IED - UNIDADE
I a IV (Continuação: Fundamentos do Direito. Direito e Moral)
Didaticamente, poderíamos dizer que qualquer raciocínio que
façamos, sobre os assuntos de nossa realidade mais comum, pode ser bem
desenvolvido se refletirmos a respeito da razão
de ser, das características e da
utilidade maior desses assuntos.
Assim, a lógica de raciocínio – que é, na verdade, universal -, ao estudarmos a
razão de ser do Estado (valores,
métodos e critérios), estamos no terreno dos Princípios Jurídicos – o que, para nós corresponde ao vasto campo
da Cultura Jurídica. Quando formos
dedicar nosso estudo às características do
Estado, pisamos o terreno das Normas
Jurídicas – campo da Técnica
Jurídica. Finalmente, tratando-se da utilidade
maior do Estado, chamemos a esse terreno de Aplicação Jurídica – campo do Exercício
Jurídico.
Jean-Louis Bergel (Teoria Geral do Direito, São Paulo,
Martins Fontes, 2001), indaga: “O direito será um fenômeno espontâneo que nasce
da reunião dos homens em grupos e se impõe por si só a toda vida social ou será
apenas um conjunto de regras impostas pelo poder público aos membros de uma
sociedade e destinadas a organizar as relações deles? E responde:
01. Os fundamentos do direito se identificam com todas as
suas raízes. Definir o direito de uma maneira homogênea e definitiva parece
impossível. O termo “direito” é entendido pelos moralistas, pelos religiosos e
por certos filósofos, no sentido de “justo” e de “justiça” enquanto, para os
juristas, significa “regra de direito”. Para uns, é um ideal; para outros, é
uma norma positiva. Alguns só veem nele uma “disciplina de ação destinada a
instituir ou preservar certo estado da sociedade”, portanto uma simples
disciplina social; outros buscam nele um conjunto de regras de boa conduta.
Para alguns, o direito é apenas um aspecto dos fenômenos sociais, como a
sociologia ou a história. Para outros, é “um sistema de representações
intelectuais que se identificam segundo princípios que lhe são próprios, de
modo totalmente independente dos fenômenos sociológicos ou históricos”. Alguns
pensam que sempre é apenas “o resultado provisório da luta secular travada
pelas forças sociais e das alianças de interesses que podem, em certos
momentos, operar-se entre elas”. Outros rejeitam a ideia de que o direito
procede apenas de uma evolução histórica e de um determinismo material e
sustentam que o direito resulta apenas da vontade e da atividade humana. A
busca de uma definição só pode apoiar-se nas diversas teses assim sustentadas,
mesmo que aqui só se possa fazer uma evocação muito sumária delas. Ora, essa
busca é forçosamente difícil e incerta em razão da heterogeneidade das ordens
jurídicas, conforme as épocas e conforme os países, e das vicissitudes da
determinação dos limites do direito em comparação com outras regras sociais.
Pode-se provisoriamente admitir, porém, que o direito é uma disciplina social
constituída pelo conjunto das regras de conduta que, numa sociedade com maior
ou menor organização, regem as relações sociais e cujo respeito e garantido,
quando necessário, pela coerção pública. O
direito, em si, é então, provavelmente, ao mesmo tempo o produto dos fatos
e da vontade do homem, um fenômeno material e um conjunto de valores morais e
sociais, um ideal e uma realidade, um fenômeno histórico e uma ordem normativa,
um conjunto de atos de vontade e de atos de autoridade, de liberdade e de
coerção... São suas diversas expressões que são parciais e expressam mais ou
menos, conforme os sistemas jurídicos e conforme as matérias, ora a ordem
social ou os valores morais, ora o individualismo ou o coletivismo, ora a
autoridade ou a liberdade... A regra de
direito é o produto da vida social, mas também criada por uma vontade sem a
qual ela seria apenas virtual e sem efeito. Procede de atos individuais ou se
lhes aplica, mas só pode impor-se comumente porque é reconhecida ou imposta por
uma autoridade social. A regra de direito se distingue então da lei científica
pois, contrariamente a esta que expressa a constante e necessária sucessão de
certos fenômenos, ela organiza comportamentos que nem sempre são observados. O
direito fornece modelos variáveis. Não produz automaticamente efeitos
constantes. Mas o direito é a um só tempo o fundamento do que é exigível do
homem que vive em sociedade e o conjunto das regras que regem as relações dos
homens entre si. É ao mesmo tempo a ordem moral e social e as regras de direito
positivo. A regra de direito, pela qual se exterioriza a ordem jurídica e que
assim é apenas seu elemento formal, não pode ser apartada do fundo do direito,
noutras palavras, dos fundamentos e das finalidades do sistema jurídico. Por
conseguinte, toda definição do direito supõe ao mesmo tempo o estudo do
fenômeno jurídico e o da regra de direito, do fundo e da forma.
02. E adverte: Uma boa formação dos estudantes deveria ser
mais bem nutrida de teoria geral e menos entulhada de meros conhecimentos
acumulados.
03. MORAL. Da raiz
latina “mores” = costumes, conduta, comportamento, modo de agir. É o
conjunto sistemático das normas que orientam o homem para a realização de um
fim. Não se deve confundir fim, com objetivo. Objetivo é um determinado alvo que um homem se propõe a conquistar
pelos seus esforços, ou por toda a sua vida, por exemplo: o conforto, o prazer,
as honras, o poder político etc. Em função do objetivo fixado, o homem adota os
modos de agir que lhe parecem eficazes para conquista-lo. Fim é uma destinação imanente a cada ser, mesmo independentemente
de sua vontade, caso se trate de um ser livre; é a razão de ser de uma
existência, é o seu sentido profundo. Assim, o problema fundamental da moral, é
definir se o homem tem um fim, e, eventualmente, qual é este fim. O homem é o
único ser no qual se verifica uma distância entre sua existência e a sua
essência, entre o que ele é e o que ele deve ser. A flor é perfeitamente flor,
desde botão evolui inelutavelmente para realizar sua essência de flor. O homem,
quando nasce, traz em si uma imensa ambiguidade ou melhor, plurivalência:
poderá ser um sábio ou um ignorante, um santo ou um viciado, um herói ou um
bandido. Daí se induz uma primeira conclusão: qualquer que seja o seu fim, como
sujeito é o homem que deve realiza-lo, é ele mesmo que deve superar a distância
entre sua existência e sua essência, não em virtude de determinismos de forças
físicas, químicas ou biológicas, mas livremente, pelo exercício de sua
responsabilidade, diferençando-se, assim, de todos os outros seres. O homem só
adquire sentido a partir do momento em que, além de sujeito, ele passa a
constituir-se objeto de uma consciência que o apreende e o investe e integra
numa visão conjunta. O fim do homem é, pois, o de realizar, pelo exercício de
sua liberdade, a perfeição de sua natureza. É desta norma que cada uma das suas
ações tira a sua moralidade. A moral é, pois, um saber normativo, e por este aspecto, se distingue da Ética, esta é uma ciência especulativa.
Em resumo: a moral é a ação, a prática; e ética é a teoria da ação, o
estudo, a pesquisa, a epistemologia, o conhecimento da moral. A Ética orienta a
moral. A Ética tem por objetivo o estudo filosófico da ação e da conduta
humana, procurando a justificação racional dos juízos de valor sobre a
moralidade. A Moral se distingue, também, da ciência dos costumes que que é positiva, puramente constativa e que, utilizando os métodos
da pesquisa sociológica, descreve o modo de agir de um grupo, num determinado
tempo e época. Distintas entre si, pelos seus respectivos objetos, estas
ciências, entretanto, se completam e se beneficiam mutuamente. Do que precede
se pode verificar o erro dos que concebem a Moral como um mero e fastidioso
catálogo de proibições. Ela não é negativista, mas essencialmente construtiva,
neste sentido que orienta o homem na construção de seu próprio destino, na
realização de sua própria plenitude. Para usar uma comparação: se cada geração
fosse obrigada a redescobrir as regras para tocar piano, a humanidade jamais
chegaria a criar uma “Fuga” de Bach, ou um minueto de Mozart. Assim, também, se
cada geração devesse redescobrir as normas do bem viver, estaríamos ao nível
dos trogloditas e a humanidade jamais conseguiria elevar seu nível moral.
Desprezar a Moral é sempre uma tentativa de racionalizar uma decadência ou degradação
humana. O termo moral empregado como substantivo masculino, refere-se ao estado
psicológico de um grupo. Neste sentido, se diz, por exemplo, que a moral da
tropa é alto, para significar que ela se encontra em boas disposições de
coragem e de capacidade para a ação. O postulado básico da Moral é a liberdade,
ou seja, o fato de que a vida humana se situa entre o determinismo e a
espontaneidade. O homem não é encaminhado a seu fim por leis cósmicas rígidas e
inexoráveis, como acontece com o mundo infra-humano. Mas não é, também,
abandonado a um absoluto espontaneísmo, como se não tivesse um fim, mas apenas
objetivos. Ele é solicitado a um fim por uma necessidade, não física, mas
moral, que se chama dever. A Moral, postula, assim, a liberdade como risco
pessoal, como opção voluntária, como autodeterminação. O fundamento da Moral é
a liberdade e o pressuposto é a responsabilidade.
03.1. O jurista deve ser um regente de orquestra, apto a
dominar e coordenar todos os instrumentos do direito: a solução jurídica não
pode provir do som, por vezes discordante, de uma disposição isolada, mas
depende para sua compreensão, para sua aplicação e sua execução dos princípios,
das instituições, dos conceitos e dos procedimentos técnicos da ordem jurídica
geral. O jurista não pode ser nem um mero autômato, condenado à aplicação
servil de uma regulamentação exageradamente meticulosa, nem um aprendiz de
feiticeiro que desencadeia consequências desordenadas e imprevistas por ignorar
a dependência e a inserção da regra de direito em seu contexto.
04. CASO. No verão de 2004, o furação Charley pôs-se a rugir
no Golfo do México e varreu a Flórida até o Oceano Atlântico. A tempestade, que
levou 22 vidas e causou prejuízos de 11 bilhões de dólares (Michel McCarthy –
USA Today, 20/08/2004), deixou também em seu rastro uma discussão sobre preços
extorsivos. Em um posto de gasolina em Orlando, sacos de gelo de 2 dólares
passaram a ser vendidos por 10 dólares. Sem energia para refrigeradores ou ar
condicionado em pleno mês de agosto, verão no hemisfério norte, muitas pessoas
não tinham alternativa senão pagar mais pelo gelo. Árvores derrubadas
aumentaram a procura por serrotes e consertos de telhados. Prestadores de
serviços cobraram 23 mil dólares para tirar 2 árvores de um telhado. Lojas que
antes vendiam normalmente pequenos geradores domésticos por 250 dólares pediam
agora 2 mil dólares. Por uma noite em um quarto de motel que normalmente
custaria 40 dólares cobraram 160 a uma mulher de 77 anos que fugia do furacão
com o marido idoso e a filha deficiente. Muitos habitantes da Flórida
mostraram-se revoltados com os preços abusivos. “Depois da tempestade vêm os
abutres” foi uma das manchetes do USA Today. Um morador, ao saber que deveria
pagar 10.500 dólares para remover uma árvore que caíra em seu telhado, disse
que era errado que as pessoas “tentassem
capitalizar à custa das dificuldades e da miséria dos outros”. Charlie Crist,
procurador-geral do estado, concordou: “Estou impressionado com o nível de
ganância que alguns certamente têm na alma ao se aproveitar de outros que
sofrem em consequência de um furacão.” A Flórida tem uma lei contra preços abusivos e, após o furacão, o gabinete do
procurador-geral recebeu mais de 200 reclamações. Alguns dos reclamantes ganharam
ações judiciais. Uma filial do Days Inn, em West Palm Beach, teve de pagar 70
mil dólares em multas e restituições por cobranças excessivas aos clientes.
Entretanto, quando Crist exigiu o cumprimento da lei sobre preços extorsivos, alguns economistas argumentaram que a lei - e o ultraje público – baseava-se em um
equívoco. Nos tempos medievais, filósofos e teólogos acreditavam que a troca de
mercadorias deveria ser regida por um “preço justo”, determinado pela tradição
ou pelo valor intrínseco das coisas. Mas nas sociedades de mercado, observaram
os economistas, os preços são fixados de acordo com a oferta e a procura. Não
existe o que se denomina “preço justo”. Thomas Sowell, economista partidário do
livre mercado, considerou o termo “extorsão” aqui aplicado uma “expressão
emocionalmente poderosa porém economicamente sem sentido, à qual a maioria dos
economistas não dá atenção, porque lhes parece vaga demais”. Em artigo no Tampa Tribune, Sowell procurou explicar “como
os ‘preços abusivos’ ajudaram os cidadãos da Flórida”. As despesas aumentaram “quando
os preços são significativamente mais altos do que aqueles aos quais as
pessoas estão acostumadas”, escreveu
Sowell. Mas “os níveis de preços aos quais você está acostumado” não são
moralmente sacrossantos. Eles não são mais “especiais ou ‘justos’ do que outros
preços” que as condições do mercado – incluindo as provocadas por um furacão –
possam acarretar. Preços mais altos de gelo, água engarrafada, consertos em
telhados, geradores e quartos de motel têm a vantagem, argumentou Sowell, de limitar
o uso pelos consumidores, aumentando o incentivo para que empresas de locais
mais afastados forneçam as mercadorias e os serviços de maior necessidade
depois do furacão. Se um saco de gelo alcança 10 dólares quando a Flórida
enfrenta falta de energia no calor de agosto, os fabricantes de gelo
considerarão vantajoso produzir a transportar mais. Não há nada injusto nesses
preços, explicou Sowell; eles simplesmente refletem o valor que compradores e
vendedores resolvem atribuir às coisas quando as compram e vendem. Jeff Jacoby,
comentarista econômico que escreve para o Boston
Globe, criticou as leis para preços abusivos de forma semelhante: “Não é
extorsão cobrar o que o mercado pode suportar. Não é ganância nem falta de
pudor. É assim que mercadorias e serviços são fornecidos em uma sociedade livre”.
Jacoby reconheceu que “os picos de preços são irritantes, especialmente para
alguém cuja vida acaba de ser lançada em um turbilhão por uma tempestade mortal”.
Mas a ira pública não é justificativa para que se interfira no livre mercado.
Por meio de incentivos aos fornecedores para que produzam mais mercadorias
necessárias, os preços aparentemente exorbitantes “trazem mais benefícios do
que malefícios”. Jacoby conclui: “Infernizar os comerciantes não vai acelerar a
recuperação da Flórida. Deixá-los trabalhar vai.” O procurador-geral Crist (um republicano que mais tarde seria eleito
governador da Flórida) publicou um texto em um jornal de Tampa defendendo a lei contra o abuso de preços: “Em
tempos de emergência, o governo não pode ficar à sombra enquanto são cobrados
às pessoas preços inescrupulosos no momento em que elas tentam salvar suas
vidas ou procuram as mercadorias básicas para suas famílias depois de um
furacão.” Crist repudiou a ideia de que esses preços “inescrupulosos” sejam
reflexo de um comércio verdadeiramente livre:
Não se trata de uma situação
normal de livre mercado, na qual pessoas que desejam comprar algo decidem
livremente entrar no mercado e encontram pessoas dispostas a vender-lhes o que
desejam, na qual um preço obedece à lei da oferta e da procura. Numa situação
de emergência, compradores coagidos não tem liberdade. A compra de artigos
básicos e a busca de abrigo seguro são algo que lhes é imposto.
A discussão sobre abuso de preços provocada pelo furacão
Charley levanta graves questões sobre moral
e lei: É errado que vendedores
de mercadorias e serviços se aproveitem de um desastre natural, cobrando tanto
quanto o mercado possa suportar? Em caso positivo, o que, se é que existe algo,
a lei deve fazer a respeito? O Estado deve proibir abuso de preços mesmo que,
ao agir assim, interfira na liberdade de compradores e vendedores de negociar
da maneira que escolherem?
Essas questões não dizem respeito apenas à maneira como os
indivíduos devem tratar uns aos outros. Elas também dizem respeito a como a lei
deve ser e como a sociedade deve se organizar. São questões sobre justiça. Para
responder a elas, precisamos explorar o significado de justiça. Na verdade, já
começamos a fazer isso. Se você prestar atenção ao debate, notará que os
argumentos a favor das leis relativas ao abuso de preços e contra elas giram em
torno de três ideias: aumentar o bem-estar, respeitar a liberdade e promover a
virtude. Cada uma dessas ideias aponta para uma forma diferente de pensar sobre
justiça. A defesa usual dos mercados sem restrições baseia-se em duas
postulações – uma sobre bem-estar, outra sobre liberdade. Primeiro, os mercados
promovem o bem-estar às sociedades como um todo por meio de incentivos para que
as pessoas se esforcem a fim de fornecer as mercadorias que as outras desejam.
(No dizer comum, frequentemente equiparamos o bem-estar à prosperidade
econômica, embora bem-estar seja um conceito mais amplo, que pode incluir
aspectos não econômicos do bem-estar social). Em segundo lugar, os mercados
respeitam a liberdade individual; em vez de impor um determinado valor às mercadorias
e serviços, deixam que as pessoas escolham por si mesmas que valor atribuir ao
que compram e vendem. Não é de surpreender que os opositores das leis contra
abuso de preços invoquem esses dois argumentos usuais na defesa do livre mercado.
Como os partidários das leis contra abuso de preços respondem? Em primeiro
lugar, argumentam que o bem-estar da sociedade como um todo não é realmente
favorecido pelos preços exorbitantes cobrados em momentos difíceis. Mesmo que
os preços altos originem um maior fornecimento de mercadorias, esse benefício
deve ser confrontado com a sobrecarga que tais preços impõem àqueles com menor
potencial para adquirir os bens. Para os abastados, os preços inflacionados de
um galão de gasolina ou um quarto de motel durante uma tempestade podem ser um
aborrecimento a mais; mas, para aqueles com posses mais modestas, tais preços
constituem uma dificuldade real, que pode leva-los a permanecer em locais perigosos
em vez de buscar segurança. Os defensores das leis contra o abuso de preços
argumentam que qualquer estimativa do bem-estar geral deve considerar a dor e o
sofrimento daqueles que são obrigados a pagar mais por suas necessidades básicas
durante uma emergência. Em segundo lugar, os defensores das leis contra o abuso
de preços sustentam que, em determinadas condições, o mercado livre não é
verdadeiramente livre. Como diz Crist, “compradores sob coação não têm
liberdade. Suas compras de artigos para suprir necessidades básicas, assim como
a busca por abrigo seguro, são algo que lhes é imposto pela necessidade”. Se
estiver fugindo de um furacão com a família, o preço exorbitante que paga pela
gasolina ou por um abrigo não é realmente uma transação voluntária. É algo mais
próximo da extorsão. Assim, para decidir se as leis de preços abusivos se
justificam, precisamos avaliar essas relações entre bem-estar e liberdade.
Entretanto, precisamos também considerar outro argumento. Grande parte do apoio
às leis contra o abuso de preços vem de algo mais visceral do que bem-estar ou
liberdade. As pessoas se revoltam com “abutres” que se aproveitam do desespero
alheio, e querem puni-los – e não recompensá-los com lucros inesperados. Tais
sentimentos são muitas vezes descartados como emoções rancorosas que não devem
interferir na política pública ou na lei. Como escreve Jacoby, “demonizar os
vendedores não vai acelerar a recuperação da Flórida”. O ultraje ante o abuso
de preços, no entanto, é mais do que uma raiva insensata. Ele põe em questão um
argumento moral que deve ser levado a sério. O ultraje é o tipo específico de
raiva que você sente quando acredita que as pessoas estão conseguindo algo que
não merecem. Esse tipo de ultraje é a raiva causada pela injustiça. Crist
abordou a origem moral do ultraje ao descrever a “ganância que uma pessoa
certamente tem na alma quando quer obter vantagem de alguém que sofre no rastro
de um furacão”. Ele não fez a ligação explícita dessa observação com as leis
contra o abuso de preços. Mas existe algo implícito em seu comentário, como o
seguinte argumento, que pode ser chamado de argumento da virtude: a ganância é
um defeito moral, um modo mau de ser, especialmente quando torna as pessoas
indiferentes ao sofrimento alheio. Mais do que um defeito pessoal, ela se
contrapõe à virtude cívica. Em tempos de dificuldades, uma boa sociedade se
mantém unida. Em vez de fazer pressão para obter mais vantagens, as pessoas
tentam se ajudar mutuamente. Uma sociedade na qual os vizinhos são explorados
para a obtenção de lucros financeiros em tempos de crise não é uma sociedade
boa. A ganância excessiva é, portanto, um vício que a boa sociedade deve
procurar desencorajar, na medida do possível. As leis do abuso de preços podem
não por fim à ganância, mas podem ao menos restringir sua expressão descarada e
demonstrar o descontentamento da sociedade. Punindo o comportamento ganancioso ao
invés de recompensá-lo, a sociedade afirma a virtude cívica do sacrifício
compartilhado em prol do bem comum. Reconhecer a força moral do argumento da
virtude não é insistir no fato de que ele deva prevalecer sobre as demais
considerações. Você poderia concluir, em alguns casos, que uma comunidade
atingida por um furacão deveria fazer um pacto com o diabo – permitir o abuso
de preços na esperança de atrair de regiões distantes um exército de
prestadores de serviços para consertar telhados, mesmo ao custo moral de
sancionar a ganância. A prioridade é consertar telhados; as considerações de
natureza social ficam para depois. O que se deve notar, entretanto, é que o
debate sobre as leis contra o abuso de preços não é simplesmente um debate
sobre bem-estar e liberdade. Ele também aborda a virtude – o incentivo a
atitudes e disposições, a qualidade de caráter das quais depende uma boa
sociedade. Algumas pessoas, entre elas muitas que apoiam as leis contra o abuso
de preços, consideram frustrante o argumento da virtude. A razão: ele parece
depender mais de julgamento de valores do que os argumentos que apelam para o
bem-estar e a liberdade. Perguntar se uma diretriz vai acelerar a recuperação
econômica ou travar o crescimento econômico não envolve o julgamento das
preferências populares. Parte-se do pressuposto de que todos preferem mais
rendimentos a menos, e não se julga como cada um gasta seu dinheiro. Da mesma
forma, perguntar se em condições adversas as pessoas são realmente livres para
escolher não requer que se avalie suas escolhas. A questão é se, ou até que
ponto, as pessoas estão livres em vez de coagidas. A discussão sobre a virtude,
em contrapartida, apoia-se na premissa de que a ganância é uma falha moral que
o Estado deveria desencorajar. Mas quem deve julgar o que é virtude e o que é
vício? Os cidadãos das diversas sociedades não discordam quanto a essas coisas?
E não é perigoso impor julgamentos sobre a virtude por meio da lei? Em face desses
temores, muitas pessoas sustentam que o governo deveria ser neutro no que diz
respeito e virtude e vício; não lhe cabe tentar cultivar as boas atitudes ou
desencorajar as más. Assim, quando examinamos nossas reações ao abuso de
preços, vemo-nos forçados em duas direções: sentimo-nos ultrajados quando as
pessoas conseguem coisas que não merecem; a ganância predadora da miséria
humana, no nosso entender, deveria ser punida, e não premiada. Apesar disso,
ficamos preocupados quando os julgamentos sobre virtude são levados para o
caminho da lei. Esse dilema aponta para uma das grandes questões da filosofia política:
Uma sociedade justa procura promover a virtude de seus cidadãos? Ou a lei
deveria ser neutra quanto às concepções concernentes à virtude, deixando os
cidadãos livres para escolher, por conta própria, a melhor forma de viver?
Segundo uma ideia comumente aceita, essa questão divide o pensamento político
em antigo e moderno. Em um sentido importante, essa ideia está correta.
Aristóteles ensina que a justiça significa dar às pessoas o que elas merecem. E
para determinar quem merece o quê, devemos estabelecer quais virtudes são
dignas de honra e recompensa. Aristóteles sustenta que não podemos imaginar o
que é uma Constituição justa sem antes refletir sobre a forma de vida mais
desejável. Para ela, a lei não pode ser neutra no que tange à qualidade de vida.
Em contrapartida, filósofos políticos modernos – de Immanuel Kant, no século
XVIII, a John Rawls, no século XX – afirmam que os princípios de justiça que
definem nossos direitos não devem basear-se em nenhuma concepção particular de
virtude ou da melhor forme de vida. Ao contrário, uma sociedade justa respeita
a liberdade de cada indivíduo para escolher a própria concepção do que seja uma
vida boa. Pode-se então dizer que as teorias de justiça antigas partem da
virtude, enquanto as modernas começam pela liberdade. No entanto, vale notar
desde o início que essa contraposição pode levar a conclusões equivocadas. Se
voltarmos nosso olhar para os argumentos sobre justiça que animam as diretrizes
contemporâneas – não entre filósofos, mas entre homens mulheres comuns –
encontraremos um quadro mais complicado. É verdade que a maior parte das nossas
discussões é sobre como promover a prosperidade e respeitar a liberdade
individual, pelo menos superficialmente. Entretanto, na base mesma desses
argumentos, e por vezes se opondo a eles, podemos muitas vezes vislumbrar outro
grupo de convicções – sobre quais virtudes são merecedoras de honras e
recompensas e que modo de viver deve ser promovido por uma boa sociedade.
Apesar de sermos devotados à prosperidade a à liberdade, não podemos
absolutamente desconsiderar a natureza judiciosa da justiça. É profunda a
convicção de que justiça envolve virtude e escolha: meditar sobre a justiça
parece levar-nos inevitavelmente a meditar sobre a melhor maneira de viver.
OS MANDAMENTOS DO ADVOGADO (Eduardo Couture)
1º) ESTUDA – O direito está em
constante transformação. Se não o acompanhas, serás cada dia menos advogado.
2º) PENSA – O direito se aprende
estudando; porém, se pratica pensando.
3º) TRABALHA – A advocacia é uma
fatigante e árdua atividade posta a serviço da justiça.
4º) LUTA – Teu dever é lutar pelo
direito; porém, quando encontrares o direito em conflito com a justiça, luta
pela justiça.
5º) SÊ LEAL – Leal para com teu
cliente, a quem não deves abandonar a não ser que percebas que é indigno de teu
patrocínio. Leal para com o adversário, ainda quando ele seja desleal contigo.
Leal para com o juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe dizes; e
que, mesmo quanto ao direito, às vezes tem de confiar no que tu lhe invocas.
6º) TOLERA – Tolera a verdade
alheia, como gostarias que a tua fosse tolerada.
7º) TEM PACIÊNCIA – O tempo
vinga-se das coisas que se fazem sem sua colaboração.
8º) TEM FÉ – Tem fé no direito
como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino
normal do direito; na paz, como substitutivo benevolente da justiça; e,
sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem
paz.
9º) ESQUECE – A advocacia é uma
luta de paixões. Se a cada batalha fores carregando tua alma de rancor, chegará
o dia em que a vida será impossível para ti. Terminado o combate, esquece logo
tanto a vitória quanto a derrota.
10º) AMA A TUA PROFISSÃO –
Procura considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te
peça conselho sobre seu futuro, consideres uma honra para ti aconselhá-lo que
se torne advogado.