sexta-feira, 25 de julho de 2014

Poesia, Religião, Mitos e Ciências

     Marcelo Gleiser (A Dança do Universo) tem que: Assim com em música não é necessário saber ler uma partitura para poder apreciar a beleza de uma sinfonia, em física tampouco se precisa saber resolver uma equação para apreciar a beleza de uma teoria. Para ele: "Muitos pensam que a pesquisa científica é uma atividade puramente racional, na qual o objetivismo lógico é o único mecanismo capaz de gerar conhecimento. Como resultado, os cientistas são vistos como insensíveis e limitados, um grupo de pessoas que corrompe a beleza da Natureza ao analisá-la matematicamente. Essa generalização, como a maioria das generalizações, me parece profundamente injusta, já que ela não incorpora a motivação mais importante do cientista, o seu fascínio pela Natureza e seus mistérios. Que outro motivo justificaria a dedicação da toda uma vida ao estudo dos fenômenos naturais, senão uma profunda veneração pela sua beleza? A ciência vai muito além da sua mera prática. Por trás das fórmulas complicadas, das tabelas de dados experimentais e da linguagem técnica, encontra-se uma pessoa tentando transcender as barreiras imediatas da vida diária, guiada por um insaciável desejo de adquirir um nível mais profundo de conhecimento e de realização própria. Sob esse prisma, o processo criativo científico não é assim tão diferente do processo criativo nas artes, isto é, um veículo de autodescoberta que se manifesta ao tentarmos capturar a nossa essência e lugar no Universo. 
     À primeira vista, pode parecer estranho que um livro escrito por um cientista sobre a evolução do pensamento cosmológico comece com um capítulo sobre mitos de criação de culturas pré-científicas. Existem duas justificativas para minha escolha. Primeira, esses mitos encerram todas as respostas lógicas que podem ser dadas à questão da origem do Universo, incluindo as que encontramos em teorias modernas. Com isso não estou absolutamente dizendo que a ciência moderna está meramente redescobrindo a antiga sabedoria, mas que, quando nos deparamos com a questão da origem de todas as coisas podemos discernir uma clara universalidade do pensamento humano. A linguagem é diferente, os símbolos são diferentes, mas, na sua essência, as idéias são as mesmas.
     É claro que existe uma grande diferença entre um enfoque religioso e um enfoque científico no estudo da origem do Universo. Teorias científicas são supostamente testáveis e devem ser refutadas se elas não descrevem a realidade. Mesmo que no momento estejamos ainda longe de podermos testar modelos que descrevem a origem do Universo, um modelo matemático só será considerado seriamente pela comunidade científica se puder ser testado experimentalmente. Esse fato básico traz várias dificuldades aos modelos que tentam descrever a origem do Universo. Afinal, como podemos testar esses modelos? No momento, o máximo que podemos esperar é que eles nos dêem informações sobre certas propriedades básicas do Universo observado. Mesmo que isso esteja ainda longe de ser um teste da utilidade desses modelos, pelo menos já é um começo. Mas tarde, retornaremos a esses modelos e discutiremos em maiores detalhes suas promessas e dificuldades. Por ora, é importante apenas que tenhamos em mente que mitos de criação e modelos cosmológicos têm algo de fundamental em comum: ambos representam nossos esforços para compreender a existência do Universo. A segunda razão para começar este livro com mitos de criação é mais sutil. Esses mitos são essencialmente religiosos, uma expressão do fascínio com que as mais variadas culturas encaram o mistério da Criação. Como discutirei em detalhe, é precisamente esse mesmo fascínio que funciona como uma das motivações principais do processo criativo científico. Acredito que esse fascínio seja muito mais primitivo do que o veículo particular escolhido para expressá-lo, seja através da religião organizada ou da ciência. Para a maioria dos cientistas o estudo da Natureza é encarado como um desafio intelectual. Sua motivação para enfrentar esse desafio vem de uma profunda fé na capacidade da razão humana de poder entender o mundo à sua volta. A física se transforma em uma ferramenta desenhada para decifrar os enigmas da Natureza, a encarnação desse processo racional de descoberta. [...] Minha esperança é que a tradução seja boa o suficiente para que você possa compartilhar da minha paixão pela ciência e por esse Universo que jamais deixará de nos surpreender e maravilhar.". Com toda essa exposição, fundamentada e justificada, claro fica que o conhecimento é algo abrangente de modo a nada ser isolado, ou seja: ele é essencialmente integrativo, ainda que alguns assim não o compreendam.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Implicações Práticas da Ética

     John Mitchell Finnis, em (Fundamentos de Ética, Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 4/5), adverte que: "ao fazer Ética, a pessoa está em busca da verdade. O que a pessoa gostaria de saber, ou, ao menos, ter mais clareza sobre, é a verdade sobre a questão, sobre o bem, sobre o valor da ação humana, i.e., a forma de viver de alguém enquanto constituída e moldada de acordo com suas escolhas. E, na Ética, no sentido pleno e próprio identificado por Aristóteles, escolher-se buscar a verdade, não apenas "em si mesma" nem simplesmente para se tornar uma pessoa que conhece a verdade sobre determinada matéria, mas (principalmente) para que as escolhas de alguém, suas ações e sua forma de vida completa sejam boas e valham a pena (sendo ainda, por ele, desse modo conhecidas). Dentre as escolhas de uma pessoa, está aquela referente ao engajamento na atividade de busca pelo ético. Seria irracional afirmar que essa escolha não é boa nem valeria a pena, já que, assim como qualquer outra afirmação, ela exigiria justificação, e a identificação de razões que amparassem essa afirmação seria, ela própria, uma instância dessa mesma atividade que teria sido afirmada como não valiosa.
     A alegação de que a Ética não vale a pena ou é carente de embasamento (e, por isso, sequer merece ser considerada) ou é autorrefutatória. (O que acabo de afirmar, por óbvio, não leva a conclusão de que não seja, algumas vezes, inapropriado engajar-se em uma reflexão ética; como veremos, a razoabilidade prática exige mais da escolha de alguém do que simplesmente fazer com que essa escolha esteja orientada para algum bem genuíno, por mais básico que seja).
     Assim, engajar-se em uma investigação ética (em um momento apropriado) significa já ter tido sucesso, em alguma medida, no que se refere à realização da intenção fundamental da pessoa: a sua ação já está participando de um bem que é inegável. Quando uma pessoa envolvida com a Ética realiza uma ação, ela já atinge, parcialmente, aquilo que esperava conseguir realizar ao fim de seu questionamento e da sua reflexão. Dito de modo mais claro, ao escolher fazer ética, a pessoa já realizou uma escolha do mesmo tipo que desejaria ser capaz de fazer ao final do possivelmente longo e árduo programa em que ingressou ao fazer aquela escolha.
     Além disso, a Ética, o seu objeto e as condições nas quais este objeto pode ser alcançado fazem parte, propriamente, da matéria envolvida com a investigação e a reflexão éticas. A Ética é genuinamente reflexiva. Ela pode ampliar a sua compreensão sobre o pleno bem humano ao atentar para o tipo de bem que leva alguém a iniciar um empreendimento ético. Ela pode refutar algumas alegações éticas ou "metaéticas" ao demonstrar que elas refutam-se a si mesmas, já que ela está, explicitamente, consciente do comprometimento intelectual que alguém faz ao assumir qualquer pretensão racional.
     Ela também pode ir do estudo das formas de bem até o estudo acerca das condições nas quais esses bens podem ser razoavelmente perseguidos. Isso porque, se alguém está realizando Ética com consciência do que está fazendo, esta pessoa ira refletir acerca das condições sob as quais os bens diretamente relevantes na investigação ética devem ser (apropriadamente) perseguidos. A pessoa ira observar, ademais, que essas condições  relacionam-se não apenas com uma compreensão acerca da apropriada e inapropriada ocasião para engajar-se no estudo ético (ou qualquer outro), mas também uma compreensão sobre as virtudes humanas exigidas para qualquer tarefa intelectual bem-sucedida: sinceridade, uma mente aberta, coragem para mantar a mente aberta quando diante de pressões e compulsões internas e externas, autodisciplina, entre outras virtudes presentes em um catálogo de aspectos desejáveis do caráter humano.
     Por fim, considerando-se que as verdades que serão discernidas e clarificadas ao se realizar Ética representam tudo aquilo pelo qual alguém está mais profundamente interessado, a pessoa poderá ver-se confrontada pela escolha entre a felicidade para com a verdade (mesmo quando se dê conta de que ela irá desapontar as esperanças e desejos de outrem) e a preferência por outros desejos e a sua satisfação...; e a experiência de se confrontar com essas alternativas abertas, e escolher (digamos) a fidelidade para com a verdade, pode representar um exemplo paradigma de escolha livre e de como nossa liberdade de escolha persiste como uma virtude (ou um vício) e, assim, acaba constituindo a pessoa particular que, de fato, nos tornamos.". Pois bem, sendo assim, no filme "Palavras", há uma passagem que expressa: "Todos nós fazemos escolhas. O difícil é conviver com elas. E ninguém pode nos ajudar." De modo que, voltando ao início do texto, podemos entender o que quer significar a expressão que, ao fazer Ética, a pessoa está em busca da verdade. É que, às vezes, essa verdade buscada, pode não ser a querida.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Conhecimento e Limites da Razão

     O Conhecimento para: Salomão (Nada há de novo sob o sol); Parmêmides (Nada muda); Heráclito (Tudo muda); Kant (Quais as condições de possibilidade); Freud (Acrescenta o prazer e as fantasias). Pois bem: Emília Steuerman em (Os Limites da Razão, Rio de Janeiro, Imago Editora, 2003), abre seu texto com: "A ilusão transcendental, por outro lado, não cessa mesmo quando já a descobrimos e, pela crítica transcendental, percebemos claramente sua nulidade. (Um exemplo é a ilusão na proposição de que o mundo tem de ter um começo em termos de tempo.) A causa disso é que nossa razão (encarada subjetivamente como uma capacidade cognitiva humana) possui regras básicas e máximas de seu uso que têm inteiramente a aparência de princípios objetivos; e assim ocorre que a necessidade subjetiva de certa conexão de nossos conceitos em benefício da compreensão é encarada como uma necessidade objetiva da determinação das coisas em si. Esta é uma ilusão que não podemos de modo algum evitar assim como não podemos evitar a ilusão de que o mar nos parece mais elevado no centro do que na margem, porque vemos o centro através de raios luminosos mais elevados do que a margem; ou - melhor ainda - assim como mesmo o astrônomo não pode impedir que a lua lhe pareça maior quando se ergue, embora ele não seja enganado por essa ilusão." (Kant, Crítica da Razão Pura). Daí, em diante, ela explora os limites e o significado da racionalidade como instrumento para a compreensão da verdade, da justiça e da liberdade. Ela apresenta a atual controvérsia entre modernismo e pós-modernismo numa análise rigorosa, embora acessível, do debate entre Jurgen Habermas e Jean-Françoais Lyotard. Com efeito, ressalta, com clareza, os problemas com que se defrontam tanto uma defesa da razão quanto a falta de significado que persegue um mundo sem razão, cujo objetivo é determinar se a razão pode ser usada como uma arma de dominação ou como um meio de emancipação. Ela, ainda, investiga os limites dos projetos racionalista e irracionalista, apresentando a obra da psicanalista Melanie Klein, cuja teoria das relações de objeto dessa autora e prepara o caminho para uma compreensão dos limites éticos e emocionais que mantêm os indivíduos em contato com o mundo externo e assegura nossa compreensão de pensamento racional. Ela demonstra, também, como a teoria de Melaine Klein lança nova luz sobre os conceitos habermasianos de intersubjetividade e de comunidades de usuários de linguagem compartilhada, enquanto leva em conta também os mundos irracionais e primitivos do amor e do ódio que marcam nossas percepções de nós mesmos e dos outros. Demontra, também, em termos habermasianos, que Freud estava buscando restaurar, por meio da interação comunicativa, um significado que fora perdido (recordação, repetição e elaboração). Enfim, Freud, com a inclusão do prazer e das fantasias, na domínio do conhecimento, promoveu uma revolução, metaforicamente, ao modo de Galileu.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O Cometa

     "O que aconteceu à noite foi maravilhoso, o Cometa de Halley apareceu com nitidez, mais denso de luz, e com graça deslizou sobre nossas cabeças sem dar confiança de exterminar-nos. No ar frio, o véu de ouro, baixou o vale, tornando irreal o contorno dos sobrados, da igreja, das montanhas. Saímos para a rua banhados de ouro, magníficos e esquecidos do espectro da morte. Nunca houve mais cometa igual, assim terrível, desdenhoso e belo. O rabo dele media... Como posso referir em escala métrica as proporções de uma escultura de luz, esguia e estelar, que fosforeja sobre a infância inteira? No dia seguinte, todos se cumprimentavam satisfeitos: a passagem do cometa fizera a vida mais bonita. Armazenávamos carinhosamente uma lembrança para gerações vindouras que não teriam a felicidade de conhecer o Halley, pois ele se dá ao luxo de aparecer uma vez cada 76 anos." (Carlos Drumond de Andrade). A aparição de cometa sempre trouxe ao homem um certo medo primitivo, instintivo. O conhecimento dos cometas e suas origens foram cercados, durante milênios, das mais diversas superstições. Os romanos acreditaram, seriamente, que o grande cometa aparecido durante os funerais de Júlio César, em 44 A.C., era a alma do ditador, destacada de seu corpo por Vênus e lavada para a região dos astros. Os cometas foram considerados, por muito tempo, como arautos da morte de nobres e outras desgraças. Um dos aparecimentos do cometa Halley, em 1456, três anos após a conquista de Constantinopla pelos turcos, foi interpretado pelos europeus como manifestação da cólera divina, daí resultando a saudação angélica diariamente, ao soar do meio-dia, costume que se estende aos nossos tempos. Os cometas se distinguem dos demais corpos do sistema solar por seu aspecto nebuloso, pela presença de cauda e também porque se movem em órbitas quase sempre bastante alongadas e muito inclinadas em relação às dos planetas. Os cometas apresentam-se geralmente como um ponto brilhante, o núcleo, cercado de uma nebulosidade também brilhante, a cabeleira ou coma, que se estende sob a forma de um traço luminoso, a cauda. O mais famoso deles é o de Halley, cujas pesquisas apontam ser este o cometa observado no ano de 467 A.C.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Contraditório e Liderança

     A ordem jurídica nacional está fundada no princípio democrático, o qual implica, para a solução dos conflitos, o princípio do contraditório e da ampla defesa. Seguindo essa orientação, tem-se que as decisões devem ser praticadas mediante justificação argumentativa. Pois bem, segundo Ralf Linton, a maior das dificuldades encontradas por um líder que procura desenvolver uma sociedade nova é que ele tem de começar com pessoas já anteriormente preparadas para viver em outra sociedade. Este processo começa ao nascer; e antes mesmo de ter alcançado seu desenvolvimento pleno, o indivíduo terá adquirido uma massa de hábitos inconscientes adaptados à sociedade em que se criou. Pode ser que estes hábitos se modifiquem, como quando um indivíduo vai viver numa nova sociedade e gradativamente se incorpora a ela, mas é quase impossível modificá-las, a não ser que a nova sociedade ofereça padrões de comportamento que o recém vindo possa aprender direta e objetivamente. Quando a nova sociedade não possui tais padrões, cada indivíduo precisa, toda vez que tiver de agir, deter-se e pensar. Ainda mais: o que um indivíduo decide que é conveniente, relativamente às idéias e valores básicos da nova sociedade, talvez não concorde com o que outro indivíduo pensa ser conveniente. O resultado é uma infindável confusão e uma interferência involuntária; e as pessoas que estão tentando desenvolver a nova sociedade logo recaem nos seus antigos hábitos. Esta tendência pode ser repetidamente observada na história das seitas religiosas. Em geral essas seitas possuem em comum um grupo bem definido de idéias e valores e uma forte consciência de grupo. Mas não possuindo padrões para manifestar essas idéias e valores por meio de comportamento concreto, previsível, acabam quase sempre revertendo aos padrões da sociedade da qual a maioria dos seus convertidos tinha sido tirada. Estes padrões podem ser reinterpretados e racionalizados em termos nas novas crenças, mas em si mesmos sofrem apenas pequenas modificações durante este processo. Os únicos casos em que as novas formas de sociedade se estabelecem vitoriosamente têm sido aqueles em que o plano encerra um corpo considerável de regras concretas de comportamento. De outro modo, quando a ordem jurídica ou as autoridades exercem controle autocrático, as situações podem ser apresentadas à autoridade à medida que vão surgindo e o comportamento por ele prescrito em cada caso torna-se um procedente de ação para casos similares. Enfim, esta situação de precedente não decorre de princípio democrático e acaba por inserir uma autocracia dentro da democracia raramente percebida.