AULA 15: O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO (Compreender o
conceito de tutela jurisdicional e jurisdição. Conhecer a estrutura e a
infraestrutura, bem como o funcionamento do Poder Judiciário Nacional – as
funções essenciais à Justiça e as formas alternativas de solução de conflitos).
Um professor a espera de seus
alunos: “Se tu vens às quatro da tarde,
as três eu já começo a ser feliz.” (O Pequeno Príncipe).
Segundo Torquato Jardim: “Os
compêndios didáticos limitam-se ao estudo de um único ramo do Direito. Pecam,
dentre outras razões, por não darem a quem se inicia no estudo do Direito a
visão sistemática da estrutura constitucional do Poder Judiciário; de como as
jurisdições especializadas, diversificadas nos planos da Federação e das
matérias, se amoldam numa ordem harmônica e lógica, submetida a princípios
formais e materiais comuns, os quais servem de amálgama àquela estrutura
constitucional. [...].
Da premissa clássica de que a
ninguém é dado fazer justiça por suas próprias mãos, pois daí resultaria
desordem social, segue o surgimento e a consolidação milenar de uma autoridade
imparcial encarregada de dar solução pacífica, de cunho legal, aos litígios e
controvérsias surgidos da convivência social e da realização dos negócios, e de
forma isenta quanto aos conflitos políticos e religiosos.
1.1.
O
Judiciário como poder político
O Judiciário,
enquanto poder político, é concepção recente e ainda não universal. Na França,
berço da teoria da separação dos poderes, a função jurisdicional não se
constitui em poder político. O Conselho Constitucional, ainda quando convocado
pelo Presidente da República ou pelas casas legislativas nacionais a controlar
a constitucionalidade das leis e dos tratados, antes da sua promulgação, não é
órgão de poder judiciário; não tem poder para anular atos do Legislativo ou do
Executivo após a promulgação da lei ou tratado.
No sistema
constitucional pátrio, o Judiciário é um dos Poderes da União, independente e
harmônico em face do Legislativo e do Executivo (CF, art. 2º). É ele traço
inseparável da proposta central da Constituição de se constituir o Brasil em
estado democrático de direito (CF, art. 1º).
O estado
democrático de direito reveste, minimamente, três qualidades. Primeira, que os
representantes eleitos atuem mediante processo legislativo público e
contraditório, de modo que as restrições de liberdade e os ônus de propriedade
ou de direitos sejam consentidos pelos que, maioria ou minoria, os tenham que
suportar. Segunda, a vinculação do Governo ao quanto posto nas leis, sob
controle dos legisladores e da sociedade civil organizada, e a fiscalização
jurisdicional dos tribunais. Terceira, a independência irrestrita e a
irrecorribilidade das decisões dos órgãos judiciais, aos quais terá acesso
imediato qualquer do povo, sempre que se considere ameaçado ou lesado no seu
direito, individual ou coletivo, para exigir, de qualquer autoridade pública,
política ou administrativa, ou quem faça as vezes de, obediência à lei,
inclusive para obter ressarcimento patrimonial.
1.2.
A
legitimidade democrática do Judiciário
Tema recorrente
é o da legitimidade do Poder Judiciário. O princípio fundamental é a
representatividade política adquirida mediante eleições periódicas, para
mandatos por tempo certo, ainda que renováveis. A perpetuidade do exercício do
cargo político é anátema da democracia: por isso mesmo, nas monarquias
constitucionais, todas parlamentaristas, o rei reina mas não governa. Destarte,
os mandatários políticos do Executivo e do Legislativo são eleitos, no sistema
brasileiro, pelo voto direito. Não assim, todavia, os juízes.
Na primeira
instância, o acesso se dá mediante concurso público; na segunda instância,
mediante promoção na carreira ou por escolha corporativista combinada com juízo
político. Nos tribunais superiores a escolha se dá mediante juízo político do
Presidente da República e do Senado Federal ou do Presidente da República e do
Supremo Tribunal Federal; ou mediante promoção na carreira ou escolha classista
combinado com juízo político do Presidente da República e do Senado Federal. À
exceção dos juízes eleitorais, que podem exercer a função no máximo por dois
biênios consecutivos, os demais gozam dos predicamentos da vitaliciedade,
inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos.
A justificativa
do Judiciário como poder político de mandato não eletivo está na natureza
intrínseca de sua própria destinação constitucional. Não tem o Judiciário fins
autônomos; primeiro, porque julgador isento e imparcial dos interesses de
terceiros em conflito; segundo, porque vinculado à Constituição e às leis que
dela legítima e validamente derivem; e, terceiro, porque sua função só é
exercida mediante provocação, e não por iniciativa própria. Não lhe cabe
decisão de política pública (policy).
Está vinculado ao conteúdo do quanto disponha o Legislativo. A lei, para o
Judiciário, não é apenas limite, como o é para o Executivo, mas objeto único e
exclusivo que lhe cabe tutelar e aplicar. Não lhe compete agregar à lei sua
vontade pessoal; esta há de ser tradução da vontade da lei (GERALDO ATALIBA).
O Executivo e o
Legislativo eleitos pelo voto direito conferem, por derivação ou transferência,
uma legitimação democrática ao Judiciário nomeado. Daí a razão de submeter o
Presidente da República, ao crivo político do Senado Federal, a escolha dos
membros dos tribunais superiores (exceto os Tribunal Superior Eleitoral), para
aprovação prévia, por voto secreto, após arguição pública. Isto porque a esses
magistrados compete, mais do que a justiça distributiva do caso concreto, a
visão política do tratamento judicial das grandes questões sociais. A arguição
pública é inovação da CF de 1988. Segue o modelo do Senado dos Estados Unidos,
no qual a ordem dos advogados e entidades da sociedade civil apoiam ou
contestam as indicações do Presidente da República, diretamente, mediante
depoimento, ou por intermédio de um senador. O escrutínio severo condiciona,
assim, a escolha do Executivo; tornando mais criteriosa a seleção dos
magistrados. No Senado americano, de cada quatro indicações para a Suprema
Corte, uma é rejeitada, ou o candidato desiste da indicação.
1.3.
A
autonomia administrativa e financeira
Ao Poder
Judiciário é assegurada a autonomia administrativa e financeira. Os tribunais
elaboram suas propostas de orçamento conforme os parâmetros da lei de
diretrizes orçamentárias (CF, art. 99, § 1º). Os recursos correspondentes às
dotações orçamentárias, aí compreendidos os créditos suplementares e especiais,
ser-lhe-ão entregues até o dia 20 de cada mês (CF, art. 168). Nos termos do
Estatuto da Magistratura, lei complementar de inciativa do Supremo Tribunal
Federal, e do quanto posto na Constituição (CF, art. 93 e 96), os tribunais
conduzem sua própria administração. Assim, elegem seus órgãos diretivos;
elaboram seus regimentos internos, observadas as normas de processo e das
garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionados e administrativos (os
estados têm, ainda, códigos de organização judiciária para esse fim); propõem a
criação de novas varas judiciárias. Provém, ainda, os cargos de juiz de
carreira e os necessários à administração da justiça (CF, art. 96). O Supremo
Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e os Tribunais de Justiça têm
exclusividade de iniciativa de lei que crie ou extinga tribunais inferiores ou
cargos de juízes, ou que altere o número de membros de tribunais inferiores ou
a organização e divisão judiciárias, ou que fixe vencimentos de seus membros,
dos juízes, dos serviços auxiliares e os dos juízes que lhes forem vinculados
(CF, art. 96, II). A fixação do número de juízes dos tribunais pela
Constituição, ou nela mesma se dispor que tal alteração só se dê por iniciativa
exclusiva do próprio Judiciário. Evita-se, destarte, que, “por interesses ocasionais de partidos, ou para satisfação de ambições
açodadas, ou prêmios a ministros de Estado que vão deixar os cargos, ou
mediocridades palacianas, se eleve, ou, para obtenção de votos ou de maiorias
seguras, se diminua (o número de juízes)” (PONTES DE MIRANDA).
2.
A função
constitucional
A função constitucional do Poder Judiciário, no âmbito
do estado democrático de direito, consiste em dizer o direito, aplicando contenciosamente a lei a casos particulares,
para assegurar a soberania da justiça e a realização dos direitos individuais
nas relações sociais. É sua a tutela, a manutenção e a efetivação do
ordenamento jurídico. Daí se impor a equidistância isenta da função
jurisdicional, exercida por quem não é parte nas relações e nas situações
concretas do processo. Contrasta-se com a função executiva, na qual a
autoridade é parte interessada e comprometida nas relações e situações
presentes sobre que delibere. Por isso mesmo a distinção entre a função jurisdicional, como tutela
objetiva e isenta do ordenamento jurídico, e a função executiva, enquanto atividade comprometida e dirigida à
satisfação de seus próprios interesses. O Executivo persegue interesses
estatais dos quais ele próprio é órgão, e que não coincidem com aqueles protegidos
pela lei, a qual é limite e não objeto da atividade executiva (SANTI ROMANO).
Diferencia a função jurisdicional da função legislativa o fato de ocupar-se a
primeira com as relações concretas, e a segunda com a generalidade abstrata.
Assim o é porque a tradição cultural do direito democrático, da igualdade
jurídica de cidadãos iguais, exige, como condição de validade legal e
legitimidade política da lei, o ser ela geral e abstrata, isto é, ser provável
sua incidência sucessiva e despersonalizada.
2.1.
O controle
da moralidade e da constitucionalidade
A par do papel milenar
de dizer o direito para resolução dos conflitos privados, o Judiciário, no
estado democrático de direito contemporâneo, investiu-se de responsabilidade
política. Embora mediante técnica jurídica, e tendo por premissa texto legal,
da função jurisdicional, enquanto expressão de um poder político, decorreu o
controle do próprio Estado, mediante verificação da compatibilidade da lei ou
ato executivo ou legislativo com a Constituição. Essa responsabilidade,
acolhida expressamente em Constituições mais recentes, torna o Poder Judiciário
árbitro e fiscal engajado do juízo político ou administrativo de oportunidade
ou conveniência das leis ou atos que pretendam dar consecução ao interesse
público. A atual Constituição brasileira, ao dispor sobre a Administração
Pública, adota essa nova postura, ao fazer da moralidade norma de direito positivo. Assim, torna-se, agora,
obrigatório para o Juiz, o exame da oportunidade ou da conveniência do ato
executivo, e não apenas a verificação da legalidade formal extrínseca dos meios
de que se utilize o Estado para promoção de seus interesses (CF, art. 37).
O controle da
constitucionalidade das leis ou atos normativos pelo Poder Judiciário (“chave de nosso regime constitucional, seu
princípio supremo” – RUY) se dá pelo método concentrado ou pelo método
difuso. O método concentrado é exclusivo do Supremo Tribunal Federal, quando em
questão a Constituição Federal; nos Estados, quando em consideração as
constituições estaduais, o Tribunal designado pela Constituição estadual. É
exercido mediante procedimento no qual inexistem partes; por conseguinte, a
decisão é tomada em abstrato, razão por que tem a opinião da Corte efeito
vinculante geral (erga omnes),
independentemente de manifestação do Poder Legislativo. Ao Supremo Tribunal
Federal compete processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Ao Tribunal designado pela
Constituição estatual compete processar e julgar a representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em
face da própria Constituição estadual (CF, art. 125, § 2º). O método difuso é o
recurso de todos os órgãos judiciários, vale dizer, de qualquer juiz ou
instância para, incidentalmente, no curso de qualquer processo, afastar a
incidência de lei ou ato que julgue contrário à Constituição para, a seguir,
decidir o caso concreto que tenha diante de si. A decisão, assim tomada no
processo ordinário, tem força vinculante apenas para as partes que nele litiguem.
O que faz o juiz “é simplesmente estatuir
que, numa questão dada, o indivíduo A tem, ou não, direito à sentença que
demanda contra X; conquanto, no decidir da lide, tenha que declarar que certo e
determinado ato legislativo não pode receber aplicação por exceder as
faculdades constitucionais do Congresso” (DICEY apud RUY). Por conseguinte, o julgado só é exequível entre as
partes, “dependendo os casos análogos,
enquanto o ato (inconstitucional) não for revogado pelo poder respectivo, de
novas ações, processadas cada uma nos termos normais” (RUY). [...] Ainda
RUY: “o freio dos tribunais consiste na
faculdade que lhes pertence o executivo dentro de sua autoridade, recusando
sanção jurídica a qualquer ato a que ele fora dela se aventure.”.
2.2.
Condições
para o exercício da função jurisdicional
Quatro condições
são essenciais para o exercício da função jurisdicional. Primeiro, é um poder
essencialmente vinculado no seu conteúdo; não tem ele fins autônomos, diversos
dos propostos pelo Poder Legislativo. Assim, a lei não é apenas limite, como ocorre com o Executivo, mas
é, no que concerne à sua aplicação e efetivação, o único e exclusivo objeto para o qual aquele poder deve ser
exercido. O poder de aplicar a lei, por conseguinte, compreende e pressupõe
aquele de interpretá-la. A interpretação, todavia, não é atividade
discricionária, nem exaure a função jurisdicional, ainda que a aplicação e a
efetivação possam ter esse caráter, quando a própria lei atribua tal faculdade
à autoridade jurisdicional. Segundo, é poder também vinculado no seu exercício,
pois não é faculdade, mas obrigação,
enquanto agente o juiz da concretização do direito fundamental do cidadão à
proteção jurídica do Estado (CF, art. 5º, LXXIV): “o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos”). Por isso mesmo, e porque não pode
excusar-se à prestação jurisdicional, o juiz, quando a lei for omissa, decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito,
atento aos fins sociais e às exigências do bem comum (LInDB). Terceiro, seu
exercício não é espontâneo, mas deve ser provocado, e isto porque o titular do
poder jurisdicional, ao contrário do administrador ou do legislador, não
representa interesse específico próprio. A função do juiz é passiva e eventual,
e sua decisão vinculada ao que perante ele se alegue e se prove,
independentemente de sua impressão pessoal; sua sentença ó é exequível em
relação aos que figurarem no processo. Não lhe cabe poder de iniciativa, há de
esperar pelo pedido voluntário dos litigantes; por natureza é sem ação, há de
ser posto em movimento pela iniciativa individual (WILSON e TOCQUEVILLE apud RUY). Quarto, a autoridade da coisa
julgada. As decisões definitivas do Judiciário têm autoridade de coisa julgada,
e se impõe à própria lei, que não pode prejudica-la (CF, art. 5º, XXXVI).
Impor-se à lei significa impor-se ao direito; devem-lhe obediência não só as
partes do litígio concreto, mas também terceiros a ele estranhos, bem como o
Estado, por qualquer de seus poderes. Coisa julgada, nessa perspectiva da
relação política dos poderes, é mais do que a noção processual de decisão
judicial de que já não caiba recurso (LInDB). Consiste nas relações
constitucionais de poderes independentes e harmônicos entre si, na
irrecorribilidade política da palavra judicial. Os eventuais excessos, no que
configurem crime, serão como tais processados, e os erros porventura cometidos
poderão ser compensados pelo Estado. A decisão judicial em si restará intocada;
seus efeitos é que poderão ser corrigidos ou compensados em razão do excesso ou
erro. Os atos jurisdicionais, por isso mesmo, ainda quando contrários à lei,
diversamente dos atos executivos, não dão lugar a responsabilidade nem do
Estado, nem dos magistrados. A reparação que algumas vezes o Estado efetua em
alguns casos de erro judiciário (CF, art. 5º, LXXV: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que
for preso além do tempo fixado na sentença”), tem caráter de prestação de
socorro e de beneficência, e as responsabilidades dos magistrados derivam, não
do ato jurisdicional em si, mas ex
delicto, isto é, em razão de crime. [...]
2.3.
As funções
essenciais à Justiça
São instituições
essenciais à prestação jurisdicional, assim definidas na Constituição, o
Ministério Público, as procuradorias administrativas, as Defensorias Públicas e
a Advocacia privada.
Ao Ministério
Público compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis. São seus princípios
institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Dispõe de autonomia funcional e administrativa; cria e extingue seus cargos, e
os provê mediante concurso público; e elabora proposta orçamentária (CF, art.
227). Na União, o Ministério Público compreende o Ministério Público Federal, o
do Trabalho, o Militar e o do Distrito Federal. O da União, assim como o dos
Estados, organiza-se conforme lei complementar própria (CF, art. 128). As
chefias dos Ministérios Públicos da União e dos Estados competem a
procuradores-gerais nomeados para mandato de dois anos, admitida a recondução,
os quais só podem ser destituídos com a autorização da maioria absoluta do
Senado Federal ou do Poder Legislativo local. O Procurador-Geral da República,
antes de nomeado, deve ser sufragado pela maioria absoluta dos membros do
Senado Federal (CF, art. 128, §§ 1º, 2º, 3º e 4º). As principais funções
institucionais do Ministério Público são as de promover, privativamente, a ação
penal pública, na forma da lei; a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; a de promover o
inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; como
também promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição (CF,
art. 129, I, II, III, IV). Por analogia com a magistratura, gozam os membros do
Ministério Público, como garantia institucional de sua função, e no interesse
da coletividade, das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e de
irredutibilidade de vencimentos, sendo-lhes igualmente vedado receber, a
qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas
processuais; exercer a advocacia, participar de sociedade comercial; exercer,
ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de
magistério e, por fim, exercer atividade político-partidária, salvo exceções
previstas na lei (CF, art. 128). As procuradorias administrativas, no plano da
União, têm por cabeça do sistema a Advocacia-Geral da União, instituição que, diretamente
ou por intermédio de órgão vinculado, representa a União, judicial e
extrajudicialmente, cabendo-lhe, também, as atividades de consultoria e
assessoramento jurídicos do Executivo (CF, art. 131). A chefia da instituição
cabe ao Advogado-Geral da União, de livre nomeação e exoneração do Presidente
da República, escolhido dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, de
notável saber jurídico e reputação ilibada (CF, art. 131). Nos Estados e no
Distrito Federal os Procuradores exercem a representação judicial e a
consultoria jurídica, e são organizados em carreira (CF, art. 129). A
Defensoria Pública é incumbida da orientação jurídica e a defesa, em todos
graus, dos necessitados (CF, art. 134). Dentre os direitos e garantias
fundamentais está o de qualquer brasileiro à assistência jurídica integral do
Estado, desde que prova de insuficiência de recursos (CF, art. 5º). O Advogado
ganhou o reconhecimento constitucional, agora formalmente qualificado como
indispensável à administração da justiça e tornado inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (CF, art. 133).
3.
As
jurisdições federativas
A estrutura do Poder Judiciário é reflexo da
federação. As jurisdições da União e dos Estados refletem a capacidade legislativa
e administrativa de cada qual, bem como a natureza dos direitos tutelados e das
pessoas políticas e jurídicas encarregadas do seu exercício. A federação é
união indissolúvel e pétrea; não pode sequer ser objeto de emenda
constitucional (CF, art. 1º e 60, § 4º, I). Suas caraterísticas essenciais
mínimas são a constituição escrita, a capacidade constituinte local, a
repartição constitucional das competências, uma corte constitucional nacional,
a intervenção da União nos Estados, e a destes nos Municípios, e o monopólio da
União, enquanto governo nacional, das relações de direito internacional. A
Constituição escrita representa o pacto federal, o acordo sobre o papel
político, a capacidade jurídica e a responsabilidade social dos entes
federados. É a expressão do compromisso da convivência indissolúvel. A
capacidade constituinte local é a expressão da autonomia do ente federado,
entendida como a capacidade constitucionalmente assegurada de auto-governo,
auto-organização e auto-administração, nos termos e limites traçados pela
Constituição nacional. A repartição constitucional de competências configura-se
como uma série de quatro círculos concêntricos, onde se estabelecem quatro
ordens jurídicas, das quais a mais externa é guia-mestre, e as três outras
parciais e autônomas, onde aquela mais externa tende a ser mais genérica e, as
demais, mais específicas e peculiares. Exemplificativamente, nacional é a
competência de emitir moeda ou fixar normas gerais de direito tributário;
federal, a de administrar o serviço público da União; estadual, é a competência
assinalada na Constituição como própria da autonomia dos Estados; municipal, a
de legislar sobre assuntos do peculiar interesse local, suplementando a
legislação nacional, federal e estadual. À Corte constitucional compete a
harmonia dos direitos emanados das quatro ordens jurídicas federativas e a
resolução dos conflitos constitucionais. Tal tarefa é compartilhada pelo
Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. A possibilidade
de intervenção da União nos Estados ou no Distrito Federal, e dos Estados nos
Municípios, é da essência do sistema federativo. É ato excepcional, de crise
federativa, que se expressa juridicamente no procedimento posto na
Constituição, exercível unicamente nas hipóteses nela previstas, e justificado
em face da indissolubilidade do pacto federativo. Por fim, o monopólio da
União, enquanto governo nacional, das relações de direito internacional
público. A norma é reflexo do conceito clássico de soberania política, segundo
a qual as unidades da federação dispõem de autonomia, ou seja, capacitação
jurídico-política de direito interno, ao passo que, no plano jurídico-político
externo, apenas o ente dotado de capacidade nacional pode se fazer representar.
O modelo federal brasileiro revela mercante supremacia legislativa da União. À
quase unicidade da fonte de direito positivo corresponde, todavia, uma
diversidade de jurisdição, criada na Constituição mesma, e nela própria tornada
pétrea, porquanto qualquer alteração que diminua o espaço estadual consistiria
tendência a abolir a forma federativa de estado, o que é vedado expressamente
na Constituição (CF, art. 60, § 4º, I). A dicotomia revela-se necessária e
lógica, enquanto expressão da autonomia local decorrente da respectiva
capacidade constituinte e da repartição constitucional de competência. A
competência do Judiciário da União exaure-se, pois, no quanto posto na
Constituição. De um lado, o critério é a pessoa titular da tutela do interesse
público pertinente (União, entidade autárquica ou empresa pública federal); de
outro, a natureza da matéria legal controvertida, ora nacional (eleitoral,
trabalho ou militar), ora internacional (relações internacionais com Estados
estrangeiros ou organismos internacionais).
4.
Judiciário da União
O Judiciário da União compreende o Supremo Tribunal
Federal, o Superior Tribunal de Justiça, a Justiça Federal Comum, a Justiça
Eleitoral, a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar. A Justiça Eleitoral é
objeto de título em separado.
4.1.
Supremo
Tribunal Federal
Historicamente,
ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição,
vale dizer, do quanto nela posto expressamente e do quanto nela necessariamente
derive, conforme a natureza das coisas inerentes ao seu sistema positivo e aos
princípios que o informam. Sob a Constituição de 1988, contudo, parte
considerável dessa competência fundamental é compartilhada com o Superior
Tribunal de Justiça. A competência do Supremo Tribunal Federal compreende
quatro categorias. Primeira, a
competência política em sentido estrito, isto é, de controle dos atos
políticos e administrativos do Executivo e do Legislativo, e das decisões do
próprio Judiciário. Aí se incluem processar e julgar originariamente: Primeira,
a competência de garantia da federação,
mediante o processamento e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo estadual contestados em face da Constituição Federal,
ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração
indireta; e os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça ou
Tribunais Superiores e quaisquer outros tribunais dos Estados ou do Distrito
Federal (CF, art. 102, I, a, f, o); o julgamento, mediante recurso extraordinário,
das causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida
julgar válida ou ato de governo local contestado em face da Constituição
Federal (CF, art. 102, III, e). Terceira, a
competência de proteção dos direitos individuais mediante recurso ordinário
em habeas corpus, mandado de
segurança, habeas data ou mandado de
injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se
denegatória a decisão; o recurso ordinário em crime político ou quando do
julgamento de recurso extraordinário (CF, art. 102, , a, b; III, a, b). Quarta,
a competência de relações internacionais
quando do processamento e julgamento originários de litígio entre Estado
estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal;
da extradição solicitada por Estado estrangeiro; da homologação das sentenças
estrangeiras e da concessão do exequatur
às cartas rogatórias (CF, art. 102, I, e, g, h). O Supremo Tribunal Federal
compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e
cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e
reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a
escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (CF, art. 101). O Tribunal
reúne-se em sessões plenárias, com participação de todos os juízes, e em
sessões de turmas, compostas de cinco membros cada qual. O regimento interno
discrimina a competência do plenário e das turmas.
4.2.
Superior
Tribunal de Justiça
Ao Superior
Tribunal de Justiça cabe a guarda do direito nacional infraconstitucional
mediante harmonização da jurisprudência dos tribunais regionais federais e dos
tribunais estaduais de segunda instância. Também a competência do Superior
Tribunal de Justiça pode ser divida em quatro categorias. Primeira, a competência política em sentido estrito,
isto é, de controle dos atos do Executivo e do Legislativo e da eficácia das
suas decisões. Aí se incluem o processo e julgamento originários: nos crimes
comuns, dos governadores de Estado e do Distrito Federal e, nestes e nos de
responsabilidade, dentre outros, os desembargadores dos Tribunais de Justiça,
os membros dos Tribunais de Contas dos Estados, dos Conselhos ou Tribunais de
Contas dos Municípios (CF, art. 105, I, a); dos mandados de segurança e dos habeas data contra ato de ministro de
Estado ou do próprio Tribunal (CF, art. 105, I, b); do habeas corpus, quando o coator ou o paciente for, dentre outros,
governador de Estado, desembargador de Tribunal de Justiça ou membro do
Tribunal de Contas do Estado ou Município, ou quando coator ministro de Estado,
ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (CF, art. 105, I, c); do mandado
de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de
órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, com
algumas exceções (CF, art. 105, I, h); e o processo e julgamento originários
das revisões criminais e das ações rescisórias de seus julgados, e a reclamação
para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões
(CF, art. 105, e, f). Segunda, a
competência de garantia da federação quando: do processo e julgamento
originários dos conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvada
a competência do Supremo Tribunal Federal, bem como entre tribunal e juízes a
ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos (CF, art.
105, I, d, g; 105, III). Terceira, a
competência de proteção dos direitos individuais, quando do julgamento, em
recurso ordinário, dos habeas corpus
decididos em única ou última instância, e dos mandados de segurança decididos
em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos
Estados, quando a decisão for denegatória, e quando do julgamento dos recursos
especiais (CF, art. 105, II, a, b, III). Quarta, a competência de relações internacionais, quando do julgamento, em
recurso ordinário, das causas em que forem partes Estado estrangeiro ou
organismo internacional, de um lado, e, de outro, Município ou pessoa residente
ou domiciliada no País(CF, art. 105, II, e). O Superior Tribunal de Justiça
compõe-se de, no mínimo, trinta e três ministros, nomeados pelo Presidente da
República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e
cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de
aprovada a escolha pelo Senado Federal (CF, art. 104, § único). A escolha dos
membros do Tribunal se faz dentre dois grupos de profissionais (CF, art. 104, §
único, I, II). O Tribunal funciona com os seguintes órgãos: Plenário, Corte
Especial (CF, art. 93, XI), três Seções temáticas especializadas, cada qual com
duas Turmas. O regimento interno discrimina a competência de cada órgão.
4.3.
Justiça
Federal Comum
A Justiça
Federal comum é composta pelas Varas de Justiça Federal, na primeira instância,
e pelos Tribunais Regionais Federais, cuja competência está prevista (CF, art.
109).
4.4.
Justiça do
Trabalho
À Justiça do
Trabalho compete conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre
trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal,
dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da
relação de trabalho (CF, art. 114, 115, 116, 111, § 1º e 117).
4.5.
Justiça
Militar
A Justiça
Militar tem competência para processar e julgar os crimes militares definidos
em lei (CF, art. 124; CPMilitar, art. 9º e 10º; Lei 8.457/92). Compõe-se de:
Juízes-Auditores e Conselhos de Justiça (Especiais ou Permanentes), cujo órgão
superior é o Superior Tribunal Militar.
5.
O
Judiciário dos Estados e do Distrito Federal
Os Estados, porque entidades autônomas da Federação,
organizam sua Justiça, observados os princípios e normas da Constituição e do
Estatuto da Magistratura (CF, art. 93 a 100). A competência dos tribunais é
atribuída pela Constituição local, e a iniciativa da lei de organização
judiciária é do Tribunal de Justiça (CF, art. 125 e § 1º). Integram essa esfera
os Juizados Especiais e a Justiça de Paz.
6.
Dos
auxiliares da Justiça
São auxiliares da Justiça, além de outros cujas
atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o
escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário,
o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial,
o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias (CPC, art.
149 a 175).
7.
Dos
auxiliares do foro extrajudicial
São considerados, ainda, auxiliares da justiça do foro
extrajudicial: os distribuidores, os cartórios de protestos de títulos, a
Serasa, os tabelionatos de notas, os oficiais do registro civil, os oficiais do
registro imobiliário, o detran, as polícias federais, civis e militares, a
guarda municipal, o instituto de criminalística, o instituto de identificação,
o instituto médico legal e et.
Professor! Pois não! Podemos encerrar com o que foi
dito para nós no início?, acrescentando: “Tu
és eternamente responsável por quem cativas.” (O Pequeno Príncipe). Perfeito!
Encerremos: “Sigam tranquilamente, entre
a inquietude e a pressa, lembrando-se de que há sempre paz no silêncio. Tanto
quanto possível sem se humilhar, mantenham boas relações com todas as pessoas.
Falem as suas verdades mansa e claramente e ouçam a dos outros, mesmo a dos
insensatos e ignorantes, pois também eles têm sua própria história. Evitem as
pessoas escandalosas e agressivas; elas afligem o nosso espírito. Se vocês se compararem
com os outros, vocês se tornarão presunçosos e magoados, pois haverá sempre
alguém superior e alguém inferior a vocês. [...] Desfrutem das suas
realizações, bem como dos seus planos. Mantenham-se interessados em suas
carreiras, ainda que humilde, pois ela é um ganho real na fortuna cambiante do
tempo. [...] Sejam vocês mesmos. [...] Sejam prudentes e façam de tudo para
serem felizes.”.