sábado, 20 de abril de 2019

Faculdade Estácio de Curitiba - IED 2019.1 - O ENSINO DE MORAL


Quem tem opinião não tem paz.

Sobe esse título, Walter Benjamin lecionou: "Talvez nos sintamos tentados a cortar de início todas as discussões sobre o ensino de moral com a seguinte afirmação: a influência moral é um assunto puramente pessoal, que se subtrai a toda esquematização e imposição de normas. Pouco importa que esta frase seja correta ou não; o mero fato de que o ensino de moral é exigido de maneira geral e necessária não a leva em consideração. E, já que o ensono de moral é exigido teoricamente, impõe-se a necessidade de testar teoricamente essa exigência.

Tentaremos a seguir uma abordagem do ensino de moral a partir de seus próprios fundamentos. Não perguntaremos em que medida se pode alcançar um aperfeiçoamento relativo das deficiências do ensino de religião; perguntaremos, isto sim, como o ensino de moral se relaciona com exigências pedagógicas exclusivas.

De início, vamos nos colocar no terreno da ética kantiana (pois para essa questão é imprescindível uma fundamentação filosófica). Kant distingue entre legialidade e moralidade, diferença que às vezes é apresentada da seguinte forma: "Para que algo seja considerado moralmente bom não é suficiente que esteja de acordo com a lei ética; é preciso que ocorra por amor a ela". Isto implica uma outra determinação da vontade ética: ela é "imotivada", determinada unicamente pela lei ética, pela norma: faça o bem!

Duas frases paradoxais de Fichte e de Confúcio lançam uma luz clara sobre essas reflexões.

Fichte nega o significado ético do "conflito de deveres". Aparentemente ele oferece, assim, apenas uma interpretação de nossa consciência; se no cumprimento de um dever somos obrigados a negligenciar um outro elemento - por assim dizer - em um impasse técnico; mas interiormente não nos sentimos culpados, pois a lei ética não exige que se realize isto ou aquilo, exige apenas que se observe o ético. A lei ética é norma do agir, mas não seu conteúdo. 

Segundo Confúcio a lei ética oculta um duplo perigo: ela pode parecer muito elevada ao sábio e muito baixa ao tolo. Isto significa que a consumação empírica da ética jamais está contida na norma ética. Acreditar que todo e qualquer mandamento empírico esteja contido nela significaria superestimá-la. Confúcio volta-se, porém, contra o tolo, ao afirmar que toda ação, por legal que seja, só adquire um valor ético se emana de uma intenção ética. Neste ponto voltamos novamente a Kant e à sua famosa formulação: "Não é possível pensar nada no mundo, nem fora dele, que possa sem restrição ser considerado bom, além de uma boa intenção". 

Esta sentença, corretamente compreendida, contém a concepção fundamental da ética kantiana, a única que nos interessa aqui. "Intenção" não possui aqui um sentido psicológico. O psicólogo constrói em sua ciência um fato psicológico, para cuja realização a vontade, enquanto causa, representa no máximo um fator. Ao indivíduo ético só importa o aspecto ético do fato, e este possui tal aspecto não por haver procedido de inúmeras razões, mas sim de uma única intenção ética. A vontade do homem compreende sua obrigação perante a lei ética; neste fato esgota-se o significado ético dessa vontade.

Encontramo-nos aqui perante uma reflexão que parece apropriada a estabelecer o ponto de partida de todas as especulações sobre educação ética. Cumpre agora compreendermos a antinomia da educação ética, talvez apenas um aspecto particular de uma antinomia mais geral. A finalidade da educação ética é a formação da vontade moral. E, não obstante, não há nada mais inacessível do que essa mesma vontade, já que, enquanto tal, ela não é uma grandeza psicológica que possa ser abordada com determinados instrumentos. Nenhuma experiência empírica particular nos dá a garantia de termos atingido efetivamente a vontade moral como tal. Falta-nos a alavanca para o manejo eficiente da educação ética. A vontade moral é inabordável para o educador na mesma medida em que a lei ética pura e única é inacessível em si mesma.

A compreensão profunda desse fenômeno constitui pressuposto de uma teoria da educação ética. Imediatamente impõe-se a conclusão: já que o processo de educação ética é, por princípio, antagônico a toda racionalização e esquematização, então ele não pode ter nenhuma afinidade com o ensino didático; é que este representa, por princípio o instrumento de educação racionalizado. Dando-nos aqui por satisfeitos com essa dedução tentaremos abaixo examiná-la à luz do atual ensino de moral.

Será que a bancarrota da educação ética é consequência dessas reflexões? Seria certamente o caso se irracionalismo significasse a bancarrota da educação. Irracionalismo significa apenas a bancarrota de uma ciência exata da educação. E a renúncia a uma teoria cientificamente fechada da educação moral parece ser de fato a consequência do que foi dito. Com efeito, torna-se novamente necessário esboçar a possibilidade da educação ética como um todo, mesmo que carente de unidade sistemática em relação aos detalhes.

O princípio da comunidade estudantil livre, da comunidade ética parece ser aqui de fundamental importância. A religiosidade representa a forma sob a qual a educação ética se realiza no interior da comunidade. Isto porque a comunidade vivencia íntima e continuamente um processo que engendra a religião e desperta a contemplação religiosa, processo que gostaríamos de designar por "plasmação" de todo elemento ético-empírico (como dado empírico). Todavia, a comunidade ética vivencia sistematicamente a transformação da norma em uma ordem empírica legal. A liberdade é a condição dessa vida, pois permite que o legal se adapte à norma. Mas o conceito de comunidade só é possível mediante essa norma. A essência da constituição moral da comunidade parece fundamentar-se na fusão do rigor ético na consciência do dever comum e na aceitação da vida ética pela ordem comunitária. Mas enquanto processo religioso opõe-se a toda análise mais profunda.

Isso nos leva a uma inversão peculiar de afirmações bastante atuais. Enquanto hoje em dia, por toda parte, multiplicam-se as vozes que defendem o princípio da independência entre ética e religião, parece-nos que só a religião, e tão-somente na religião, a vontade pura encontra seu conteúdo. O conteúdo de uma comunidade ética é plasmado religiosamente.

Isto é o que precisa ser dito, teórica e positivamente, sobre educação ética, antes que se formule uma crítica do ensino de moral em vigor. Nesta crítica deveremos anda manter sempre presente a reflexão já feita. Dito de uma maneira puramente dogmática, o perigo mais sério no ensino de moral consiste na motivação e legalização da vontade pura, isto é, na supressão da liberdade. Se a meta do ensino de moral é efetivamente a formação ética do estudante, então ele se encontra perante uma tarefa irrealizável. Ser-lhe-ia impossível ultrapassar o que foi dito aqui ou superar certas doutrinas kantianas se ele pretendesse permanecer no universalmente válido. A lei moral não se deixa apreender com maior exatidão pelos meios do intelecto, válidos universalmente. A religiosidade do indivíduo particular determina seus conteúdos concretos já no momento em que os recebe. As palavras de Goethe impedem que se ultrapasse as barreiras aqui estabelecidas ou que se penetre na relação ainda indefinida entre o indivíduo particular e a vida ética: "O mais elevado homem é indefinido e deve-se evitar plasmá-lo senão na ação nobre". Quem se permite hoje em dia (fora da igreja) a desempenhar o papel de mediador entre homem e Deus? Quem gostaria de introduzi-lo na educação, já que esperamos que toda vida ética emane do estar a sós com Deus?

Que o ensino de moral não possua sistema, que ele se propôs uma tarefa irrealizável - eis a expressão do mesmo fundamento errôneo.

Assim só lhe resta substituir a educação moral por uma espécie rara de educação cívica na qual tudo o que é necessário deve aparecer como espontâneo, e tudo o que é radicalmente espontâneo como necessário. Acredita-se poder substituir a motivação ética por exemplos racionalistas e não se percebe que a ética já está pressuposta nessa intenção ("Não se poderia dar pior orientação à ética do que quando se pretende fundamentá-la em exemplos. Pois todo exemplo que me é apresentado deve, antes de tudo, ser julgado segundo princípios da moralidade, para se determinar se ele é digno de servir  como exemplo original, como modelo; mas ele jamais poderá expressar o conceito de ética de maneira direta e imediata." - Kant). Nesse sentido em exemplo de como se pretende incutir o amor ao próximo em uma criança: durante o café da manhã se lhe descreve o trabalho das muitas pessoas, graças às quais é possível agora saborear os alimentos. Às vezes é muito triste que a criança receba tais visões da vida durante a aula de moral; mas essa exposição só influenciará uma criança que já conheça a simpatia e o amor ao próximo. Estes sentimentos a criança experimentará tão-somente na comunidade, nunca em uma aula de moral.

Que se observe de passagem: a "energia específica" do sentido moral, a capacidade de empatia moral, não se desenvolve pelo registro das motivações e dos exemplos, mas sim pela prática. Sempre existe o perigo de que o conteúdo do exemplo ultrapasse excessivamente a sensibilidade moral e a embote.
Uma certa inescrupulosidade de meios caracteriza o ensino de moral, uma vez que ele não dispõe da motivação ética propriamente dita; o ensino de moral faz uso não apenas de reflexões racionais, mas também, com preferência, de estímulos psicológicos. Poucas vezes se terá ido tão longe como um orador no congresso berlinense sobre o ensino de moral, o qual aconselhou, entre outras coisas, a apelar inclusive para o egoísmo do aluno (aqui só se pode tratar de um meio para a legalidade e não mais para a educação ética). Também a invocação da coragem heroica, a exigência e o elogio do extraordinário, por desembocarem na exaltação dos sentimentos, não tem nada a ver com a constância da atitude interior. Kant jamais se cansa de condenar tais práticas. A psicologia implica o perigo especial de uma auto-análise sofística, na qual tudo parece necessário, ganha um interesse genético, ao invés do moral. Aonde chegaríamos com a dissecação e classificação das diferentes espécies de mentira, tal como sugere um pedagogo da moral.

Como já foi dito, o especificamente ético perde-se por força; nesse sentido um outro exemplo característico, tomado, como os anteriores, da "Doutrina da juventude", de Forster. Um menino é surrado por seus companheiros. Forster argumenta: você revida para satisfazer seu instinto de auto-afirmação; mas quem é o seu inimigo mais constante, contra o qual a defesa é necessária? Sua paixão, seu instinto de vingança. Portanto sua afirmação consistiria no fundo não no revide mas na repressão do instinto interior. Aqui um exemplo da inversão pela interpretação psicológica. Em um caso semelhante é sugerido ao garoto surrado pelos seus companheiros que ele só triunfará se não se defender, pois assim a classe o deixará em paz. Mas o argumento da solução não tem a mínima relação com a motivação ética. A atmosfera fundamental do ético é a conversão e não a motivação através do interesse próprio ou alheio.

Aqui não seria o lugar adequado para entrar em detalhes a respeito de uma prática minuciosa e frequentemente perigosa do ponto de vista da moral. A respeito das analogias técnicas com a moral, sobre o tratamento moralista das coisas mais triviais, preferimos nos calar.
Para terminar, a seguinte cena de uma aula de caligrafia. O professor pergunta: "Que coisas horríveis não cometeria aquele aluno que não se obrigasse a observar as linhas tracejadas e as ultrapassa com sua letra?" A variedade das respostas pela classe foi surpreendente. Não representa esse fato um péssimo casuísmo? Não existe nenhuma relação entre atividades desse tipo (caligrafias) e sentimento moral.
Ao contrário do que se afirma, esse tipo de aula não é de forma alguma independente das concepções morais dominantes, ou seja, da legalidade. Na verdade aqui está dado de imediato o perigo de superestimar a convenção legal, pois a aula, com sua convenção racionalista e psicológica, só pode atingir o empírico, o preestabelecido, jamais a atitude ética. É em virtude de tais reflexões que a boa conduta, natural e espontânea por si mesma, aparece com frequência ao aluno como extraordinariamente significativa. O conceito sóbrio do dever está ameaçado de perder-se.

Contudo, se apesar de tudo isso e a despeito de toda reflexão, ainda se queira aula de moral deve-se então aceitar os perigos. Hoje em dia já não são perigosas as oposições dos primeiros cristãos: "bem-mal" como "espiritual-sensual"; perigosas são as antinomias "sensual-bom" e o "espiritual-mal", ambas as formas do esnobismo. 

Se, conforme vimos, o ensino de moral está demasiado longe de satisfazer uma experiência pedagógica exclusiva, ele terá entretanto sua importância enquanto estágio de transição. Não tanto por representar, conforme vimos, um elo demasiado imperfeito no desenvolvimento do ensino de religião, como por expressar concretamente as deficiências da formação atual. O ensino de moral combate o elemento periférico, carente de convicção em nosso conhecimento, combate o isolamento da formação escolar. O importante não é assenhorear-se, de fora, do conteúdo dessa formação, com a tendência do ensino de moral; importante é captar a própria história desse material de formação, captar portanto o espírito objetivo. Nesse contexto deve-se esperar que o ensino de moral constitua uma etapa de transição para um novo ensino de história, no qual também o presente encontre sua orientação histórico-cultural."

"Não devem, por fim, essas antiqüíssimas dores tronar-se mais fecundas para nós? Não é tempo de que, amando, nos libertemos do ser amado e, trêmulos, suportemos isso como a flecha suporta a corda tensionada para, recolhida do ímpeto, ser mais do que ela mesma. Pois em nenhuma parte existe o permanecer." (Rainer Maria Rike).

O pensamento contemporâneo, por buscar seu caminho em um campo que ainda lhe é desconhecido, tentando livrar-se das sombras do Deus metafísico, enreda-se inescapavelmente em aporias, paradoxos, contradições, que se anunciam como a crise da razão - uma variante desse nada desertificador que Nietzsche prenunciara com seu conceito de niilismo.

Essa crise se abate sobre todos os domínios da vida mental e consciente: nas ciências, nas artes, na moralidade, na política e mesmo na religião. Como enfrentar tal agrura, quando, após a  anunciada morte do Deus, todos os deuses se puseram em fuga, ameaçando o âmbito do sagrado e, assim, insinuando também a morte do homem, como o conhecemos até o presente? A esperança parece estar no pensar.

Para Heidegger, o pensar não se separa originariamente do agir - ele age enquanto se exerce como pensar. Nesse sentido, o pensamento não se transmuda em ação por causa do efeito que pode resultar de sua aplicação. O pensar é um agir em sentido especialmente elevado, não estando separado da ação por nenhum abismo a ser recoberto ou transposto pelas formas diversas de aplicação ou emprego.

Que significa entender? Entender é um pensar processual, dinâmico, comprometido com os porquês. O horizonte desse compromisso só pode ser o o pensamento - e só pode ser divisado a partir de uma relação pensante entre o ser do homem e a essência da técnica. É um pensamento irredutível à divisão compartimentada da racionalidade, um pensar refratário ao ativismo político, ao falatório estéril dos saberes insalubres, dos pequenos saberes, e que rasga as ligações entre o conhecer, o sentir, o imaginar, o lembrar, o cuidar e o esperar, como nos ensina Oswaldo Giacoia Junior.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

FACULDADE ESTÁCIO DE CURITIBA - IED - 2019.1



TEORIA DA RELAÇÃO JURÍDICA (NORMA – VÍNCULO – SUJEITO - PESSOA – DIREITO – SER – DEVER-SER  – OBRIGAÇÃO – ESTADO – DEMOCRACIA – CAPITALISMO – POLÍTICA – IGUALDADE – LIBERDADE – MERCADORIA – TRABALHO – VALOR – VONTADE – CONTRATO – FORMAS SOCIAIS).

As normas de direito regulam comportamentos humanos dentro da sociedade. Isso é assim porque o homem, na vida social, está sempre em interação, influenciando a conduta de outrem, o que dá origem a relações sociais que, disciplinadas por normas jurídicas, transformam-se em relações de direito.

Para Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito), a relação jurídica não é uma relação entre indivíduos, mas entre normas, ou seja, entre o dever jurídico e o direito reflexo que lhe corresponde; sendo que último, o dever jurídico, isto é, a própria norma jurídica, não há, na realidade, nenhuma relação entre o dever jurídico e o direito reflexo.

Segundo Del Vecchio, a relação jurídica consiste num vínculo entre pessoas, em razão do qual uma pode pretender um bem a que outra é obrigada. Tal relação só existirá quando certas ações dos sujeitos, que constituem o âmbito pessoal de determinadas normas, forem relevantes no que atina ao caráter deôntico (A palavra deôntico tem sua origem na palavra grega DEON = o que é obrigatório. Deôntico se refere ao princípio da obrigação e da permissão) das normas aplicáveis à situação. Só haverá relação jurídica se o vínculo entre pessoas estiver normado, isto é, regulado por norma jurídica, que tem por escopo protegê-lo. Sem norma incidente, na lição de Lourival Vilanova, numa relação social ou fática, essa relação não se eleva ao nível jurídico. A transformação do vínculo de fato em jurídico acarreta os seguintes efeitos:

1º) Tem-se uma relação jurídica entre sujeitos jurídicos, ou melhor entre o sujeito ativo, que é o titular do direito subjetivo de ter ou de fazer o que a norma jurídica não proíbe, e o sujeito passivo, que é o sujeito de um dever jurídico, é o que deve respeitar o direito ativo. É imprescindível, portanto, uma relação intersubjetiva, isto é, um liame entre duas ou mais pessoas. O sujeito ativo tem a proteção jurídica, ou seja, a autorização normativa para ingressar em juízo, reavendo o seu direito, reparando o mal sofrido em caso de o sujeito passivo não ter cumprido suas obrigações;

2º) O poder do sujeito ativo passa a incidir sobre um objeto imediato, que é a prestação devida pelo sujeito passivo, por ter a permissão jurídica de exigir uma obrigação de dar, fazer ou não fazer, e sobre um objeto mediato, ou seja, o bem móvel, imóvel ou semovente, sobre o qual recai o direito, devido à permissão que lhe é dada por norma de direito de ter alguma coisa como sua, abrangendo, ainda, os seus modos de ser (sua vida, seu nome, sua liberdade, sua honra etc.);

3º) Há necessidade de um fato propulsor, idôneo à produção de consequências jurídicas. Pode ser um acontecimento, dependente ou não da vontade humana, a que a norma jurídica dá a função de criar, modificar ou extinguir direitos. É ele que tem o condão de vincular os sujeitos e de submeter o objeto ao poder da pessoa, concretizando a relação. Reveste a forma de fato jurídico stricto sensu, quando o acontecimento for independente da ação humana; de ato jurídico, se consistir num ato voluntário, sendo irrelevante a intenção do resultado; e de negócio jurídico, se provier de ação humana que visa a produzir os efeitos que o agente pretende.

CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei [...];
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

A palavra pessoa (Derivada do latim persona, no sentido técnico-jurídico exprime ou designa todo ser, capaz ou suscetível de direitos e obrigações; pessoa não exprime simplesmente o homem singular ou natural, isto é, o ser humano. entidades ou criações jurídicas, personalizadas ou personificadas por força de lei, para fins de várias ordens, a que se dá, também, o nome de pessoas. Praticamente, é o ser a que se reconhece aptidão legal para ser sujeito de direitos, no que difere de coisa, tida sempre como objeto de uma relação jurídica. Uma pessoa jurídica é uma entidade que pode ter direitos e deveres e que apresenta uma personalidade jurídica. Existem pessoas jurídicas de direito público (diferentes Estados) e pessoas jurídicas de direito privado (fundações e organizações religiosas). O Código Civil brasileiro apresenta uma grande parte das bases legais relativas a pessoas jurídicas. Pessoa sempre foi usada para resolver uma dificuldade de igualar a pessoa física (o homem) a uma pessoa jurídica (complexo de bens sob a tutela de pessoas físicas, de certo modo, indefinidas). E ninguém aqui significa: pessoa física ou jurídica.

A liberdade á uma prerrogativa do homem para ele possa agir. A igualdade, no fundo, é a balança da liberdade antiga, é seu alicerce. Os diferentes – escravos, mulheres, estrangeiros – não são livres, e, pode-se dizer, não o são porque são diferentes.

Se a liberdade dos antigos começava da pólis para os indivíduos, e só fazia do indivíduo homem livre se pertencesse aos iguais da pólis, para os modernos o procedimento é o exato contrário. A liberdade começa do indivíduo, dele é inalienável, e encontra depois certos limites políticos. O sistema produtivo escravagista antigo fez a liberdade dos antigos. O capitalismo faz a liberdade dos modernos. Na mudança de um a outro se vê a mais clara distinção das duas liberdades. Benjamin Constant, aliás, já faz de imediato esta identificação da liberdade moderna às relações capitalistas. Sobre as atividades comerciais, industriais, burguesas enfim, dirá: “O crédito não tinha a mesma influência entre os antigos; seus governos eram mais fortes que os poderes políticos; a riqueza é uma força mais disponível em todos os momentos, mais aplicável a todos os interesses e, em consequência, muito mais real e mais obedecida; o poder ameaça, a riqueza recompensa; escapa-se ao poder enganando-o; para obter os favores da riqueza, é preciso servi-la.”. [...]. Daí vem, Senhores, a necessidade do sistema representativo (...) O sistema representativo é uma procuração dada a um certo número de homens pela massa do povo que deseja ter seus interesses defendidos e não tem, no entanto, tempo para defende-lo sozinho.”. Constant associa ao mercado a tônica política própria dos modernos: o sistema político representativo. Enquanto a liberdade antiga, positiva, era o exercício da própria política por parte dos cidadãos, a liberdade moderna é individual (com o cristianismo e seu individualismo para a salvação individual), privada, e a atividade política não se faz por todos os cidadãos, mas apenas por seus representantes. A liberdade moderna, pois, na visão de Constant, é o tempo liberado aos homens para que possam dispor, do modo pelo qual bem entendam, de seu tempo para a vida privada, para o comércio, para os negócios.
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A pergunta é: quem exerce o poder de legislar?

Segundo, Alysson Leandro Mascado, “O Estado, tal qual se apresenta na atualidade, não foi uma forma de organização vista em sociedades anteriores da história. Sua manifestação é especificamente moderna, capitalista. Em modos de produção anteriores ao capitalismo, não há separação estrutural entre aqueles que dominam economicamente e aqueles que dominam politicamente: de modo geral, são as mesmas classes, grupos e indivíduos – os senhores de escravos ou os senhores feudais – que controlam tanto os setores econômicos quanto os políticos de suas sociedades. Se alguém chamar por Estado o domínio antigo, estará tratando do mando político direito das classes econômicas exploradoras. No capitalismo, no entanto, abre-se a separação entre o domínio econômico e o domínio político. O burguês não é necessariamente o agente estatal. As figuras aparecem, a princípio, como distintas. Na condensação do domínio político em uma figura distinta da do burguês, no capitalismo, identifica-se especificamente os contornos do fenômeno estatal. [...]. Somente com o apartamento de uma instância estatal é possível a reprodução capitalista. Sobre as razões dessa especificidade, que separa política de economia, não se pode buscar suas respostas, a princípio, na política, mas sim no capitalismo. Nas relações de produção capitalistas se dá uma organização social que em termos históricos é muito insigne, separando os produtores direitos dos meios de produção, estabelecendo uma rede necessária de trabalho assalariado. A troca de mercadorias é a chave para desvendar essa especificidade. No capitalismo, a apreensão do produto da força de trabalho e dos bens não é mais feita a partir de uma posse bruta ou da violência física. Há uma intermediação universal das mercadorias, garantida não por cada burguês, mas por uma instância apartada de todos eles. O Estado, assim, se revela como um aparato necessário à reprodução capitalista, assegurando a troca das mercadorias e a própria exploração da força de trabalho sob forma assalariada. As instituições jurídicas que se consolidam por meio do aparato estatal – o sujeito de direito e a garantia do contrato e da autonomia da vontade, por exemplo – possibilitam a existência de mecanismos apartados dos próprios exploradores e explorados. Sem ele, o Estado, o domínio do capital sobre o trabalho assalariado seria domínio direto – portanto, escravidão ou servidão. A reprodução da exploração assalariada e mercantil fortalece necessariamente uma instituição política apartadas dos indivíduos. Daí a dificuldade em se aperceber, à primeira vista, a conexão entre capitalismo e Estado, na medida em que, sendo um aparato terceiro em relação à exploração, o Estado não é nenhum burguês em específico nem está em sua função imediata. A sua separação em face de todas as classes e indivíduos constitui a chave da possibilidade da própria reprodutividade do capital: o aparato estatal é a garantia da mercadoria, da propriedade privada e dos vínculos jurídicos de exploração que jungem o capital e o trabalho. [...].

Nesse sentido, deve-se entender o Estado não como um aparato neutro à disposição da burguesia, para que, nele, ela exerça o poder. É preciso compreender na dinâmica das próprias relações capitalistas a razão de ser estrutural do Estado. Somente é possível a pulverização de sujeitos de direito com um aparato político, que lhes seja imediatamente estranho, garantindo e sustentando sua dinâmica. Por isso, o Estado não é um poder neutro e a princípio indiferente que foi acoplado por acaso à exploração empreendida pelos burgueses. O Estado é um derivado necessário da própria reprodução capitalista; essas relações ensejam sua constituição ou sua formação. Sendo estranho a cada burguês e a cada trabalhador explorado, individualmente tomados, é, ao mesmo tempo, elemento necessário de sua constituição e da reprodução de suas relações sociais.

O caráter terceiro do Estado em face da própria dinâmica da relação entre capital e trabalho revela a sua natureza também afirmativa. Não é apenas um aparato de repressão, mas sim de constituição social. A existência de um nível político apartado dos agentes econômicos individuais dá a possibilidade de influir na constituição de subjetividades e lhes atribuir garantias jurídicas e políticas que corroboram para apropria reprodução da circulação mercantil e produtiva. E, ao contribuir para tornar explorador e explorado sujeitos de direito, sob um único regime político e um território normativamente, o Estado constitui, ainda afirmativamente, o espaço de uma comunidade, no qual se dá o amálgama de capitalistas e trabalhadores sob o signo de uma pátria ou nação. [...]. As classes burguesas, cujas frações são variadas, podem até mesmo contrastar em interesses imediatos. As lutas dos trabalhadores, engolfadas pela lógica da mercadoria, ao pleitearem aumentos salariais, chancelam a própria reprodução contínua do capitalismo. O Estado, majorando impostos ou mesmo ao conceder aumento de direitos sociais, mantém a lógica do valor.

A reprodução do capitalismo es estrutura por meio de formas sociais necessárias e específicas, que constituem o núcleo de sua própria sociabilidade. [...]. Tudo e todos valem num processo de trocas, tornando-se, pois, mercadorias e, para tanto, jungindo-se por meio de vínculos contratuais. Dessa maneira, o contrato se impõe, como liame entre os que trocam mercadorias – e, dentre elas, a força de trabalho. Mas, para que o vínculo seja contratual, e não simplesmente de imposição de força bruta nem de mando unilateral, é também preciso que formas específicas nos campos político e jurídico o constituam. Para que possam contratar, os indivíduos são tomados, juridicamente, como sujeitos de direito. Ao mesmo tempo, uma esfera política a princípio estranha aos próprios sujeitos, com efetividade e aparatos concretos, assegura o reconhecimento da qualidade jurídica desses sujeitos e garante o cumprimento dos vínculos, do capital e dos direitos subjetivos. [...]. As interações entre indivíduos, grupos e classes não se fazem de modo ocasional ou desqualificado. Por exemplo, a forma-família estatui posições, papéis, poderes, hierarquias e expectativas. Entre pais e filhos e marido e mulher operam mecanismos formais que constituem uma base estrutural e inconsciente de suas posteriores relações voluntárias ou conscientes. Também como exemplo, a forma-trabalho, no capitalismo, já parte da pressuposição de que a força de trabalho pode ser trocada por dinheiro, mediante o artifício do acordo de vontades que submete o trabalhador ao capitalista. A subjetividade portadora de vontade, portanto, é uma forma necessária pressuposta de tal interação. A forma social permite, enseja e a si junge as relações sociais. [...].

Garantido a reprodução das condições sociais capitalistas em última instância, o Poder Judiciário está imune juridicamente a maiores injunções – quase sempre, age apenas quando provocado e julga argumentando de acordo com os quadrantes da legalidade. O respeito às decisões dos magistrados – mesmo quando em negação da vontade de um burguês em específico – é, no entanto, a manutenção da própria estrutura de submissão dos indivíduos à conformação jurídica geral. [...].
Entre o Estado, o direito, a religião, a cultura, os meios de comunicação de massa, as artes e as instituições ideológicas, de modo geral, há relações que vão tanto de um eventual desconhecimento mútuo até a total implicação estrutural ou funcional. [...]. Podem-se vislumbrar instituições ideológicas relativamente mais autônomas em relação ao Estado, como as estéticas. Há, no entanto, instituições ideológicas muito próximas ao Estado, como a educação pública e os meios de comunicação em massa. [...].

A forma política estatal só se estabelece e pode ser compreendida num complexo relacional maior que os limites do Estado. [...]. Se se toma o aparato estatal como um organismo, ele só pode ser compreendido num sistema geral de instituições que se atravessam e convivem numa relação dinâmica, na reprodução social conflituosa do capitalismo. [...]. As instituições políticas estatais comportam várias especificações materiais, estruturais e funcionais, além de desdobrados critérios de classificação. No plano espacial, uma possível divisão interna do Estado se faz com a sua distribuição em unidades, como as de Estados federados, províncias ou municípios. Trata-se de uma divisão geográfica, articulada no Estado central como seu núcleo; suas unidades menores são dependentes ou aglutinadas a um poder de hierarquia ou proeminência maior. [...].

Há um nexo íntimo entre forma política e forma jurídica, mas não porque ambas sejam iguais ou equivalentes, e sim porque remanescem da mesma fonte. Além disso, apoiam-se mutuamente, conformando-se. Pelo mesmo processo de derivação, a partir das formas sociais mercantis capitalistas, originam-se a forma jurídica e a forma política estatal. Ambas remontam a uma mesma e própria lógica de reprodução econômica, capitalista. Ao mesmo tempo, são pilares estruturais desse todo social que atuam em mútua implicação. As formas política e jurídica não são dois monumentos que agem separadamente. Eles se implicam. Na especificidade de cada qual, constituem, ao mesmo tempo, termos conjuntos. O núcleo da forma jurídica reside no complexo que envolve o sujeito de direito, com seus correlatos do direito subjetivo, do dever e da obrigação – atrelados, necessariamente, à vontade autônoma e à igualdade formal no contrato como seus corolários. [...]. No entanto, embora direito e Estado se apoiem mutuamente, sua ligação é nuançada, o que choca a interpretação comumente realizada a seu respeito. Pela tradição do juspositivismo, que compreende o Estado e o direito como ângulos distintos de um mesmo fenômeno, o contorno do jurídico é constituído pelo político. É o Estado, por meio de sua soberania, que institui o direito, valendo-se de um instrumento por excelência, a norma jurídica. Se o direito, para a ciência juspositiva, se reduz à norma jurídica, então o direito é o Estado.

Segundo a perspectiva juspositivista, o mesmo é postulado no que tange à via reversa. O Estado, fenômeno, de poder, distingue-se dos demais poderes da sociedade porque se valida em competências que são hauridas de normas jurídicas. O poder do Estado é o poder que as normas jurídicas lhe conferem. A ação estatal é necessariamente uma ação jurídica. Os atos do Estado são sempre atos jurídicos – do direito administrativo ou dos demais ramos do próprio direito público. Como se depreende, dentre outras, também da notória visão de Hans Kelsen, o juspositivismo considera por Estado o direito. [...] O núcleo da forma jurídica, o sujeito de direito, não advém do Estado. Seu surgimento, historicamente, não está na sua chancela pelo Estado. A dinâmica do surgimento do sujeito de direito guarda vínculo, necessário e direto, com as relações de produção capitalista. A circulação mercantil e a produção baseada na exploração da força de trabalho jungida de modo livre e assalariado é que constituem, socialmente, o sujeito portador de direitos subjetivos. Como exemplo de esclarecimento, pode-se valer do caso das sociedades do continente americano que se fundaram na moderna escravidão ao mesmo tempo que desenvolviam relações de produção capitalistas, como o que ocorreu no Brasil. Juridicamente, o escravo estava impedido de ser sujeito de direito. Sua emancipação jurídica somente se deu, por completo, a partir de 1888. No entanto, os estudos históricos demonstram que alguns escravos entesouraram dinheiro e bens, pondo-se, sorrateiramente à lei, na cadeia da reprodução econômica capitalista. Não eram, pela declaração normativa estatal, sujeitos de direito. Constituíam-se, no entanto, como tais na dinâmica econômica em que se inscreviam.”.

Pergunta: No Brasil, quem exerce o poder de legislar?

Na realidade, no sentido estrito, é o Legislativo conforme processo previsto na ordem jurídica. A União (Câmara dos Deputados e Senado Federal); Estados-membros (Assembleias legislativas); Municípios (Câmara de Vereadores); Distrito Federal (Assembleia Distrital). No sentido amplo, o Executivo (Pela Presidência, Ministérios e demais órgãos, Governadores, Prefeitos e Governador Distrital) legisla quando baixa decretos e outros atos; o Judiciário (Nacional e Estadual) legisla quando elabora seus regimentos internos e outros atos.  Assim, a Relação Jurídica (vínculo jurídico) pode ser estudada: conceitualmente, por seus elementos, pelo sujeito de direito, pelo objeto imediato e mediato, pelo fato jurídico e pela proteção jurídica.

domingo, 7 de abril de 2019

Faculdade Estácio de Curitiba - IED - 2019.1


TEORIA DA NORMA JURÍDICA e TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO

TEORIA. Do grego “theoria” = visão de conjunto. É uma visão especulativa global, na qual diversos fenômenos coerentemente estruturados recebem uma explicação cabal. Ela se elabora a partir da observação exata da realidade e atinge níveis sempre mais altos de generalização que lhe permite surpreender a significação íntima dos fenômenos. O teste da verdade de uma teoria é o seu poder de previsibilidade ou o seu valor heurístico (que respeita à descoberta). Ex. Teoria da Decisão Judicial.

NORMA. Etimologicamente o termo "norma" significa, em latim, o esquadro, instrumento que, permitindo conduzir sobre uma reta uma linha perpendicular ou normal, é modelo e medida do ângulo reto. Num sentido figurado, norma significa a pauta da ação humana, ajustada à qual esta ação é reta, isto é, moralmente boa. A norma imediata da moralidade é a própria consciência que formula juízos práticos sobre o valor moral da a ação feita ou por fazer. A norma remota é a inteligência Criadora, ordenando o homem para um fim que ele livremente deve realizar. A norma mediata é a própria natureza humana biológica, racional, livre e social que encarna a intenção criadora e constitui, por si mesma, um programa de ação e de vida. Segundo ela, é moralmente bom tudo aquilo que permite ao homem ser mais plena e harmoniosamente homem. Teoricamente, todo homem, quaisquer que sejam suas condições sociais, econômicas, ou outras, pode atingir sua perfeição moral, pela fidelidade aos ditames de sua consciência. Praticamente, porém, não se pode esquecer que o exercício da liberdade e da responsabilidade moral é condicionado pelas condições concretas da existência de cada um. Ora, acontece que milhões de seres humanos vivem em situações tais de indigência e de miséria que a visão da norma se torna um problema teórico, quase inexistente, sem sentido para eles, que estão atormentados pela fome e pelo desespero. A fidelidade à nossa vocação humana, a realização de nossa natureza, que é inclusive social, nos obriga a pensar nos atormentados e a agir em favor deles. Nossa vida não será conforme a norma, enquanto estiver fechada em egoísmos solitários.

ORDEM. Do latim "ordo, ordinis". O termo é tomado em muitas acepções, nas quais importa distinguir vários sentidos. 1) Num sentido mais geral o termo sugere a ideia de uma organização racional dos elementos de um conjunto, ou de um sistema, que lhe propicia o melhor funcionamento. No mundo infra-humano, percebemos a existência de uma ordem universal que preside ao macrocosmo e ao microcosmo, através de leis sujeitas à rigidez dos determinismos naturais, físicos e biológicos. Os astros descrevem suas órbitas dentro de sistemas que se integram em galáxias. Os reinos mineral, vegetal e animal se intercomunicam num admirável equilíbrio que garante à Terra a permanência das condições indispensáveis à vida humana. Também no mundo nuclear, o homem descobre a existência de sistemas sujeitos a um equilíbrio gravitacional que, uma vez rompido, permite a liberação de um imenso potencial de energia. Foram os pensadores fisiocratas os primeiros que, possuídos pela harmonia desta ordem universal, elaboraram, explicitamente, a ideia de ordem social sujeita a determinismos idênticos aos que presidem a ordem universal e fizeram desta ideia a chave de um sistema econômico, político e social. A ideia de ordem social se presta, porém, a funestos equívocos. Existe idealmente uma organização racional dos elementos das sociedades humanas e destas entre si, que parantiria a todas e à comunidade humana universal o seu melhor funcionamento, e com isto criaria para todos os homens as condições ótimas de desenvolvimento e auto-realização. Identificar, porém, esta ordem com uma determinada estrutura social é o equívoco em que se inspiram todos os reacionários, tanto da direita como da esquerda. Para eles, ordem é o "status quo", cujas eventuais imperfeições devem inspirar, nos que delas sofrem, sentimentos de paciência e resignação, e não pretensões de reforma. Para eles, a ordem social tem a inexorabilidade da ordem cósmica: assim como existem astros, minérios, plantas e animais, num admirável equilíbrio, assim também existem classes diferentes, nobre e plebeus, burgueses e proletários, todos elementos indispensáveis na harmonia universal. São incapazes de compreender que a ordem social é o resultado do esforço sempre renovado do homem, tendendo sempre a se aproximar de um ideal inatingível de perfeição. São incapazes de compreender que a ordem social não preexiste ao homem, mas é criada por ele, agente e sujeito de sua própria história, e não peça de um mecanismo inexorável. A verdade é, porém, que a ordem social identificada com um "status quo" esconde muitas vezes a iniquidade social, isto é, a mais injusta desordem. 2) Num sentido sistemático o termo é empregado para designar um conjunto de seres portadores de características comuns. Neste sentido, é uma categoria de taxionomia, para a classificação de plantas e animais, entre classe e a família, por exemplo: reino, classe, ordem, família, gênero, espécie, variedade. Transportado para o mundo humano, o sentido sistemático se aplica aos conjuntos de pessoas com a mesma qualidade social constituindo um corpo homogêneo dentro da sociedade global. Assim se falava antigamente nas três ordens: nobreza, clero e povo. Assim se fala ainda hoje dos advogados, dos economistas e nas ordens religiosas, instituições que, sob o vínculo dos votos religiosos de pobreza, castidade e obediência, assumem uma determinada função na Igreja, sob autorização do Sumo Pontífice. 3) Num sentido imperativo, ordem significa uma injunção, um comando baixado por uma autoridade, que se consuma, portanto, num ato ou num gesto (Ex.: Ordem de Habeas Corpus, de Mandado de Segurança, de Injunção, de Habeas Data). Conota ainda uma ideia estrutural e se identifica assim com a hierarquia vigente em todo corpo social organizado.

ORDENAMENTO. Significado de Ordenamento. Substantivo masculino Ação ou efeito de ordenar, de colocar em ordem; ordenação; ordem. [Jurídico] Estruturação hierárquica das regras jurídicas que, compondo um sistema de normas subordinado à Constituição, disciplinam os comportamentos dos indivíduos: ordenamento jurídico. Método que se deve seguir no tratamento e exploração das matas. Sinônimos de Ordenamento: Ordenamento é sinônimo de: ordenação.

A SABEDORIA JURÍDICA

Segundo Rosa Maria de Andrade Nery (Introdução ao Pensamento Jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado): "A experiência social é mercada pela presença do homem em situação de permanente convívio com os seus semelhantes. Durante toda a sua vida, em todos os aspectos de seus relacionamentos, o homem interage: na vida privada, profissional, social, religiosa e nos relacionamentos mais variados há constante intercâmbio de ideias, de formas de trabalho, de manifestações de cultura; de expressões intelectuais; de provimento de meios de subsistência; de formas de entretenimento e divertimento e de realização de negócios; de escolha de meios para a experiência do transcendente. [...] Até mesmo antes de nascer, o homem desafia a ingerência dos atos de outros e, após a sua morte, ainda restam relações iniciadas que precisam de continuidade no seio da sociedade em que viveu, permitindo viabilizar os projetos e sonhos do homem para sua descendência, num contínuo perpetuar da espécie, em perene celebração da vida. É o que acontece, por exemplo, quando o sistema de direito privado se organiza para ditar regras de direito de sucessões e permite que o sujeito de direito faça valer a sua vontade, depois de sua morte, por meio de disposição de última vontade, como o testamento.

O aglomerado de indivíduos, por sua vez, desperta a probabilidade de surgirem atritos entre os membros da sociedade e a necessidade de planificação e disciplina do espaço comum de convivência.
A cobiça natural pelos bens que atendam às necessidades e às demandas das pessoas e a escassez dos recursos utilizados para a produção desses bens e riquezas despertam um natural questionamento em torno da explosão populacional do Planeta, do aumento sempre crescente da capacidade de alguns terem muito em detrimento de muitos que nada têm, e, consequentemente, acopla ao conceito jurídico de propriedade - ter, usar e gozar o que se tem - um componente jurídico para "bem" que nunca havia sido dimensionado antes, fenômeno esse que a ciência econômica denomina, singelamente, de bem econômico.

O mínimo de ordem que permita a convivência harmônica de todos é requisito necessário para a mantença da sociedade, que, por essa disposição, passa a se organizar. Essa organização implica o estabelecimento de regras por quem tenha condições de exercer autoridade e merecer o respeito dos demais.

Por isso o direito pode ser assim compreendido: É o direito um sistema de disciplina social fundado na natureza humana que, estabelecendo nas relações entre os homens uma proporção de reciprocidade nos poderes e deveres que lhes atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em consequência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas pelo poder público.

Pergunta: Como funciona realmente o direito atual? Resposta: Seguindo a trilha da teoria democrática do discurso jurídico, é possível trabalhar com a ideia de insistir sobre a necessidade de observação dos problemas segundo diferentes pontos de vista, de consideração da complexidade que eles representam, de fomento do diálogo baseado na busca de consenso e de respeito ao direito dos cidadãos de que as decisões tenham um fundamento razoável. O pluralismo e a diversidade constituem um fato incontrastável, e por essa razão é necessário assumir critérios compreensivos das diferentes posições para que seja alcançado um consenso entrecruzado, que, ao mesmo tempo que não será o que cada um deseja, permitirá o que todos desejam: uma sociedade ordenada com base em um critério mais realista de justiça. Por essa razão não se encontrará uma "receita" para produzir sentenças, nem uma definição acerca dos grandes temas filosóficos, senão uma arquitetura procedimental de raciocínio. Isso implica em também evitar algumas definições. [...]. Já a matriz para o raciocínio legal, com grande fraquência, observa-se o modo unilateral e limitado com que muitos juristas apresentam seus argumentos, o que pressupõe: 1) a despreocupação como o outro: ignora-se por completo a ideia de um contra-argumento, alguém que pense diferente, de modo a ter de conviver apenas com aqueles que acolhem a mesma posição, devendo os discordantes viver em outra sociedade o mais distante possível; 2) a despreocupação com o conflito: muitas opiniões são mera coleção de referências ao direito comparado, aptas a mostrar erudição, mas absolutamente rudimentares, já que não constituem uma proposta para decidir o caso concreto em uma realidade especial; 3) a despreocupação com a aplicação: é comum afirmar-se uma tese sem explicar como será aplicada em um mundo de recursos escassos, como se a sua aplicação prática fosse um problema que deve ser solucionado por outra pessoa; 4) a despreocupação pela decisão transacional: diz-se algo de modo definitivo, como um pacote fechado que não se abre. O raciocínio não surge do conflito, mas é anterior, uma vez que é conformado previamente e se decide de maneira similar para todos os temas, de modo que se aprende a perguntar primeiro qual o juiz que vai decidir para logo se saber o que ele vai responder em relação a diferentes casos, quaisquer que sejam suas características. A existência dessa "ideologia" prévia não é necessariamente negativa, já que todos a temos - o problema é sua ocultação e a falta de debate sobre ela.

Nos últimos anos teve origem um forte questionamento acerca do discurso jurídico, grande parte do qual se refere a uma crítica severa das obras de direito e do ensino jurídico. Law in the books vs law in action significa que as teses que se apresentam do modo indicado não servem para resolver problemas, ignorando que o direito se orienta para este propósito. A ideia, então, é discutir o modo como se raciona juridicamente, em vez de se dar uma definição para cada problema. Daí que deixamos em aberto muitas questões, porque a solução é móvel, flexível, significa sempre um equilíbrio, uma harmonização de interesses ou argumentos contrapostos.

Considerando o fortalecimento institucional: uma tensões que mais preocupam a doutrina contemporânea é a que se produz entre a linguagem jurídica e o não-jurídico. Uma decisão tomada conforme a linguagem jurídica, qualquer que tenha sido do órgão de que tenha emanado (administrativo, judicial, arbitral), é questionada com base em critérios não-jurídicos, e cada vez mais rudimentares, o que dá origem a elementos de pressão muito fortes sobre o sistema legal (Diz-se que na Idade Média os julgamentos eram um espetáculo, caracterizado pela excitação e a cruel satisfação para justiça executada, o que se contrapõe à ideia tímida e vacilante que nossas sociedades desenvolveram sobre a justiça. Veja-se: Huizinga, John [...]. Este autor contrapõe essa visão com a atual, obviamente fundada no devido processo, que foi uma conquista em relação ao julgamento medieval. Outros, de modo diverso, sustentam que há um retorno à Idade Média, no sentido de que a sociedade retorna ao espetáculo, à paixão pela execução). Não se questiona apenas a decisão, senão a legitimidade de quem decidiu (Por exemplo, se for um juiz a decidir, questiona-se sua autoridade (criticando sua formação, suas concepções sobre a vida, qualificando-as como parciais e discriminatórias), vinculam-no com outras questões que o desmerecem (vinculações políticas, econômicas etc.), ameaçam-no com pedidos de julgamento penal, político, denuncias midiáticas, recorre-se da decisão de modo interminável (perante os tribunais superiores nacionais e transnacionais), propõe-se o mesmo conflito frente a vários juízes (vinculando o conflito com temas extremamente amplos como direitos humanos, proteção de investimentos etc.), fomenta-se um batalha midiática, constroem-se cenários de pressão para obter uma solução favorável. A tarefa de decidir os complexos conflitos que apresentam as sociedades atuais tornou-se altamente insalubre para qualquer um que tente enfrentá-los.). Tanto a crítica sobre o discurso como a deslegitimação da autoridade da qual emana a decisão têm grande impacto sobre o direito, porque levam a uma discussão permanente, interminável, com o que a lei se transforma em um conselho não-obrigatório, e a decisão do conflito não gera coisa julgada. Embora isso seja mais comum em países de instituições débeis, trata-se de fenômeno que vem se generalizando. O resultado é a falta de proteção dos cidadãos, que necessitam de instituições fortes para que possam defender seus direitos individuais. Portanto, é necessário que as instituições se fortaleçam, e isso requer, além de outros aspectos, que o discurso jurídico recupere sua capacidade de convencer. Isso importa que se passe a considerar o argumento de que a sociedade deve utilizar a linguagem do direito e não o contrário.", segundo Ricardo Luis Lorenzetti - Teoria da Decisão Judicial).

Por fim, seguindo Rosa Maria de Andrade Nery (Noções Preliminares de Direito Civil), onde registra: "A rapidez do desenrolar dos acontecimentos no mundo contemporâneo e a disposição evidente dos cientistas do Direito em se manterem pouco participantes de incômodas discussões que exigem a palavra do jurista na equalização de fatos novos com os quais a sociedade atual convive trazem-se à lembrança uma cena do filme 'Novecento', de Bernardo Bertolucci: por ocasião de uma festa de casamento, um casal mata violentamente um menino e esconde seu corpo. Quando o homicídio é descoberto, em meio ao alarde de todos os convivas, um camponês é acusado de ter praticado o crime, pelo verdadeiro autor do fato, e submetido a um verdadeiro massacre, sob o olhar impassível de todos os presentes, dentre eles o noivo, amigo do acusado. Dentre as testemunhas do fato e agressores do acusado, há gente de todo tipo. Dois que têm certeza da inocência da vítima, porque foram os autores do crime; outros que não têm certeza de nada, mas acham que pelas circunstâncias do caso é bem possível que tenha sido o acusado o autor do crime; outros que não querem perscrutar o que se passou, porque basta ter alguém incriminado para satisfazer a ânsia de vingança que todos alimentam; outros que são amigos do indigitado criminoso, que o conhecem muito bem, e sabem perfeitamente que ele não seria capaz de cometer aquele crime. 

No desenrolar dessa cena, por extrema maestria do diretor, o espectador não tem sua atenção voltada para a cena chocante e brutal do linchamento do camponês, como seria natural. Sua atenção, como que por magia, se volta para os rostos dos que presenciam a cena, e a força mais intensa do episódio é percebida na imagem do amigo do acusado, o dono da festa, quando é focalizado. Sua face é um misto de dor e covardia, de fraqueza e impotência que abala o espectador, tal a forma grotesca com que fica desnudo o caráter daquele homem que covardemente assiste a tudo, inerte. 

É justa a preocupação dos que alertam para a falta de respeito aos direitos dos cidadãos, que tem sido reiterada e constantemente perpetrada. Não há dúvida de que o acusado, ainda que verdadeiramente culpado, merece o respeito de todos e que ninguém pode submeter outrem, culpado ou inocente, a escárnio público, e que muitas são as perguntas sem resposta na sociedade atual. Mas corre-se o risco da cena lhes é roubada.

Se por obra de sublime exercício de aprimoramento do espírito os holofotes parassem de iluminar as chagas da sociedade e começassem a clarear os que as contemplam, ganhando-lhes o semblante, qual seria o rosto que mais repulsa nos despertaria? Não seria, por certo, o do verdadeiro culpado, ou o do co-autor de muitas barbáries, que esses são mesmo inescrupulosos e deles já não se espera muito, e não serão capazes de nos causar grande decepção.

A grande decepção ficaria por conta daqueles que, abúlicos, contemplam os fatos e sobre os quais não pesa objetivamente nenhuma acusação. Aqueles que sabem quem são os verdadeiros culpados e se calam. Esses que são os espectadores de tudo e se põem acima de qualquer suspeita, tudo vêem e tudo sabem, cruzam os braços, fecham os olhos e permitem o massacre.".