sábado, 28 de setembro de 2013

Soberania e Constituição sob novo olhar


      
Dá para imaginar que durante muitos e muitos séculos o homem persistiu em ser um vivente com uma vivencia política?  Que só quando a vida biológica passa a ter importância é que o ocorre a mudança para o “governo dos homens” segundo Foucault, gerando a possibilidade de proteger ou não a vida.  E que há uma hesitação entre a liberdade e a felicidade, no momento em que a submissão se apresenta diante dos direitos.
Assim é possível pensar que a soberania não é uma categoria exclusivamente jurídica ou exclusivamente política visto que nela os direitos se referem à vida nos limites do tecido social, portanto, a soberania pode ser entendida como uma apatia entre natureza e cultura, violência e lei. Segundo Foucault “a soberania pressupõe o sujeito: ela visa fundamentar a unidade essencial do poder e se desenvolve sempre no elemento preliminar da lei. Tríplice “primitivismo”, pois: o do sujeito que deve ser sujeitado, o da unidade do poder que deve ser fundamentada e o da legitimidade que deve ser respeitada”. [...]. Portanto a soberania aponta para a questão do poder constituinte e de sua relação com o poder constituído.
Dessa forma observa-se que os poderes constituídos estão presentes exclusivamente no Estado – inseparáveis de uma ordem constitucional preestabelecida onde a realidade fica exposta. Já os poderes constituintes se colocam fora da moldura estatal, não lhe devem nada, existem sem ele, é a fonte cujo uso que se faz de sua corrente não pode jamais exaurir, segundo Burdeau.  É sabido que o poder constituinte se refere à vontade política que possibilita a tomada de decisão efetiva sobre a configuração da própria existência política, estando assim acima do processo legislativo constitucional, não se reduzindo as normas, de sorte que o poder constituinte se identifica com a vontade constituinte do povo. Com efeito, pode-se afirmar que uma Constituição não é ato de um governo, e sim de um povo constituindo um governo.
Em suma se a soberania transita do sujeito para o sujeito estabelecendo uma relação politica do sujeito com o sujeito, cominando na multiplicidade de poderes que por sua vez não são poderes políticos e sim a possibilidade de constituí-los no sentido político do termo. A Constituição deve ser vista como um pilar, um vinculo quando entendida, aprovada e amada, ela protege a sociedade da opressão de governantes, protege uma parte da sociedade contra as injustiças da outra parte, resguarda o direito dos indivíduos e das minorias contra as combinações de interesses da maioria, promovendo o bem estar na sociedade.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Setembro e o Sete

      Percebe-se que muitos brasileiros estão buscando resgatar importantes valores, o que é salutar. Daí ser oportuno compartilhar dessa linha de ação e nada melhor começar pela Pátria em o mês de setembro e o dia sete são os marcos do acontecimento político - a Independência do Brasil - de significado ímpar para nós.

          Do latim 'pátria', com o mesmo sentido. É o país em que nascemos, isto é, ao qual estamos presos pelas raízes mais profundas de nosso ser. Acrescenta porém a noção de país um forte potencial emocional e evocativo porque enfatiza mais a ideia de continuidade histórica de um povo, garantida pela sucessão das gerações e a ideia de um patrimônio comum de ideias, aspirações, símbolos, linguagem, valores herdados de nossos antepassados, que deve ser conservado, enriquecido para ser transmitido aos filhos de nossos filhos. A Pátria é um bem primeiro fundamental, cujo valor só apreciamos devidamente quando somos dele privados. 

         Já que estamos tratando de resgatar, nada mais oportuno resgatar, junto com o Sete de Setembro, a memória de Rui Barbosa, prestando-lhe homenagens com a transcrição de suas palavras: "A Pátria não é ninguém, são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A Pátria não é um sistema, nem um monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Os que a servem são os que não invejam, os que não conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam, os que não emudecem, os que não se acobardam, mas resistem, mas ensinam, mas esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam a justiça, a admiração, o entusiasmo. Porque todos os sentimentos grandes são benignos e residem originariamente no amor.".

         Assim, como bem notado por Rui, em diversas manifestações, o verdadeiro patriotismo não se deve reduzir a uma simples emoção sentimental, nem ser confundido com o nacionalismo. Ao contrário, como todo amor autêntico, deve exprimir-se em obras, principalmente no cumprimento dos deveres cívicos e na solidariedade com os compatriotas.

          
     

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O Devido Processo Legal

     Claudia de Lima Marques ao prefaciar o livro de Ricardo Luis Lorenzetti (Teoria da Decisão Judicial, 2ª edição revista, Revista dos Tribunais) anotara que: "A experiência jurídica não se esgota na lei. Cada vez mais, a exata apreensão sobre o que é o direito depende de uma profunda compreensão da jusrisprudência (...) e da doutrina (...), representativa da elaboração científica daquilo que é jurídico. No cerne do problema está o modo como se dá a decisão jurídica. Ou seja, como se realiza a decisão sobre o que é ou sobre o que deverá se tornar direito, tarefa esta que respeita não apenas ao juiz, mas também ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo.". 

     Anotara, ainda, que: "Sempre renovador, o autor inicialmente destaca as tensões que se produzem em face do apego excessivo à justiça formal, ou seja, tal qual se apresenta a partir da lei, e a justiça material, entendida como as exigências de solução adequada do caso concreto.".

     Gregório Robles (O Direito como Texto, Manole, 2005, p. 3), ao referir-se às decisões judiciais, com ênfase na teoria comunicacional do direito, anotara que: "Os atos de fala capazes de gerar texto novo são as decisões jurídicas. O direito se produz pela força da decisão. Sem decisão não há norma nem instituição, não há vida jurídica. Portanto, a decisão, frequentemente menosprezada pela teoria do direito, deve ocupar o lugar que lhe cabe: nada menos que o de criar o texto jurídico. A decisão é o elemento dinâmico do direito.".

     Giorgio Agamben (Estado de Exceção, Boitempo, 2004, p. 61/63), expressara que: "O conceito de aplicação é certamente uma das categorias mais problemáticas da teoria jurídica, e não apenas dela. A questão  foi mal colocada devido à referência à doutrina kantiana do juízo enquanto faculdade de pensar o particular como contido no geral. A aplicação de uma norma seria, assim, um caso de juízo determinante, em que o geral (a regra) é dado e trata-se de lhe subsumir o caso particular (no juízo reflexivo) , em contrapartida, o particular é dado e trata-se de encontrar a regra geral). Ainda que Kant estivesse, de fato, perfeitamente consciente do caráter aporético do problema e da dificuldade de decidir concretamente entre os dois tipos de juízo (sua doutrina do exemplo como caso de uma regra não é possível enunciar é a prova disso), o equívoco, a qui, é que a relação entre caso e norma apresenta-se como uma operação meramente lógica.
     Mais uma vez, a analogia com a linguagem é esclarecedora: na relação entre o geral e o particular (mais ainda no caso da aplicação de uma norma jurídica) não está em questão apenas uma subsunção lógica, mas antes de tudo a passagem de uma proposição geral dotada de um referente puramente virtual à referência concreta a um segmento de realidade (isto é, nada menos que o problema da relação atual entre linguagem e mundo). Essa passagem da langue à parole, ou do semiótico ao semântico, não é de modo algum uma operação lógica, mas implica sempre uma atividade prática, ou seja, a assunção da langue por parte de um ou de vários sujeitos falantes e a aplicação do dispositivo complexo que Benveniste definiu como função enunciativa e que, com frequência, os lógicos tendem a subestimar. No caso da norma jurídica, a referência ao caso concreto supõe um 'processo' que envolve sempre uma pluralidade de sujeitos e culmina, em última instância, na emissão de uma sentença, ou seja, de um enunciado cuja referência operativa à realidade é garantida pelos poderes institucionais.
      Uma colocação correta do problema da aplicação exige, portanto, que ela seja preliminarmente transferida do âmbito lógico para o âmbito da práxis. Como mostrou Gadamer (1960, p. 360, 395), não só toda interpretação linguística é sempre, na realidade, uma aplicação que exige uma operação eficaz (que a tradição da hermenêutica teológica resumiu na fórmula colocada em epígrafe por Johann A. Bengel em sua edição do Novo Testamento: te totum applica ad textum, rem totam applica ad te);mas, no caso do direito, é perfeitamente evidente - e Schmitt estava em situação privilegiada ao teorizar tal evidência - que a aplicação de uma norma não está de modo algum contida nela e nem pode ser dela deduzida, pois, de outro modo, não haveria necessidade de se criar o imponente edifício do direito processual. Como entre a linguagem e o mundo, também entre a norma e sua aplicação não há nenhuma relação interna que permita fazer decorrer diretamente uma da outra.".

     Assim, diante dessas abordagens, clara está a implicação entre o direito material (a coisa) o direito processual (o como se dá a coisa), a linguagem (como veículo de expressão das idéias que se tem da coisa e da forma como se dá a coisa a alguém por direito).e a sentença ou decisão. Eis, então, o que se pode dizer :devido processo legal, que é entregar a coisa devida na forma devida. 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Origem da Palavra Lei

     Na atividade pública e privada, consagrou-se o uso da palavra lei para significar aquilo que é objeto da regra ou norma jurídica. Talvez seja por isso a comum confusão que se faz entre direito, lei e justiça. Bem pensado, quase tudo o que se tem escrito como se fosse do Direito, na realidade está a se referir à norma ou regra jurídica.

   Até onde as pesquisas avançaram, constatou-se que: a) na bíblia, para quem esse livro tem alguma referência, a palavra 'lei', nas Escrituras Hebraicas, é principalmente uma tradução da palavra hebraica tohráh, aparentada com o verbo ya-ráh, que significa 'dirigir, ensinar, instruir'. Em alguns casos é traduzida do termo aramaico dath. Outras palavras traduzidas por 'lei', na versão Almeida são mish-pát (decisão judicial, julgamento) e mits-wáh (mandamento). Nas Escrituras Gregas, a palavra nó-mos, do verbo né-mo (repartir, distribuir), é traduzida por 'lei'; b) ainda que a etimologia seja incerta, a mais aceita atualmente faz derivar o termo do sânscrito 'lagh', que originou o verbo grego 'légein' e a conhecida para a latina 'lex', sugerindo, por outro lado, a ideia de estabelecer, tornar estável, permanente. Todavia, em Cícero (De Legitus, I, 6, 19), 'Lex' deriva do verbo 'legere' ou 'deligere', porque a lei indicaria o melhor caminho a ser trilhado pelo cidadão (conceito político). O próprio Cícero, contudo, ensina que 'Lex' poderia derivar, também, de 'legere', ler (lex e legendo), pelo fato de as leis serem escritas e dadas ao povo para leitura e conhecimento. Santo Isidoro adota esta etimologia, contrapondo, assim a lei ao costume, este uma lei não escrita. Santo Agostinho fica com a primeira hipótese. Outra etimologia bem aceita é a que faz 'lex' derivar de 'ligare' (ligar, unir, obrigar), porque é próprio da lei unir a vontade a uma diretriz, obrigando-a a tomar determinada direção, a qual foi eleito por Santo Tomás de Aquivo (Dicitud emim lex a ligando, quia obligat ad argendum). 

     J. Cabral de Moncada (Filosofia do Direito e do Estado, 2ª edição, Coimbra Editora, p. 283), para outro domínio, que não o religioso, escreveu: "Como escrevia Mill, a respeito de Comte: <nada conhecemos para lá dos fenómenos, e o próprio conhecimento que destes temos é relativo e não absoluto. Não conhecemos nem a essência nem o modo de produção de nenhum facto; conhecemos somente as relações de sucessão e semelhança de uns factos com outros. Essas relações são constantes, sempre idênticas nas mesmas circunstâncias. Tais semelhanças constantes, que ligam os fenômenos entre si, bem como as sucessões invariáveis que os encadeiam em séries, a título de antecedentes e consequentes, eis ao que se dá o nome de leis. É tudo o que sabemos deles. A sua essência, porém, bem como as suas causas últimas, quer eficientes, quer finais, são-nos desconhecidas e permanecer-nos-ão para sempre impenetráveis>".

     Sendo assim, este texto pretendeu ser apenas uma contribuição para a compreensão sobre a trajetória percorrida até a atual ideia de lei. É que segundo Heráclito (frag. 112), "O pensar é a maior virtude, e consiste a sabedoria em dizer a verdade e, escutando a natureza, obrar segundo ela." e Pontes de Miranda ensina que: "A humanidade não se realiza em Roma, nem em Berlim, nem em Londres, nem em Paris, - mas no Homem." e que "A ciência do direito não é somente ciência empírica da civilização, não se serve apenas do método histórico, e não tem por única preocupação os valores jurídicos; é também ciência da natureza, que estuda realidades psico-físicas, forças sociais, processos biológicos da vida em comum. Continua a biologia, como todas as ciências sociais.".