O
PRINCIPIO DA LEGALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (por Itamar Alves Rodrigues
Junior).
Os princípios são regras que servem de
interpretação das demais normas jurídicas, apontando os caminhos que devem ser seguidos
pelos aplicadores da lei. Os princípios procuram eliminar lacunas, oferecendo
coerência e harmonia para o ordenamento jurídico.
O princípio da legalidade representa uma garantia
para os administrados, pois, qualquer ato da Administração Pública somente terá
validade se respaldado em lei, em sua acepção ampla. Representa um limite para
a atuação do Estado, visando à proteção do administrador em relação ao abuso de
poder.
O princípio da Legalidade encontra-se expressamente
disposto em nossa Constituição Federal nos seguintes artigos:
Art 5°- Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Art. 37 - A administração pública direta e indireta
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência e, também, ao seguinte. Enquanto no art. 5º, II, CF, temos o
Princípio da Legalidade disposto sob a ótica individual, determinando que o
Poder Público, para determinar o que se poderá e o que não se poderá fazer,
deve elaborar leis, o que nos garante uma maior segurança jurídica; temos no
Art. 37 de nossa Carta Magna, o Princípio da Legalidade sob a ótica da
Administração Pública, ao estabelecer que administrador público só poderá agir
dentro daquilo que é previsto e autorizado por lei.
O Princípio da legalidade aparece simultaneamente
como um limite e como uma garantia, pois ao mesmo tempo em que é um limite a
atuação do Poder Público, visto que este só poderá atuar com base na lei,
também é uma garantia aos administrados, visto que só deveremos cumprir as
exigências do Estado se estiverem previstas na lei. Se as exigências não
estiverem de acordo com a lei serão inválidas e, portanto, estarão sujeitas a
um controle do Poder Judiciário. Segundo o princípio da legalidade, o
administrador não pode fazer o que bem entender na busca do interesse público,
ou seja, tem que agir segundo a lei, só podendo fazer aquilo que a lei
expressamente autoriza e no silêncio da lei está proibido de agir. Já o
administrado pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe e o que silencia a
respeito. Portanto, tem uma maior liberdade do que o administrador.
Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo
Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros,2005.) define: “A legalidade, como
princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador
público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei
e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena
de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e
criminal, conforme o caso”.
Diógenes Gasparini (Direito Administrativo. 6. Ed.
São Paulo: Saraiva,2001) define: “O princípio da legalidade significa estar a
Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei,
deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade
de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que
exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se a anulação. Seu
campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular.
Na Administração Pública, não há espaço para
liberdades e vontades particulares, deve, o agente público, sempre agir com a
finalidade de atingir o bem comum, os interesses públicos, e sempre segundo
àquilo que a lei lhe impõe, só podendo agir “secundum legem”. Enquanto no campo
das relações entre particulares é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe
(princípio da autonomia da vontade), na Administração Pública só é permitido
fazer o que a lei autoriza. A lei define até onde o administrador público
poderá atuar de forma lícita, sem cometer ilegalidades, define como ele deve
agir.
José
dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 22. Ed. Rio de
Janeiro: Lu) define: “O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica
da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer
atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade
é lícita. Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por
origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve
respeitar as próprias leis que edita”.
A
DIFERENCIAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO QUE TANGE AO PODER PÚBLICO E AO
PARTICULAR
O artigo 5º da Constituição Federal reza: “Ninguém será obrigado a
fazer ou não fazer nada senão em virtude de lei”. Neste inciso fica
evidente que as pessoas não são obrigadas a submeter-se a determinadas
situações se não constar de lei, sendo que só há definitivamente uma obrigação
de fazer ou não fazer algo se constar de norma jurídica devidamente tipificada.
Já no que tange ao artigo 37, “caput” da Constituição Federal dita que:
“A administração pública direta ou indireta de qualquer dos poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
E, por fim a nossa Carta Magna traz em si referência ao princípio da
legalidade em seu artigo 84, inciso IV que diz: “Compete exclusivamente ao
Presidente da República: (...) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis,
bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.
O princípio da legalidade significa a submissão e o respeito da lei, ou
a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador.
O princípio da legalidade traz em si a ideia de que há uma diferença
entre a legalidade pública e a legalidade do particular, já que o particular é
livre para agir como bem entender desde que a lei não o proíba, já o poder
público não possui esta liberdade para agir, estando sempre vinculado com o bem
comum e aos mandamentos da lei, e deles não pode se desviar ou afastar, sob
pena de praticar ato inválido (a invalidação do ato é o desfazimento do mesmo
por razões de ilegalidade).
Segundo Hely Lopes Meirelles, “na administração pública não há liberdade
nem vontade pessoal. Enquanto no âmbito particular é lícito fazer tudo o que a
lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei
autoriza”.
José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição. 1993. PP.
376) conceitua o
princípio da legalidade na esfera administrativa pública como sendo: ”uma nota essencial do estado de Direito. É,
também, por conseguinte, um princípio basilar do estado Democrático de
Direito, porquanto é da essência do seu conceito subordina-se a Constituição e
fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se o império da lei, mas da lei
que realize o princípio da legalidade e da justiça não pela sua generalidade,
mas pela buscada igualização das condições dos socialmente desiguais e é neste
sentido que o princípio está consagrado no artigo 5º, inciso II da Constituição
Federal como já visto acima que segundo o qual “ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei”.
A expressão em “virtude de lei” utilizada no artigo 5º, inciso II da
Constituição Federal, o significado da palavra lei, é a lei formal, ou seja, é
o ato administrativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado
nas conformidades dos artigos 59 e 60 da Constituição Federal.
Há princípios constitucionais complementares ao princípio da legalidade
que é o princípio da irretroatividade das leis, já que no sistema judiciário
brasileiro é proibida a retroatividade das leis, pois estas alcançariam
períodos não regidos por normas legais ou fatos não sujeitos a ditames legais e
trariam por si só uma instabilidade só próprio direito e a justiça.
E por fim o princípio da finalidade, que não é decorrente do princípio
da legalidade, e sim é mais que isso, é uma inerência dele e nele está contido,
pois corresponde a aplicação da lei para o qual é, ou seja, na conformidade de
sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada.
Enfim, é por este princípio constitucional da legalidade que se permite
que ao particular seja concedido o privilégio de poder fazer tudo quanto não
estiver proibido e ao administrador só lhe é permitido fazer o que estiver
determinado expressamente na lei (em sentido amplo) e não há liberdade
desmedida ou que não esteja expressamente concedida. Toda a atuação
administrativa vincula-se a tal princípio, sendo que deste princípio decorre a
proibição de, sem lei que permite a Administração Pública vir a, por mera
manifestação unilateral de vontade, declarar, conceder, restringir direitos ou
impor obrigações.
Ficou evidente, que o princípio da Legalidade, ao
limitar a atuação da Administração Pública naquilo que é permitido por lei e
direito, de acordo com os meios e formas que por ela estabelecidos e segundo os
interesses públicos, confere ao Estado um caráter democrático, traduzindo-se
numa expressão de direito, revelando-se um elemento de garantia e segurança
jurídicas. A legalidade não se subsume apenas à observância da lei, mas sim a
todo o sistema jurídico, ou ao Direito.
TRÊS ABORDAGENS DA JUSTIÇA
Para saber se uma sociedade é justa, basta
perguntar como ela distribui as coisas que valoriza – renda e riqueza, deveres
e direitos, poderes e oportunidades, cargos e honrarias. Uma sociedade justa
distribui esses bens da maneira correta; ela dá a cada indivíduo o que lhe é
devido. As perguntas difíceis começam q1uando indagamos o que é devido às pessoas
e por quê. Já começamos a ter dificuldades com essas questões. Ao refletir
sobre o certo e o errado, identificamos três maneiras de abordar a distribuição
de bens: a que leva em consideração o bem-estar, a que aborda a questão pela
perspectiva da liberdade e a que se baseia no conceito de virtude. Cada um
desses ideais sugere uma forma diferente de pensar sobre a justiça.
Algumas das nossas discussões refletem o desacordo
sobre o que significa maximizar o bem-estar, respeitar a liberdade ou cultivar
a virtude. Outras envolvem o desacordo sobre o que fazer quando há um conflito
entre esses ideais. A filosofia política não pode solucionar discordâncias
desse tipo definitivamente, mas pode dar forma aos nossos argumentos e trazer
clareza moral para as alternativas com as quais nos confrontamos como cidadãos
democráticos.
Mesmo assim, é possível explorar os pontos fortes e
fracos dessas três maneiras de pensar sobre a justiça. Começamos com a ideia de
maximizar o bem-estar. Para sociedades de mercado como a nossa, é um ponto de
partida natural. Grande parte dos debates políticos contemporâneos é sobre como
promover a prosperidade, melhorar nosso padrão de vida, ou impulsionar o
crescimento econômico. Por que nos importamos com essas coisas? A resposta mais
óbvia é: porque achamos que a prosperidade nos torna mais felizes do que
seríamos sem ela – como indivíduos ou como sociedade. A prosperidade é
importante, em outras palavras, porque contribui para o nosso bem-estar. Para explorar
essa ideia, voltamo-nos para o utilitarismo, a mais influente explicação do “porquê”
e do “como” maximizar o bem-estar ou (como definem o utilitarista) procurar a
máxima felicidade para o maior número de pessoas.
Em seguida, abordamos uma série de teorias que
ligam a justiça à liberdade. A maioria enfatiza o respeito aos direitos
individuais, embora discordem entre si sobre quais direitos são considerados os
mais importantes. A ideia de que justiça significa respeitar a liberdade e os
direitos individuais é, no mínimo, tão familiar na política contemporânea
quanto a ideia utilitarista de maximizar o bem-estar. Por exemplo, a Declaração
de Direitos dos Estados Unidos e a nossa Constituição também estabelecem
determinadas liberdades – incluindo a liberdade de expressão e a liberdade
religiosa – que nem mesmo as maiorias têm o direito de violar. E, por todo o
mundo, a ideia de que justiça significa respeitar certos direitos humanos
universais vem sendo cada vez mais abraçada (na teoria, ainda que nem sempre na
prática).
A abordagem de justiça que começa pela liberdade é
uma ampla escola. Na verdade, algumas das mais calorosas disputas políticas de
nossa época ocorrem entre dois campos rivais dentro dela – o do laissez-faire e
o da equanimidade. Liderando o campo laissez-faire estão os libertários do
livre mercado que acreditam que a justiça consiste em respeitar e preservar as
escolhas feitas por adultos conscientes. No campo da equanimidade estão
teóricos de tendência mais igualitária. Eles argumentam que mercados sem
restrições não são justos nem livres. De acordo com esse ponto de vista, a
justiça requer diretrizes que corrijam as desvantagens sociais e econômicas e
que deem a todos oportunidades justas de sucesso.
Por fim, voltam-nos para as teorias que veem a
justiça intimamente associada à virtude e a uma vida boa. Na política
contemporânea, teorias baseadas na virtude são frequentemente identificadas com
os conservadores culturais e a direita religiosa. A ideia de legislar sobre a moralidade
é um anátema para muitos cidadãos de sociedades liberais, visto que oferece o
risco de derivar para a intolerância e a coerção. Ainda assim, a noção de que
uma sociedade justa afirma certas virtudes e concepções do que seja uma vida
boa vem inspirando movimentos políticos e discussões que atravessam o espectro
ideológico. Não apenas o Talibã, também os abolicionistas e Martin Luther King
basearem suas visões de justiça em ideais morais e religiosos. Dessa forma,
vale a pena perguntar como as discussões filosóficas podem continuar –
especialmente em domínios tão contestados como o da moral e o da filosofia
política. Elas frequentemente partem de situações concretas. Como já vimos a
reflexão moral e política nasce da divergência. Muitas vezes as divergências
ocorrem entre partidários ou rivais no campo político. Algumas vezes as
divergências ocorrem dentro de nós, como indivíduos, como quando nos vemos
dilacerados ou em conflito diante de uma difícil questão moral. E como,
exatamente, podemos, a partir dos julgamentos que fazemos de situações
concretas, chegar a princípios de justiça que acreditamos ser aplicáveis em
todas situações? Em suma, em que consiste o raciocínio moral?
Para vermos como se dá o processo de raciocínio
moral, voltemo-nos para uma situação - é uma história fictícia muito discutida
por filósofos sobre um doloroso dilema moral. Consideremos a história
hipotética. Assim como todas as histórias do gênero, ela envolve um cenário
desprovido de muitas das complexidades da vida real, para que possamos nos
concentrar em um número limitado de questões filosóficas.
FAZENDO A COISA CERTA: O BONDE DESGOVERNADO
Suponha que você seja o motorneiro de um bonde
desgovernado avançando sobre os trilhos a quase 100 km/h. Adiante você vê cinco operários em pé nos
trilhos, com as ferramentas nas mãos. Você tenta parar e não consegue. Os
freios não funcionam. Você se desespera porque sabe que, se atropelar esses
cinco operários, todos eles morrerão. (Suponhamos que você tenha certeza
disso). De repetente, você nota um desvio para a direita. Há um operário naqueles
trilhos também, apenas um. Você percebe que pode desviar o bonde, matando esse
único trabalhador e poupando os outros cinco. O que você deveria fazer? Muitas
pessoas diriam: “Vire! Se é uma tragédia matar um inocente, é ainda pior matar
cinco.” Sacrificar uma só vida a fim de salvar cinco certamente parece ser a
coisa a fazer. Agora considere outra versão da história do bonde. Desta vez,
você não é o motorneiro e sim um espectador, de pé numa ponte acima dos
trilhos. (desta vez, não há desvio). O bonde avança pelos trilhos, onde estão
cinco operários. Mas uma vez, os freios não funcionam. O bonde está prestes a
atropelar os operários. Você se sente impotente para evitar o desastre – até que
nota, perto de você, na ponte, um homem corpulento. Você poderia empurrá-lo
sobre os trilhos, no caminho do bonde que se aproxima. Ele morreria e os cinco
operários seriam poupados. (Você pensa na hipótese de pular sobre os trilhos,
mas se dá conta de que é muito leve para parar o bonde). Empurrar o homem
pesado sobre os trilhos seria a coisa certa a fazer? Muitas pessoas diriam: “É
claro que não. Seria terrivelmente errado empurrar o homem sobre os trilhos.”
Empurrar alguém de uma ponte para uma morte certa realmente parece ser uma
coisa terrível, mesmo que isso salvasse a vida de cinco inocentes. Entretanto,
cria-se agora um quebra-cabeça moral: Por que o princípio que parece certo no
primeiro caso – sacrificar uma vida para salvar cinco – parece errado no
segundo?
Na hipótese de, como sugere nossa reação ao
primeiro caso, os números serem levados em conta – se é melhor salvar cinco
vidas do que uma -, por que, então, não devemos aplicar esse mesmo princípio ao
segundo caso e empurrar o homem gordo? Realmente, parece cruel empurrar um
homem para a morte, mesmo por uma boa causa. Mas é menos cruel matar um homem
atropelando-o com um bonde? Talvez a razão pela qual seja errado empurrar é que
fazendo isso estaríamos usando o homem na ponte contra sua vontade. Ele não
escolheu estar envolvido, afinal. Estava apenas ali, de pé. O mesmo, no
entanto, poderia ser dito sobre o homem que está trabalhando no desvio do
trilho. Ele também não escolheu se envolver. Estava apenas fazendo seu trabalho
e não se oferecendo para sacrificar a vida num acidente com um bonde
desgovernado. O fato de que operários de ferrovias se expõem voluntariamente ao
risco de morte, ao contrário dos espectadores, poderia ser usado como
argumento. Vamos supor que estar disposto a morrer em uma emergência para
salvar a vida de outras pessoas não faça parte das atribuições dessa função e
que o trabalhador não esteja mais propenso a oferecer a própria vida do que o
espectador na ponte. Talvez a diferença moral não resida no efeito sobre as
vítimas – ambas terminariam mortas -, e sim na intenção da pessoa que toma a decisão. Como o motorneiro do bonde,
você pode defender sua escolha de desviar o veículo alegando que não tinha a intenção de matar o operário no desvio,
apesar de isso ser previsível. Seu objetivo ainda teria sido atingido se, por
enorme golpe de sorte, os cinco trabalhadores fossem poupados e o sexto também
conseguisse sobreviver.
Entretanto, o mesmo é verdadeiro no caso do
empurrão. A morte do homem que você empurrou da ponte não é essencial para seu
propósito. Tudo que ela precisa fazer é parar o bonde; se ele de alguma forma
conseguir fazer isso e sobreviver, você ficará maravilhado. Ou talvez, pensando
bem, os dois casos devessem ser governados pelo mesmo princípio. Ambos envolvem
a escolha deliberada de tirar a vida de uma pessoa inocente a fim de evitar uma
perda maior de vidas. Talvez sua relutância em empurrar o homem da ponte seja
meramente um escrúpulo, uma hesitação que você precise superar. Empurrar um
homem para a morte com as próprias mãos realmente parece mais cruel do que
girar o volante de um bonde. Mas fazer a coisa certa nem sempre é fácil.
Podemos testar essa ideia ao mudarmos um pouco a história. Suponha que você,
como espectador, pudesse provocar a queda do homem gordo nos trilhos sem
empurrá-lo; imagine que ele esteja de pé sobre um alçapão que você pode abrir
ao girar uma manivela. Sem empurrar, você teria o mesmo resultado. Isso
transformaria sua ação na coisa certa a fazer? Ou ainda seria moralmente pior
do que se você, no lugar do motorneiro, tivesse desviado para o outro trilho?
Não á fácil explicar a diferença moral entre esses casos – por que desviar o
bonde parece certo, mas empurrar o homem da ponte parece errado. Entretanto,
note a pressão que sentimos para chegar a uma distinção convincente entre eles –
e se não pudermos, para reconsiderar nosso julgamento sobre a coisa a fazer em
cada caso. Às vezes pensamos no raciocínio moral como uma forma de persuadir os
outros. Mas é também uma forma de resolver nossas convicções morais, de descobrir
aquilo em que acreditamos e por quê.
Alguns dilemas morais têm origem em princípios
conflitantes. Por exemplo, um princípio que vem à tona na história do bonde diz
que devemos salvar o máximo de vidas possível, mas outro diz que é errado matar
um inocente, mesmo que seja por uma boa causa. Expostos a uma situação na qual
salvar um número de vidas implica matar uma pessoa inocente, enfrentamos um
dilema moral. Devemos tentar descobrir qual princípio tem maior peso ou é mais
adequado às circunstâncias. Outros dilemas morais surgem porque não temos
certeza sobre como os eventos se desdobrarão. Exemplos fictícios como a
história do bonde eliminam a incerteza que paira sobre as escolhas que
enfrentamos na vida real. Eles presumem que sabemos exatamente quantas pessoas
morrerão se não desviarmos – ou não empurrarmos alguém. Isso faz com que tais
histórias sejam guias imperfeitos para a ação. Mas faz também com que sejam
recursos úteis para a análise moral. Se abstrairmos as contingências – “E se os
operários percebessem o bonde e pulassem para o lado a tempo?” -, exemplos
hipotéticos nos ajudam a colocar os princípios morais em questão para examinar
sua força.