segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O Cientista das Inteligências Múltiplas


     1ª) "A educação precisa justificar-se realçando o entendimento humano."; 2ª) "Todos os indivíduos têm potencial para ser criativos, mas só serão se quiserem.".
     Consta da Revista de Quem Educa, edição especial, nº 19, da Editora Abril, uma uma lista de 41 educadores que fizeram história, da Grécia antiga aos dias de hoje. Dentre eles está Howard Gardner, cujo texto transcreve-se: "Formado no campo da psicologia e da reurologia, o cientista norte-americano Howard Gardner causou forte impacto na área educacional com sua teoria das inteligências múltiplas, divulgada no início da década de l980. Seu interesse pelos processos de aprendizado já estava presente nos primeiros estudos de pós-graduação, quando pesquisou as descobertas do suíço Jean Piaget (1896-1980). Por outro lado, a dedicação à música e às artes, que começou na infância, o levou a supor que as noções consagradas a respeito das aptidões intelectuais humanas eram parciais e insuficientes. Até ali, o padrão mais aceito para a avaliação de inteligência eram os testes de QI, criados nos primeiros anos do século 20 pelo psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911) a pedido do ministro da Educação de seu país. O QI (quociente de inteligência) media, basicamente, a capacidade de dominar o raciocínio que hoje se conhece como lógico-matemático, mas durante muito tempo foi tomado como padrão para aferir se as crianças correspondiam ao desempenho escolar esperado para a idade delas. "Como o aprendizado dos símbolos e raciocínios matemáticos envolve maior dificuldade do que o de palavras, Binet acreditou que seria um bom parâmetro para destacar alunos mais e menos inteligentes", diz Celso Antunes, coordenador-geral de ensino do Centro Universitário Sant'Anna, em São Paulo. "Mais tarde, Piaget também destacou essa dificuldade e, dessa forma, cresceu exponencialmente a valorização da inteligência lógico-matemática.". TRABALHO DOS GÊNIOS. Sob a influência do norte-americano Robert Sternberg, que estudou as variações dos conceitos de inteligência em diferentes culturas, Gardner foi levado a conceituá-la como o potencial para resolver problemas e para criar aquilo que é valorizado em determinado contexto social e histórico. Na elaboração de sua teoria, ele partiu da observação do trabalho dos gênios. "Ficou claro que a manifestação da genialidade humana é bem mais específica que generalista, uma vez que bem poucos gênios o são em todas as áreas", afirma Antunes. Gardner foi buscar evidências também no estudo de pessoas com lesões e disfunções cerebrais, que o ajudou a formular hipóteses sobre a relação entre as habilidades individuais e determinadas regiões do órgão. Finalmente, o psicólogo se valeu do mapeamento encefálico mediante técnicas surgidas nas décadas recentes. Suas conclusões, como a maioria das que se referem ao funcionamento do cérebro, são eminentemente empíricas. Ele concluiu, a princípio, que há sete tipos de inteligência: 1. Lógico-matemática é a capacidade de realizar operações numéricas e de fazer deduções. 2. Linguística é a habilidade de aprender idiomas e de usar a fala e a escrita para atingir objetivos. 3. Especial é a disposição para reconhecer e manipular situações que envolvam apreensões visuais. 4. Físico-cinestésica é o potencial para usar o corpo com o fim de resolver problemas ou fabricar produtos. 5. Interpessoal é a capacidade de entender as intenções e os desejos dos outros e consequentemente de se relacionar bem em sociedade. 6. Intrapessoal é a inclinação para se conhecer e usar o entendimento de si mesmo para alcançar certos fins. 7. Musical é a aptidão para tocar, apreciar e compor padrões musicais. Mais tarde, Gardner acrescentou à lista as inteligências natural (reconhecer e classificar espécies da natureza) e existencial (refletir sobre questões fundamentais da vida humana) e sugeriu o agrupamento da interpessoal e da intrapessoal numa só. A primeira implicação da teoria das múltiplas inteligências é que existem talentos diferenciados para atividades específicas. O físico Albert Einstein tinha excepcional aptidão lógico-matemática, mas provavelmente não dispunha do mesmo pendor para outros tipos de habilidade. O mesmo pode ser dito da veia musical de Wolfgang Amadeus Mozart ou da inteligência físico-cinestésica de Pelé. Por outro lado, embora essas capacidades sejam independentes, raramente funcionam de forma isolada. O que leva as pessoas a desenvolver capacidades inatas são a educação que recebem e as oportunidades que encontram. Para Gardner, cada indivíduo nasce com um vasto potencial de talentos ainda não moldado pela cultura, o que só começa a ocorrer por volta dos 5 anos. Segundo ele, a educação costuma errar ao não levar em conta os vários potenciais de cada um. Além disso, é comum que essas aptidões sejam sufocadas pelo hábito nivelador de grande parte das escolas. Preservá-las já seria um grande serviço ao aluno. "O escritor imita a criança que brinca: cria um mundo de fantasia que leva a sério, embora o separe da realidade", diz Gardner. PARA PENSAR. Uma das consequências nefastas da valorização exclusiva da inteligência lógico-matemática é a tendência de definir o desempenho dos alunos mais pelo que eles não são (dada a impossibilidade de que todos se destaquem numa única área de conhecimento) do que pelo que são. Ainda prevalece o hábito de valorizar as habilidades relacionadas às artes e aos esportes apenas nas chamadas atividades extracurriculares. INDAGAÇÃO. Você acha que, em sua prática diária, isso pode começar a ser mudado? De que forma? Muitas escolas, inclusive no Brasil, se esforçaram para mudar seus procedimentos em função das descobertas de Howard Gardner. A maneira mais difundida de aplicar a teoria das inteligências múltiplas é tentar estimular todas as habilidades potenciais dos alunos quando se está ensinando um mesmo conteúdo. As melhores estratégias partem da resolução de problemas. Segundo Gardner, não é possível compensar totalmente a desvantagem genética com um ambiente estimulador da habilidade correspondente, mas condições adequadas de aprendizado sempre suscitam alguma resposta positiva do aluno - desde que elas despertem o prazer do aprendizado. O psicólogo norte-americano atribui à escola duas funções essenciais: modelar papéis sociais e transmitir valores. "A missão da educação deve continuar a ser uma confrontação com a verdade, a beleza e a bondade, sem negar as facetas problemáticas dessas categorias ou as discordâncias entre diferentes culturas", escreveu. Pela própria natureza de suas descobertas, o trabalho de Gardner favorece uma visão integral de cada indivíduo e a valorização da multiplicidade e da diversidade na sala de aula.", finaliza o articulista.

domingo, 23 de outubro de 2016

Em que consiste uma aula?


     No entendimento de Gilles Deleuze (filósofo francês - 18/01/1925 a 04/11/1995), descrevera uma aula assim: "Para mim, uma aula não tem como objetivo ser entendida totalmente. Uma aula é uma espécie de matéria em movimento. É por isso que é musical. Numa aula, cada grupo ou cada estudante pega o que lhe convém. Uma aula ruim é a que não convém a ninguém. Não podem dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm de esperar. Obviamente, tem alguém meio adormecido. Por que ela acorda misteriosamente no momento que lhe diz respeito? Não há uma lei que diz respeito a alguém. O assunto de seu interesse é outra coisa. Uma aula é uma emoção. É tanto emoção quanto inteligência. Sem emoção, não há nada, não há interesse algum. Não é uma questão de entender e ouvir tudo, mas em acordar em tempo de captar o que lhe convém pessoalmente. É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse, que pulam de um para outro. Isso forma uma espécie de tecido esplêndido, uma espécie de textura.". (Youtube.com/notaterapia, 15 ou 17-10-2016). Conceito de uma plasticidade estonteante, convenhamos! Coisa de gênio. Assim é que Walt Whitman deixou assentado poetizando, que:
"Ao começar meus estudos,
me agradou tanto o passo inicial,
a simples conscientização dos fatos,
as formas, o poder de movimento,
o mais pequeno inseto ou animal,
os sentidos, o dom de ver, o amor
- o passo inicial, torno a dizer,
me assustou tanto,
e me agradou tanto,
que não foi fácil, para mim, passar
e não foi fácil seguir adiante,
pois eu teria querido ficar ali
flanando o tempo todo,
cantando aquilo
em cânticos extasiados.".
     É por essas razões que o aprendizado 'a fim de' passar no vestibular ou concluir o curso - comumente logo esquecido, passados esses períodos - pode e deve ser substituído pelo aprendizado constante em função do prazer e da utilidade. E assim se iniciaria ou deverá iniciar-se o cultivo da ciência: só é bom cientista aquele que pensa como quem brinca. Brincando sem perder a seriedade.

domingo, 16 de outubro de 2016

Como o Conhecimento será possível?

     Felizmente, desde sempre há constante preocupação com o conhecimento: ele fascina. E cada educador buscou dar a própria contribuição. Dentre tantos, Protágoras, por exemplo  (em grego antigo: Πρωταγόρας; Abdera, c. 490 a.C.Sicília, c. 415 a.C.[1]) foi um sofista da Grécia Antiga, , como celebridade por cunhar a frase:"O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.", sustentara, segundo Rodolfo Mondolfo, que: "Posto que todo conhecimento da realidade é relativo ao sujeito, não se pode obter mudança no conhecimento que não seja por meio de mudança no sujeito, isto é em sua disposição interior. Tal como o agricultor só pode melhorar os resultados de suas colheitas se modifica as condições orgânicas das plantas exercendo ação direta sobre elas, que são as que devem produzir os frutos, e não sobre os frutos, que são o que são em correspondência com o estado das plantas produtoras; ou tal como o médico, que pode mudar o desgosto experimentado pelo enfermo a respeito do alimento, em gosto semelhante ao que sente o homem sadio, utilizando não já raciocínios para convencer o enfermo da falsidade de suas impressões, alteradas pela enfermidade, mas medicamentos que modificam seu estado orgânico, fonte e causa das impressões que experimenta; assim, o educador deve dirigir suas vistas para o hábito espiritual subjetivo do qual dependem as percepções e valorizações, as tendências e ações de seu educando, e esforçar-se por influir sobre elas atuando sobre sua causa, isto é, modificando o hábito do qual procedem, antes que trabalhar em vão por refutá-las como falsas e demonstrar a verdade das contrárias. [...] E assim, também, na educação é preciso produzir a mudança de um hábito em outro melhor." Michel Miaille, em sua "Uma Introdução Crítica ao Direito", ao apresentar seu livro, adverte: "Tal objetivo é, em primeiro lugar, pedagógico: trata-se de convidar aquele que inicia o estudo do direito a uma reflexão sobre aquilo que vai fazer. [...] Há, aparentemente, alguma lógica nesta posição: como poderia um neófito refletir sobre aquilo que não conhece ainda? Primeiro, é preciso aprender; poder-se-á, em seguida refletir. [...] Comecemos por um relembrar de vocabulário que fará compreender melhor o alcance da tarefa. Introduzir é um termo composto de duas palavras latinas: um advérbio (intro) e um verbo (ducere). Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num lugar novo. Ora, ao contrário do que se poderia facilmente pensar, esta deslocação de um lugar para outro, este movimento, não pode ser neutro. Não há introdução que se imponha por si mesma, pela lógica das coisas. Tomemos um exemplo para nos convencermos desta afirmação. A visita a uma casa desconhecida, sob a orientação de um guia, é sempre uma estranha experiência: o guia introduz-nos na casa, faz-vo-la visitar, faz-vos, de facto, descobrir as suas diferentes divisões. Mas há sempre portas que permanecem fechadas, zonas que se não visitam, e, muitas vezes, uma ordem de visita que não corresponde à lógica do edifício. Em suma, vocês descobriram essa casa "de uma certa maneira": essa introdução foi condicionada por imperativos práticos e não necessariamente pela ambição de dar um verdadeiro conhecimento do edifício. É, aliás, admissível que, se vocês conhecessem bem o guarda, tivessem podido passear sem restrições na casa, abrir as portas proibidas e visitar as zonas fechadas ao público. Em resumo, teriam um outro conhecimento dessa casa, porque teriam aí sido introduzidos de forma diferente. Quer dizer, então, se vocês fossem um dos habitantes dessa casa? Conhece-la-iam "do interior" - conheceriam os seus recantos familiares, as escadas ocultas, o desgaste produzido pelo tempo e a atmosfera íntima. Tudo se passa com se, nas três hipóteses que acabamos de imaginar, não houvesse uma casa, mas três edifícios, no fundo muito diferentes pelo conhecimento que temos deles.". Também, Paulo de Barros Carvalho, neste pequeno fragmento, descrevera: "Decompondo-se o fenômeno do conhecimento, encontramos a linguagem, sem o que o conhecimento não se fixa nem se transmite. Já existe um quantum de conhecimento na percepção, mas ele se realiza mesmo, na sua plenitude, no plano proposicional e, portanto, com a intervenção da linguagem. "Conhecer", ainda que experimente mais de uma acepção, significa "saber proposições sobre". Conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas.".
 
 
 

"Em Carta aos Jovens,

O russo Ivan Pavlov, Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina, certa feita escreveu uma carta aos jovens interessados pela pesquisa e pela ciência. A meu ver, não só jovens no sentido cronológico, mas também para todos aqueles que, independente da idade, estão a se iniciar no universo da pesquisa científica. Até porque, de resto, idade cronológica, por vezes, não atesta maturidade. Mas, o que realçou Pavlov aos jovens iniciantes em pesquisa/ciência? Falou de premissas básicas que, mutatis mutandis, com as mediações contextuais, têm muito a dizer contemporaneamente. Uma expressão russa da carta, tanto em língua portuguesa como inglesa, está traduzida como paixão. Possivelmente, por o que estou informado, não tem a ver com a paixão no sentido tradicional da nossa "raiz linguística" (que pode resultar até em sofrimento), mas diz respeito, sim, a 'entusiasmo comprometido com algo'. Reproduzo, a seguir, a versão da carta em língua portuguesa e inglesa - o cotejamento, entre as duas versões, pode revelar diferenças.
Pavlov: sobre os jovens e a ciência 
Carta aos Jovens 

Por Ivan Pavlov 

O que desejaria eu aos jovens de minha Pátria, consagrados à ciência?
Antes de tudo - constância. Nunca posso falar sem emoção sobre essa importante condição para o trabalho científico. Constância, constância e constância!
Desde o início de seus trabalhos, habituem-se a uma rigorosa constância na acumulação do conhecimento. 
Aprendam o ABC da Ciência antes de tentar galgar seu cume. Nunca acreditem no que se segue sem assimilar o que vem antes. Nunca tente dissimular sua falta de conhecimento, ainda que com suposições e hipóteses audaciosas. Como se alegra nossa vista com o jogo de cores dessa bolha de sabão - no entanto, ela, inevitavelmente, arrebenta e nada fica, além da confusão.
Acostume-se à discrição e à paciência. Aprendam o trabalho árduo da ciência. Estudem, comparem, acumulem fatos.
Ao contrário das asas perfeitas dos pássaros, a ciência nunca conseguirá alçar voo, nem se sustentar no espaço. Fatos - esta é a atmosfera do cientista. Sem eles, nunca poderemos voar. Sem eles, nossa teoria não passa de um esforço vazio.
Porém, estudem, experimentem, observem, esforcem-se para não abandonar os fatos à superfície. Não se transformem em arquivistas de fatos. Tentem penetrar no ministério de sua origem e, com perseverança, procurem as leis que os governam.
Em segundo lugar - sejam modestos. Nunca pensem que sabem tudo. E não se tenham em alta conta; possam ter sempre a coragem de dizer: sou ignorante. Não deixe que o orgulho os domine. Por causa dele, poderão obstinar-se, quando for necessário concordar; por causa dele, renunciarão ao conselho saudável e ao auxílio amigo; por causa dele, perderão a medida da objetividade.
No grupo que me foi dado dirigir, todos formavam uma mesma atmosfera. Estávamos todos atrelados a uma única tarefa e cada um agia segundo sua capacidade e possibilidades. Dificilmente era possível distinguir você próprio do resto do grupo. Mas dessa comunidade tirávamos proveito.
Em terceiro lugar - a paixão. Lembre-se de que a ciência exige que as pessoas se dediquem a ela durante a vida inteira. E se tivessem duas vidas, ainda assim não seria suficiente. A ciência demanda dos indivíduos grande tensão e forte paixão.
Sejam apaixonados por sua ciência e por suas pesquisas.
Nossa Pátria abre um vasto horizonte para os cientistas e é preciso reconhecer - a ciência generosamente nos introduz na vida de nosso país. Prossigam com o máximo de generosidade!
O que dizer sobre a situação de nossos jovens cientistas? Eis que aqui tudo é claro. A vocês muito foi dado, mas de vocês muito se exige. E para os jovens, assim como para nós, a questão de honra é ser digno de uma esperança maior, aquela que é depositada na ciência de nossa pátria.
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Tradução: Annibal Villela, in CASTRO, C. de M. A prática da pesquisa. São Paulo:  McGraW-Hill do Brasil, 1977".
 
     Assim é que, com esses fragmentos, deixamos à reflexão  por parte daqueles dispostos à aventura do conhecimento, sabendo que a linguagem da ciência é complexa e em constante mutação. Requer, por isso, intenso esforço a fim de se compreender e apreciar o mundo fascinante da ciência e de nossa época dominada pelas conquistas da eletrônica, energia nuclear, espaço, tempo etc., é preciso tentarmos o mistério da terminologia.

domingo, 9 de outubro de 2016

O Tempo

     O Relógio

Diante de coisa tão doída
Conservemo-nos serenos

Cada minuto da vida
Nunca é mais, é sempre menos

Ser é apenas uma face
Do não ser, e não do ser

Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer. (Cassiano Ricardo)
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O correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Ser capaz de ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza... (Guimarães Rosa)

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Por João Victor,
O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não o sei.” (Confissões – Agostinho, Livro XI)
Poucos textos carregam o rigor de raciocínio que o Livro XI das Confissões de Agostinho apresenta. Para quem não sabe, Santo Agostinho de Hipona foi um dos Pais da Igreja, responsável pelo estabelecimento de vários dos dogmas ainda aceitos pelo cristianismo. Mas sua importância não se limita aos que professam a crença cristã. Agostinho também foi um filósofo excepcional, como poderemos ver através de sua célebre análise do tempo.
A pergunta sobre o tempo não é fácil. Pode parecer, mas não é. Como Agostinho nos mostra, é difícil entender de que modo existem passado e futuro. De fato, não há como defender que eles existem realmente, pois o passado já não existe mais, e o futuro ainda não existe.
Como, então, medimos o tempo, se o passado não existe e o futuro também não? Não podemos nem mesmo dizer que o passado foi longo, pois não há o que possa ter sido longo, já que ele não existe no momento em que o dizemos. Ou seja: como dizer que o passado foi longo, se não há o que possa ter sido longo? O mesmo se aplica ao futuro.
E quanto ao presente? Este, é claro, inegavelmente, existe, de algum modo. Mas, será que o presente pode ser longo? Agostinho usa o exemplo de cem anos presentes. Serão eles longos? Ora, mas o primeiro desses cem anos é presente, e os outros 99 são futuros e, portanto, ainda não existem. Quando o primeiro ano passar, o segundo será presente, o primeiro, passado, e os outros 98, futuros. Logo, cem anos não podem ser presentes.
Mas o ano se subdivide também em semanas, e o mesmo problema se apresenta. Mas a semana também se subdivide em dias, e os dias em horas, e as horas em minutos, e assim por diante. O que resta, então, que não possa ser subdividido e que, portanto, seja, de fato, presente? Um instante que não tem duração. O presente nada mais é do que um instante que, tão logo seja, deixa de ser, por não ter extensão nem duração.
Contudo, apesar do problema, percebemos os intervalos de tempos, e os comparamos entre si, medindo-os. Mas como fazemos isso? Não é possível medir o que não existe, logo, não se pode medir o passado e o futuro. E o presente não tem duração, não podendo, também, ser medido.
A solução de Agostinho para o problema é engenhosa e totalmente inovadora. Ele diz o seguinte: o passado e o futuro só existem no presente. Pois o passado existe como lembrança do que já foi, e o futuro existe como antecipação do que será. É desse modo que medimos o tempo. Ao dizermos que um certo poema é longo, por exemplo, sabemos disso porque lemos o poema e, na medida em que lemos, guardamos na memória o que já passou do poema, mantemos a atenção no que estamos lendo, e projetamos no futuro o que leremos. Ao terminarmos o poema, tudo virou lembrança, passado, e nossa memória nos diz sobre a duração do poema.
A originalidade de Agostinho deve-se ao compreender de que somos seres temporais e que, portanto, não podemos falar do tempo como se fosse um objeto exterior. Nossa compreensão do tempo é psicológica, e é assim que lidamos com ele, internamente. À pergunta “com que meço eu o tempo”, Agostinho responde: com meu espírito.
Se resta a dúvida sobre como diminui o futuro, se ele ainda não existe, Agostinho diz que “o futuro não é um tempo longo, porque ele não existe; o futuro longo é apenas a longa expectação do futuro. Nem é longo o tempo passado porque não existe, mas o pretérito longo outra coisa não é senão a longa expectação do passado”.
É crucial notar que Agostinho fala aqui de um tempo psicológico, em contraste com um tempo ontológico, exterior ao ser humano. Portanto, Agostinho não está negando a existência do tempo ontológico, como possa parecer, mas sim diferenciando-o do tempo psicológico, que só existe desse modo, ou seja, como lembrança, atenção e projeção.
Outro ponto interessante é que Agostinho abriu as portas, com essa análise do tempo, para inúmeros filósofos que depois dele vieram. Através da internalização do tempo na consciência, foi possível o surgimento de grandes pensadores e obras como Heidegger com o “Ser e tempo”. Mesmo antes de Heidegger, temos Kant, com a “Crítica da Razão Pura”, que transforma o tempo numa das categorias do entendimento, pelas quais acessamos os fenômenos. Ambos os casos mostram pensadores que analisaram o tempo como sendo interno ao ser humano. Claro que a abordagem desses dois autores é muito diferente da de Agostinho, mas é inegável sua importância para que célebres pensadores tenham chegado a suas conclusões.
Em suma, podemos ver, com isso, que Agostinho foi um filósofo extremamente rigoroso em seu raciocínio, e frutífero em vários âmbitos. É comum haver desprezo para com ele por ter sido um pensador religioso, e por seu modo de escrita, sempre citando Deus e louvando-o, mas isso é leviandade. Suas posições não devem ser rejeitadas apenas pelo fundo religioso que tem, mesmo porque há casos bastante claros onde esse fundo religioso pode ser deixado de lado. A questão do tempo é uma delas.
Cito aqui, a título de exemplo, outro campo no qual Agostinho se destacou e deixo uma contribuição significativa: a literatura. Agostinho é conhecido, juntamente com Jean-Jacques Rousseau e Henry Miller, por sua inovação no âmbito da auto-biografia. Ele foi, em suas Confissões, extremamente honesto, sem desvirtuamentos de sua vida, e o valor literário dessa obra é inegável. Rousseau e Miller, como dito, também se destacaram, mas Agostinho foi o primeiro e, sem dúvida alguma, ajudou a firmar o gênero. Outro indício inegável de sua genialidade.
Por último, deixo aqui uma confissão: o motivo que me levou a trazer Agostinho para cá, hoje, é o fim de ano. 2013 se aproxima, e penso que Agostinho nos ajuda um pouco a entender o fenômeno que experienciamos agora. Afinal, o calendário é criação humana, e a tese agostiniana do tempo parece fazer muito sentido quando pensamos a respeito. Criamos o calendário, medimos o tempo, e também damos à passagem do tempo significado. O clima diferenciado começou desde a aproximação do Natal e agora se intensifica. Esperança, renovação, novos planos são algumas das coisas que vemos em abundância nessa época. E, apesar do que muita gente diz por aí, isso é maravilhoso. Hipocrisia existe, é claro, e ilusão quanto à renovação, bom, isso é bastante discutível. Porque o fim de 2012 é um símbolo, assim como cada fim de ano, e nós somos seres simbólicos. Por que não utilizá-los bem? A rigor, se aceitamos o que Agostinho diz, o fato de que poderemos jogar o calendário no lixo amanhã não tem ligação alguma com o mundo exterior. Mas tem com o interior. O calendário importa só para nós, seres humanos, e só em nós ele pode gerar alguma mudança. É uma boa coisa que nos lembremos de 2012, e projetemos 2013 para ser melhor. Com atenção no presente, claro, só assim pra ser melhor.
E, sobre a ilusão do calendário, estou com Drummond [ou melhor, achava que era Drummond, mas uma leitora atentou para o fato de que o texto não é do autor e isso foi, inclusive, confirmado por sua assessoria, assim, estou com o “autor desconhecido”] e contra os chatos de plantão:
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.

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Quando nada acontece há um grande milagre acontecendo que não estamos vendo. (Guimarães Rosa)

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A vida é aquilo que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outra coisa. (John Lennon).

domingo, 2 de outubro de 2016

Confúcio e a Moral

     Filósofos interessados no campo da moral geralmente podem ser divididos em dois grupos: 1º) aqueles que se interessam pela essência moral; 2º) e aqueles que se interessam pelos atos morais. Confúcio com certeza tem mais a dizer sobre a essência moral do que sobre atos morais. Mesmo assim isso não significa que a correção dos atos seja, em última instância, desimportante dentro da sua filosofia. Significa, sim, que em qualquer apreciação da filosofia dele é razoável começar com suas visões sobre a essência da moralidade. Confúcio (551-479 a.C.), embora tivesse origens nobres, nasceu em circunstâncias bastante humildes no reino de Lu, na atual Shantung, em uma época em que o domínio imperial estava em declínio. Pregava uma filosofia moral que tinha o homem como peça central. Para ter responsabilidade moral, ele acreditava, um homem deve pensar por si próprio. Essa crença fez com que Confúcio desse tanta importância ao pensamento quanto ao aprendizado. Antes de ver o que ele tem a dizer sobre a essência moral, é conveniente falar sobre dois conceitos que eram correntes na época dele: o Caminho (tao) e a Virtude (te). A importância que ele atribuía ao Caminho pode ser percebida na seguinte observação: "Não viveu em vão aquele que morre no dia em que descobre o Caminho". Usado nesse sentido, o termo "Caminho" parece cobrir a soma total de verdades sobre o universo e sobre o homem; e não apenas do indivíduo, também do Estado diz-se que possui ou não o Caminho. Ele descrevera qua a tarefa de cuidar das pessoas como algo difícil até mesmo para os sábios. Dizia ele, o Caminho como se trata de algo que pode ser transmitido de professor para discípulo, é necessariamente algo que pode ser colocado em palavras. Entretanto, há um outro sentido, ligeiramente diferente, no qual o termo é usado. O Caminho é dito, também, como sendo o caminho de alguém, por exemplo, "os caminhos dos antigos reis", ou "o caminho do Mestre". O Caminho, então, é um termo altamente subjetivo e se aproxima muito do termo "verdade", tal como é encontrado nas escrituras filosóficas e religiosas do Ocidente. Quanto ao segundo - a Virtude - trata-se de algo que alguém cultiva e que permite a tal pessoa governar bem um reino. E uma das coisas que causava preocupação a ele era, de acordo com ele próprio, seu fracasso em cultivar a própria virtude. Ele também disse que, se um homem guiasse o povo por meio da virtude, o povo não apenas reformaria a si próprio como desenvolveria um sentimento de vergonha. Com isso, é lícito concluir que o governante deve unir os dois conceitos, ou seja: seguir o caminho virtuoso.