sábado, 31 de agosto de 2019

Faculdade Estácio de Curitiba - IED - 2019.2 - AULA 3

Direito e Sociedade


A expressão Direito e Sociedade implica inúmeras outras. Por exemplo: Multiplicidade, Conceito, Relação, Indivíduos, Furto, Roubo, Ordem, Paz, Contrato, Autoridade, Sociologia, Estado, Política, Religião, Economia, Antropologia, Psicologia, Moral, Ética, Escola, Família, Educação, Ideologia, Arte, Guerra, Propriedade, Justiça etc..

Vamos tomar de empréstimo algumas análises a seguir.

"Hamid Bdina Neto, sustenta que: O homem vive em sociedade e a relação que se estabelece entre as pessoas está sujeita a conflitos, tornando necessário que regras solucionam suas desavenças. Por isso, somente ao homem inserido num contesto social é que se torna relevante o direito como modo de evitar a necessidade de soluções privadas violentas. Assim sendo, para eliminar ou resolver conflitos e organizar as relações entre as pessoas é que existem normas jurídicas.

O direito tem a função de organizar a sociedade, de manter a sua funcionalidade, evitar que ela se torne instintiva. O ser humano vive em sociedade e é subordinado ao direito que foi criado pelo próprio homem. Muitos autores, filósofos e pensadores escrevem a respeito do indivíduo, sociedade e direito. A seguir fragmentos de seus pensamentos definirão a relação esses três elementos.

A SOCIEDADE E O DIREITO

O filósofo Aristóteles, fundou sua própria escola, o Liceu. Ele ministrava aulas nos jardins, seus alunos aprendiam enquanto andavam em sua companhia, respondiam e formulavam indagações e faziam observações.

O método de Aristóteles era analítico. Para o filósofo conhecer a verdade era sentir o mundo. Ele jamais procuraria uma verdade universal e sim observaria as características e as explicaria detalhadamente. Para Aristóteles a observação deveria ser cuidadosa, analisando os fatos da vida com prudência. A respeito do homem em sua obra A Política dizia: É evidente, pois, que a cidade faz parte das coisas da natureza, que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade, e que aquele que, por instinto, e não porque qualquer circunstância o inibe, deixa de fazer parte de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem. Tal indivíduo merece, como disse Homero, a censura cruel de ser um sem família, sem leis, sem lar. Porque ele é ávido de combates, e como as aves de rapina, incapaz de se submeter a qualquer obediência. (ARISTÓTELES, 2010, p.13).

A diferença entre o homem e os demais animais, portanto, é que o homem é um animal político, ou seja, vive em sociedade e precisa administrar seus interesses.

Outro autor que escreveu sobre o tema foi Thomas Hobbes. Hobbes era contratualista, porque acreditava que o estado e a sociedade surgiram de um contrato estabelecido entre os homens. Em sua obra Leviatã, ele reconhece que existem diferenças entre os homens, do ponto de vista físico ou espiritual. Mas esta diferença: não é suficientemente considerável para qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. (THOMAS, 1988, p.74).

Esta afirmação de Hobbes revela sua ideia de que os homens faziam um contrato para organizar o Estado e a sociedade, de maneira que todos reunissem suas virtudes e abrissem mão de algumas vantagens pessoais, em benefício de todos os integrantes da sociedade.

Outro pensador que avaliou a condição do indivíduo perante a sociedade foi Freud.

Sigmund Freud nasceu no de 1856 em Freiberg, que fazia parte do império Austríaco e hoje faz parte da República Tcheca. Freud é considerado o pai da psicanálise. Para o psicanalista Sigmund Freud em seu livro Psicologia das massas e análise do eu, o indivíduo é definido como: [...] Membro de uma tribo, um povo, uma casta, uma classe, uma instituição ou como elemento de um grupo de pessoas que, em certo momento e com uma finalidade determinada se organiza em uma massa. (SIGMUND, 2009, p.37).

Mais recentemente, revelou-se importante para a avaliação das atuais características das relações sociais modernas o pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Ele faz uma crítica ao homem contemporâneo: A apresentação dos membros como indivíduos é a marca registrada da sociedade moderna. Essa apresentação, porém, não foi uma peça de um ato: é uma atividade reencenada diariamente. A sociedade moderna existe em sua atividade incessante de “individualização”, assim como as atividades dos indivíduos consistem na reformulação e renegociação diárias da rede dos entrelaçamentos chamados “sociedade”. Nenhum dos dois parceiros fica parado por muito tempo. E assim o significado da “individualização” muda, assumindo sempre novas formas- à medida que os resultados acumulados de sua história passada solapam as regras herdadas, estabelecem novos preceitos comportamentais e fazem surgir novos prêmios no jogo. A “individualização” agora significa há cem anos e do que implicava nos primeiros tempos da era moderna- os tempos da exaltada “emancipação” do homem da trama estreita da dependência da vigilância e da imposição comunitárias. (Zygmunt, 2001, p.39).

De acordo com Aristóteles, o homem se distingue dos demais seres vivos porque é capaz de diferenciar o bem e o mal, o justo do injusto. O filósofo afirma que a prudência e a virtude são conferidas aos homens para que ele não se torne feroz e decida suas ações apenas por amor e por comida. Segundo ele “A justiça é a base da sociedade. (ARISTÓTELES, 2010, p.13).


Mas se a justiça é a base da sociedade, examinar a relação entre a sociedade e o direito depende da apuração do conceito de justiça. A definição de justiça no Dicionário Houaiss: Qualidade do que está em conformidade com o que é direito; maneira de perceber, avaliar o que é direito, justo. Exemplo: Não há como questionar a justiça de sua causa. (HOUAISS, 2009).

Em seu livro Ética a Nicômacos, a respeito da justiça Aristóteles escreveu que: A justiça é a observância do meio-termo, mas não de maneira idêntica à observância de outras formas de excelência moral, e sim porque ela se relaciona com o meio-termo, enquanto a injustiça se relaciona com os extremos. E a justiça é a qualidade que nos permite dizer que uma pessoa está predisposta a fazer, por sua própria escolha, aquilo que é justo, e, quando se trata de repartir alguma coisa entre si mesma e outra pessoa, ou entre duas pessoas, está disposta a não dar demais a si mesma e muito pouco à outra pessoa daquilo que é nocivo, e sim dar a cada pessoa o que é proporcionalmente igual, agindo de maneira idêntica em relação a duas outras pessoas. A justiça por outro lado, está relacionada identicamente com o injusto, que é excesso e falta, contrário à proporcionalidade, do útil ou do nocivo. Por esta razão a injustiça é excesso e falta, no sentido de que ela leva ao excesso e à falta- no caso da própria pessoa, excesso do que é útil por natureza e falta do que é nocivo, enquanto no caso de outras pessoas, embora o resultado global seja semelhante ao do caso da própria pessoa, a proporcionalidade pode ser violada em uma direção ou na outra. No ato injusto, ter muito pouco é ser tratado injustamente, e ter demais é agir injustamente (ARISTÓTELES, 1999, p.101).

Hans Kelsen em seu livro O Problema da Justiça ele diz: A Justiça poderia ser uma aspiração política e filosófica de forte ordem prática, de indispensável e reconhecido fundamento Moral. Todavia, a Justiça não guardaria qualquer relação necessária com a Ciência do Direito ou com o Direito positivo- afinal, ele poderia ser estudado, ensinado e aplicado independentemente de ser ou não justo. (Hans, 1998, p.).

No livro Filosofia do Direito, o jurista Alysson Leandro Mascaro comenta sobre a concepção platônica no livro As leis a respeito do direito: A concepção platônica sobre o justo é muito peculiar e especial. Difere totalmente da visão que o jurista moderno tenha sobre o direito. Para o pensamento de Platão, torna-se muito difícil dissociar direito de justiça, o que é reforçado pelo fato de que a mesma palavra, díkaion, é utilizada de maneira intercambiável no texto platônico para essas duas ideias. (ALYSSON, 2014, p.54).

Como se disse no início do trabalho, agora referendado pelos estudiosos do direito, cabe ao sistema jurídico organizar a sociedade.

A má utilização do direito pode acabar com os direitos humanos. Na 2ª guerra mundial, na Alemanha nazista, milhões de pessoas foram presas e mortas, pelo simples fato de serem, judeus, testemunhas de jeová, homossexuais, ciganos etc. Tais atrocidades foram protegidas pela lei alemã da época. Fazendo o uso da própria lei, após a derrota dos nazistas, eles foram processados, julgados e condenados pelos crimes tinham cometido. A utilização correta da lei traz o que pode ser considerado justiça.
O direito pune, porém não impede o ato de ocorrer. As ações contra a lei são punidas por ela própria. Sabemos que o direito atribui ao Estado o poder coercitivo, conferindo-lhe a exclusividade do uso da violência. Por intermédio da punição prevista na lei e que todas as pessoas conhecem, são aplicadas penas consideradas justas aos que praticam crime. Esta lógica tem por objeto a proteção de toda a sociedade.

O direito é uma invenção do ser humano, da sociedade, ele é um fenômeno histórico arraigado nas sociedades. A estrutura do direito tem especificidade no capitalismo. O direito vem em razão social e visa trazer a justiça. Sem a sociedade não existe o direito e sem o direito a sociedade torna-se desordenada. No livro Elementos Da Teoria Geral do Estado, o autor Dalmo de Abreu Dallari explica a origem da Sociedade: A vida em sociedade traz evidentes benefícios ao homem, mas, por outro lado, favorece a criação de uma série de limitações que, em certos momentos e em determinados lugares, são de tal modo numerosas e frequentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana. (DALMO, 1971, p.7).

Jean-Jacques Rousseau em sua obra O Contrato Social, escreveu a respeito da preocupação não só com a celebração, mas com a preservação da soberania política da vontade geral. Além disso ele escreveu a respeito da sociedade dizendo que: É a família, portanto, o primeiro modelo das sociedades políticas; o chefe é a imagem do pai, o povo a imagem dos filhos e havendo nascido todos livres e iguais, não alienam a liberdade a não ser em troca da sua utilidade. Toda a diferença consiste em que, na família, o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que estes lhe dão, ao passo que, no Estado, o prazer de comandar substitui o amor que o chefe não sente por seus povos. (JEAN, 1999, p. 22).

No livro A Sociedade Dos Indivíduos, o autor Norbert Elias observou o seguinte: A sociedade, como sabemos, somos todos nós; é uma porção de pessoas juntas. Mas uma porção de pessoas juntas na Índia e na China formam um tipo de sociedade diferente da encontrada na América ou na Grã-Bretanha; a sociedade composta por muitas pessoas individuais na Europa do século XII era diferente da encontrada nos séculos XVI ou XX. E, embora todas essas sociedades certamente tenham consistido e consistam em nada além de muitos indivíduos, é claro que a mudança de uma forma de vida em comum para outra não foi planejada por nenhum desses indivíduos. Pelo menos, é impossível constatarmos que qualquer pessoa dos séculos XII ou mesmo XVI tenha conscientemente planejado o desenvolvimento da sociedade industrial de nossos dias. Que tipo de formação é esse, esta “sociedade” que compomos em conjunto, que não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem tampouco por todos nós juntos? Ela só existe porque existe um grande número de pessoas, só continua a funcionar porque muitas pessoas, isoladamente, querem e fazem certas coisas, e no entanto sua estrutura e suas grandes transformações histórias independem, claramente, das intenções de qualquer pessoa em particular. (NORBERT, 1994, p.13).

Anthony Giddens em seu livro As Consequências da Modernidade procura apontar um conceito de sociedade: O conceito de “sociedade” ocupa uma posição focal no discurso sociológico. “Sociedade” é obviamente uma noção ambígua, referindo-se tanto à “associação social” de um modo genérico quanto a um sistema específico de relações sociais. Preocupo-me aqui apenas com o segundo destes usos, que certamente figura de uma maneira básica em cada uma das perspectivas sociológicas dominantes. Embora os autores marxistas possam às vezes favorecer o termo “formação social” em relação à “sociedade”, a conotação de “sistema fechado” é análoga.
Nas perspectivas não marxistas, particularmente aquelas relacionadas à influência de Durkheim, o conceito de sociedade com a qual virtualmente todo manual se inicia- “sociologia é o estudo das sociedades humanas” ou “sociologia é o estudo das sociedades modernas”- expressa claramente esta concepção. Poucos, se é que os há, autores contemporâneos seguem Durkheim tratando a sociedade de uma maneira quase mística, como uma espécie de “super-ser” ao qual os membros individuais exibem bem apropriadamente uma atitude de reverência. Mas a primazia da “sociedade” como a noção central da sociologia é muito amplamente aceita. (ANTHONY, 1991, p.21).

Em seu livro Introdução ao Estudo do Direito o jurista Alysson Leandro Mascaro explica o que é o direito, tendo como base filósofos e pensadores. Uma das definições que o autor dá a respeito do direito em seu livro é: O direito é compreendido como uma forma normativa porque os Estados no capitalismo, assumem o papel de garantir politicamente a reprodução social tornando-se distintos daqueles que dominam economicamente a sociedade. Os Estados operam normativamente. Mas não é a norma que fez o direito. A norma é uma forma pela qual o direito se exprime, mas a forma de sua constituição e de sua operacionalização advém diretamente de estruturas sociais concretas. (ALYSSON, 2013, p.66).

Para ele também: O direito é, essencialmente, um fenômeno histórico. Em sua evolução houve vários entendimentos a respeito de sua identificação. Se os antigos romanos chegavam a dizer que o direito é uma arte, no mundo moderno não se diz o mesmo, pois o direito agora está mergulhando em formas sociais necessárias e procedimentos já estabelecidos previamente, regulados por normas, hierarquias e técnicas. Assim se quiséssemos captar numa mesma ciência duas abordagens distintas sobre fenômenos também distintos, essa ciência estaria prejudicada. (ALYSSON, 2013, p.32).

Além disso Alysson Leandro Mascaro diz: O direito apresenta-se como um vasto campo de relações que devemos analisar e, para isso, são necessárias inúmeras ciências que venham, em conjunto e aglutinadas entre si, definir certos objetos que historicamente possam ser nomeados por “jurídicos”, e a partir daí entender suas razões estruturais. É preciso reconhecer que a técnica que permeia as normas jurídicas é grande parte desses objetos, mas não tudo. Por isso uma ciência do direito ou é um conhecimento amplo, dialético, envolvendo várias ciências e analisada dentro da história social, ou então ela será um conhecimento empobrecido, meramente técnico e restrito. (ALYSSON, 2013, p.36).

Em seu sentido como ideologia Alysson Leandro Mascaro escreveu nesse mesmo livro dizendo que: No seio das relações sociais, a forma jurídica estabelece uma dominação não só por meio das suas estruturas técnicas, mas também por meio da sua ideologia. Quando o direito das sociedades capitalistas, por meio das suas normas, declara que todos são iguais perante a lei, na verdade está procedendo uma dominação ao mesmo tempo técnica e ideológica. Técnica porque está excluindo o privilégio da nobreza, por exemplo, e tratando de maneira formalmente igual ao contratante e ao contratado, e isso é de interesse ao capitalismo, na medida em que o Estado executará a qualquer um que contratar caso não cumpra o contrato. Ideológica porque deixa entender uma igualdade que só é formal, mas não concreta. Ao tratar igualmente o capitalista e o proletário, o direito nivela, com a mesma medida, dois sujeitos desiguais, sem igualar suas condições. Assim ao invés de demonstrar a desigualdade real entre as partes o direito esconde. (MASCARO, 2013, p.30).

O autor do artigo Justiça, Política e Direitos Humanos: As instituições Jurídicas e a Manutenção do Justo Meio na Esfera Política, Arthur Roberto Capella Giannattasio, mostra que o direito é um instrumento garantidor e fundamental para os Direitos Humanos, mas que se utilizado de maneira abusiva e maliciosa pode acabar com os Direitos Humanos.

No artigo, o autor invoca o pensamento de Hans Kelsen: Hans Kelsen (2000), conforme apresentado em sua Teoria Pura do Direito. Para o autor, Direito seria um conjunto de normas- isto é, de uma posição normativa (dever-ser) fruto da vontade do legislador- objetivamente reconhecidas como obrigatórias. A juridicidade delas adviria do fato de elas deterem nelas (normas primárias), ou em normas a elas correlatas (normas secundárias), uma sanção coercitiva. O Direito poderia ser resumido, grosso modo, como ordem coercitiva. (GIANNATASIO,, p.3).

O mesmo autor aponta a concepção de direito para Miguel Reale: Para este autor, o Direito seria Manifestação de experiência cultural em que há uma específica relação dialética entre três fatores componentes do Direito: fato, valor e norma. Estes jamais permanecem estagnados em seus campos de abrangência e restam permanentemente implicados em uma constante relação tensa entre fato e valor, de onde resulta o momento normativo. É este terceiro elemento (norma) que fornece uma solução superadora e integrante nos limites circunstanciais de lugar e de tempo, que une os dois mundos (natureza e valor). Na distinção entre Direito e Moral, o primeiro seria bilateral (dois polos), atributivo (exigibilidade de condute entre homens), coercível e heterônomo, ao passo que a última seria apenas bilateral, não pressupondo exigibilidade de conduta entre homens (atributividade), nem impositividade (coercitividade). (GIANNATASIO, 2015, p.4).

Outro autor por ele citado é Emil Lask, ele diz que: Para Emil Lask (FERRAZ JR, 1976), o Direito é seria fruto da relação- ou a própria relação- entre a realidade empírica e os resultados do processo de aprimoramento cultural de uma sociedade (valores relevantes ou “significações culturais”), a qual estaria em contínuo desenvolvimento histórico no interior de forma jurídica- a norma seria o resultado de tais sínteses culturais, ou ainda a expressão mais imediata de tais sínteses (as sínteses elas mesmas tornadas dever-ser). No embate entre Direito e Moral, o primeiro se diferenciaria por deter maior probabilidade de cumprimento. (GIANNATASIO, 2015, p.4).

Arthur Roberto Capella Giannattasio a respeito de Gustav Radbruch diz que o autor: [...] Apresenta, em sua Filosofia do Direito, a percepção de que o Direito seria um fato, uma realidade, precisamente por ser uma obra humana- isto é, um bem cultural, o qual teria sido constituído em função do valor Justiça. A diferença entre Direito e Moral seria dada pela seguinte distinção: uma ação seria considerada jurídica quando fosse considerada boa para a vida em comum, ao passo que a ação seria reputada moral quando fosse boa em si mesma. (GIANNATASIO, 2015, p.4).

Na conclusão de seu artigo o autor Arthur Roberto Capella Giannattasio fala o que seria em sua visão o direito ideal: Longe de simplesmente seguir o “dar a cada o que é seu” por meio do direito, a instauração de um Direito Político poderia conferir condições institucionais outras para realizar o ideal de Justiça. Conforme proposição adotada por este trabalho, uma sociedade justa seria aquela que teria recebido uma disposição justamente ordenada das possibilidades de influência nos processos de decisão política fundamentais. Ou ainda, uma sociedade que preserva no meio o local do Direito e do Poder, sem hipostasiar a posição normativa de qualquer dos termos fundamentais opostos na cidade. (GIANNATASIO, 2015, p.23).

CONCLUSÃO

A pesquisa sobre as concepções de sociedade e direito, como revelam as análises e a pesquisa da obra dos autores cujo pensamento foi invocado no texto demonstram a relevância do direito para a busca de uma sociedade organizada e justa. Por intermédio do direito, o homem pode organizar suas relações conflituosas e manter um contrato social em que se busque de modo renovado o fim último que é, na concepção de Aristóteles a construção de uma sociedade justa.".

Em Francesco Carnelutti (Como Nasce o Direito - I Direito e Economia): "Ao começar a falar-lhe noutro dia, apresentei o exemplo de alguém que, ao passar diante de uma frutaria rouba ou compra uma maçã. Estes atos, do roubo ou da compra, são jurídicos: porém, antes que ao campo do direito, pertencem ao da economia.

São atos econômicos todos aqueles mediante os quais os homens tratam de satisfazer suas necessidades. A palavra economia, que vem do grego, até expressa literalmente essa ideia, porquanto oikos quer dizer 'casa'. A casa é um direito fundamental do homem, e até da sociedade, já que provê o ambiente dentro do qual a família, que é a célula da sociedade, pode realizar o milagre da propagação da espécie mas, sobretudo, o da formação do indivíduo.

As necessidades dos homens são ilimitadas, e os bens são limitados. Contraditoriamente, enquanto satisfazem certas necessidades, os bens estimulam outras. Para distinguir o homem dos demais animais, a fórmula mais satisfatória é dizer que o homem nunca está contente. Quanto mais tem, mais quer ter. Por isso é que os homens, como ocorre com as nações, fazem a guerra.

Agora temos que saber o que é a guerra. A ideia que temos dela costuma ser crua e aproximativa. Mesmo a ciência não se preocupa em defini-la exatamente. Quem fala de guerra pensa em dois povos que se combatem com armas.

Essa é, diríamos, a guerra vista com o telescópio. Para compreender o que é a guerra, é preciso empregar, contudo, também o microscópio. Vista de perto, adverte-se que o conceito de guerra depende do conceito de propriedade.

Também a propriedade é um fenômeno econômico, em vez de jurídico. É singular que ele também, como a economia, estabeleça relação com a casa; em latim, o vocabulário correspondente a propriedade é "dominium", e este vem de domus, que quer dizer 'casa'. O fato econômico é aquele em virtude do qual alguém, quando tomou algum objeto que lhe serve para satisfazer uma necessidade, quer reter para si esse objeto: o esforço para tomá-lo se prolonga no esforço para conservá-lo. 

Estabelece-se uma relação física entre o homem e o bem, o qual fica retido sob seu domínio, o
u seja, na esfera submetida a sua força física. Observa-se, nele, uma vinculação entre casa e o corpo do homem, que é o que lhe pertence mais do que qualquer outra coisa. Forma-se, em torno do indivíduo, uma espécie de círculo ou de recinto, que é precisamente a "domus", a casa, entendida não só como abrigo, mas também como conjunto de coisas que lhe servem para a vida.

A divisa da economia é, felizmente, homo homini lupus ['o homem, para o homem, um lobo'].

Economicamente, o homem se comporta a outro homem como um animal de presa. Em vez de permanecer, cada um, com o que conseguiu apreender, vê-se tentado a roubar do outro. A guerra não é, em sua raiz, mais que esse ato de roubar. É invasão do domínio, em outras palavras. Os limites entre o patrimônio de um homem e o de outro homem, em vez de serem respeitados, são violados.

Não devemos crer, pois que, a guerra se combate unicamente entre os povos e só com armas. À guerra macroscópica, corresponde a guerra microscópica. Também o furto tem a essência da guerra, e não só o roubo, que é o furto com violência, mas também o furto com destreza. Antes de acontecer entre povos, a guerra ocorre entre indivíduos. Se nos parecem estranhas a vinculação e até a identidade entre furto e a guerra, é porque consideramos esse fato sob o aspecto jurídico, e não sob o econômico. Mas, se não começarmos pela economia e, portanto, não desenvolvendo o conceito de guerra em toda a sua amplitude, não compreenderemos o direito. Observemos, então que a guerra produz desordem, ou melhor ainda, é desordem. Da ordem, ideia fundamental para compreender o mundo e a vida, basta falar de forma simples: há desordem quando as coisas não estão em seu devido lugar. Sabem que a guerra se resume na desordem? Recordam-se do que era a Itália há pouco menos de dez anos? Não se podia viver naquele caos.

O segrado de direito está precisamente nisto: que os homens não podem viver no caos. A ordem lhes é tão necessária como o ar que respiram. Como a guerra corresponde à desordem, a ordem corresponde à paz. A guerra, pois, não termina com a paz, mas tende a esta. O que põe fim à guerra é o pactum, e a raiz de pacto é pax. Outra palavra expressiva é contrato, que no fundo, quer dizer o mesmo: colocando fim à guerra, os homens, ao invés de estarem uns contra os outros, tratam de ficar juntos.
Também o contrato, como a propriedade, é um fenômeno econômico, antes que jurídico. Ao combaterem, os homens alegam que têm necessidade uns dos outros. O homem é essencialmente sociável. Em outras palavras, homem e sociedade são dois lados de uma mesma moeda. Robinson Crusoé é o fruto da fantasia de um novelista, porém se colocou ao lado de Viernes, sem o qual não poderia ter feito uma novela sequer. Necessidade de paz e necessidade dos demais homens é a mesma coisa. Como o domínio, como a guerra, assim também o tratado de paz é, portanto, um produto da economia pura.

Porém, enquanto se mantém no terreno puramente econômico, o contrato não oferece, à paz, nenhuma garantia. Economicamente, o contrato é a expressão de um equilíbrio alcançado pelas forças contrárias dos combatentes. Em uma luta, chega-se inevitavelmente ao ponto morto, quando algum dos dois tem a sensação de não poder obter um resultado melhor do que o já alcançado, de maneira que seguir combatendo redundaria somente em perda. Então, os combatentes fazem a paz. Mas esta é uma expressão eufórica, que não corresponde à realidade. Com efeito, mais do que de paz, trata-se de uma trégua. De fato, quando, depois do necessário repouso, um dos adversários acredita ter forças que lhe permitem melhorar a situação estabelecida pela trégua, reinicia-se a luta. No campo da economia, portanto, nunca há paz verdadeira. Toda a história da economia é uma sucessão de lutas e tréguas, pois a pausa entre duas guerras não é a paz verdadeira.

A conclusão que tiramos disso é que a economia não é suficiente para colocar ordem entre ps homens e satisfazer, assim, o que constitui a necessidade suprema do indivíduo e da sociedade.
Em (Como Nasce do Direito - II - Direito e Moral).

Se quiséssemos resumir em uma breve fórmula as razões pelas quais os homens não conseguem viver em paz no terreno da economia, poderíamos dizer que a economia é o reino do eu, ou seja, do egoísmo. No terreno da economia, encontram-se os diversos egoísmos, tanto dos homens quando dos povos. Por isso, é, por si mesmo, o reino da desordem.

Para por ordem no caos econômico e, desse modo, fazer com que os homens vivam em paz, é necessário substituir o egoísmo pelo altruísmo, o eu pelo tu. Se a economia é o reino do eu, o reino do tu é a moral. Em relação a isso, falou Kant sobre o respeito; porém, a fórmula cristã, incomparavelmente mais clara e vigorosa, propõe o amor ao próximo como solução do problema. É evidente que, se quem tem dá espontaneamente a quem não tem, amando-o como a si mesmo, e, se quem recebe se contenta com o recebido, porque também este indivíduo responde como amor, desaparece a guerra.

Da mesma maneira, é claro que, quando se compõem, no amor, os conflitos de interesses entre os homens, já não há lugar ao emprego da força para estes sejam contidos. Por isso, a moral, como reino que é do amor, é também o reino da liberdade. 

Tudo isso é fácil de dizer; todavia, quando se trata de colocar em prática, hic sunt leones ['aqui há leões']. Cristo ensinou que o amor ao próximo e o amor a Deus se implicam reciprocamente, daí que o amor ao próximo seja a perfeição do homem. Mas quanto é necessário para ser perfeito? Amar o outro quer dizer identificar-se com ele, colocar o outro no mesmo nível que a si mesmo. E isso não pode ser menos do que a meta do percurso, longo e penoso, à qual, salvo exceções de certos caracteres privilegiados, os indivíduos, como os povos, não podem chegar senão mediante um lento processo de toda a vida. Mas e até lá?


A necessidade que os homens têm de eliminar a guerra é imediata. É necessário, a qualquer custo, por ordem no caos. Se o amor ainda não germina na terra, é preciso encontrar um substituto. Se quem tem não dá espontaneamente a quem não tem, deve-se convencer o primeiro a fazê-lo. É preciso inventar algo que consiga, a respeito da economia, os mesmos efeitos que a moral. E, se não forem os mesmos, paciência, ao menos se possam aproximar deles. Esse substituto da moral é o direito. Tem-se, então, uma ponte entre a moral e a economia; conclui-se uma espécie de compromisso entre elas. Porém, logo será explicado como isso pode ocorrer.

Todos compreendem que acontece assim: se quem tem não dá a quem não tem, antes que se inicie a guerra entre eles é preferível que alguém tire de quem tem para dar a quem não tem. Mas quem será esse alguém? 

Não há resposta se não se parte do fato de que os homens são distintos entre si: mais ou menos fortes, mais ou menos jovens, mais ou menos inteligentes, mais ou menos belos, mais ou menos bons, e nunca é idêntica a medida do "mais" ou do "menos". Inclusive nas sociedades primitivas, há indivíduos privilegiados, que exercem naturalmente sobre os outros, que a função de chefe ou de cabeça. Menemio Agripa, com o famoso apólogo, se aproximou da verdade mais do que creram ele mesmo e os demais. A sociedade tem uma cabeça  pela mesma razão por que a tem o corpo humano. Não é que a sociedade se assemelhe a um organismo vivo: ela é um organismo vivo. A sociologia é um capítulo da biologia. A cabeça, entre outras coisas, vê e ouve, enxerga e escuta. É singular o parentesco filosófico entre "caput y capio", de que vem nosso "capire", 'captar' ou 'compreender'. O chefe capta ou compreende mais que os demais, ou melhor ainda, capta ou compreende pelos demais.

O que a cabeça ou o chefe compreende é, simplesmente, aquilo que deve eliminar a guerra. Sua compreensão é lenta e cansativa. Geralmente, sente a necessidade de eliminar a guerra para fazer a guerra: jogo de palavras que se esclarece precisando: eliminar a guerra entre os seus, para fazer a guerra contra os demais. A história, incluindo a pré-história, demonstra que a guerra vai, progressivamente, deslocando-se dos indivíduos aos povos. Os romanos, por exemplo, para guerrear contra os demais povos e conquistar pouco a pouco, não só na Itália, mas boa parte do mundo então conhecido, teria necessidade de ordem interna. "Concordia minimae res crescunt, discordia maximae dilabintur" ["Pela concórdia, as coisas mínimas crescem; pela discórdia, até as maiores sucumbem"], dizia sua sabedoria. Se não tivessem permanecido concordes e unidos, não teriam podido impor-se aos demais povos.

No entanto, para que os romanos se impusessem aos outros povos, era necessário que alguém se impusesse aos romanos. Posto que estes não tinham em si uma dose de moralidade suficiente para abster-se espontaneamente da guerra entre si mesmos, era necessária uma cabeça para que fizessem por força o que não sabiam fazer por amor. A imposição, naturalmente, não pode ser mais que o efeito de um mandato. O chefe é aquele que manda (iubet). Precisamente em sua denominação (ius), o direito se vincula à ordem. E o que é uma ordem?

Antes de tudo, um preceito: é uma indicação de uma conduta a ser seguida: "faça isto", "não faça aquilo". Trata-se de uma indicação que, por si só, pode persuadir quem a recebe; no caso, quem a faz, é um verdadeiro chefe e, como tal, está provido de autoridade. Porém, quando se trata de seus interesses, e sobre tudo dos referentes ao patrimônio, é difícil que um homem se preste ao sacrifício de não procurar sua própria satisfação ou de pelo menos, limitá-la.

Por isso, embora pareça suficiente, nem sempre o preceito basta; inclusive, em várias circunstâncias, não bastaria se não estivesse reforçado por uma ameaça à qual se dá o nome da sanção. Dessa maneira, passa a ser uma ordem: se você fizer o que eu lhe poíbo que faça, será castigado; se você não der o que lhe é ordenado que dê, perderá o que tem. A sanção introduz a força na noção de direito, porque, naturalmente, enquanto não se obedece ao preceito, necessita-se da força para ser posta em ação. Esse elemento da força constitui a verdadeira diferença entre o direito e a moral, daí a naturalidade do direito, em comparação com a sobrenaturalidade da moral. Por essa razão, o direito nasce sob o signo da contradição: serve-se da guerra para combater a guerra: para que o bandido não ataque o transeunte, o policial ataca o bandido.

Contudo, se o policial distingue o direito da moral, o uniforme distingue o guarda do bandido, precisamente porque o bandido faz apenas economia, ao passo que o policial  faz direito, porquanto este ostenta o signo da dignidade que tem. Isso quer dizer que, se o meio de que ambos se servem é sempre a força, o propósito ao qual se dirigem é diverso: o bandido combate para si, e o policial pelos demais. O direito é, pois uma combinação de força e de justiça, motivo pelo qual exibe aquele emblema em que a espada está ao lado da balança.".

Em Flávio Fernando de Souza (Ensaios entre Filosofia e Educação): "O que torna a escola imprescindível numa sociedade é a necessidade de uma ponte intencional e sistemática entre o passado e o futuro. Ela é um ponto de passagem de uma geração para a outra, a partir da transmissão de um patrimônio simbólico comum, de uma tradição, o que dá aos professores a legitimação do que fazem. [...] A escola, enquanto construção histórica e social, constitui um sistema aberto que interage com seu entorno a todo tempo, conformando-se a diversas circunstâncias e contextos temporais, geográficos e culturais."

Em Juliana Fischer de Almeida (Ensaios entre Filosofia e Educação - Cidadania e Comunidade em Rousseau: A Educação no Auxílio à Formação da Consciência Cívica):" As relações entre os cidadãos são traduzidas pela mútua cooperação e pela participação deles na comunidade. [...] A autentica República é aquela em que a autoridade soberana reside na vontade geral, sendo uma condição formal e não material da ordem social, pois o conteúdo de cada sistema legislativo dependerá dos mais variados tipos de sociedade. É a própria condição formal da vontade geral que delimitará as instituições positivas, ou seja, constituídas para serem legitimas, preservando a essência humana, qual seja: a liberdade. [...] Quando se obedece à vontade geral, a dependência pessoal inexiste, não havendo necessidade de dominar o outro. O cidadão que obedece à lei não depende da vontade diferente da sua, pois pertence a um corpo do qual ele é membro e não tem a intenção deliberada de prejudicar a si mesmo. É nesses moldes que o homem é livre. [...] O indivíduo, para se tornar um cidadão da República, aos moldes do pensamento de Rousseau, deve amar a pátria e não servir aos interesses do poder político que não levam em consideração a natureza humana; deve tornar sua felicidade e liberdade indissociáveis do bem geral, fazendo com que a consciência de uma virtude cívica forme a plenitude do seu ser, não como ser humano, mas como cidadão de uma pátria. [...] Para se construir uma República, segundo pensamento rousseauniano, não bastam os preceitos políticos, mas os critérios antropológicos e pedagógicos devem estar presentes.".

Em Tiago Eurico de Lacerda (Ensaios entre Filosofia e Educação): "Segundo Almeida "a sublimação das pulsões de destruição confunde-se, ela também, com a arte enquanto jogo, ilusão, mentira, logro, engano ou ficção necessária". [...] Nietzsche pensa agora a arte na sua possibilidade de afirmação (e celebração jubilosa) do humano de forma integral. Ou seja, a arte pode libertar o homem da seriedade e do peso diante da vida e por isso o filósofo menciona a necessidade de uma "arte dançante" (GC, 107), para o homem possa, por si mesmo, pairar e dançar acima da moral que quer determinar de forma fixa aquilo que é o homem e a vida, afastando-o de sua própria vivência e experimentação de si mesmo. A ideia se encontra presenta no aforismo 278, no qual Nietzsche fará uma analogia da dança, falando da necessidade de que a "alta cultura" ou a "grande cultura" precisa do esforço e da disciplina (traduzidos pela ideia de "força e flexibilidade") da dança: tal como a cultura precisa do rigor da ciência e das ilusões "da poesia, da religião e da metafísica" (HH, 278). Assim o mesmo movimento que leva o homem à destruição e desconhecimento de si mesmo pode encontrar seu gozo nas pulsões de arte para criar e (re) interpretar a vida a todo instante.".

Em Eduardo Couture (Os Mandamentos do Advogado): "Como arte, tem suas regras e estas, como todas a regras da arte, não são absolutas, mas, ao contrário, ficam confiadas à inesgotável aptidão criadora do homem. O advogado foi feito para o direito; não o direito para o advogado. A arte de manipular as leis sustenta-se, acima de tudo, na excelsa dignidade da matéria confiada às mãos do artista. [...] Como ética, a advocacia é um exercício constante da virtude. A tentação passa sete vezes por dia pelo advogado. Este pode fazer de sua missão, como já foi dito, a mais nobre de todas as profissões, ou o mais vil de todos os ofícios." "Procura considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te peça conselho sobre seu futuro, consideres uma honra para ti aconselhá-lo que se torne advogado.".

Faculdade Estácio de Curitiba - IED - 2019.2 - AULA 2

A HISTÓRIA DO PENSAMENTO JURÍDICO


Segundo Alysson Leandro Mascaro (Introdução ao Estudo do Direito, 3ª edição, São Paulo, Atlas, 2012, p. 1/2): "A primeira dificuldade para delimitar o conceito de direito reside no fato de que, em geral, o jurista quer partir de suas próprias definições e de ideias abstratas e vagas para, apenas depois, encontrar uma realidade que se adapte às suas teorias. Mas o procedimento deve ser justamente o contrário. É preciso investigar fenômenos concretos e, a partir deles, alcançar uma concepção teórica posterior.
Para entendermos o fenômeno jurídico, é preciso, acima de tudo, utilizar-se da ferramenta da história. Sem ela, as definições sobre o direito serão vagas e sem lastro concreto.
Durante muito tempo, chamou-se por direito aquilo que hoje chamaríamos por religião, ou mesmo por política. Quem dirá que os Dez Mandamentos da Bíblia são um monumento jurídico? Mas quem poderá dizer que são um conjunto de normas só religiosas e não jurídicas? Na verdade, em sociedades do passado, como a hebreia, não há algo que especificamente seja chamado por direito e que seja totalmente distinto da religião, por exemplo.
Somente quando se chegou aos tempos modernos - quando começou a separação teórica entre direito, política e religião, por exemplo - é que foi possível entender que não houve, naqueles tempos passados, um direito tomado de modo específico.
Mas essa indistinção dos tempos passados não foi algo que aconteceu apenas com o direito. Entre a moral e a religião também se deu o mesmo. O iluminismo, um movimento filosófico do século XVIII, demonstrou que seria possível compreender a moral independentemente da religião. Para os iluministas, poderia haver uma moral racional válida para todos os homens, universal e superior, independente da religião de cada qual. Mas para os povos do passado essa separação seria muito difícil. Moral e religião estavam misturadas. Só os tempos modernos, devido a certas condições e estruturas sociais, como a organização capitalista, deram especificidade à religião, à moral, à política, à economia e também ao direito.
Assim sendo, é o presente que nos ajuda a entender as dificuldades do passado. Se hoje o jurista considera o direito a partir das normas jurídicas estatais, com uma série de ferramentas, temas e consequências próprias, no passado tudo isso poderia ser objeto da religião, sem que houvesse uma definição dos campos específicos.
Comparado ao passado, o direito ganha especificidade apenas no capitalismo, a partir da Idade Moderna. Se no passado o direito era inespecífico, misturado à moral e à religião, no presente ele se revela como algo distinto, um fenômeno singularizado. Mas, mesmo assim, a questão ainda permanece, posta agora em outro, patamar, mais profundo. Se é somente nos tempos modernos que o direito passa a ser um fenômeno específico, então o que identifica em si o direito de nosso tempo, a fim de que seja distinguido de todos os demais fenômenos sociais?
A qualidade de direito
Propugnemos um entendimento do direito a partir da soma de duas perspectivas de identificação. É preciso compreender as coisas que são quantitativamente jurídicas e aquilo que qualitativamente as torna como tais; O direito cobre muitos assuntos - homicídio, roubo, compra e venda, tributos, proteção ao trabalhador. Mas, além de se referir a muitos temas, o direito lida de modo específico com esses próprios temas. Por isso, é a qualidade de direito o grande identificador do fenômeno jurídico moderno. Quando se diz que o manejo do solo pode ser um tema jurídico, isso não quer dizer que a agricultura tenha que ser necessariamente regulada juridicamente. O direito, se também chega às questões agrícolas, o faz por vias distintas daquelas que são as tradicionais de um agrônomo.
Como muitas coisas podem ser jurídicas - a propriedade, as relações de trabalho, a atividade mercantil, os costumes, a educação, a legislação aérea, a previdência social, o direito administrativo -, não é pelo assunto de que trata o direito que se o identifica. Se muitos assuntos podem ou não podem ser considerados jurídicos, o passo científico mais decisivo para compreender o direito não é, então, entender quais temas são jurídicos (a sua identificação quantitativa), mas, sim, quais mecanismos e estruturas dão especificidade ao direito perante qualquer assunto (a sua identificação qualitativa).
A religião pode falar sobre tudo, disciplinar muitas condutas. O direito pode também legislar sobre as mesmas condutas. Mas o direito procede de um modo e a religião de outro. São estruturas distintas, que se relacionam diferentemente com os objetos. Não são objetos nem temas específicos que identificam o direito, e sim determinados tipos de relação desses objetos e temas com outras certas situações sociais. Todos os assuntos podem ser jurídicos quando haja estruturas jurídicas que os qualifiquem.
No passado, não havia uma qualificação dos assuntos como estritamente jurídicos ou religiosos, porque seus mandos se intercambiavam e se confundiam. Somente num certo tempo histórico essa especificidade apareceu, a partir de determinadas relações sociais e econômicas. Nesse momento, deu-se a transformação qualitativa do fenômeno jurídico. Tal transformação se deu com o capitalismo. Como este modo de produção apareceu apenas muito modernamente, pode-se dizer que os instrumentos do direito apenas nos tempos mais próximos da história ganharam especificidade. Ao se ver a inespecificidade do direito nos modos de produção do passado, resta clara a ligação específica que há entre o direito e o capitalismo.
Em modos de produção primitivos, pré-capitalistas, o direito era muito similar a uma ação ocasional, artesanal. Davam-se soluções para casos quaisquer de acordo com o poder, a força e as habilidades individuais daquele que mandava, e tais soluções não se repetiam em outros casos parecidos. No capitalismo o procedimento é diverso. O comércio, a exploração do trabalho mediante salário, a mercantilização das relações sociais, tudo isso deu margem a um tratamento do direito como uma esfera social específica, eminentemente técnica, independente da vontade ocasional das partes ou do julgador.
Com o capitalismo, o direito passa a ocupar específico no todo da vida social. Essa instância jurídica é o local no qual um ente aparentemente distante de todos os indivíduos, o Estado, se institucionaliza e passa a regular uma pluralidade de comportamentos, atos e relações sociais.
No escravagismo e no feudalismo, que são anteriores ao capitalismo, não há especificamente uma instância jurídica. Não há uma qualidade de relações que seja só jurídica em meio ao todo da vida social. A religião ordena, regula e manda, e da mesma maneira o rei, o senhor feudal ou o senhor de escravo. Se pensássemos que a totalidade das relações sociais fosse um edifício de vários andares, não há um andar específico para o direito. No capitalismo, passa a havê-lo. E, no edifício das relações sociais capitalistas, o direito é o andar mais próximo e contíguo ao pavimento do Estado.
É possível afirmar, então, que passa a haver uma específica manifestação social que se identifica como direito a partir do capitalismo. E esse fenômeno jurídico é tão peculiar ao capitalismo que aquilo que se chamar como direito pré-capitalista tarnar-se-á praticamente irreconhecível em face do atual direito. Quando com os olhos de juristas de hoje olhamos o direito da Bíblia, por exemplo, não o reconhecemos como tendo a mesma estrutura jurídica presente. De fato, ele é outro, diretamente misturado com a religião, e o nosso moderno, capitalista, não.
Essa transformação histórica qualitativa, que é oriunda dos movimentos mais básicos da atividade capitalista, foi a responsável pela especificidade do direito em face dos demais fenômenos sociais. É o capitalismo que dá ao direito a condição de fenômeno distinto do mando do senhor feudal, do mando da igreja, da crença em ordens sagradas. O capitalismo dá especificidade ao direito.
No capitalismo, inaugura-se um mundo de instituições que sustentam práticas específicas de explorações. A célula mínima de tais estruturas de exploração é a mercadoria. Uns vendem e outros compram. A transação comercial somente se sustenta se comprador e vendedor forem considerados sujeitos de direito, isto é, pessoas capazes de se vincularem por meio de um contrato no qual trocam direitos e deveres. A mercadoria acarreta determinados institutos reputados estritamente por jurídicos. Não é a religião nem a moral que os sustenta. Daí surge especificamente o direito. Seus institutos são resultantes diretos das transações mercantis, porque a garantem. Entender o direito a partir do movimento mais simples do capitalismo - as trocas mercantis - é captar o ponto que dá a qualificação específica ao direito moderno.".
Para Stéphane Rials, "Michel Villey (A Formação do Pensamento Jurídico Moderno, 2ª edição, Martins Fontes, 2009, p. XVV), aponta com frequência o jogo dos interesses de classe. [...] A passagem do "feudalismo" (...) para o "capitalismo" (...) talvez atraia menos sua atenção que o declínio da classe cultural clerical (...) e o desenvolvimento - decerto vinculado à modificação das relações econômicas - de uma classe cultural laica. (...) "Cabe-nos, portanto, considerar esse novo mundo cultural que o século XVI suscitou, portador de uma nova concepção da filosofia e do direito. Por que tão nova? Podemos responder que ele nasce de uma nova classe social. Não mais do clero [...]. Doravante, a conjuntura econômico-política permite que os burgueses enriquecidos e alguns nobres libertos de sua antiga tarefa militar constituam um outro tipo de elite culta.
E o resultado da pesquisa de Yuval Noah Harari (Uma Breve História da Humanidade, 30 edição, Porto Alegre-RS, L&PM, 2017), mais profunda, nos informa que: "Por volta de 10.000 a.C., antes da transição para a agricultura, a Terra era o lar de 5 a 8 milhões de caçadores-coletores nômades. No século I, restavam apenas de l a 2 milhões de caçadores-coletores (principalmente na Austrália, na América e na África), mas os 250 milhões de agricultores no mundo fizeram com que esse número continuasse diminuindo.
A grande maioria dos agricultores vivia em assentamentos permanentes; apenas alguns eram pastores nômades. Os assentamentos permanentes faziam com que o terreno da maioria dos povos fosse drasticamente reduzido. [...]
Enquanto o espaço agrícola se reduziu, o tempo agrícola se expandiu. Os caçadores-coletores normalmente não perdiam muito tempo pensando no mês ou no verão seguinte. Os agricultores viajavam, em sua imaginação, anos e décadas no futuro.
Os caçadores-coletores desconsideravam o futuro porque viviam do que havia disponível e somente com dificuldade conseguiam conservar alimentos ou acumular bens. É claro que eles faziam alguns planos. [...] As alianças sociais e as rivalidades políticas eram negócios de longo prazo. Muitas vezes se levava anos para retribuir um favor ou vingar uma ofensa. No entanto, na economia de subsistência da caça e da coleta, havia um limite óbvio a tal planejamento de longo prazo. Paradoxalmente, isso poupava os caçadores-coletores de muitas ansiedades. Não fazia sentido se preocupar com coisas que eles não podiam controlar. [...]
Em consequência, desde o advento da agricultura as preocupações com o futuro se tornaram atores importantes no teatro da mente humana.
O estresse representado pela agricultura teve consequências importantes. Foi a base dos sistemas políticos e sociais de grande escala. Infelizmente, mesmo trabalhando duro, os camponeses quase nunca alcançaram a segurança econômica futura que tanto ansicavam. Em toda parte, brotaram governantes e elites, vivendo do excedente dos camponeses e deixando-os com o mínimo para a sobrevivência.
Esses excedentes de alimento confiscados alimentaram a política, a guerra, a arte e a filosofia. Construíram palácios, fortes, monumentos e templos. Até o fim da era moderna, mais de 90% dos humanos eram camponeses que se levantavam todas as manhãs para trabalhar a terra com o suor da fronte. Os excedentes que produziam alimentavam a ínfima minoria das elites - reis, oficiais do governo, soldados, padres, artistas e pensadores -, que enchem os livros de história. A história é o que algumas poucas pessoas fizeram enquanto todas as outras estavam arando campos e carregando baldes de água. [...]
O punhado de milênios separando a Revolução Agrícola do surgimento de cidades, reinos e impérios não foi tempo suficiente para possibilitar o desenvolvimento de um instinto de cooperação em massa. [...]
Os mitos, como se veio a saber, são mais influentes do que qualquer um poderia ter imaginado. Quando a Revolução Agrícola criou oportunidades para a criação de cidades populosas e impérios poderosos, as pessoas inventaram histórias sobre grandes deuses, pátrias-mães e empresas de capital aberto para fornecer os elos sociais necessários. Enquanto a evolução humana estava rastejando no seu usual ritmo de tartaruga, a imaginação humana estava construindo redes impressionantes de cooperação em massa, diferentes de qualquer outra já vista.
Por volta de 8.500 a.C., os maiores assentamentos do mundo eram vilarejos como Jericó e outros. Em 3.100 a.C, todo o vale do baixo Nilo estava unido no primeiro reino egípcio. Por volta de 2.250 a.C., Sargão, o Grande, construiu o primeiro império, o Acadino. Entre 1.000 e 500 a.C., apareceram os primeiros megaimpérios no Oriente Médio: o Império Assírio, o Império Babilônico e o Império Persa. Eles governavam muitos milhões de súditos e comandavam dezenas de milhares de soldados. [...]
Todas essas redes de cooperação - das cidades da antiga Mesopotâmia aos impérios Qin e Romano - foram "ordens imaginadas". As normas sociais que as sustentavam não se baseavam em instintos arraigados nem em relações pessoais, e sim na crença em mitos partilhados.
Como os mitos podem sustentar impérios inteiros? Examinemos dois dos mitos mais conhecidos da história: o Código de Hamurabi, de aproximadamente 1.776 a.C., que serviu como um manual de cooperação para centenas de milhares de babilônicos na Antiguidade, pois o mais famoso rei babilônico chamava-se Hamurabi, sua fama se deve principalmente ao texto que recebe seu nome: o Código de Hamurabi. Este foi uma coleção de de leis e decisões judiciais cujo objetivo era apresentar Hamurabi como modelo de rei justo, servir de base para um sistema juridico mais uniforme em todo o Império Babilônico e ensinar às gerações futuras o que é justiça e como age um rei justo. As gerações futuras prestaram atenção. A elite intelectual e burocrática da antiga Mesopotâmia canonizou o texto, e escribas aprendizes continuaram a copiá-lo muito depois de Hamurabi morrer e de seu império cair em ruina. O código de Hamurabi é, portanto uma boa fonte para entender o antigo ideal de ordem social dos mesopotâmios; e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, que ainda serve como um manual de cooperação para centenas de milhões de norte-americanos.". Eis aí uma breve narrativa a respeito da formação do pensamento jurídico que atualmente estamos aprimorando.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

FACULDADE ESTÁCIO DE CURITIBA – IED 2019.2 – Apresentação - AULA 1


FACULDADE ESTÁCIO DE CURITIBA – IED 2019.2 – Apresentação

AULA 1

Desde que Charles Bovary ingressou pela primeira vez na Faculdade de Medicina, “o programa de cursos que ele leu no quadro de editais o deixou atordoado: curso de anatomia, curso de patologia, curso de fisiologia, curso de farmácia e de botânica, curso de clínica e de terapêutica, sem contar o de higiene, o de clínica médica, todos nomes dos quais ele ignorava as etimologias e que eram como tantas portas de santuários cheios de majestosas trevas.”

Esteve deve ser o mesmo tipo de sentimento que experimentam o jovem universitário ou a jovem universitária que observa o currículo da Faculdade de Direito: Direito Privado, Direito Público, Antropologia, História, Ética, Psicologia  Aplicada ao Direito, Filosofia do Direito, Economia Política, Ciência Política, Direito Penal, Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Internacional, Teoria Geral do Processo, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito Empresarial, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Previdenciário, Direito do Consumidor, Responsabilidade Civil, Mediação de Conflito. Que ele ou ela não se engane, garante o professor de Walter Yung, da Cátedra de Direito Civil da Universidade de Geneve, quanto à aprendizagem dessas matérias.

Nenhuma dessas matérias com nomes severos representa dificuldade intransponível. Que comece seus estudos com confiança, com uma firme resolução de trabalhar assiduamente: que ele ou ela escute, leia, aprenda, reflita, analise, participe ativamente dos trabalhos, desenvolva o vocabulário jurídico, domine os conceitos jurídicos (o direito requer uma linguagem própria), compare e conseguirá naturalmente dominar todos os conteúdos, hoje aparentemente terríveis mas que, em cinco anos, se lhe terão tornado familiares.

É necessário que o estudante saiba que todas essas ramificações diferentes não são independentes umas das outras, mas que se unem todas a um tronco comum, que é o Direito.
Seja bem-vindo a Introdução ao Estudo do Direito (IED)! Ao longo do semestre lidaremos com temas considerados fundamentais para o desenvolvimento do raciocínio jurídico. Esses temas, por sua vez, orbitarão permanentemente em torno de uma preocupação fundamental do direito que, muitas vezes, também envolve aspectos problemáticos. Servindo-nos de um neologismo, podemos dizer que essa preocupação está vinculada à decidibilidade de conflito, questão que pode levar ao que designaremos como o problema da decisão jurídica.

Que tipo de desafio, então, propõe a IED? A chave para entender essa matéria é percebê-la, desde logo, como uma introdução às estruturas fundamentais do direito e ao pensamento jurídico. IED levanta, assim, uma pretensão de lidar com assuntos que aparecerão em todas as outras matérias da graduação em direito, mas não com os temas que serão especificamente trabalhados em cada uma delas. O olhar de IED está voltado para aquilo que está por trás das leis e da prática daqueles que produzem e aplicam o direito. Discutiremos, nesse sentido, temas como o que é uma norma, como decisões jurídicas são e deveriam ser tomadas, o que garante o caráter sistemático das normas do direito, o que fazer quando o direito não dá uma resposta imediata para determinado problema, leitura expressiva, estudo de casos hipotéticos ou reais, propriedade, igualdade jurídica, separação dos poderes, como resolver casos, a passagem do mundo dos fatos ao mundo do direito, a estrutura do Poder Judiciário. Alguns dos textos que estudaremos são difíceis. Mesmo assim, seja paciente e perseverante em suas leituras.

Por exemplo, que é o Direito? De modo aproximado, o Direito pode ser conceituado como uma regra de conduta dos homens viventes em uma sociedade organizada, ou, de outro modo, o Direito é um produto da vida social. Atualmente, nenhuma coletividade humana pode subsistir sem o Direito. Há relações jurídicas entre países. A natureza do Direito deriva da natureza do homem em si mesmo. O homem só pode ser sujeito de direito e nunca objeto de direito. O homem é um ser dotado de inteligência e vontade, vivendo em sociedade com seus semelhantes. Dessa dupla constatação decorre, ao mesmo tempo, a possibilidade do Direito e a sua necessidade.

O Direito é possível porque os homens têm a faculdade de se conduzirem, isto é, de discernir onde está seu dever e de dirigir suas ações de maneira a realiza-lo. São capazes de compreender as regras pelas quais estão submetidos ou as que eles próprios adotaram e conforme elas querem viver.

Além disso o Direito é necessário, porque é preciso que a vida em sociedade transcorra em ordem. Se não houvesse o Direito, tudo seria incerto e caótico. Não se saberia como regular as próprias ações, porque não se poderia prever as ações dos outros. Não se poderia saber se o veículo que se aproxima circulará por um lado ou outro lado da rua. Mesmo que todos os homens fossem sensatos e virtuosos, teriam necessidade de regras para dirigir sua vida privada e profissional, para organizar o trabalho nas fábricas, nos escritórios ou nos campos, para fazer funcionar o comércio, os mercados, os hospitais, as escolas.

Sem Direito não se poderia casar nem divorciar, nem ser proprietário, nem comprar, nem vender. O Direito não é reservado a grandes ocasiões. É uma prática cotidiana. O Direito, pois, interessa a cada um de nós, até mesmo para viajar de ônibus, ou para consertar a bicicleta.

O primeiro elemento do Direito é o elemento real ou social. O Direito se refere a uma realidade social, a um dado social. Ele não se basta a si mesmo. Existe em função de uma sociedade a administrar. Ele é especialmente o reflexo do estado de uma sociedade humana. O Direito de um país em dado momento, por exemplo o Direito brasileiro no último quartel do século XX, não está suspenso no ar. Não é obra arbitrária de um legislador. As leis de um país devem corresponder às necessidades sociais, morais e econômicas da coletividade que elas devem gerir.

Há também a questão das fontes do Direito e em nosso sistema, a principal delas é a lei.

“As leis, escreveu Montesquieu, devem ser apropriadas ao povo para o qual foram feitas e seria por acaso que as de uma nação pudessem convir a outra”. Este ponto de vista de Montesquieu, em parte, pode estar antiquado, nos dias de hoje, em relação à Europa. No mundo atual, tende-se a ultrapassar as divisas nacionais e aspira-se a estabelecer uma legislação uniforme, acima das fronteiras dos Estados, em certos domínios do Direito. A Organização das Nações Unidas, a Organização Internacional do Trabalho, o Conselho da América Latina de Livre Comércio, a Comunidade Econômica Europeia e outros organismos ainda se esforçam por organizar as regras jurídicas em vigor. É um objeto que será abordado em diversas matérias da Faculdade e os estudantes poderão opinar sobre a questão.

Como se disse, o Direito é, pois, um produto da vida social. Por isso evolui e se transforma sem cessar, apesar da eternidade de certos de seus princípios. No Brasil há a todo momento leis que estão em processo de revisão diante da Câmara dos Deputados, Senado Federal, Assembleias Legislativas Estaduais, Assembleia Distrital e Câmara de Vereadores. A lei Previdenciária, para tomar um exemplo, foi submetida a várias revisões sucessivas para adaptá-la às novas necessidades. Interroga-se sobre a necessidade ou não de uma revisão total da Constituição Federal de 1988, uma revisão do Código Tributário Nacional, da Lei Eleitoral etc. Uma revisão do Código Civil e do Código de Processo Civil e da CLT foi realizada recentemente. Sem cessar, novas leis tornam-se necessárias pelo progresso da ciência, da tecnologia e das artes. Também se fazem necessárias, de alguns anos para cá, as leis sobre utilização pacífica da energia atômica. A conquista do espaço suscitou a eclosão de um novo ramo do Direito – o Direito Espacial, bem como o advento da internet. O Direito se transforma também sob a impulsão de novas ideias, de aspirações e de novas concepções morais, em particular no domínio social. O avanço de uma sociedade se traduz pelo progresso de suas instituições jurídicas. A maior parte dos grandes problemas políticos que o Brasil tem enfrentado são problemas jurídicos ou que têm uma importância jurídica.

O segundo elemento do Direito é de ordem lógica e formal. O Direito se exprime pela linguagem e as palavras da linguagem representam conceitos, noções. Ele tem uma linguagem própria, como toda ciência, e tal linguagem aparece, às vezes, desagradável e profunda, mas não se deve confundi-la com o “estilo administrativo”; visa a dar aos textos jurídicos a maior precisão possível. O Código Civil brasileiro, como o Código Civil francês, é respeitado pela elegância e concisão de seu estilo. Por esta primeira razão a ciência do Direito tem necessidade de lógica.

Existe uma segunda razão: os conceitos e os princípios que formam a substância do Direito têm entre si relações lógicas de que é preciso conhecer a análise, ligações de inclusão e exclusão, relações de gênero e espécie, de antecedente e consequente etc.

Enfim, a lógica e a precisão da linguagem são necessárias desde que se trata de definir os termos empregados nas leis, contratos, petições ou nos julgamentos. Como se deve definir o furto, o roubo, o estelionato, a fraude, a simulação, o homicídio etc. Da definição dada pode depender a condenação ou a liberdade de um acusado e, por consequência, a liberdade de um cidadão. O que é exatamente um estado, um tratado internacional, um governo, o reconhecimento “de jure” e o reconhecimento “de facto” do qual se fala frequentemente nos jornais? O que é liberdade de imprensa e quais são seus limites? O que é liberdade de expressão e quais são seus limites? O que se chama democracia direta, regime parlamentar, voto presidencial, cidadão, representação proporcional, vulnerabilidade? Todas essas noções e muitas outras devem ser estritamente definidas para serem corretamente aplicadas.

O terceiro elemento do Direito, e não o menos importante, é o elemento ético ou o moral. O Direito, temos dito, tende a realizar a justiça. Enquanto objeto da ciência e de estudo, o Direito é uma parte do bem e do mal. Ele não é uma ciência da natureza que procura conhecer o que é, mas uma ciência da conduta humana, uma ciência social aplicada, uma ciência normativa que procura o que deve ser.

O jurista enuncia julgamentos de existência desde que constate que tal ou tal coisa é prescrita pela lei. Mas sua atividade própria consiste em colocar julgamentos de valor. Ele não diz somente: isto está prescrito, isso é desejável, aquilo é injusto e condenável. A atitude intelectual de um membro do governo ou de deputado que prepara um projeto de lei ou que delibera sobre tal projeto é a procura da solução que lhe pareça a melhor. Tal é a atitude de um Juiz que se pronuncia sobre um litígio entre 2 cônjuges, entre 2 comerciantes ou que estabelece sobre o gênero de pena ou medida a impor a um culpado, do árbitro que define uma contestação entre dois Estados. Esses dois cônjuges, estão eles desunidos a ponto de a vida em comum se ter tornado insuportável? A qual dos cônjuges, agora divorciados, convém conferir a guarda dos filhos? Como deve ser a partilha de eventuais bens entre eles? Portanto, a todo momento o jurista deve apreciar as situações, medir o justo e o injusto. A Ciência jurídica é uma ciência de valores.

Os valores encontram sua expressão nos princípios fundamentais que inspiram a Constituição e as leis que determinam seu sentido. Tais são para o Direito brasileiro a independência do país, a forma democrática do Estado, os direitos e liberdades do cidadão, a proteção da pessoa humana, o respeito da palavra dada, a observação da boa fé nas relações sociais.

Ter-se-á objeção de que este quadro dos valores consagrados pelo Direito brasileiro é muito otimista e contradiz a realidade? Dir-se-á que o Mundo atual apresenta, sobretudo, o espetáculo do egoísmo, da malícia (esperteza), da inveja e da violência, todas coisas que são a negação do Direito e da justiça? É necessário responder que o Direito não é o que é, mas o que deve ser. Ele prescreve as condutas que são necessárias à manutenção da sociedade e à realização da Justiça na medida ou no modo em que os homens são capazes de as observar efetivamente desde que façam um esforço que se pode, razoavelmente, exigir deles. As leis exprimem um ideal, mas um ideal acessível, plausível, factível. Não obstante, elas são frequentemente violadas, porque muitos indivíduos são negligentes, indiferentes ou mal intencionados. É por isso que as leis comportam sanções contra aqueles que não as observam, impondo-lhes multas, prisões, condenação em perdas e danos. É, portanto, falso tachar o Direito de idealista e desconhecedor da realidade. Mas também é totalmente falso acusar as leis de proteger o egoísmo e o embuste. As leis são imperfeitas. Elas procuram, associadas a outras forças sociais, diminuir a soma de injustiças que existem no mundo, mas só o conseguem em pequena parte.
É sobre três aspectos – social, lógico e ético que o jurista deve encarar o Direito. Um jurista com boa formação deve possuir qualidades que correspondem a essas três características. Em primeiro lugar, deve conhecer a sociedade de seu tempo, suas necessidades, suas aspirações, ser sensível ao gozo das influências sociais, à evolução das ideias e dos costumes; em segundo lugar, deve ter ideias claras, raciocinar direito, conduzir seus pensamentos ordenadamente e, finalmente, deve ser animado por um autêntico ideal de justiça.

As qualidades requeridas para exercer com sucesso e dignidade a profissão jurídica não são, pois, só de ordem intelectual, são também de ordem moral. O Direito não é somente uma ciência, é também uma arte, “ars boni et aequi” (a arte do bem e do justo), segundo a definição que já era dada pelos Romanos. A arte do legislador que  edita as leis, aquela do advogado que aconselha um cliente, aquela do Juiz que interpreta e aplica a lei necessita de pureza, de bom senso e de profundo conhecimento do humano.

Tais são as qualidades que deveriam comprovar aqueles que se lançam na luta apaixonante das carreiras jurídicas.
Cada qual traz em si, ao menos em estado latente, essas qualidades. Cada qual pode se esforçar e desenvolvê-las. Cada qual pode se esforçar em seu primeiro aprendizado de jurista no seio da Faculdade de Direito.

Que procuram os estudantes que acabam de atravessar pela primeira vez os portais da Faculdade Direito? Talvez não estejam totalmente conscientes. Não se enganam, entretanto, se esperam ampliar, de uma parte, a cultura humanista que têm recebido no transcorrer de seus estudos anteriores e, de outro lado, os meios de exercer uma profissão, de ganhar a vida e de fazer carreira. Esses dois pontos de vista, mais ou menos indissociáveis em sua mente, devem ser, entretanto, distintos, a fim de assegurar a cada um o lugar que lhe convém no estudo do Direito.

É natural que o estudante sonhe, ao entrar na Faculdade, com a profissão que abraçará mais tarde. É possível que a preocupação com seu futuro o leve a ambições intelectuais. Não se poderia, em todo caso, reprova-lo por preocupar-se desde agora com a carreira que um diploma em Direito lhe poderia oferecer. Os estudos universitários são verdadeiramente a via que conduz à diversas profissões jurídicas. Entretanto, a Faculdade de Direito não é uma escola profissional. Ela não prepara o estudante diretamente ao exercício de uma profissão determinada: a administração, o notariado, a advocacia, o foro, a diplomacia ou a segurança. Ela não poderia. Ela se esforça para dotar os estudantes de conhecimentos fundamentais e de formação geral que são ao mesmo tempo necessários e comuns a todas as profissões jurídicas.

O exercício de uma profissão jurídica, bem como de todas as profissões liberais, deve ser embasado em uma cultura. Não seria senão rotina realizar receitas já prontas. Um jurista, digno desse nome, deve captar o sentido profundo das regras que ele aplica, conhecendo sua origem, finalidade e conteúdo. É, portanto, antes de tudo uma cultura que a Faculdade se esforça em dispensar aos estudantes. Uma cultura é uma soma de conhecimentos científicos, tecnológicos e artísticos, é também um modo de pensar, uma orientação habitual da mente a respeito de certos problemas.
Uma soma de conhecimentos a princípio. Foi dito anteriormente ser o Direito um objeto de ciência, da ciência que estuda as noções e os princípios. Não há cultura sem conhecimento, nem conhecimento sem memória. O estudante tem muito a aprender e ele deverá alojar pouco a pouco um bom número de conhecimento em sua memória. Eles aí se fixarão se ele se dedicar com atenção ao ensinamento que lhe é oferecido e com ele construído, não com interrupções e sobressaltos, mas todo dia, com regularidade. Bem entendido, não se trata de gravar tudo o que deveria saber um jurista consumado, um prático experimentado, mas os conhecimentos de base que lhe permitirão adquirir por ele mesmo, no decorrer de sua carreira, os conhecimentos particulares que lhe serão úteis na profissão escolhida, conforme ensinamentos apregoados pela lógica anteriormente, ou seja, pensar de modo organizado.

Uma cultura é também uma formação da mente. Mais importante, pois, que o saber quantitativo, mesmo limitado aos conhecimentos de base, é a formação da mente, a aquisição de um “espírito jurídico”, de método. A finalidade dos estudos de Direito não é tanto conhecer antecipadamente as dificuldades e respectivas soluções.

A cultura jurídica será o fruto de cinco anos de estudos. No curso superior o estudante receberá exposições sistemáticas; aprenderá quais são as situações sociais que requerem uma regulamentação jurídica e a quais soluções se apegam o legislador e os tribunais no Brasil e nos países estrangeiros.
Nas aulas, palestras e exercícios práticos, o estudante será colocado diretamente em presença de questões teóricas e práticas e aprenderá por quais métodos se deve pesquisar para resolvê-las.

A propósito da cultura, dizíamos ainda que a cultura jurídica deve ser considerada como uma parte da cultura geral. É muito desejável que os estudantes de Direito não negligenciem de perfazer, também, sua cultura em outros domínios segundo suas aptidões e suas preferências. Deve estudar oratória forense, por exemplo. Deve ter em mente que isto tudo é um processo; não tem fim. O estudo deve ser continuado.

Um jurista que não é jurista não pode ser um jurista completo e arrisca-se a ser somente um bom técnico. Ao contrário, se tiver uma vasta cultura, ele captará melhor o conteúdo dos problemas que se lhe propõem, saberá situá-los em seu contexto social e moral e agirá com grande autoridade.

A Faculdade Estácio de Curitiba, desejando boas vindas a todos os  estudantes que confiam a própria formação a seus professores, tem a esperança plausível de que tomarão gosto pela ciência do Direito e que encontrarão no seu estudo as satisfações intelectuais a que têm direito.