sexta-feira, 31 de julho de 2015

Verdade Material, Verdade Formal e Verdade Lógica

     Mauritância Elvira de Souza Mendonça, em decorrência de pesquisa realizada, com escopo a análise de alguns aspectos do Processo Administrativo Fiscal no âmbito federal, faz importante comunicação (Âmbito Jurídico), no ponto que nos interessa no momento: diz ela: "Grande parte dos doutrinadores está acostumada a fazer distinção entre verdade material e verdade formal, definindo a primeira como 'a efetiva correspondência entre proposição e acontecimento, ao passo que a segunda seria uma verdade verificada no interior de determinado jogo, mas suscetível de destoar da ocorrência concreta, ou seja, da verdade real". Vale ressaltar, que corriqueira é a afirmação de que o princípio da verdade material rege o processo administrativo, o qual prima sempre pela busca da verdade real, em contraste com a verdade formal, esta predominante no processo judicial. Segundo Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas (Proc. Adm. Trib.), contrariamente ao que acontece no processo judicial, em que prevalece o princípio da verdade formal, consoante dito antes, no processo administrativo tributário é dever da autoridade administrativa levar em conta todas as provas e fatos de que tenha conhecimento, predominando assim, a verdade material. Adotam tal posicionamento, grandes nomes do Direito Tributário, dentre eles, Alberto Xavier (Do Lançamento...), Paulo Celso Bonilha (Da Prova...), James Marins (Dir. Proc. Trib....), defendendo, assim, a informalidade no âmbito administrativo, em favor da produção da prova, visando alcançar a dita verdade material. Tal conclusão, porém, com a devida permissão, é de total improcedência, tornando-se uma disputa sem sentido mencionada distinção em verdade material e formal. Senão veja-se. Tárek Moysés Moussalém (Fontes do Dir. Trib....), em estudo revolucionário, apregoa a irrelevância desta classificação (verdade material e formal), pois, considerando o caráter auto suficiente da linguagem, toda a verdade passaria a ser formal, quer dizer: verdade dentro de um sistema linguístico. Seguindo essa linha de raciocínio, Fabiana Del Padre Tomé (A Prova no Dir. Trib....), quebrando as barreiras da tradição terminológica, afirma que a verdade jurídica não é material nem formal, mas verdade lógica. Logo, consoante a douta professora, a verdade que se busca em qualquer processo, seja administrativo ou judicial, é verdade lógica, ou seja, a verdade em nome da qual se fala, alcançada mediante a constituição de fatos jurídicos, nos exatos termos prescritos pelo ordenamento: a verdade jurídica. Daí o motivo pelo qual leciona Paulo de Barros Carvalho (Curso de Dir. Trib....) que, 'para o alcance da verdade jurídica, necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a observância de uma forma especial. Impõe-se a utilização de um procedimento específico para constituição do fato jurídico'. Assim, nos falares da mencionada jurista o que se requer no processo administrativo e no processo judicial é a verdade lógica que, consoante seu entendimento e com o qual comungo, é a verdade obtida pelas provas e afirmações feitas pelas partes dentro das regras do sistema, a despeito da dispensa de certas formalidades. Entretanto, não obstante esta dispensa, é imprescindível que se obedeça as prescrições oferecidas pelo ordenamento. Complementando, para Maria Rita Ferragut (Presunções no Dir. Trib...), a verdade lógica será atingida mediante a linguagem das provas, pois para que o fato jurídico tributário seja considerado verdadeiro para o direito, não se requer a certeza de que o relato corresponda fielmente ao evento, mas a certeza de que o enunciado descrito da norma individual e concreta foi elaborado de acordo com as regras do sistema. Somente com a admissão de validade da verdade lógica, isto é, alcançada pela produção de provas e de alegações segundo as regras do sistema, é que se torna possível admitir a proibição de análise, pela autoridade julgadora, de provas ilícitas ou de recursos interpostos intempestivamente, pois do contrário estaria instalada a balbúrdia, com afirmações feitas à destempo, provas produzidas, porém, não admitidas pelo direito, entre outros. Logo, é com a verdade lógica que se perfaz o princípio do devido processo legal. Destaco que por muito tempo, nossa posição sempre foi no sentido de acatar a distinção entre verdade material e formal e que de fato o processo administrativo tributário estaria adstrito ao princípio da verdade material. Todavia, revendo meu posicionamento, me rendo à irrelevância de tal distinção, considerando que toda verdade é constituída dentro de um sistema e, portanto, segundo as regras daquele sistema, sendo que o termo mais correto a ser utilizado, depois do estudo feito, é de fato "verdade lógica", quer seja no processo administrativo, quer no judicial.". Disso tudo, é possível inferir a importância dos jogos de linguagem, descritos por Wittgenstein, como uma rede oculta doadora de sentido que fornece significado às expressões linguísticas, impondo limites à interpretação do Direito, ao que Chaim Perelman (Ética e Direito), citando E. Causin, comunicara: "Para simplificar a administração da prova, o legislador muitos vezes substitui, mediante uma espécie de presunção legal, um fato difícil de estabelecer por outro cuja prova é fácil. Assim é que, para dar alguns exemplos, em vez de exigir de um adolescente uma certa maturidade, ele fixará a idade da maturidade a partir da qual uma pessoa pode exercer seus direitos civis e políticos. Fixará uma idade mínima para contrair um casamento válido. Presumirá, mas desta vez a presunção poderá ser derrubada, que o marido é o pai das crianças oriundas do casamento. Assim também, o juiz presumirá que o vendedor profissional conhece os defeitos ocultos da mercadoria que vende. É certo que, em decorrência dessas presunções, se sacrificará, em certos casos, a verdade à segurança jurídica, mas não se hesita em pagar esse preço para admitir o número dos litígios. Por essas e outras que a noção de justiça tem se tornado um mecanismo difícil de entendimento por parte do não iniciado.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Estudo do Direito Facilitado

     A Lógica Jurídica auxilia enormemente em como estudar o Direito de modo apropriado. Nesse viés, os ensinamentos de Hamilton Rangel Júnior (Manual de Lógica Jurídica Aplicada, São Paulo, Atlas, 2009, p. 90/2) são fundamentais e por isso vamos segui-lo por mais este momento. Diz ele: "Ainda que complexo o estudo da lógica jurídica, após entendê-la, a facilidade para estudar o Direito tem de ser infinitamente maior. Sim, a lógica jurídica revelada exprime um roteiro de como elaborar o raciocínio sobre qualquer tema jurídico. Claro é que o que primeiro se nos apresenta na vida profissional não é a premissa maior da lógica jurídica, mas justamente o que se tem como premissa menor: o fato jurídico. Assim, não se estuda o Direito partindo-se da hermenêutica. Deve-se, antes, interdisciplinarmente identificar o caso concreto como prioritariamente pertencendo à esfera da autonomia individual, privada ou política. Somente então, a hermenêutica poderá dizer dos elementos que a Ordem Jurídica oferece para evitar a imoralidade institucional de o tema ser objeto de qualquer arbitrariedade dos demais interesses. Finalmente, a conclusão, expressando dialeticamente qual a solução para o caso, por meio de uma daquelas linguagens vistas na parte anterior (Síntese da lógica no Direito). Estudar o Direito, então, é obedecer às seguintes etapas: a) interdisciplinarmente situar o caso concreto como prioritariamente pertencente à autonomia individual, privada ou política (premissa menor); b) promover a adequada hermenêutica, para, dinamizando as fontes de revelação de licitude, localizar os elementos definidos pela Ordem Jurídica, no entendimento doutrinário e jurisprudencial (sujeitos, objeto, meios, fins e tempo) para que a autonomia a que pertence o fato em análise não sofra arbitrariedades das outras duas manifestações  de autonomia - moralidade institucional. Claro, casos haverá em que o legislador foi injusto. Então, caberá ao jurista destacar o absurdo (ridículo) e pleitear que prevaleça o Princípio Geral do Direito que privilegia a moralidade institucional, até porque, como se trata de regra constitucional, decorrente da dialética entre as três autonomias, postura diferente será nula por inconstitucionalidade; c) estabelecer a dialética conclusiva, revelando o porquê dessa ou daquela solução para o caso e as razões de as demais serem equivocadas. Dessa forma, por exemplo, se nos é apresentado um caso relativo ao tema reforma agrária, estudá-lo significa: 1. apesar de aparentemente relativo ao âmbito da autonomia privada, já que envolve, no mínimo, a coletividade constitutiva da titularidade da propriedade - a compra-e-venda, a sucessão, a doação etc. -, esse tema é majoritariamente pertencente à esfera da autonomia política, por conta de sua sujeição ao Estado, a título de função social; 2. hermeneuticamente, a doutrina (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 797) tem encaminhado a exegese lógico-sistemática entre os dispositivos constitucionais (5º, XXIV e 184-5), epistemologicamente enriquecendo-a com noções de economia e sociologia, no sentido de aformar-se a premência do processo de reforma agrária; inexistentes antinomias, integra-se o regime da política agrária (185) incluindo-se as propriedades produtivas de qualquer dimensão, bem como as pequenas e médias improdutivas de proprietários que não possuam outras (sujeitos/objeto), como também suscetíveis de desapropriação, desde que a indenização seja justa, prévia e em dinheiro (5º, XXIV) (meio/tempo); parte-se do argumento de que, se, por força de função social (fim), à improdutividade da terra corresponde a iliquidez dos títulos da dívida agrária, a contrario sensu, à produtividade da terra deve-se fazer corresponder a liquidez do dinheiro justo e prévio. Rejeitar-se essa possibilidade será arbitrariedade da autonomia individual do proprietário que manteve seu patrimônio íntegro, por conta da indenização, sobre a autonomia política de fazer valer a função social do bem (imoralidade institucional); e 3. conclui-se que, para reforma agrária, também são desapropriáveis terras não arroladas no art. 185, desde que sob o regime do art. 5º, XXIV, já que visão diferente estaria contradizendo a noção de função social da propriedade. Acrescente-se, por fim, que a vantagem de se manter fiel à lógica jurídica, inicialmente, está na facilidade para organizar de forma completa as informações de doutrina e jurisprudência, mais facilmente memorizando-as, mesmo aquelas situações em que o legislador, o julgado, ou o estudioso se equivocou e desrespeitou a noção de moralidade institucional - nesse caso, a memorização se dá por reductio ad absurdum. Ainda, e mais vantajosamente, esse domínio lógico, no estudo, permite que, diante de casos não abordados pelos seus estudos, tematicamente desconhecidos, porém de solução premente (respostas em concursos públicos, por exemplo), possa o jurista lançar mão desse silogismo dialético-interdisciplinar geral característico do raciocínio jurídico, para deduzir o que seria a melhor solução. Esta última utilidade da lógica é a única situação em que a verossimilhança corre o risco de se converter em verdade.". Desse discurso, portanto, é lícito concluir que a omissão desse viés e da argumentação jurídica, durante o curso de Direito, em algumas faculdades, torna o aprendizado bastante confuso e pouco consistente.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

A Lógica Jurídica Aplicada

     Destaca Chaim Perelman (Ética e Direito, São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 420): "A lógica jurídica se apresenta como uma argumentação regulamentada, cujos aspectos podem variar conforme as épocas, os sistemas de direito e as áreas de aplicação. Suas características não podem ser distinguidas inteiramente a priori. Para formulá-las com precisão, indicando-lhes as condições de aplicação, mostram-se indispensáveis estudos empíricos e analíticos.". Assim é que Eudes Quintino de Oliveira Júnior (Migalahas: 3655, 13-07-15) pontua: "Como professor de Direito Processual Penal sempre considerei interessante apresentar ao aluno um caso prático para que pudesse ser discutido e apontadas as divergentes soluções, vez que o Direito não é uma ciência exata. Embora a disciplina apresentasse um conteúdo teórico indispensável, justamente para que o aluno pudesse receber as informações doutrinárias referentes a cada instituto, um exemplo bem colocado sempre oferece um campo fértil para as divagações jurídicas. O aluno do curso jurídico deve, obrigatoriamente, exercitar seu raciocínio em torno de fatos que reclamam a aplicação do Direito. Confesso que recebia bem quando, após a exposição do caso a ser enfrentado, o aluno dizia que não sabia solucioná-lo. Já era uma boa resposta, dizia eu, porque Sócrates, o ateniense que muito colaborou com a filosofia e que nada deixou escrito, quando indagado, dizia: 'o que eu sei é que nada sei'. E o conforto era generalizado.". Considerando-se essas boas ideias, sugere-se o estudo de Hamilton Rangel Júnior (Manual de Lógica Jurídica Aplicada, São Paulo, Atlas, 2009), em pequena resenha: "Este livro se dedica prioritariamente à organização do raciocínio do profissional de qualquer das áreas vocacionais que o Direito abrange, como a contenciosa, a consultiva, a político-administrativa, a político-partidária, ou a acadêmica. Além disso, ao longo da obra, o texto nos faz refletir sobre os fundamentos do Direito, como mecanismo de exercício ético da liberdade, a metodologia de ensino e de estudo da Ciência Jurídica. Sumariamente, o estudo do tema foi desenvolvido para fornecer ao leitor as seguintes habilidades: a) análise interdisciplinar do fato, algo que demanda formação sensível ao contexto sócio-econômico-político-cultural, por meio de cursos de graduação com grades curriculares dinamizadas, conteúdos programáticos transversalizados, atividades complementares intercambiando ensino, pesquisa e extensão universitária, estágio multiprofissional e metodologia de aula voltada à sensibilização, não à memorização; b) adequada hermenêutica da dinâmica entre as fontes de revelação da licitude em que, visando a alcançar o ideal de moralidade institucional, o jurista lança mão das exegeses, epistemologia, eliminação de antinomias, integração jurídica e argumentação, para revelar, em cada instituto jurídico, seus correspondentes sujeitos, objetos, meios, fins e tempo; c) verificação da compatibilidade do feto com a hermenêutica; e d) exposição dialética de sua conclusão, revelando suas razões e o descabimento das possíveis contrarrazões, numa apresentação comunicativa entre quatro formas de linguagem jurídica: acadêmica, judicial, política e de massa. Livro-texto para as disciplinas Lógica Jurídica, Teoria Geral do Direito, Introdução à Ciência do Direito, Argumentação Jurídica e Hermenêutica Jurídica dos cursos de graduação em Direito, Leitura complementar para as disciplinas integrantes do eixo de formação prática, na estruturação de peças técnicas, para o contencioso forense.". Nessas perspectivas, é lícito finalizar com Robert McNamara, um dos brilhantes talentos da era Kennedy, que terminou, certa vez, um discurso, como presidente do Banco Mundial, assim: "Nossa frustração é sobre o passado do homem, nossa dissatisfação é quanto ao presente do homem; nossa dedicação é para o futuro do homem.". Se passarmos do homem abstrato para a concretude deste Brasil, tão próximo da grandeza e tão indisciplinado para alcançá-la, teremos uma descrição exata do que sentia Antonio Gallotti: frustração pelo passado, dissatisfação quanto ao presente; dedicação ao futuro."(Roberto Campos, A Lanterna na Popa, v. II, p. 851). Diríamos, enfim: todos os homens de boa formação e de boa vontade pensam e sentem algo parecido.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Noções Jurídicas de Dever e Obrigação

     Estabelece a CF, no artigo 13. "A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil". Com isso, quer que, o Direito, pelo visto pelo viés de Ciência, como tal, preferencialmente, deva ser tratado, ou seja: primar pela precisão. Daí vem da notas de Hamilton Rangel Júnior (Princípio da Moralidade Institucional, São Paulo, J. de Oliveira, 2001, p. 120), as seguintes considerações: "Apesar de serem semanticamente próximos, no vernáculo, do ponto de vista jurídico são distintos, a despeito de, por vezes a própria dogmática os confundir (v.g., Constituição Federal, arts. 144, 196, 205 etc. dispositivos que, para aproximar o Texto Magno do entendimento coloquial, ao serem interpretados hão de, por amor à precisão técnica e à previsibilidade científica das soluções jurídicas, seguir os moldes da Teoria Geral do Direito e serem entendidos como tratando de obrigações, não de deveres). Dever é toda e qualquer conduta que se adota, em uma relação jurídica, não por que é exigível, mas pela conveniência de que ela revela a boa-fé do agente (esta, [...], apta a excluir o sujeito de eventuais responsabilidades que se lhe atribuam), a predisposição favorável a que conflitos não ocorram; algo como que uma postura de respeito desinteressado pela relação em que se é um dos titulares (cf. FERRAZ JR., Tércio. Introdução..., p. 161-2 e RÁO, Vicente. O direito e a vida..., p. 329). Já, obrigação é a conduta exigível dos sujeitos de qualquer relação jurídica, sob pena de sanção específica, para além da nulidade do ato. Assim, enquanto o dever não desempenhado não determina o rigor da aplicação de uma sanção específica, quando muito a anulação do ato não-fidedigno - o que gera instabilidade da relação jurídica (inefetividade) -, uma obrigação não observada implica uma sanção própria. Por outro lado, não havendo uma obrigação tido a adequada eficácia, mas o correspondente dever, sim, pode-se, com base na boa-fé, excluir-se a responsabilização do agente inadimplente. Ainda, não havendo previsão de obrigação de não promovê-los, a indigência quanto a deveres pode invalidar um ato praticado, por má-fé. Em uma relação jurídica processual de cassação de mandato, v.g., mesmo diante de eventual inexistência de lei específica sobre as condições de renúncia do mandatário em processo, sua tentativa de promovê-la, na iminência de sua condenação revela má-fé fraudulenta contra o processo punitivo; o suficiente, para, mesmo não havendo norma a respeito, que criasse a obrigação de não agir de tal maneira, considerar-se tal ato juridicamente inválido, por fuga ao dever jurídico.". De forma que essa exigência tem uma razão de ser: a inobservância da precisão linguística acaba por inviabilizar o desempenho do devido processo legal. É que ao se adotar uma palavra cujo sentido ou significado não é o imaginado por aquele que redige o texto, pensa-se em estar expressando uma coisa e na realidade estar-se-á expressando outra.