sexta-feira, 29 de maio de 2015

Conceito de Sentença: Ler e Justificar

     Segundo Fredie Didier Jr (Curso de Direito Processual Civil, v. I, llª ed., Salvador, Editora JusPodivm. 2009, p. 534), "O conceito de sentença tem bastante relevância: é com base nele que se saberá qual o recurso cabível, pois, de acordo com o nosso código, da sentença cabe apelação [...] e da decisão interlocutória cabe agravo.". A evolução do conceito está em que pela Lei nº 5.925/73, sentença era: "Art. 162, § 1º. Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.". Com a alteração introduzida pela Lei nº 11.232/05, sentença passou a ser: "Art. 162, § 1º. Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.". Por fim, com a edição da Lei nº 13.105/15 (Novo CPC, que entrará em vigor em 17-03-2016), "[...] sentença é o pronunciamento do juiz de primeiro grau de jurisdição (i) que contém uma das matérias previstas nos arts. 267 e 269 do CPC e (ii) que extingue uma fase processual ou o próprio processo." (STJ, REsp. 1.281.978-RS, 3ª Turma, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva). E o Ministro justifica a própria tese: "É certo que alguns processualistas, a partir do novo conceito, em uma interpretação literal do art. 162, § 1º, do CPC, passaram a enxergar a sentença exclusivamente quanto ao seu conteúdo, ou seja, na ocorrência de alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC (exame da demanda com ou sem resolução de mérito). Assim, na falta do critério topológico ou finalístico, poderiam ser proferidas diversas sentenças em uma mesma fase processual, a embasar a tese de admissibilidade das sentenças parciais de mérito. Por essa hipótese o juiz poderia julgar apenas parcela da demanda, remetendo para outro momento processual o julgamento do restante da controvérsia. Ocorre que a exegese que melhor se coaduna com o sistema lógico-processual brasileiro é a sistemática e teleológica, devendo, portanto, ser levados em consideração para a definição de sentença não só o art. 162, § 1º, do CPC, mas também os arts. 162, §§ 2º e 3º, 267, 269, 459, 475-H, 475-M, § 3º, 504, 513 e 522 do CPC. Logo, pelo atual conceito, sentença é o pronunciamento do juiz de primeiro grau de jurisdição (i) que contém uma das matérias previstas nos arts. 267 e 269 do CPC e (ii) que extingue uma fase processual ou o próprio processo. Em outras palavras, sentença é decisão definitiva (resolve o mérito) ou terminativa (extingue o processo por inobservância de algum requisito processual) e é também decisão final (põe fim ao processo ou a uma de suas fases). Desse modo, a novel legislação apenas acrescentou mais um parâmetro (conteúdo do ato) para a identificação da decisão como sentença, já que não foi abandonado o critério da finalidade do ato (extinção do processo ou da fase processual). Permaneceu, assim, no Código de Processo Civil de 1973 a teoria da unidade estrutural da sentença [...]. Ademais, o novo Código de Processo Civil (Lei13.105/2015) disciplinou o tema com maior profundidade, ampliando as hipóteses de julgamento antecipado parcial do mérito: quando um ou mais dos pedidos formulados na inicial ou parcela deles (i) mostrar-se incontroverso ou (ii) estiver em condições de imediato julgamento. Eis a redação do art. 356 do novo CPC.". Pois bem, se ler é: "Ler não é uma alternativa ao ver, ... é um esforço para detalhar uma forma de ver mais claramente, uma interpretação de como as coisas parecem e por que elas se apresentam de tal forma e em tal ordem." (Stanley Cavell, 1979); justificar "[...] deve envolver a prestação de boas razões para aceitar ou rejeitar a posição em discussão. Essas boas razões podem muito bem ser diferentes de argumentos formais, mas eles devem ser razões de algum tipo." (Julian Baggini, 2003). Diante de todo o exposto é lícito propor à reflexão esses dois conceitos tão caros do Direito: Ler e Justificar, uma vez que sempre se procede a leitura dos textos para cumprir uma determinação ou não e disso decorre a necessidade de que haja uma justificação da exigência a qual se chegará por uma interpretação. Interpretar fica para outra oportunidade dado que o tempo e o espaço para abordagem, neste momento, não é ilimitado.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A Liberdade Moral

     Uma certa diferença entre o Acadêmico e Jurista consiste em que o Acadêmico é livre e desenvolve a criatividade e o Jurista não é livre no mesmo sentido que aquele, cuja criatividade está limitada. Por liberdade, neste contexto, quero dizer que o Jurista está sob o império da dogmática e o Acadêmico não. Ao Acadêmico é possível atribuir aquilo que costuma denominar liberdade de cátedra. O Jurista está circunscrito aos círculos da ciência, das normas técnicas. Ao Acadêmico é atribuído a chamada moralidade crítica; ao Jurista aquilo que é chamado de moralidade legalizada ou positivada.
     Assim é que, sob esse título, José Renato Nalini (Ética Geral e Profissional, 2ª edição, São Paulo, RT, 1999, p. 62/63), em boa página, descrevera: "Se a liberdade existe, a conduta humana tem significado moral pleno. Se não existe, a pessoa não pode responder por seu comportamento e nem pode, a rigor, ser chamada pessoa.
     A liberdade moral não se confunde com a liberdade jurídica. Esta é faculdade puramente normativa. A liberdade jurídica é mais um âmbito espacial de atividade exterior, que a lei limita e protege. Já a liberdade moral é atributo real da vontade. "A jurídica termina onde o dever principia; a moral é pensada como um poder capaz de traspassar o linde do permitido." (Eduardo Garcia Máynez). Nem se confunda com a liberdade de ação. Esta é mero atributo da decisão. Aquele é capaz de decidir.
     A liberdade humana revela-se, então, como função ontológica da posição que o homem ocupa ante dois tipos de determinação. Na qualidade de ente natural, acha-se casualmente determinado por suas tendências, afetos e inclinações. Como pessoa, é portador de outra determinação, oriunda do reino ideal dos valores. Esta determinação lhe permite eleger finalidades, optar por meios e colocá-los em ação para chegar àquelas.
     Entre causalidade e liberdade inexiste oposição. A liberdade está radicada na autonomia dos princípios. A lei moral é a autolegislação da razão prática dizia Kant. Se o homem se submete às leis que de sua razão promanam, evidente sua liberdade. Há um aspecto falho: a vontade pode dar a si mesma suas normas, mas não se vê forçada a cumpri-las. A pessoa não está inevitavelmente vinculada à exigência ética. Isso conduz às aporias da liberdade moral, examinadas por Hartmann, que conclui ser indemonstrável a liberdade da vontade. É uma questão metafísica, insuscetível de ser demonstrada, ou de ser refutada. Só pode ser discutida.
     Em favor da existência de uma vontade livre, existe a consciência da autodeterminação. Há uma convicção individual de que, diante de determinada situação, a pessoa pode escolher entre fazer e deixar de fazer. A decisão, no caso concreto, depende de cada um.
     É verdade que da consciência da autodeterminação não se infere a autodeterminação da consciência. Mas também não se pode concluir em sentido contrário. Se não existisse liberdade humana, somente se poderia adotar o ceticismo ético e a negação da moralidade. Mas há outro indício de que existe liberdade moral: a existência da responsabilidade.
     A responsabilidade não é é só aparência ou fenômeno. É fato real da vida ética. E quase sempre acompanhada da consciência de culpa. É consequência da ação, filha da violação e testemunho de existência da liberdade. A culpa, diz Hartmann, "irrompe como uma fatalidade na vida humana. O sujeito não pode livrar-se dela. Aparece de súbito, julgadora, negativa, dominante. E o homem não experimenta essa irrupção como algo estranho. Em seu próprio ser há uma instância que o delata. O que na responsabilidade se encontrava já preparado, a situação interna do tribunal ante o qual o indivíduo comparece, encontra na consciência da culpa sua forma mais drástica, sua realidade mais convincente.". 
     Diante dessas afirmativas é possível ter um norte diante do chamado dolo. É que o direito trabalha com esse conceito, a pergunta é: é possível determinar, pela técnica jurídica, a existência ou não do dolo? E a culpa aí tratada é mesma culpa jurídica? 
     Por fim, com o suposta permissão acadêmica, posso interpretar fazer minha observação, que em nada compromete o teor do texto, com relação ao primeiro parágrafo do texto do autor. Interpreto o parágrafo assim: "Se a liberdade existe", eu escreveria: Se a liberdade é; "Se não existe"; eu escreveria: Se não é. Trata-se apenas de uma questão de semântica. É que a palavra existe ou existência, implica matéria, corpo, forma, movimento, lugar no espaço. E o verbo é trata de um estado, uma ideia. Daí a diferença entre essência e existência, cuja pergunta frequente: Deus existe? Respondo: não. Deus é, cuja resposta vem da pergunta feita por Moisés: quem fala? A resposta obtida foi: Sou o que Sou.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Ética: A Medicina, a Advocacia e a Política

     Estas são duas áreas de domínio do saber teórico e aplicado fundamentais na existência e no bem estar do homem e do cidadão. Com efeito, a Medicina cuida da vida e da saúde; o Direito cuida da liberdade e do patrimônio. Sem vida, inexiste o homem; sem saúde, ele estará em infelicidade; sem liberdade, ele estará desprovido de exercer ações pensadas; sem patrimônio, será um ninguém, pelo menos diante desta cultura. O ponto de convergência entre ambas, além destes citados, tem-se que, em ambas, temos o dever de acreditar no paciente. Quem não autoridade no assunto, que se atreve a escrever a respeito, está obrigado a justificar. Assim, a literatura registra que Aristóteles, que além de filósofo, teve origem e influência médica, escrevera: "a Medicina não tem por missão própria dar saúde ao doente, mas avançar o mais que lhe é possível na direção da cura; pois podemos ainda cuidar eficazmente daqueles que já não se encontram em condições de recuperar a saúde.". De igual modo, Leônidas Hegenberg resume (Doença - Um Estudo Filosófico, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 1998, p. 11 e 103/4/5): "De início, breve análise dos significados de 'Medicina'. Depois, comentários destinados a mostrar que a Medicina se desdobra em uma parte clínica (Cirurgia, Medicina Interna, Pediatria...) e uma parte não-clínica (Anatomia, Fisiologia, Bioquímica...) - aliás, nem sempre muito claramente distinguíveis. Enfim, observa-se que a Medicina seria um conjunto de atividades, em que ora predomina uma atividade científica, ora uma atitude de aceitação de valores sociais.". Assim também acontece com o Direito, mais um ponto de convergência. Ainda, o mesmo autor, sem falar da palavra lei - que é de caráter universal: atinge a todos sempre - descreve: A palavra 'norma' é empregada em diversos contextos. Remete, por exemplo, a "meios que conduzem a um fim". É o caso, digamos, das normas técnica. Sob as vestes de instruções, devem ser adotadas por alguém que pretenda alcançar um dado objetivo. Tomam a forma de diretrizes. São sentenças condicionais em que o antecedente menciona o que deve (ou não deve) ser feito. Exemplificando, "Se o senhor deseja eliminar esse mal-estar, deve...". As bulas, nos medicamentos, dão exemplos de instruções, ou normas, neste particular sentido. 'Norma' remete, ainda, a "regras". Os jogos (atividade lúdica) são realizados de acordo com certas regras. [...] 'Norma' lembra, enfim, regulamentos, ou prescrições. [...] A norma social é, pois, um tipo de comportamento que a sociedade, por um motivo qualquer, aprecia ver adotado - a ponto de punir quem deixa de se comportar da maneira desejada. [...] A norma jurídica, ponto máximo desse controle social do comportamento, assume a forma de um par de enunciados que se complementam a completam: (1) se um ser humano H se filia a certo grupo G, deve manter um comportamento C; e (2) se H não mantém C, deve sofrer uma punição P. Essa P destina-se a presentar o valor de C (a consequência objetivada pela norma), algo que se encerra legítimo e digno de apreciação.". Isso de tal modo que médico nefrologista Jenner Cruz  escrevera (Revista da Associação Paulista de Medicina, julho de 2011, número 226, p. 4), o seguinte: "Em um editorial publicado em novembro de 1957, um grande pesquisador americano, Harry Goldblatt, escreveu que o que se prova para ratos é válido para ratos, o que se prova para cães é válido para cães e o que prova para homens é válido para homens. Completando, eu lembraria que nem a Estatística nem a Biologia são ciências exatas, e mesmo o que é válido para o homem não é válido para todos os homens, por mais extensa e mais completa que for essa pesquisa. Muitas vezes receitamos um remédio para um doante e ele retorna dizendo não poder tomá-lo, pois tem cefaleia quando o faz. Sabemos que nem a bula, nem no melhor livro de Farmacologia está descrito esse efeito colateral, mas temos o dever de acreditar no paciente (grafou-se), por mais hipocondríaco que julgarmos que ele seja.". Recentemente, outro médico relatou que a diferença entre o sal marinho e sal comum está em que o sal comum, que passa pelo processo de refino, perde o iodo em quantidade natural ao qual é acrescentado depois em quantidade que nem sempre é a ideal e o sal marinho mantem a quantidade de iodo naturalmente. Pois bem, diante dessas aproximações é lícito - não custa enfatizar: sempre com a devida compreensão e respeito aos entendimentos divergentes - inferir que tanto o advogado como o médico têm o dever de acreditar no paciente. Daí que a atividade de um e de outro torna-se atividade de meio e não de resultados, a menos que, para o caso do médico, este assuma o compromisso de algum fim, como por exemplo, o cirurgião plástico, o que caracteriza a exceção à regra. Ao advogado não é dado exigir do cliente um prévio atestado de higidez mental, ou seja: ele deve acreditar no cliente. É que como teria acentuado a Professora Maria Angela Gentile: "Psicopatia é um transtorno de personalidade antissocial. Os psicopatas vivem pelas suas próprias regras e só sentem culpa quando rompem com o seu código de conduta. Para os psicopatas as pessoas são coisas, objetos que servem para satisfazer seus interesses. Se na sua programação não estiver machucar o outro, não o farão. E poderão viver em comunidade porque entendem os códigos sociais. Eles se adaptam.". Nesse contexto aproximado, escrevera Sebastião Siqueira (Monólogo de um juiz - Migalhas 3.575, de 13-03-2015): "Eu conheço pessoas que têm calma nas estratégias mais fundadas da existência, e lhes confronto os atributos da alma com os dados matemáticos da Ciência. Conheço aquele, cuja mão se espalma na defesa tranquila da inocência, e o que fere, e o que mata sem sem consciência, numa loucura que ninguém acalma. Entretanto, a mim próprio sou estranho. Não será a virtude, que acompanho, homenagem ao vício em que mais creio? Pois quanta vez no tribunal austero já condenei um bem que tanto quero, e defendi um mal que tanto odeio!". Por fim, conforme anotara Luiz Afonso Junqueira Sangirardi (Desembargador aposentado do TJSP): "Quanto ao pensamento filosófico de Maquiavel, é interessante começarmos por uma reflexão acerca do conceito de fortuna. Metade dos acontecimentos e de nossas ações não podem ser planejados nem regrados. São imprevisíveis. A teologia medieval estabelecia que essa área dizia respeito à providência divina. No Renascimento, a noção de providência é materializada, secularizada, tornando-se um conceito laico. Eis aí a fortuna: é o curso do mundo de que o saber humano não é conhecedor. Somos jogados, então, para o estudo da ação política. Como deve o Príncipe agir para que se mantenha equilibradamente no poder? O campo de possibilidade da atividade política está determinado: metade dos acontecimentos e das ações humanas são conhecidos e susceptíveis de planejamento. A outra metade, a da fortuna, também deve ser inserida como objeto do agir principesco. Mas antes de respondermos à questão formulada, há que se determinar a natureza exata dos destinatários do exercício da política. Aqui, entramos na antropologia maquiavélica. Segundo Maquiavel, os homens são, por natureza, fundamentalmente maus, levianos, covardes, ingratos, cruéis, negligentes, estúpidos e invejosos. É preciso estar sempre preparado para tudo, isto é, para o pior por parte deles. Há que se pressupor que os homens são maus por natureza e que não deixarão de demonstrar a depravação de seus corações sempre que tenham uma boa oportunidade para fazê-lo. [...] O que pretendia Maquiavel era a unificação da Itália, que, naquele tempo, era recortada como uma colcha de retalhos, com cada região dominada por uma família forte. Mas, no todo, a Itália era fraca, sendo constantemente invadida por por bárbaros e franceses. Maquiavel exorta os italianos para a formação de um exército nacional e para a construção de um poder político central forte.". Finalizando, num certo giro linguístico, para nós advogados, nosso deveres fundamentais compreendem, além de da defesa dos direitos e interesses que nos são confiados, o zelo do prestígio da nossa classe, da dignidade da magistratura, do aperfeiçoamento das instituições do Direito, e, em geral, do que interessa à ordem jurídica. Talvez tenha sido por essas e por outras razões que o homem venha sendo tratado como indivíduo - único na diversidade total - e que tenha levado Pierre Teilhard de Chardin, a escrever "O Fenômeno Humano" e à indagação, da qual resultou no livro de Battista Mondin: "O Homem Quem é Ele?, de cujas ações tenhamos de nos ocupar.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Conceito de Profissão

     O objetivo do texto é apresentar um conceito de profissão, sob o enfoque moral. Antes, contudo, é salutar descrever a diferença entre definição e conceito. Eis que, a exemplo da gramática e da linguística, respectivamente, na definição é característico que a concepção seja fixadora, fachada, rígida; já no conceito, a concepção está em ser maleável, aberta, plástica. E assim é que, José Renato Nalini (Ética Geral e Profissional, 2ª edição, São Paulo, RT, 1999, p. 169/172), em boa página, descreve: "Sob o enfoque eminentemente moral, conceitua-se profissão como uma atividade pessoal, desenvolvida de maneira estável e honrada, ao serviço dos outros e a benefício próprio, de conformidade com a própria vocação e em atenção à dignidade humana (Pasquale Gianniti). Convém o exame de alguns dos elementos contidos da definição. Dentre eles sobreleva o aspecto de atividade a serviço dos outros. O exercício de uma profissão pressupõe um conjunto organizado de pessoas, com racional divisão do trabalho na consecução da finalidade social, o bem comum. Este, no conceito de Paulo VI, é o conjunto de condições da vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana. O espírito de serviço, de doação ao próximo, de solidariedade, é característica essencial à profissão. O profissional que apenas considere a sua própria realização, o bem estar pessoal e a retribuição econômica por seu serviço, não é alguém vocacionado (Pasquale Gianniti). A profissão é atividade desenvolvida em benefício próprio. À função social da profissão não é incompatível o fato de se destinar ela a satisfazer o bem particular de quem a exercita. Conjugam-se ambos os objetivos: adota-se o serviço contemplando o bem alheio e com o intuito de atender à própria necessidade de subsistência. Todavia, a profissão há de atender ao apelo vocacional. Vocação já indica etimologicamente o chamado a que o vocacionado atende quando abraça uma atividade. À vocação acorre-se conscientemente ou de forma inconsciente. Deve-se evitar o risco da casualidade, que reduz a opção profissional a aspectos exteriores à vontade do exercente. De que depende uma verdadeira vocação? De fatores internos - personalidade, tendências, aptidões, temperamento, inclinação natural - e de fatores externos - o mercado de trabalho, a valorização profissional, a possibilidade de boa remuneração. Os fatores internos hão de ser vistos como potencialidade individual, objetivamente analisada pelo interessado. A consideração aos fatores externos não pode ser a única a motivar a opção. Depois de escolhida a atividade a que se consagrará a existência, ela condicionará o optante e lhe imporá limites. É muito difícil deixar de corresponder à expectativa de comportamento gerada em relação aos exercentes da mesma atividade. Quando não verdadeiramente vocacionado, o profissional se sentirá tolhido, massacrado pelo fardo que podem representar, seja a rotina do trabalho, sejam as restrições impostas ao integrante daquele estamento. Por isso a vocação há de constituir livre e consciente projeto de vida. A opção profissional deverá resultar de um sadio exame de consciência moral, pois, ao adentrar na senda escolhida, estar-se-á assumindo o compromisso de realizar tal projeto (C. Riva). A profissão deve ser exercida de modo estável e honroso. Por se cuidar da concretização de um projeto de vida, em regra a profissão perdura durante a existência toda. A duração de uma vida humana, malgrado os progressos da medicina, ainda é infinitamente curta. O tempo passa rápido demais e não dispõe de reservas infinitas dele para um jogo contínuo de tentativas, erros e acertos profissionais. O exercício honroso da profissão quer dizer que o profissional deverá se conduzir de acordo com os seus cânones. Espera-se do professor que ensine, do médico que se interesse e lute pela saúde do paciente, do enfermeiro que o atenda bem. Do condutor, que dirija com segurança. Do pedreiro, que construa adequada e solidamente. Do advogado, que resolva juridicamente as questões de direito postas perante seu grau. Não se pode admitir de quem optou pela função do direito, do reto, do correto, se porte incorretamente no desempenho no desempenho profissional. As infrações profissionais são muito graves, pois constituem traição do infrator ao seu projeto de vida. A um compromisso só por ele assumido e que não soube, ou não quis, honrar. O exercício profissional ainda deve ser de acordo com o conceito da dignidade humana. As atividades laborais humanas não existem para movimentar a economia. Elas são voltadas à realização das pessoas, de maneira a que se realizem integralmente, concretizando suas potencialidades até a plenitude possível. A natureza social do homem o estimula a cooperar com os semelhantes e a procurar destes a cooperação esperada. Essa busca há de contemplar finalidades morais, não moralmente reprováveis. Pasquale Gianiiti distingue dúplice forma de cooperação moralmente reprovável: a formal e a material. Há cooperação formal quando se auxilia a prática de mal cometido por outrem. Essa forma é sempre reprovável e, na esfera criminal, caracteriza o concurso de agentes. Já a cooperação material se resume à ação física, sem adesão da vontade. Essa cooperação material é lícita, quando as circunstâncias são tais que não exigem recusa do agente à prática de um ato lícito, apenas porque outros poderão dele se valer para atingir fins ilícitos (Pasquale Gianniti). O ser humano eticamente irrepreensível saberá evitar ambos os tipos de cooperação moralmente reprovável.". Assim é que, a literatura veicula, que D. Pedro II(1825-1891) teria expressado que: "Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências juvenis e preparar os homens do futuro." Bonito!. Finalizou no sentido de que há duas fases principais na vida profissional: a preparação e o exercício. A preparação é condicionada por duas perguntas: quem pode pretender exercer uma profissão? Que deve fazer antes de exercê-la? A resposta poderá ser em poucas palavras: aquele que satisfizer às seguintes condições: 1º) vocação, isto é, sinta o pendor e a inclinação, o interesse e talvez o gosto para uma determinada forma de trabalho; é o aspecto vivencial de engajamento pessoal, que garante a eficiência, êxito na futura profissão; 2º) tenha aptidões necessárias, isto é, satisfaça aos requisitos exigidos para uma determinada profissão; o mudo não pode ser professor de línguas faladas, nem o paralítico serviria como motorista; 3º) tenha as habilidades correspondentes, adquiridas mediante desenvolvimento das aptidões, pelo treinamento sistemático a tal ponto que seja capaz de exercer satisfatoriamente o que se espera de um profissional; não se pode ser um bom profissional, sem ter sido antes um bom aprendiz; 4º) tenha a consciência profissional, isto é, saiba distinguir o bem do mal, e se orientar definitivamente para o bem, querendo ser honesto na sua profissão. O exercício ou execução da profissão constitui o objeto principal da Deontologia. 

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Desenvolvimento Profissional

     Para Júlia Oliveira-Formosinho: "Um mundo onde a profissionalidade é tão complexa exige, com certeza, uma jornada de crescimento e desenvolvimento ao longo do ciclo de vida. Envolve crescer, ser, sentir, agir permanentemente; é um processo de desenvolvimento e aprendizagem ao longo da vida (life long learning). Envolve crescimento, como o da criança, requer empenho com a criança, sustenta-se na integração do conhecimento e da paixão. Essa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida leva-nos a conceituar o desenvolvimento profissional como uma caminhada que decorre ao longo de toda a vida; uma caminhada que tem fases, que tem ciclos, que pode não ser linear, que se articula com os diferentes contextos sistêmicos que a educadora vai vivenciando. Somos assim remetidos para os estudos sobre as fases da carreira, os ciclos de vida, os estágios de desenvolvimento profissional.". É como afirmam Hargreaves e Fullan: "As sementes do desenvolvimento não crescerão se caírem em terreno pedregoso. Não se desenvolverá a reflexão crítica se não houver tempo e encorajamento para que se realize. Os professores aprenderão pouco uns com os outros se trabalharem persistentemente em isolamento. Se a inovação for imposta de fora por uma administração de mão pesada, será pouco provável que surjam processos de experimentação criativa. O processo de desenvolvimento do professor depende muito do contexto em que tem lugar. A natureza desse contexto pode fazer ou desfazer os esforços de desenvolvimento dos profissionais. Assim, é uma prioridade entender a ecologia do desenvolvimento do professor.". Pois bem, Felipe Campos de Oliveira divulga resultado de pesquisa (Notícias JusBrasil, 07-04-2015), em que consta: "Maioria dos métodos de estudar para as provas não funciona..."). Talvez isso ocorra porque foram descuidadas as advertências básicas de Hugo de São Vitor (1096-1141), no sentido de que" A humildade é o princípio do aprendizado, e sobre ela, muita coisa tendo sido escrita, as três seguintes, de modo principal, dizem respeito ao estudante. A primeira é que não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura. A segunda é que não se envergonhe de aprender de ninguém. A terceira é que, quando tiver alcançado a ciência, não despreze aos demais. Muitos se enganaram por quererem parecer sábios antes do tempo, pois com isto envergonharam-se de aprender dos demais o que ignoravam. Tu, porém meu filho, aprende de todos de boa vontade aquilo que desconheces. Serás mais sábio do que todos, se quiseres aprender de todos. Nenhuma ciência, portanto, tenhas como vil, porque toda ciência é boa. O bom estudante deve ser humilde e manso; solícito em aprender de boa vontade de todos. Nunca presuma de sua ciência; não queira parecer douto, mas sê-lo; busque os ditos dos sábios e procure ardentemente ter sempre os seus vultos diante dos olhos da mente, como um espelho. Três coisas são necessárias ao estudante: a natureza, o exercício e a disciplina. Na natureza, que facilmente perceba o que foi ouvido e firmemente retenha o percebido. No exercício, que cultiva o senso natural pelo trabalho e diligência. Na disciplina, que vivendo louvavelmente, componha os costumes com a ciência. Prime pelo engenho e pela memória. Os que se dedicam ao estudo devem primar simultaneamente pelo engenho e pela memória, ambos os quais em todo estudo estão de tal modo unidos entre si que, faltando um, o outro não poderá conduzir ninguém à perfeição, assim como de nada aproveitam os lucros onde faltam os vigilantes, e em vão se fortificam os tesouros quando não se tem o que neles guardar. O engenho é um certo vigor naturalmente existente na alma, importante em si mesmo. A memória é a firmíssima percepção das coisas, das palavras, das sentenças e dos significados por parte da alma ou da mente. O que o engenho encontra, a memória custodia. O engenho provém da natureza, é auxiliado pelo uso, é embotado pelo trabalho imoderado e aguçado pelo exercício moderado. A memória é principalmente ajudada e fortificada pelo exercício de reter e de meditar assiduamente. A leitura e a meditação. Duas coisas há que exercitam o engenho: a leitura e a meditação. Na leitura, mediante regras e preceitos, somos instruídos pelas coisas que estão escritas. A leitura é também uma investigação do sentido por uma alma disciplinada. Há três gêneros de leitura: a do docente, a do discípulo e a do que examina por si mesmo. Dizemos, de fato: "Leio o livro para o discípulo", "leio o livro pelo mestre", ou simplesmente "leio o livro". A meditação é uma cogitação frequente com conselho, que investiga prudentemente a causa e a origem, o modo e a utilidade de cada coisa. A meditação toma o seu princípio da leitura, todavia não se realiza por nenhuma das regras ou dos preceitos da leitura. Na meditação, de fato, nos deleitamos discorrendo como que por um espaço aberto, no qual dirigimos a vista para a verdade a ser contemplada, admirando ora esta, ora aquelas causas das coisas, ora também penetrando no que nelas há de profundo, nada deixando de duvidoso ou de obscuro. O princípio da doutrina, portanto, está na leitura; a sua consumação, na meditação. Quem aprender a amá-la com familiaridade e a ela se dedicar frequentemente tornará a vida imensamente agradável e terá na tribulação a maior das consolações. A meditação é o que mais do que todas as coisas segrega a alma do estrépido dos atos terrenos; pela doçura de sua tranquilidade já nesta vida nos oferece de algum modo um gosto antecipado da eterna; fazendo-nos buscar e inteligir, pelas coisas que foram feitas, àquele que a fez, ensina a alma pela ciência e a aprofunda na alegria, fazendo com que nela encontre o maior dos deleites. Três são os gêneros de meditação: o primeiro consiste no exame dos costumes, o segundo na investigação dos mandamentos, o terceiro na investigação das obras divinas. Nos costumes a meditação examina os vícios e as virtudes. Nos mandamentos divinos, os que preceituam, os que prometem, os que ameaçam. A memória custodia, recolhendo-as, as coisas que o engenho investiga e encontra. Importa que as coisas que dividimos ao aprender as recolhamos confiando-as à memória: recolher é reduzir a uma certa breve e sucinta suma as coisas as coisas das quais mais extensamente se escreveu ou se disputou, o que foi chamado pelos antigos de epílogo, isto é, uma breve recapitulação do que foi dito. A memória do homem se regozija na brevidade, e se se divide em muitas coisas, torna-se menor em cada uma delas. \\\devemos, portanto, em todo estudo ou doutrina recolher algo certo e breve, que guardemos na arca da memória, de onde posteriormente, sendo necessário, as possamos retirar. Será também necessário revolvê-las frequentemente chamando-as, para que não envelheçam pela longa interrupção, do ventre da memória ao paladar. Três são as visões da alma racional: o pensamento, a meditação e a contemplação. O pensamento ocorre quando a mente é tocada transitoriamente pela noção das coisas, quando a própria coisa se apresenta subitamente à alma pela sua imagem, seja entrando pelo sentido, seja surgindo da memória. A meditação é um assíduo e sagaz reconduzir do pensamento em que nos esforçamos por explicar algo obscuro ou procuramos penetrar no que é oculto. A contemplação é uma visão livre e perspicaz da alma de coisas amplamente esparsas. Entre a meditação e a contemplação o que parece ser relevante é que a meditação é sempre das coisas ocultas à nossa inteligência; a contemplação, porém é das coisas que segundo a sua natureza ou segundo a nossa capacidade são manifestas; e que a meditação sempre se ocupa em, buscar alguma coisa única, enquanto que a contemplação se estende à compreensão de muitas ou também de todas as coisas. A meditação é, portanto, um certo vagar curioso da mente, um investigar sagaz do obscuro, um desatar do que é intrincado. A contemplação é aquela vivacidade da inteligência que, possuindo todas as coisas, as abarca em uma visão plenamente manifesta, e isto de tal maneira que aquilo que a meditação busca, a contemplação possui. Há, porém, dois gêneros de contemplação. Um deles, que é o primeiro e que pertence aos principiantes, consiste na consideração das criaturas. O outro, que é o último e que pertence aos perfeitos, consiste na contemplação do Criador. No livro dos Provérbios, Salomão principiou como que meditando; no Eclesiastes elevou-se ao primeiro grau da contemplação; finalmente, no Cântico dos Cânticos transportou-se ao Supremo. Para que, portanto, possamos distinguir estas três coisas pelos seus próprios nomes, diremos que a primeira é meditação; a segunda, especulação; a terceira, contemplação. Na meditação a perturbação das paixões carnais, surgindo importunamente, obscurece a mente inflamada por uma piedosa devoção; na especulação a novidade da insólita visão a levanta à admiração; na contemplação o gosto de uma doçura a transforma toda em alegria e contentamento. Portanto, na meditação temos solicitude; na especulação, admiração; na contemplação, doçura. A exposição contém três partes: a letra, o sentido e a sentença. A letra é a correta ordenação das palavras, a qual também chamamos de construção. O sentido é um delineamento simples e adequado que a letra tem diante de si como um primeiro semblante. A sentença é uma mais profunda inteligência, a qual não pode ser encontrada senão pela exposição ou interpretação. Para que uma exposição se torne perfeita requerem-se, nesta ordem, primeiro a letra, depois o sentido e posteriormente a sentença. Três são os gêneros de vaidades. O primeiro é a vaidade da mutabilidade, que está em todas as coisas caducas por sua condição. O segundo é a vaidade da curiosidade ou da cobiça, que está na mente dos homens pelo amor desordenado das coisas transitórias e vãs. O terceiro é a vaidade da mortalidade, que está nos corpos humanos pela penalidade. Disse Agostinho, famoso por sua eloquência, e o disse com verdade, que o homem eloquente deve aprender a falar de tal modo que ensine, que deleite e que submeta. A isto acrescentou que o ensinar pertence à necessidade, o deleitar à suavidade e o submeter à vitória. Destas três coisas, a que foi colocada em primeiro lugar, isto é, a necessidade de ensinar, é constituída pelas coisas que dizemos, as outras duas pelo modo como as dizemos. Quem, portanto, se esforça no falar em persuadir o que é bom, não despreze nenhuma destas coisas: ensine, deleite e submeta, orando e agindo para que seja ouvido inteligentemente, de boa vontade e obedientemente. Se assim o fizer, ainda que o assentimento do ouvinte não o siga, se o fizer apropriada e convenientemente, não sem mérito poderá ser dito eloquente. O mesmo Agostinho parece ter querido que ao ensino, ao deleite e à submissão também pertençam outras três coisas, ao dizer, de modo semelhante: "Será eloquente aquele que puder dizer o pequeno com humildade, o moderado com moderação, o grande com elevação". Quem deseja conhecer e ensinar aprenda, portanto, quanto há para se ensinar e adquira a faculdade de dizê-las como convém a um homem de Igreja. Quem, na verdade, querendo ensinar, às vezes não é entendido, não julgue ainda ter dito o que deseja àquele a quem quer ensinar, porque, mesmo que tenha dito o que ele próprio entendeu, ainda não foi considerado como tendo-o dito àquele por quem não foi entendido. Se, porém, foi entendido, de qualquer modo que o tenha dito, o disse. Deve, portanto, o doutor das divinas Escrituras ser defensor da reta fé, debelador do erro, e ensinar o bem; e neste trabalho de pregação conciliar os adversos, levantar os indolentes, declarar aos ignorantes o que devem agir e o que devem esperar. Onde tiver encontrado, ou ele próprio os tiver feito, homens benévolos, atentos e dóceis, há de contemplar o restante conforme a causa o exija. Se os que ouvem devem ser ensinados, seja-o feito por meio de narração; se, todavia, necessitar que aquilo de que trata seja claramente conhecido, para que as coisas que são duvidosas se tornem certas, raciocine através dos documentos utilizados.". Eis, então, as considerações básicas para se manter em dia com o desenvolvimento profissional.