais ela se aplica deveriam ser idênticos, ou seja, completamente intercambiáveis." No tocante ao Advogado, por seu turno, há consenso de que as Faculdades de Direito formam bacharéis. Daí para se tornar Advogado há outras exigências. Eis que Advogado é aquele que se ocupa de fatos jurídicos, ou seja: fatos juridicamente relevantes. Aqui já é oportuna a advertência: "Não dês teu apoio a maus negócios, diz Isócrates, e não te faças advogado destes; darias a impressão de cometer, tu também, os atos da pessoa cuja defesa tomarias.". Assim nessa tarefa, Elias Mattar Assad, ao responder proposição, escrevera: "Cursar advocacia? Os alunos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul me honraram com convite para ministrar uma palestra sobre o tema: os desafios da formação e do exercício da advocacia. Quero dividir com os leitores algumas preocupações garimpadas no preparo da abordagem onde recordei dos antigos, que diziam com orgulho: "Meu filho vai cursar advocacia". Antes fosse, pois em verdade não se ensina advocacia nas escolas de direito. Ensina-se direito ("in abstrato") e advogar, lamentavelmente, vai se aprender empiricamente no exercício da profissão. Esse fechar de olhos das escolas de direito para a advocacia é imperdoável - não se tem sequer especialização! Direito se pode aprender com professores, juízes, membros do MP, delegados e outros carreiristas. Advogar se aprende apenas com advogados. Com quem mais o aluno poderá aprender: a) como abrir e organizar um escritório ou mesmo que área escolher; b) como atender o cliente (de nada adiantará ir bem perante outras bancas examinadoras e provar na "banca do mercado"; c) como contratar serviços e se relacionar com o cliente; d) relações com o juiz, MP, policiais, com colegas, OAB, com a imprensa... (quando recebem um advogado em seus gabinetes, dependendo das colocações, pode o profissional atrair antipatias para sua pessoa e causa que patrocina); e) como estabelecer estratégias advocatícias; f) posturas no escrever petições ou nas peças oratórias - o idioma é maravilhoso e nos permite dizer absolutamente tudo o que queremos em termos dignos da estatura da nossa profissão. "O fôro - dizia Cícero - é um viveiro de honras. Mas também é uma complicada cozinha de melindres, maledicências e incompreensões" (Serrano Neves). Imprescindível combinar vocação com a honradez. A advocacia pode ser exercida mesmo sem grande talento, mas sem honra será impossível! Os aspirantes devem seguir exemplos dos grandes nomes da advocacia brasileira e se devotarem para a profissão. Também pois, como recomendava Manoel Pedro Pimentel, "a coragem do leão e a mansuetude do cordeiro, a altivez do príncipe e a humildade do escravo, a fugacidade do relâmpago e a persistência do pingo d'água, a solidez do carvalho e a flexibilidade do bambu...". De modo que, com esses informes todos, já é possível formular um conceito de Advogado, ou seja: aquele que formado em Direito, devidamente estabelecido e habilitado perante a Ordem dos Advogados do Brasil, que se ocupa do fato jurídico, na defesa dos legítimos interesses que lhe são confiados e que busca, como fim imediato, a aplicação da lei e do Direito e como fim mediato a busca do ideal de Justiça.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Sujeito de Direitoe sujeito de Interesse

      Michel Foucault (Nascimento da Biopolítica, São Paulo, Martins Fontes, 2008, p. 370), em aula ministrada, descrevera que "o que o empirismo inglês traz, sem dúvida pela primeira vez, na filosofia ocidental, é um sujeito que não é definido nem pela sua liberdade, nem pela oposição entre alma e corpo, nem pela presença de um foco ou núcleo de concupiscência mais ou menos marcado pela queda ou pelo pecado, mas um sujeito que aparece como sujeito das opções individuais ao mesmo tempo irredutíveis e intransmissíveis. Irredutível quer dizer o quê? [...] Digo intransmissível, não no sentido de que não se poderia, a partir daí, substituir uma opção por outra. Poder-se-ia perfeitamente dizer que, se alguém prefere a saúde à doença, também pode preferir a doença à morte e, nesse caso, optar pela doença. É evidente também que podemos perfeitamente dizer: prefiro estar eu doente em vez de outra pessoa estar. [...] São portanto opções irredutíveis e opções intransmissíveis em relação ao sujeito. Esse princípio de uma opção individual, irredutível, intransmissível, esse princípio de uma opção e incondicionalmente referida ao próprio sujeito - é isso que se chama interesse. [...] Em suma, o interesse aparece como um princípio empírico de contrato. E a vontade jurídica que se forma então, o sujeito de direito que se constitui através do contrato é, no fundo o sujeito do interesse, mas o sujeito de um interesse de certo modo depurado, que se tornou calculador,  racionalizado, etc. [...] Os juristas dizem, em particular Blackstone dizia mais ou menos nessa época: respeita-se o contrato porque, a partir do momento em que os indivíduos, sujeitos de interesse, reconheceram que era interessante contratar, a obrigação do contrato constitui uma espécie de transcendência em relação à qual o sujeito se acha de certo modo submetido e constrangido, de modo que, tendo se tornado sujeito de direito, vai obedecer ao contrato. [...] o sujeito de direito e o sujeito de interesse não obedecem em absoluto à mesma lógica. O que caracteriza o sujeito de direito? É que ele tem de início direitos naturais, claro. Mas ele se torna sujeito de direito, num sistema positivo, quando aceita, pelo menos, o princípio de ceder direitos naturais, quando aceita pelo menos o princípio de renunciar a eles, quando subscreve uma limitação desses direitos, quando aceita o princípio da transferência. Ou seja, o sujeito de direito é por definição um sujeito que aceita a negatividade, que aceita a renúncia a si mesmo, que aceita, de certo modo, cindir-se e ser, num certo nível, detentor de um certo número de direitos naturais e imediatos e, em outro nível, aquele que aceita o princípio de renunciar a eles e vai com isso se constituir com um outro sujeito de direito superposto ao primeiro. A divisão do sujeito, a existência de uma transcendência do segundo sujeito em relação ao primeiro, uma relação de negatividade, de renuncia, de limitação entre um e outro, é isso que vai caracterizar a dialética ou a mecânica do sujeito de direito, e é aí nesse movimento, que emergem a lei e a proibição.". Pois bem, essas transposições têm por objetivo levar à consideração dos estudiosos do Direito a necessidade de aprofundar a pesquisa em Michel Foucault. É que é comum a observação, no âmbito acadêmico, no sentido de que os estudos desse autor limita-se ao livro Vigiar e Punir. Esta chamada, com estes poucos fragmentos, está para despertar a necessidade de uma busca maior das contribuições proporcionadas por esse autor. Vale a pena.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Definição e Identificação

     Quando o homem nasce o mundo já é orientado. Examinando o índice de alguns livros - especialmente o de livros mais recentes - no item definições, que há numerosos subitens, falando-se, por exemplo, em definições explícitas, contextuais, reais, redutoras, operacionais e assim por diante. Pois bem, sendo assim, considerando-se que o homem nasce dentro de um determinado contexto circunstancial - o primariamente dado - e o transforma em 'mundo', um local em que pode viver. Seu ajuste com o contorno é de ordem intelectual e se efetua de várias maneiras, com auxílio da filosofia, da religião, da ciência, da arte, da política e do direito. A ciência, em especial, muito contribui para que esse ajuste possa realizar-se. Investigando, observando, percebendo, medindo, o homem chega a certas generalizações que lhe são indispensáveis para explicar, predizer e retrodizer os fenômenos, que perdem, assim, o caráter 'caótico' de que se revestem, a um primeiro exame, para se verem 'integrados' em sistemas criados precisamente com o objetivo de permitir aquele ajuste intelectual com o meio. Nos estágios iniciais de uma investigação, as descrições e generalizações são enunciadas no vocabulário da linguagem comum. Quando a investigação atinge estágios mais avançados surgem conceitos mais abstratos e, consequentemente, termos de um vocabulário técnico. Pode-se chegar a generalizações muito abstratas (como as da mecânica quântica), em que se torna difícil até mesmo uma tentativa de tornar inteligível ao não especialista o modo pelo qual elas se associam aos dados experimentais. Sem embargo, a conexão com a experiência deve existir, direta ou não, se as generalizações dizem respeito ao mundo em que vivemos. Isto no domínio dos sistemas formais. Já no domínio dos sistemas quase-lógicos, outras práticas são requeridas. Uma das técnicas da argumentação quase-lógica é a da identificação de diversos elementos que são o objeto do discurso. Assim, o procedimento mais característico de identificação completa consiste no uso de definições. Estas, quando não fazem parte de um sistema formal e pretendem identificar o definindo com o definido, são consideradas argumentação quase-lógica. Para que uma definição não nos sugira essa identificação dos termos que apresenta como equivalentes, é mister que insista na distinção deles, tal como essas definições mediante aproximação ou exemplificação nas quais se exige expressamente do leitor fornecer esforço de purificação ou de generalização que lhe permita transpor a distância que separa o que se define dos meios utilizados para defini-lo. Entre as definições que levam à identificação do que é definido com o que define, há quatro espécies: l) as definições normativas, que indicam a forma em que se quer que uma palavra seja utilizada e tal norma pode resultar de um compromisso individual, de uma ordem destinada a outros, de uma regra que se crê que deveria ser seguida por outros; 2) as definições descritivas, que indicam qual o sentido conferido a uma palavra em certo meio, num certo momento; 3) as definições de condensação, que indicam elementos essenciais da definição descritiva; 4) as definições complexas, que combinam, de forma variável, elementos das três espécies precedentes. O que faz crer no caráter convencional das definições é a possibilidade de introduzir em todas as linguagens, mesmo usuais, símbolos novos. Por isso o uso da definição, para fazer um raciocínio avançar, depende o próprio padrão da argumentação quase-lógica. Essa oposição entre os sistemas formais e quase-lógicos, encontrar-se-ão, em determinadas situações, a regra deveria não ser aplicada: seu alcance a seu sentido serão restringidos, graças a uma argumentação apropriada, do que resulta uma ruptura das vinculações admitidas, um remanejamento de noções.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Tópica e Jurisprudência

     É no ano de 1953 que a dissertação "Topik und Jurisprudenz", de Theodor Viehweg, é publicada (tradução brasileira, pela Profª Kelly Susane Alfren da Silva, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2008), e na qual se encontra a tese desse autor no sentido de que a tópica desenvolve uma técnica de pensar o problema desde a retórica que se constitui num elemento do pensamento jurídico e caracteriza a estrutura do pensamento jurídico. Com isso, Viehweg provocou um entusiasmado debate sobre os fundamentos e, igualmente, apresentou a pedra angular para a teoria do direito retórica da Escola de Menz, destacada por concretizar, quase sempre, adaptações das doutrinas de Viehweg a distintos campos com a teoria da comunicação jurídica, a retórica jurídica, a análise empírica das argumentações jurídicas, e, assim por diante. [...]. Daí, a noção de tópica passa a ser erigida em conceito recorrente e arquétipo na Teoria do Direito e, de modo especial relacionado à Metodologia Jurídica.
     Muito embora o modo de pensar tópico exposto por Viehweg tenha como eixos principais as noções de problema e aporia, em realidade, o ponto é um problema concreto, um dado real. Neste ponto está o aspecto medular, que faz da tópica uma doutrina direcionada ao decisionismo e, também, desse ponto decorre que a tópica é sensivelmente dotada de mobilidade que permite ser complementada por princípios ou doutrinas tendentes à natureza da decisão. Com isso, verifica-se que a tópica, em si, não é propriamente uma teoria da argumentação jurídicas, mas, em si, um ponto vértice para o processo do argumentar que permite delinear o raio de possível opção decisória.
     A tópica, pois, é muito mais diretiva, diretiva dos modos de proceder na praxis jurídica e de seus pressupostos. Segundo a tópica são relevantes os pressupostos de partida - não os pressupostos finais -, pelos quais as opções decisórias são factíveis de serem colocadas em em contexto que lhes atribua sentido, e, assim, tornam-se capazes de aceitação e consenso. É dizer, que, neste caso, se o consenso é o ponto de partida da argumentação jurídica, distingue-se do consenso enquanto propósito final da argumentação jurídica, pois neste último caso, seria possível a verificação da racionalidade da decisão. Ou, ainda, pode-se afirmar que se trata de reconduzir todo juízo, com apoio em valorações topicamente argumentadas, a uma plausibilidade que se apresenta como racionalidade social evidente, ou se trata de retrotrair os argumentos a um nível tal em que tendem, precisamente, a um efeito de coincidência. [...] Eis, a transposição, em fragmentos, do pensamento de Viehweg, a ser visto com maior profundidade pelo interessado, diretamente no próprio livro.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Sentido da Presença

     "Um rei vê passar um boi que deve ser sacrificado. Sente piedade dele e ordena que o substituam por um carneiro. Confessa que isso aconteceu porque estava vendo o boi e não via o carneiro." (Meng-Tsu). Assim é, percebe-se, que o homem é impressionável pelo sentido da visão. Nesse sentido, há, até um dito popular em que se assegura que 'aquilo que os olhos não vêem o coração não sente'. Pois bem, é consenso de que o método de cada ciência implica uma escolha assim, que, relativamente estável nas ciências naturais, é muito mais variável nas ciências humanas. Então, a presença atua de um modo direito sobre a nossa sensibilidade. Daí que para Piaget, é um dado psicológico e, portanto, exerce uma ação já no nível da percepção. De modo que, o que está presente na consciência adquire uma importância que a prática e a teoria da argumentação devem levar em conta. Não basta, assim, que uma coisa exista para que se tenha o sentimento de sua presença; é necessário torná-la evidente. Com efeito, no âmbito criminal, por esse viés, é comum a busca de adesão à tese mediante a utilização de recursos desse tipo. Por exemplo, a acusação utiliza de fotografias, laudos, restos de materiais pertinentes à vítima (a túnica ensanguentada de César que Antônio brande perante os romanos); a defesa, apresenta aos jurados os filhos do réu que são levados para despertar-lhes a piedade. O entendimento é que o objeto real deve acarretar uma adesão à tese, que sua mera descrição seria incapaz de provocar. Entende-se seja um auxiliar precioso, contanto que a argumentação lhe valorize os aspectos úteis. Pode acontecer, contudo, que o objeto real apresente aspectos desfavoráveis que será difícil subtrair ao espectador. É que o objeto concreto poderia desviar a atenção do ouvinte numa direção que se afasta do que importa ao apresentador. Enfim, importante na adoção dessas estratégias é que o apresentador de tais recursos tenha habilidade e o faça com o maior cuidado possível no sentido de evitar um fracasso com efeitos contrários aos fins almejados.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Argumentação e Evidência

     A pesquisa empreendida por Chaim Perelman (in Tratado da Argumentação) aponta que com "A publicação de um tratado consagrado à argumentação e sua vinculação a uma velha tradição, a da retórica e da dialética gregas, constituem uma ruptura com uma concepção da razão e do raciocínio, oriunda de Descartes, que marcou com seu cunho a filosofia ocidental dos três últimos séculos. Com efeito, conquanto não passe pela cabeça de ninguém negar que o poder de deliberar e de argumentar seja um sinal distintivo do ser racional, faz três séculos que o estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesão foi completamente descurado pelos lógicos e teóricos do conhecimento. Esse fato deveu-se ao que há de não-coercivo nos argumentos que vêm ao apoio de uma tese. A própria natureza da deliberação e da argumentação se opõe à necessidade e à evidência, pois não se delibera quando a solução é necessária e não se argumenta contra a evidência. O campo da argumentação é o do verossímil, do plausível, do provável, na medida em que este último escapa às certezas do cálculo. Ora, a concepção claramente expressa por Descartes, na primeira parte do Discurso do método, era a de considerar "quase como falso tudo quanto era apenas verossímil". Foi ele que, fazendo da evidência a marca da razão, não quis considerar racionais senão as demonstrações que, a partir de idéias claras e distintas, estendiam, mercê de provas apodícticas, a evidência dos axiomas a todos os teoremas. [...] Daí resulta que o desacordo é sinal de erro. "Todas as vezes que dois homens formulam sobre a mesma coisa um juízo contrário, é certo", diz Descartes, "que um dos dois se engana. Há mais, nenhum deles possui a verdade; pois se um tivesse dela uma visão clara e nítida poderia expô-la a seu adversário, de tal modo que ela acabaria por forçar sua convicção". Para os partidários das ciências experimentais e indutivas, o que conta é menos a necessidade das proposições do que a sua verdade, sua conformidade com os fatos. [...] É racional, no sentido lato da palavra, o que é conforme aos métodos científicos; e as obras de lógica consagradas ao estudo dos meios de prova, limitadas essencialmente ao estudo da dedução e habitualmente completadas por indicações sobre o raciocínio indutivo, reduzidas, aliás, não aos meios de construir mas verificar, as hipóteses, aventuram-se muito raramente no exame dos meios de prova utilizados nas ciências humanas. [...] Opondo a vontade ao entendimento [...], o coração à razão e a arte de persuadir à de convencer, Pascal já procurara obviar as insuficiências do método geométrico resultantes do fato de o homem decaído, já não ser unicamente um ser de razão. [...] Parece-nos, ao contrário, que esta é uma limitação indevida e perfeitamente injustificada do campo onde intervém nossa faculdade de raciocinar e de provar. [...] É a ideia de evidência, como característica da razão, que cumpre criticar, se quisermos deixar espaço para uma teoria da argumentação que admita o uso da razão para dirimir nossa ação e para influenciar a dos outros. A evidência é concebida, ao mesmo tempo, como força à qual toda mente normal tem de ceder e como sinal de verdade daquilo que se impõe por ser evidente. A evidência ligaria o psicológico ao lógico e permitiria passar de um desses planos para o outro. Toda prova seria redução à evidência e o que é evidente não teria necessidade alguma de prova: é a aplicação imediata, por Pascal, da teoria cartesiana da evidência. Já Leibniz se insurgira contra essa limitação que queriam, assim, impor à lógica. Ele queria, de fato, "que demonstrassem ou proporcionassem o meio de demonstrar todos os Axiomas que não são primitivos; sem distinguir a opinião que os homens têm deles e sem se preocupar-se, para tanto, eles lhe dão seu consentimento ou não". Ora, a teoria lógica da demonstração desenvolveu-se seguindo Leibniz, e não Pascal, e não admitiu que o que era evidente não tinha necessidade alguma de prova; da mesma forma, a teoria da argumentação não se pode desenvolver se toda prova é concebida como redução à evidência. Com efeito, o objeto dessa teoria é o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhes apresentam ao assentimento. O que caracteriza a adesão dos espíritos é sua intensidade ser variável: nada nos obriga a limitar nosso estudo a um grau particular de adesão, caracterizado pela evidência, nada nos permite considerar a priori que os graus de adesão a uma tese à sua probabilidade são proporcionais, nem identificar evidência e verdade. É de bom método não confundir, os aspectos do raciocínio relativos à verdade e os que são relativos à adesão, e sim estudá-los separadamente, nem que seja para preocupar-se posteriormente com sua interferência ou com sua correspondência eventuais. Somente com essa condição é que possível o desenvolvimento de uma teoria da argumentação de alcance filosófico." Pois bem, já mediante esses recortes é possível perceber que quando se desenvolve discursos argumentativos, como é o caso do Direito, a questão da evidência fica inadequada. Pois, para o Direito, em vez de evidência e necessidade, que são aplicáveis às ciências demonstrativas, adequado é a possibilidade.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Estatuto tecnológico do conhecimento jurídico

     Ao escrever o Prefácio à edição brasileira do Tratado da Argumentação - A Nova Retórica, de Chaim Perelman (Martins Fontes, 1996), Fábio Ulhoa Coelho destacara  que: "[...] ao reconhecer o estatuto tecnológico do conhecimento jurídico, a filosofia do direito reúne o que foi separado pela epistemologia normativa, isto é, o trabalho cotidiano dos profissionais(advogado, juiz, promotor de justiça, etc.) e a produção doutrinária. Se se adota, por exemplo, a teoria de Kelsen, é necessário distinguir a redação de uma petição inicial, da elaboração de uma monografia sobre tema jurídico, negando-se peremptoriamente à primeira a natureza científica, que poderá ter a última no interior da teoria kelseniana. O que de deve fazer na academia - a ciência do direito - não influi no que se faz fora dela - postulações judiciais e julgamentos. Tal separação é eliminada pela ruptura anticientíficista, uma vez que todos os chamados operadores do direito - nesse conceito englobando-se desde os doutrinadores e jurisconsultos até os advogados e juízes - são tidos como articuladores de argumentos convincentes, gnoseologicamente situados em pé de igualdade.
     Essas duas perspectivas inauguradas pela ruptura anticientificista servem como exemplo do potencial representado pelo novo enfoque jusfilosófico; enfoque que muito deve a Perelman, inegavelmente um de seus inspiradores mais destacados. Desse modo, conhecer sua obra - em especial o Tratado da argumentação, que recebe agora primorosa tradução para o português -, é indispensável a todos os profissionais do direito, cujas preocupações se ponham além das lides cotidianas, alcançando questões sobre o próprio sentido do trabalho que realizam. Assimilar seus entendimentos é, sem dúvida, essencial para compreender nosso tempo.".
     Pois bem, a contribuição desse trabalho é importante na medida em que, se observado, as peças processuais possam deixar de imitar os trabalhos acadêmicos, numa pretensa erudição descabida, cujas preocupações não são as mesmas.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A Estrutura do Voto Secreto

     A ordem jurídica estabelece: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direito e secreto, com valor igual para todos,..."(CF, artigo 14). Pois bem, a hermenêutica e a aplicação do Direito orientam no sentido de que aquilo que não pode ser feito diretamente, também não pode ser feito por via oblíqua. Esse princípio orientador é relevante sempre. E no momento atual ele ganha destaque porque se trata de período eleitoral em que há uma constante divulgação de resultados, obtidos por meio de pesquisas estimuladas ou não, das chamadas intenções de voto. Ora, essas práticas são antipedagógicas na medida em que: sendo, em essência, o voto secreto, ele não pode ele sofrer qualquer ataque, na sua estrutura interna, quer diretamente quer por via oblíqua, sob pena de destruição. Sendo assim, outro efeito nocivo dessas práticas está em potencializar o induzimento do eleitor a votar com a própria vontade por que esta foi alterada. É assim que ele - o eleitor - pelas abordagens e pelas informações veiculadas, sofre um ataque psicológico nocivo por várias razões detectadas, em vista do mais inexato dos fenômenos - o comportamento humano, nesse domínio. Essa pratica acaba por atingir a neutralidade que é da essência do instituto, mediante intervencionismo indevido. É que o conceito de voto secreto traz em si a ideia de neutralidade. Daí não poder sofrer intromissão por qualquer modo. Ainda, não se pode confundir Democracia com 'democratice' e muito menos com demagogia. Evidentemente, é de desconfiar do demagogo porque ele fabrica frustrações ao prometer mais do que pode dar e destrói sob pretexto de reformar. A democracia é fundamental. É uma doutrina sobre o que a sociedade deve ser. Democracia é um método, variável no tempo, de organizar a sociedade para esse fim. Ela não alimenta ilusões sobre as dificuldades práticas; mostra até um certo pessimismo saudável. Essas dificuldades têm raízes no plano político e no plano econômico. No plano político, a administração busca pacificar os conflitos - que são próprios da democracia - pressupondo consenso básico sobre as instituições. O que pressupõe, por sua vez, um certo grau de homogeneização cultural. No plano econômico, as necessidades de acumulação de capital exigem a contenção de pressões distributivistas, que a prática democrática libera e, às vezes, açula. Pois bem, o objetivo destas chamadas é estimular a reflexão sobre as consequências das práticas adotadas e as tomadas de decisões se devemos continuar nesse caminho ou fazer ajustes julgados necessários em busca da preservação da qualidade do voto secreto.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Que devo escolher?

     A essa pergunta respondo: o melhor. Parece, a primeira vista, óbvia a resposta. Só que a medida em que aprofundamos as indagações, a obviedade vai desaparecendo. É que aquilo que parece óbvio não é tão óbvio assim. Se há escolhida, evidente que há mais de uma alternativa. Depois vem a questão de descobrir o sentido em que essa palavra - melhor - estará sendo empregada. Na sequência pode ser verificada a questão no sentido de que será melhor à quem? Por exemplo: parece que para um carcereiro o melhor seria que o prisioneiro ficasse preso e não tentasse a fuga; parece que para o prisioneiro, o melhor será a busca da liberdade a qualquer custo; parece que para um terceiro observador, o melhor poderia ser o ponto de vista do carcereiro ou pode entender que o melhor poderia ser o ponto de vista do prisioneiro. É que para esse terceiro observador o fato de o prisioneiro for mantido preso à ele pode ser um benefício em vez de prejuízo, uma vez que preso está em segurança e livre de eventuais acidentes; pode, porém, estar que o melhor seria a busca da liberdade porque o tempo de prisão é irrecuperável e quanto antes consegui-la será melhor. Pois bem, em Direito é assim mesmo. Nesse domínio impera a lógica da possibilidade razoável aplicável em cada caso concreto. 
     Assim é que investigando Aristóteles (Tópicos III-2) teremos mais alguma coisa. Com efeito: "Além disso, sempre que duas coisas se assemelham muito entre si e não podemos ver nenhuma superioridade numa delas sobre a outra, devemos examiná-las sob o ponto de vista de suas consequências. Porquanto a que tem como consequência o bem maior é a mais desejável; ou, se as consequências forem más, será mais desejável a que for seguida de um mal menor. Com efeito, embora ambas sejam desejáveis, pode haver entre elas alguma consequência desagradável que faça pender a balança. Nosso exame a partir das consequências segue duas direções, pois há consequências anteriores e consequências posteriores; por exemplo se um homem aprende, segue-se que antes era ignorante e depois sabe. Como regra geral, a consequência posterior é a que mais deve entrar em consideração. Cumpre escolher, portanto, aquela das consequências que melhor ser aos nossos fins.".
     Do exposto, fica evidente que a questão da escolha - aquilo que julgador faz - longe de ser simples, é um, de certo modo, tormento. Essas breves anotações servem para alertar o tamanho da dificuldade. Por outro, serve, também, que passados, mais de 25 séculos de investigação, a questão continua em aberto. E assim a sorte está lançada. Cabe a cada um gastar fosfato em busca da solução. É disso que nos ocupamos.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O Comportamento Humano

     Desmond Morris propõe em (Você: Um Estudo Objetivo do Comportamento Humano), como introdução, que: "Um observador de homens observa as pessoas exatamente como um observador de pássaros observa os pássaros. Mas como estudioso do comportamento humano, não como voyeur. Para ele, o modo como um idoso cavalheiro acena para um amigo é absolutamente tão excitante quanto o modo como uma jovem cruza as pernas. É um observador de campo das ações humanas, e seu campo são todos os lugares - a parada de ônibus, o supermercado, o aeroporto, a esquina, o jantar formal, a partida de futebol. Em todo lugar onde as pessoas se comportam, lá está o observador de homens a aprender alguma coisa - alguma coisa sobre os seus semelhantes e, em essência, sobre si mesmo.
     Em certa medida todos nós somos observadores de homens. De vez em quando tomamos nota mentalmente de uma postura ou gesto em particular, e perguntamos a nós mesmos como tal atitude poderia se ter originado, mas raramente fazemos alguma coisa em relação a essa curiosidade. Dizemos coisas como: "Fulano faz com que eu me sinta apreensivo, não sei por quê, mas faz", ou "Ela não estava se comportando de modo estranho a noite passada?", ou "Sempre me sinto completamente à vontade com aqueles dois - tem alguma coisa a ver com o jeito deles". E ficamos nisso. Mas o observador sério quer saber por que essas sensações são despertadas. Deseja saber como chegamos a agir do modo como o fazemos. Isso significa passar longas horas executando trabalho de campo e olhando as pessoas de maneira nova.
     Não há nada de especialmente técnico nessa abordagem. Tudo de que se necessita é a compreensão de um número de conceitos simples, e são esses conceitos que esse livro pretende apresentar. Cada um nos fala de um tipo especial de comportamento, ou de um modo especial como o comportamento se desenvolve, se origina ou muda. Conhecer esses conceitos torna possível identificar certos padrões de comportamento com muito mais clareza. 
     Portanto este é um livro sobre ações, sobre como as ações se tornam gestos e sobre como os gestos transmitem mensagens. Enquanto espécie podemos ser tecnologicamente inteligentes e filosoficamente brilhantes, mas não perdemos nossa propriedade animal de sermos fisicamente ativos; e é essa atividade corporal o interesse fundamental do observador de homens. Ao se concentrar tanto nas próprias palavras, o homem parece esquecer que seus movimentos, posturas e expressões contam uma história própria.
     Deve-se acrescentar, porém, que este livro não visa a ser um auxílio ao domínio dos comportamentos por meio da leitura dos pensamentos secretos deles. Um observador de pássaros não os observa a fim de abatê-los. De modo semelhante, um observador de homens não tira vantagens injustas da compreensão especial que tem do comportamento humano. Sua finalidade fundamental é chegar a uma compreensão mais profunda das interações humanas e da notável previsibilidade de muito do comportamento humano.
     Assim como com toda pesquisa científica, claro que existe o risco de um novo conhecimento poder levar a novas formas de exploração do ignorante por parte do informado, mas neste caso em particular talvez haja uma probabilidade maior de tal conhecimento ser, pelo contrário, a fonte de uma tolerância mais ampla. Pois compreender o significado das ações de outro homem é ganhar uma visão dos problemas dele; ver o que se encontra por trás da sua conduta é, talvez, perdoá-lo naquilo em que, anteriormente, ele teria sido atacado.
     Acima de tudo, deve-se salientar que não há nada de insultante em olhar as pessoas como a animais. Afinal de contas, somos animais. O Homo sapiens é uma espécie de primata, um fenômeno biológico dominado por regras biológicas, como qualquer outra espécie. A natureza humana não é mais do que um tipo particular de natureza animal. De acordo, a espécie humana é um animal extraordinário; mas todas as outras espécies também são animais extraordinários, cada uma à sua maneira, e o observador científico de homens poderá trazer muitas revelações novas ao estudo dos assuntos humanos se conseguir conservar essa atitude básica de humildade evolucionária.". É que todos os animais desempenham ações e a maioria faz pouca coisa mais. Isso tudo interessa diretamente ao Direito, na medida em que este se ocupa das ações humanas.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O Dom Supremo

     Na perspectiva externa e relacional, em que há a consideração com o outro, quer significar: justo, o ato de justiça; amoroso, o ato de amor; caridoso, o ato de caridade. Por esse viés, esses três atos são implicativos. Daí fazendo um deslocamento, temos a apresentação do Dom Supremo, cujo discurso foi elaborado por Henry Drummond, publicado, pela primeira vez em 1890. Esse autor nasceu em 1851, em Stirling, na Grã-Bretanha; dedicou -se ao ensino de Ciências Naturais, em Glasgow. Morreu jovem, aos 43 anos, depois de se tornar conhecido em vários países, com seu inesquecível trabalho, começando por um trecho da epístola de Paulo aos Coríntios: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda ciência; ainda que eu tenha fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A amor jamais acaba. Mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará. Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos. Quando, porém, vier o que é perfeito, o que então é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como um menino, sentia como um menino. Quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino. Porque agora vemos como em espelho, obscuramente, e então veremos face a face; agora conheço em parte, e então conhecerei como sou conhecido. Agora, pois, permanecem a Fé, a Esperança, e o Amor. Estes três. Porém, o maior deles é o Amor.". Quando acabou de ler, Henry fechou a Bíblia, olhou para o céu, e começou a falar. Quando o rapaz acabou de falar, o sol já havia se posto. As pessoas se levantaram, em silêncio, e foram para as suas casas. Nunca mais, pelo resto de suas vidas, esqueceriam aquele dia. Haviam sido tocadas pelo Dom Supremo, e desejaram, naquele instante, que aquela tarde fosse lembrada por muito tempo. "Embora não possa ser lembrada para sempre", pensou um deles, consigo mesmo. Porque, como bem havia dito o rapaz, só o Amor permanece. Pois bem, esse texto vem em atenção às angústias presenciadas por inúmeras pessoas, ante a crise generalizada pela qual estamos atravessando. Enfim, o certo é que "[...] é próprio da justiça, [...], o governar retamente todas as coisas sujeitas ao homem" (Santo Agostinho); e "A justiça guia o caminho do simples" (Prov. 9,5); e que "[...] a essência da justiça radica em que a sociedade dos homens e a vida comunitária se regem por ela" (Túlio). Disso tudo implica considerar que o Amor, a Justiça, a Caridade, a Autoridade, o Homem, a Sociedade e a Ação, são todos ingredientes necessários para a transformação tão almejada.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Política: Apologia da Época Moderna

     "Discurso sobre a História Universal é um curso de história geral, escrita para a instrução do Dauphin. Ele viaja o tempo desde a criação até o tempo de Carlos Magno. Depois de um resumo cronológico dos principais acontecimentos, na primeira parte, intitulada "eras", Bossuet narra em "A suíte da religião", estágios da expansão cristã, desde Moisés até o triunfo da Igreja. Na terceira parte, "Empires", Bossuet estudando antigos impérios, analisa as causas de sua grandeza e sua decadência, sua unificação pelos romanos, o que facilita a propagação do Evangelho. Explicando todos os eventos, no plano divino, do triunfo do cristianismo, o livro é, apesar da riqueza de informações apresentadas, ao inés de um historiador do que um teólogo comprometido com a educação do príncipe, como sugere que este discurso de abertura: "Quando a história seria inútil aos homens, ele deve tê-lo lido para os príncipes. Não há melhor maneira de conhecer-lhes o que podem as paixões e interesses, tempos e circunstâncias, tanto bons quanto maus conselhos." Jacques Begnine Bossuet nasceu em 27 de setembro de 1627, na França. Nasceu em família de magistrados, em Dijon, onde recebeu educação no colégio jesuíta. Foi autor de 'La Politique tirée de l'Écriture sainte", publicada postumamente em 1709, na qual defende a teoria do Direito divino dos reis justificando que Deus delegava o poder político aos monarcas, conferindo-lhes autoridade ilimitada e incontestável. E o caso mais exemplar de governante que se serviu das idéias de Bossuet foi Luís XIV de França, chamado "Rei Sol". Bossuet está ciente das diferenças entre a política dos antigos e dos modernos. Ele sabia que as repúblicas da antiguidade valorizavam a coragem que é a virtude do patriota e que realizada em baixa estima independente da vida privada e da proteção das atividades de aquisição e de permuta. Com efeito, os egípcios dizem que os gregos aprenderam "a ser dócil e se deixar formar por lei para o bem público", graças a "excelente política". Os egípcios e os gregos entendiam que uma sociedade não pode ser uma simples adição de "indivíduos que só pensem em seus negócios e que não sentem os males do Estado na medida em que eles próprios sofrem ou que sua família é perturbada". Porque a cidade sentia ameaçada de perder sua independência e os cidadãos que a compõem são menos do que os homens. É por isso que os gregos foram instruídos a assistir a sua família como parte de um corpo maior que era o corpo do Estado. Para eles a perfeição civil, nem a delicadeza de maneiras ou a deferência mútua torna os homens sociáveis. Sabiam que essas qualidades - que para os modernos estão no auge e onde veem a mais elevada perfeição da civilização humana - sempre acompanhada por um afrouxamento dos laços cívicos e da coragem, bem como a renúncia a tal direito de investigação conjunta que distingue os homens dos animais. A perfeição política não era, portanto, para os gregos, o polimento natural de ferocidade do homem a ensiná-lo a conviver pacificamente com os semelhantes e seus bens; era a capacidade da cidade para formar bons cidadãos, como membros do Estado e de governar a si mesmos, ajustando sua conduta na justiça racional após a deliberação comum. É precisamente por esta submissão a uma lei razoável e reconhecida por todos que os gregos definiram a liberdade; graças a esta subjugação, afirma Bossuet, os povos antigos foram capazes de evitar que "os homens tivessem poder entre eles". Os magistrados não eram obedecidos por serem servos e instrumentos da razão contida na lei: esta última é que elabora, estabelece regras e seu poder "castigava a má administração". Enfim, Bossuet sabe das vantagens de tal política (os cidadãos, segundo ele, "gostam especialmente de seu país enquanto dirigem em comum e que cada indivíduo poderia alcançar as honras primeiro"; ele também sabe os defeitos da licença quando, como em Atenas, as leis não são fortes o suficiente para impedir as pessoas de agir em sua fantasia e que o mais importante, como em Esparta, é a rigidez da moral e "eu não sei fazendo espíritos ferozes, orgulhosos e atraente".

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O Político e o Educador

     O objetivo destes apontamentos é traçar uma concepção abrangente da relação complexa entre a Política e Educação, portanto: não se trata de política partidária. Foi elaborado mediante recortes de Sólon e Aristóteles. Com efeito, para Sólon: "O povo seguirá melhor aos seus líderes se não for livre demais e nem contido demais, pois o excesso produz atitudes insolentes quando as grandes fortunas ficam nas mãos de homens que carecem de condições de julgamento.". Em Aristóteles encontra-se a proposição: "[...] o objetivo da vida política é o melhor dos fins, e essa ciência dedica o melhor de seus esforços a fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações" [...]; [...]"a fim de ouvir inteligentemente as preleções sobre o que é nobre e justo, e em geral sobre temas de ciência política, é preciso ter sido educado nos bons hábitos."; [...] "E não faz diferença que seja jovem em anos ou no caráter; o defeito não depende da idade, mas do modo de viver e de seguir um após outro cada objetivo que lhe depara a paixão."; "[...] "Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra. Ora, a política mostra ser dessa natureza, pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada cidadão deve aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdades tidas em maior apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas a ela. Ora, como a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla sobre o que devemos e o que não devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger as das outras, de modo que essa finalidade será o bem humano. Com efeito, ainda que tal fim seja o mesmo tanto para o indivíduo como para o Estado, o deste último parece ser algo maior e mais completo, quer a atingir, quer a preservar. Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo só, é mais belo e mais divino alcançá-lo para com uma nação ou para as cidades-Estados."; "[...] Ligada ao assunto que acabamos de de discutir está a questão sobre se precisamos considerar as mesmas, ou não, as virtudes de um homem virtuoso e as de um cidadão sério e zeloso. Devemos, procurar uma concepção sobre a virtude de um cidadão. Um cidadão é uma parte da comunidade, como o marinheiro o é em relação à tripulação; embora cada membro da tripulação tenha sua própria função, e um nome que se ajuste a ela - remador, timoneiro, vigia -, e possua portanto sua virtude naquele trabalho em particular, há também uma espécie de virtude que toda a tripulação deve ter, uma função da qual todos desempenhem um papel: a condução segura da viagem; pois cada membro da tripulação objetiva assegurá-la. De modo similar, o objetivo de todos os cidadãos, não importa quão dessemelhantes possam ser, é a segurança da comunidade, isto é, a constituição da qual são cidadãos. Desse modo, a virtude do cidadão deve sê-lo em relação à constituição; e, se houver mais espécies de constituições, não apenas uma, então não pode haver uma única virtude perfeita, na qual se encaixe o cidadão virtuoso. Por outro lado, dizemos que o homem virtuoso o é por causa de uma única virtude perfeita. Está claro, então, que é possível ser um cidadão virtuoso e sério sem ter a virtude que torna virtuoso um homem virtuoso. Analisemos o assunto por outro ângulo e consideremos a virtude da melhor constituição, supondo que seja possível, para um Estado, consistir inteiramente de homens virtuosos e zelosos; cada qual devia então fazer, e bem, seu próprio trabalho; executá-lo bem depende da virtude de cada qual em relação a ele. Mas, uma vez que é impossível que todos ps cidadãos sejam semelhantes, então pode haver virtudes semelhantes no cidadão e no homem virtuoso. Pois a virtude do cidadão virtuoso deve estar ao alcance de todos; apenas assim pode o Estado, em si, ser realmente virtuoso. Mas é impossível, a todos, ter a virtude do homem virtuoso, a não ser que seja condição essencial, para uma cidade virtuosa, que todos os cidadãos sejam homens. Uma cidade compõe-se de partes diferentes. Assim como uma animada consiste de corpo e mente, e a mente consiste de raciocínio e desejo, e uma família consiste de marido e esposa, e um negócio consiste de senhor e escravo, assim também uma cidade se constitui de todas essas coisas e de muitas outras, todas diferentes. As virtudes de todos os cidadãos não podem, portanto, ser uma, não mais do que, num coral, as virtudes do líder e dos que estão a seu lado são uma. Embora, em geral, isso seja perfeitamente verdadeiro, pode-se perguntar se não é possível, num caso específico, que a mesma virtude pertença tanto ao cidadão virtuoso quanto ao homem virtuoso. Poderíamos responder que caso assim existe, uma vez que tomamos como certo que um bom governante é a um só tempo virtuoso e sábio, e a sabedoria é essencial para a pessoa envolvida com os trabalhos do Estado. (Alguns dizem que essa é uma questão de educação e que deve haver um tipo de educação diferente para os governantes. Exemplificam: a) o treinamento dos filhos da realeza na equitação e na guerra; b) um ditado de Eurípedes, que supostamente se refere à educação da classe governante: "Nada de supérfluo na educação, por favor; apenas aquilo que interessa à nação".) Embora possamos dizer que a virtude é a mesma no bom governante e no homem virtuoso, pois o governado também é cidadão, não podemos afirmar, em absoluto, que as virtudes do cidadão e do homem sejam uma; somente dizemos que isso pode vir a acontecer no caso de um cidadão específico. Pois certamente as virtudes do governante e do cidadão não são as mesmas. E tal, sem dúvida, é o motivo pelo qual o Jasão de Férae disse que passaria fome no momento em que deixasse de ser governante, pois essa era a única espécie de trabalho que sabia exercer. Mas certamente é bom aprender a obedecer, tanto quanto comandar, e creio que podemos dizer que a virtude do cidadão é exatamente esta: saber bem como governar e como ser governado. Se, então, dissermos que a virtude do governante é ser bom em governar, e que a virtude do cidadão é ser bom tanto em governar como em obedecer, as duas virtudes não podem ser do mesmo nível. Há algo assim numa regra despótica. O trabalho, quando feito nessas condições, é necessário mas servil; o senhor só precisa saber como usar tal trabalho. Alguma coisa mais - como ser capaz de desempenhar, e realmente o fazer, o trabalho dos servos - é simplesmente servil. Isso se aplica a vários tipos de trabalho, incluindo os manuais, especializados ou não; apenas nas democracias radicais os artesãos conseguem ocupar cargos públicos. Então o trabalho daqueles que estão sujeitos a um senhor não é algo que ou o homem virtuoso, ou o estadista ou o cidadão virtuoso precisem apender, exceto para o uso que podem fazer dele. De outro modo, a distinção entre senhor e servo simplesmente deixaria de existir. Mas existe outra espécie de regra: a exercida entre homens livres e iguais no nascimento. Nós a denominamos "constitucional" ou "política". É ela que um governante deve primeiro aprender, e a aprende ao ser governado, assim como em qualquer arma alguém aprende a comandar sendo, primeiramente, um oficial júnior. Este é um princípio justo; não é possível ser bom comandante sem primeiro aprender a obedecer. Não que o governo e a obediência virtuosos sejam a mesma coisa; mas o cidadão virtuoso precisa ter o conhecimento e a habilidade tanto de governar como de ser governado. É isso que entendemos por virtude de um cidadão - entender o  governo de homens livres por homens livres. Voltando ao homem virtuoso, encontramos a mesma ambivalência; ele é virtuoso quer governe, quer seja governado. E isso é verdade até mesmo quando o bom comportamento e a justiça não são os mesmos num assunto como o são da esfera do governo. Pois está claro que a virtude (por exemplo, a justiça) de um homem virtuoso, livre mas governado, jamais será uma e a mesma; tomará formas diferentes, de acordo com sua condição, de governante ou de governado, assim como os padrões de bom comportamento e a coragem variam entre os homens e as mulheres. Um homem pareceria covarde se tivesse somente a coragem da mulher; uma mulher pareceria loquaz se fosse não mais reticente do que um homem bem-comportado. Homens e mulheres desempenham diferentes papéis, no lar; ele conquista, ela cuida. Mas, para um governante, a única qualidade especial, ou virtude, é a inteligência; todas as outras pertencem, assim me parece, a governados e a subordinados. A qualidade necessária de um subordinado não é a inteligência mas a informação correta; ele é como a pessoa que faz flautas, enquanto o governante é aquele que a toca.". Pois bem, o recorte foi longo e valeu a pena aos propósitos almejados. É que a relação entre a Política e a Educação consiste numa estrutura composta de muitas camadas e de vários níveis. Esses níveis devem ser entendidos tanto no sentido de modos de consideração de pontos de vistas quanto no sentido de dimensões da relação objetivamente existente da Política com sua história e com a Educação. O contexto procurou deixar claro qual o sentido mais preciso que se tem em mente em cada caso.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Mulher e a Autonomia Intelectual

     Como sustentaram José Américo: "Há sempre uma mulher no íntimo de todas as grandes coisas."; e Hazel Henderson: "Os cientistas também fazem notar que é ilógico pensar que a repetição de um experimento similar possa conduzir a resultados não-similares.". Sendo assim, é perceptível que a mulher conseguiu notáveis avanços, em todos os domínios. Só que ela tem um problema a resolver, qual seja o de construir uma doutrina própria. Por séculos, ela vem seguindo os fundamentos teóricos masculinos, os quais seguem o princípio da competição; ao passo que os fundamentos teóricos femininos seguem o princípio da cooperação. A lógica masculina, da competição, vem por séculos se impondo e ganhou mais intensidade desde a idade moderna. Ela trabalha com a ideia de esgotamento, basta ver o que acontece com a questão ambiental e com a da economia; ao final, ela gera consequências de insatisfação e não resolve os conflitos. Daí que a sugestão da prática de esportes como instrumento para combater a violência tem se revelado inadequada. Os resultados estão aí, visíveis. A feminina gera conforto, equilíbrio. O que se propõe não é a oposição entre uma e outra, porque se assim fosse, acabaria caindo no mesmo resultado - competição - só o nome teria mudado, a prática não e isso não interessa. Então, o que se imagina é a perspectiva de complementariedade entre ambas. Tanto a competição como a cooperação são essenciais nas sociedades humanas. Por esse viés de entendimento, é bem provável que cheguemos ao pensamento esboçado por Vaclav Havel, de que: "Na atualidade, o mais importante, na minha opinião, é estudar os motivos pelos quais a humanidade nada faz para afastar as ameaças que tão bem conhece, e porque ela se permite ser conduzida por um tipo de movimento permanente. Não é suficiente inventar novas máquinas, novas regulamentações, novas instituições. É necessário mudar e melhorar nossa compreensão acerca da verdadeira finalidade de nossa existência e o porquê de estarmos neste mundo. É somente com essa nova compreensão que poderemos desenvolver novos modelos de comportamento, novas escalas de valores e metas e, consequentemente, investir nas regulamentações globais, tratados e instituições com um novo espírito e significado." Desse modo, com a construção de uma doutrina feminina, fundamentada no princípio da cooperação, interagindo com a masculina, fundada esta no princípio da competição, terá sido criado um novo sujeito pensante e a sociedade terá atingido o justo meio. É evidente que a competição não é de todo nociva; e só precisa de uma parceria.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Poder e Governo

      A literatura política-jurídica faz largo uso da palavra poder e derivativos. Ocorre que, no sentido ontológico da palavra, essa palavra só deve ser entendida, quando se trata de eventos humanos, de forma metafórica. É que o homem, em rigor, não tem poder; no máximo é detentor de governo ou governabilidade. Assim é que o poder é indivisível; porém a literatura o divide: poder executivo, poder judiciário, poder legislativo, poder econômico, poderio bélico etc.. 

     O conceito de governo expressa que "consiste no conjunto dos órgãos a que se acha entregue a direção de um país e, de modo especial, no órgão supremo ao qual todos outros se acham subordinados, e que pode ser uma pessoa, ou um grupo de pessoas. Foi Aristóteles (384-322 A.C.) quem estabeleceu a classificação, ainda hoje adotada, das formas de governo, distinguindo: a) a monarquia, na qual o 'poder' (o governo ou a governabilidade) se encarna em uma pessoa; b) a aristocracia, na qual o mesmo se acha entregue a um grupo de pessoas; c) a democracia, na qual é o povo que exerce o  'poder' (o governo ou a governabilidade), por intermédio de representantes eleitos. Assim, a existência de um governo é um imperativo da vida social, manifestado em todos os tempos, desde as sociedades mais primitivas. No entanto, só nas grandes civilizações antigas a estrutura do governo começa a oferecer uma sistematização, de tal modo que é passível citar como a mais antiga forma de governo constituído o despotismo oriental, de que foram exemplos marcantes o Império Persa, o Egito dos faraós, a milenar Monarquia Chinesa que perdurou até os tempos contemporâneos. Na Grécia Antiga, surgiu uma democracia que se poderia chamar aristocrática, porque seu exercício era privilégio dos homens livres, sendo negado a uma grande parte da população. Com efeito, o governo ou a governabilidade e constitui e se exerce por homens comuns, na grande maioria das vezes, uma vez que gênios são muito raros. E esses homens comuns ou seja de inteligência pobre praticam atos, nem sempre ou na maioria das vezes, conforme seu esquema mental, já que ninguém dá aquilo que não dispõe. Mesmo assim, parece que o homem está querendo acertar, ou seja, parece estar bem intencionado. Agora, além disso, quando se está imbuído de má-fé, daí, realmente, as ações só podem apresentar efeitos deletérios, porque contra a má-fé não inventaram, ainda, vacina. Diante disso, é lícito concluir que um bom governo depende de um grupo de pessoas com boa formação e bem intencionados, que possam participar ativamente das ações de governabilidade, do nível micro ao macro. Fora disso, é só canseira e enfado: muito discurso.

     

        

     

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Poesia, Religião, Mitos e Ciências

     Marcelo Gleiser (A Dança do Universo) tem que: Assim com em música não é necessário saber ler uma partitura para poder apreciar a beleza de uma sinfonia, em física tampouco se precisa saber resolver uma equação para apreciar a beleza de uma teoria. Para ele: "Muitos pensam que a pesquisa científica é uma atividade puramente racional, na qual o objetivismo lógico é o único mecanismo capaz de gerar conhecimento. Como resultado, os cientistas são vistos como insensíveis e limitados, um grupo de pessoas que corrompe a beleza da Natureza ao analisá-la matematicamente. Essa generalização, como a maioria das generalizações, me parece profundamente injusta, já que ela não incorpora a motivação mais importante do cientista, o seu fascínio pela Natureza e seus mistérios. Que outro motivo justificaria a dedicação da toda uma vida ao estudo dos fenômenos naturais, senão uma profunda veneração pela sua beleza? A ciência vai muito além da sua mera prática. Por trás das fórmulas complicadas, das tabelas de dados experimentais e da linguagem técnica, encontra-se uma pessoa tentando transcender as barreiras imediatas da vida diária, guiada por um insaciável desejo de adquirir um nível mais profundo de conhecimento e de realização própria. Sob esse prisma, o processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo nas artes, isto é, um veículo de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no Universo. 
     À primeira vista, pode parecer estranho que um livro escrito por um cientista sobre a evolução do pensamento cosmológico comece com um capítulo sobre mitos de criação de culturas pré-científicas. Existem duas justificativas para minha escolha. Primeira, esses mitos encerram todas as respostas lógicas que podem ser dadas à questão da origem do Universo, incluindo as que encontramos em teorias modernas. Com isso não estou absolutamente dizendo que a ciência moderna está meramente redescobrindo a antiga sabedoria, mas que, quando nos deparamos com a questão da origem de todas as coisas podemos discernir uma clara universalidade do pensamento humano. A linguagem é diferente, os símbolos são diferentes, mas, na sua essência, as idéias são as mesmas.
     É claro que existe uma grande diferença entre um enfoque religioso e um enfoque científico no estudo da origem do Universo. Teorias científicas são supostamente testáveis e devem ser refutadas se elas não descrevem a realidade. Mesmo que no momento estejamos ainda longe de podermos testar modelos que descrevem a origem do Universo, um modelo matemático só será considerado seriamente pela comunidade científica se puder ser testado experimentalmente. Esse fato básico traz várias dificuldades aos modelos que tentam descrever a origem do Universo. Afinal, como podemos testar esses modelos? No momento, o máximo que podemos esperar é que eles nos dêem informações sobre certas propriedades básicas do Universo observado. Mesmo que isso esteja ainda longe de ser um teste da utilidade desses modelos, pelo menos já é um começo. Mas tarde, retornaremos a esses modelos e discutiremos em maiores detalhes suas promessas e dificuldades. Por ora, é importante apenas que tenhamos em mente que mitos de criação e modelos cosmológicos têm algo de fundamental em comum: ambos representam nossos esforços para compreender a existência do Universo. A segunda razão para começar este livro com mitos de criação é mais sutil. Esses mitos são essencialmente religiosos, uma expressão do fascínio com que as mais variadas culturas encaram o mistério da Criação. Como discutirei em detalhe, é precisamente esse mesmo fascínio que funciona como uma das motivações principais do processo criativo científico. Acredito que esse fascínio seja muito mais primitivo do que o veículo particular escolhido para expressá-lo, seja através da religião organizada ou da ciência. Para a maioria dos cientistas o estudo da Natureza é encarado como um desafio intelectual. Sua motivação para enfrentar esse desafio vem de uma profunda fé na capacidade da razão humana de poder entender o mundo à sua volta. A física se transforma em uma ferramenta desenhada para decifrar os enigmas da Natureza, a encarnação desse processo racional de descoberta. [...] Minha esperança é que a tradução seja boa o suficiente para que você possa compartilhar da minha paixão pela ciência e por esse Universo que jamais deixará de nos surpreender e maravilhar.". Com toda essa exposição, fundamentada e justificada, claro fica que o conhecimento é algo abrangente de modo a nada ser isolado, ou seja: ele é essencialmente integrativo, ainda que alguns assim não o compreendam.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Implicações Práticas da Ética

     John Mitchell Finnis, em (Fundamentos de Ética, Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 4/5), adverte que: "ao fazer Ética, a pessoa está em busca da verdade. O que a pessoa gostaria de saber, ou, ao menos, ter mais clareza sobre, é a verdade sobre a questão, sobre o bem, sobre o valor da ação humana, i.e., a forma de viver de alguém enquanto constituída e moldada de acordo com suas escolhas. E, na Ética, no sentido pleno e próprio identificado por Aristóteles, escolher-se buscar a verdade, não apenas "em si mesma" nem simplesmente para se tornar uma pessoa que conhece a verdade sobre determinada matéria, mas (principalmente) para que as escolhas de alguém, suas ações e sua forma de vida completa sejam boas e valham a pena (sendo ainda, por ele, desse modo conhecidas). Dentre as escolhas de uma pessoa, está aquela referente ao engajamento na atividade de busca pelo ético. Seria irracional afirmar que essa escolha não é boa nem valeria a pena, já que, assim como qualquer outra afirmação, ela exigiria justificação, e a identificação de razões que amparassem essa afirmação seria, ela própria, uma instância dessa mesma atividade que teria sido afirmada como não valiosa.
     A alegação de que a Ética não vale a pena ou é carente de embasamento (e, por isso, sequer merece ser considerada) ou é autorrefutatória. (O que acabo de afirmar, por óbvio, não leva a conclusão de que não seja, algumas vezes, inapropriado engajar-se em uma reflexão ética; como veremos, a razoabilidade prática exige mais da escolha de alguém do que simplesmente fazer com que essa escolha esteja orientada para algum bem genuíno, por mais básico que seja).
     Assim, engajar-se em uma investigação ética (em um momento apropriado) significa já ter tido sucesso, em alguma medida, no que se refere à realização da intenção fundamental da pessoa: a sua ação já está participando de um bem que é inegável. Quando uma pessoa envolvida com a Ética realiza uma ação, ela já atinge, parcialmente, aquilo que esperava conseguir realizar ao fim de seu questionamento e da sua reflexão. Dito de modo mais claro, ao escolher fazer ética, a pessoa já realizou uma escolha do mesmo tipo que desejaria ser capaz de fazer ao final do possivelmente longo e árduo programa em que ingressou ao fazer aquela escolha.
     Além disso, a Ética, o seu objeto e as condições nas quais este objeto pode ser alcançado fazem parte, propriamente, da matéria envolvida com a investigação e a reflexão éticas. A Ética é genuinamente reflexiva. Ela pode ampliar a sua compreensão sobre o pleno bem humano ao atentar para o tipo de bem que leva alguém a iniciar um empreendimento ético. Ela pode refutar algumas alegações éticas ou "metaéticas" ao demonstrar que elas refutam-se a si mesmas, já que ela está, explicitamente, consciente do comprometimento intelectual que alguém faz ao assumir qualquer pretensão racional.
     Ela também pode ir do estudo das formas de bem até o estudo acerca das condições nas quais esses bens podem ser razoavelmente perseguidos. Isso porque, se alguém está realizando Ética com consciência do que está fazendo, esta pessoa ira refletir acerca das condições sob as quais os bens diretamente relevantes na investigação ética devem ser (apropriadamente) perseguidos. A pessoa ira observar, ademais, que essas condições  relacionam-se não apenas com uma compreensão acerca da apropriada e inapropriada ocasião para engajar-se no estudo ético (ou qualquer outro), mas também uma compreensão sobre as virtudes humanas exigidas para qualquer tarefa intelectual bem-sucedida: sinceridade, uma mente aberta, coragem para mantar a mente aberta quando diante de pressões e compulsões internas e externas, autodisciplina, entre outras virtudes presentes em um catálogo de aspectos desejáveis do caráter humano.
     Por fim, considerando-se que as verdades que serão discernidas e clarificadas ao se realizar Ética representam tudo aquilo pelo qual alguém está mais profundamente interessado, a pessoa poderá ver-se confrontada pela escolha entre a felicidade para com a verdade (mesmo quando se dê conta de que ela irá desapontar as esperanças e desejos de outrem) e a preferência por outros desejos e a sua satisfação...; e a experiência de se confrontar com essas alternativas abertas, e escolher (digamos) a fidelidade para com a verdade, pode representar um exemplo paradigma de escolha livre e de como nossa liberdade de escolha persiste como uma virtude (ou um vício) e, assim, acaba constituindo a pessoa particular que, de fato, nos tornamos.". Pois bem, sendo assim, no filme "Palavras", há uma passagem que expressa: "Todos nós fazemos escolhas. O difícil é conviver com elas. E ninguém pode nos ajudar." De modo que, voltando ao início do texto, podemos entender o que quer significar a expressão que, ao fazer Ética, a pessoa está em busca da verdade. É que, às vezes, essa verdade buscada, pode não ser a querida.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Conhecimento e Limites da Razão

     O Conhecimento para: Salomão (Nada há de novo sob o sol); Parmêmides (Nada muda); Heráclito (Tudo muda); Kant (Quais as condições de possibilidade); Freud (Acrescenta o prazer e as fantasias). Pois bem: Emília Steuerman em (Os Limites da Razão, Rio de Janeiro, Imago Editora, 2003), abre seu texto com: "A ilusão transcendental, por outro lado, não cessa mesmo quando já a descobrimos e, pela crítica transcendental, percebemos claramente sua nulidade. (Um exemplo é a ilusão na proposição de que o mundo tem de ter um começo em termos de tempo.) A causa disso é que nossa razão (encarada subjetivamente como uma capacidade cognitiva humana) possui regras básicas e máximas de seu uso que têm inteiramente a aparência de princípios objetivos; e assim ocorre que a necessidade subjetiva de certa conexão de nossos conceitos em benefício da compreensão é encarada como uma necessidade objetiva da determinação das coisas em si. Esta é uma ilusão que não podemos de modo algum evitar assim como não podemos evitar a ilusão de que o mar nos parece mais elevado no centro do que na margem, porque vemos o centro através de raios luminosos mais elevados do que a margem; ou - melhor ainda - assim como mesmo o astrônomo não pode impedir que a lua lhe pareça maior quando se ergue, embora ele não seja enganado por essa ilusão." (Kant, Crítica da Razão Pura). Daí, em diante, ela explora os limites e o significado da racionalidade como instrumento para a compreensão da verdade, da justiça e da liberdade. Ela apresenta a atual controvérsia entre modernismo e pós-modernismo numa análise rigorosa, embora acessível, do debate entre Jurgen Habermas e Jean-Françoais Lyotard. Com efeito, ressalta, com clareza, os problemas com que se defrontam tanto uma defesa da razão quanto a falta de significado que persegue um mundo sem razão, cujo objetivo é determinar se a razão pode ser usada como uma arma de dominação ou como um meio de emancipação. Ela, ainda, investiga os limites dos projetos racionalista e irracionalista, apresentando a obra da psicanalista Melanie Klein, cuja teoria das relações de objeto dessa autora e prepara o caminho para uma compreensão dos limites éticos e emocionais que mantêm os indivíduos em contato com o mundo externo e assegura nossa compreensão de pensamento racional. Ela demonstra, também, como a teoria de Melaine Klein lança nova luz sobre os conceitos habermasianos de intersubjetividade e de comunidades de usuários de linguagem compartilhada, enquanto leva em conta também os mundos irracionais e primitivos do amor e do ódio que marcam nossas percepções de nós mesmos e dos outros. Demontra, também, em termos habermasianos, que Freud estava buscando restaurar, por meio da interação comunicativa, um significado que fora perdido (recordação, repetição e elaboração). Enfim, Freud, com a inclusão do prazer e das fantasias, na domínio do conhecimento, promoveu uma revolução, metaforicamente, ao modo de Galileu.