domingo, 25 de outubro de 2015

Cidadania e Fontes do Direito

     Fonte é um local de passagem de algo que já existe. Mesmo assim, há um sólido discurso (figurado) que trata das fontes do Direito, tais como: a lei, a doutrina, os costumes, os contratos, a jurisprudência, a analogia, os princípios gerais do Direito. Em geral, um abastecimento natural de água, em contraste com com poços e cisternas, usualmente cavados. Essa expressão também usada com referência à origem de algo que não a água. Destacando a importância do uso em sentido próprio da língua, há de se apresentar dois termos hebraicos para "fonte; manancial" que são: á-yin (literalmente: olho) e o aparentado ma'.yán. O correspondente termo grego é pe-gé. Visto que os mananciais eram às vezes limpos e aprofundados, isto talvez explique por que "fonte" e "poço" às vezes são usados intercambiavelmente para o mesmo abastecimento de água. Assim é que, num nível mais aprofundado também, das fontes de Direito, aquelas tidas como tal, podem sofrer um questionamento pertinente, dado que o aprofundamento das ideias é salutar. Vem daí, um convite à cidadania, expressado por José Geraldo de Souza Júnior, em entrevista concedida ao IHU, em 16-10-2015, sobre o livro (O Direito Achado na Rua - concepção e prática: Rio de Janeiro - Lumen Juris - 2015), ele pontua que "o importante a considerar" na perspectiva do Direito Achado na Rua é que ele se refere "à atitude de reconhecimento que valoriza o protagonismo instituinte da cidadania ativa e dos movimentos sociais no processo legítimo de criação autônoma de direitos". De acordo com ele, O Direito Achado na Rua busca compreender e refletir sobre a atuação jurídica dos movimentos sociais à medida que eles "determinam o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam direitos, a partir mesmo de sua constituição extralegal, como direitos humanos instituintes; definem a natureza jurídica de um sujeito coletivo capaz de elaborar um projeto político de transformação social e elaborar a sua representação teórica como sujeito coletivo de direito; permitem enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de direitos e estabelecer novas categorias jurídicas para as relações solidárias de uma sociedade em que sejam superadas as condições de espoliação e de opressão, e na qual o direito possa realizar-se como um projeto de legítima organização social da liberdade". Indagado sobre o processo de formulação desse direito, ele responde: "Reitero o que tenho afirmado, enquanto atitude de reconhecimento do processo ativo de cidadania que, lembra Marilena Chauí, se traduz, exatamente, enquanto possibilidade de inscrever no social, sujeitos que criam direitos, legislados ou não. Por isso essa autora indica ser a democracia invenção, exatamente por ser a possibilidade de criação permanente de direitos. Observe que a Constituinte de 1988 exacerbou esse princípio, fixando o sentido participativo e direto do processo político de exercício do poder e de criação de direitos, ao assentar, no final do artigo 5º da Constituição produzida ao longo do processo de 1988, que o elenco de direitos nela declarados não excluiria "outros Direitos", que derivassem do regime que ela adotou (o democrático) e dos princípios que ela estabeleceu (os direitos humanos). Logo se vê que os direitos não são quantidades que se estoquem em prateleiras legislativas, são antes relações, não limitadas senão pela temporalidade reveladora de novas juridicidades, no percurso ampliável de humanização de homens e de mulheres... ao infinito, enquanto direitos achados na rua (na esfera pública) legitimados (pelos procedimentos próprios do sistema democrático de organização social).". Nesse contexto, a cidadania deve ser tida como meta. E como meta, cuja expressão já conceituada e trabalhada por Eduardo J. Couture (O decálogo, foi publicado em folheto, editado em 1949): "Meta nas acepções grega e latina do vocábulo é tanto o termo de uma corrida como o que fica para além dele". Firme nesse conceito primoroso, avante em busca pela cidadania seja a meta.

domingo, 11 de outubro de 2015

Do Casamento e da Família

    A Comissão Especial do Estatuto da Família na Câmara dos Deputados concluiu, nesta quinta-feira (08/10/2015), a votação do PL-6.583/13, e manteve o texto do substitutivo aprovado no fim do mês passado. Pela matéria, define-se família como o núcleo formado da união entre um homem e uma mulher. O relatório aprovado em 24/9 consigna que relações de "mero afeto" não devem ser tratados pelo Direito de Família. Segundo o relator, os diferentes arranjos sociais não presumem "reprodução conjunta" e "cumprimento de papel social". Esses arranjos não deixam de receber proteção jurídica. Daí a importância dos conceitos de casamento e de família que se queira formular.
     Casamento: dá-se, pela união de um homem e de uma mulher como esposo (marido) e esposa (mulher), segundo o padrão estabelecido pela tradição. Do latim "casa", choupana, que, em algumas línguas românticas, passou a significar moradia, lugar de habitação, lar, ato de constituição de um lar. É o ponto de partida para a constituição da família, o qual requer requisitos, formalidades e pressupostos próprios, e tem como fim primordial a transmissão da vida e a educação dos filhos. Baseado no amor (amor filia), ele importa em dom recíproco que os cônjuges se fazem de si mesmos. É geralmente precedido pelo namoro e o noivado que devem servir-lhe como preparação, revelando a existência de harmonia e comunhão de ideias e de sentimentos, permitindo a verificação da constância e firmeza dos laços afetivos, favorecendo o planejamento conjunto da vida futura. A ordem jurídica nacional prestigia esse instituto (CF, art. 226 e 227) e o dá como pressuposto da família e a lei ordinária estabelece condições para tanto. 
     Família: O termo hebraico mish-pa-hháh (família), além de se referir ao conjunto dos membros duma família, também significa, por extensão, uma tribo, um povo ou uma nação. A palavra grega pa-tri-á também tem alcance amplo. Do latim "família", significa o conjunto de pessoas unidas por vínculos de parentesco, mais os agregados ("famulus" = criado, empregado), que constituam a menor  unidade social autárquica. Era a família de tipo patriarcal, atualmente, substituída, em quase todos os países, pelo tipo da família conjugal, composta exclusivamente do casal e os próprios filhos. Estudos recentes de Antropologia Cultural levam à conclusão mais provável de que a família monogâmica foi o tipo primitivo da família humana, tipo que subsistiu em muitas culturas, apesar de outras formas terem aparecido, como a família poligâmica (um homem casado com várias mulheres), e a família poliândrica (uma mulher casada com vários homens). Ficou estabelecido que a família tem quatro funções: l) A função procriativa, que garante a permanência e a eventual expansão do grupo e é ao mesmo tempo um fator de promoção humana dos cônjuges, como o trabalho, por exemplo. No plano natural, a paternidade e a maternidade constituem a vida comum pela qual o homem e a mulher atingem a sua plenitude biológica e psíquica; 2) A função educativa, que prolonga a precedente e proporciona à prole os meios necessários para participar da vida em grupo; ensina os rudimentos da linguagem, inculca os hábitos indispensáveis para que ela possa viver numa sociedade humana. A vida social requer um longo aprendizado, que só pode ser ministrado mediante ação perseverante e carinhosa que desce aos mínimos detalhes. É a família que ensina a assumir com naturalidade inúmeros comportamentos e atitudes, sem os quais a prole seria desajustada e tornaria insuportável a vida social para ela; 3) A função econômica, pela qual a família procura os meios de subsistência e de conforto, a base material necessária ao desempenho das demais funções. Esta função se realiza comumente pela divisão do trabalho entre os diversos componentes da família. A tendência, ainda atualmente predominante, confere aos elementos masculinos os trabalhos fora do lar e aos elementos femininos, os trabalhos domésticos.Esta prática, porém não é absoluta e, mesmo na família ocidental, inclusive nos países em desenvolvimento, já se notam tendências marcantes que solicitam a mulher para o trabalho fora do lar e distribuem a todos os membros da família as tarefas domésticas; 4) A função emocional, baseada na complementaridade dos sexos, garante aos membros da família o equilíbrio emotivo. A família é o lugar natural onde o amor, a mais profunda exigência humana, se realiza e se expande: amor mútuo do homem e da mulher (amor eros); amor de ambos pelos filhos (amor filia), que são a síntese viva deles mesmos e a garantia de sua prolongação e sobrevivência no tempo; amor dos filhos aos pais e dos irmãos entre si. (o amor ágape, ainda não se desenvolveu entre os homens). Quando a família falha nessa função, os reflexos dessa falência podem traumatizar profundamente os seus membros e dar origem a desajustes psíquicos que repercutem em todos, mesmo no âmbito profissional e público, alertam os estudiosos desse domínio. A família contemporânea revela certas características novas, em parte condicionadas pelos efeitos da cultura tecnológica. Entre estas características, chama-se a atenção para as seguintes: 1) A família contemporânea tende a diminuir de dimensões. Estudos apontam que o ritmo dessa redução de dimensões é diverso, segundo vários fatores, por exemplo, mais acelerados em meios urbanos do que em meios rurais, mais lento em meios católicos do que em meios não-católicos em e outras doutrinas. As condições de vida urbana são cada vez mais hostis à família numerosa, que exige gastos inacessíveis à família de classe média. Por outro lado, os meios católicos e de outras doutrinas, resistem mais à divulgação dos métodos anticoncepcionais responsáveis pela redução da família contemporânea. 2) A família perde a estabilidade. Este é parcialmente resultante do anterior. A família, de bases cada vez mais reduzidas, é cada vez mais instável. É estatisticamente sustentado que a frequência de separações é maior em famílias pequenas do que em famílias numerosas. Entretanto, o principal fator desta instabilidade crescente é de ordem ideológica, ou seja, a concepção hedonista da família, pela qual um número sempre maior de jovens nubentes vê no matrimônio não uma responsabilidade, e sim apenas uma oportunidade de prazer, apontam outros estudos. Neste caso, quando, na vida conjugal, o prazer não compensa mais os sacrifícios, o vínculo se rompe e cada cônjuge vai tentar novas aventuras. votadas ao mesmo fracasso, porque inspiradas na mesma concepção. 3) A família sofre uma interferência cada vez maior do Estado, o qual se atribuiu funções antes desempenhadas pela própria família. Esta interferência, até certo ponto, é benéfica, além do qual se torna maléfica. É benéfica, enquanto o Estado assume tarefas de base e deixa à família maiores possibilidades de realizar melhor sua própria  essência de intimidade fecunda. Antes, a família deveria buscar água e combustível. Atualmente, o Estado indroduz em casa a água, o gás, a luz elétrica. Esta interferência se torna, porém, maléfica, quando o Estado ameaça substiuir-se à mesma família em funções que são seus direitos inalienáveis e para cujo desempenho ela tem qualificações naturais insubstituíveis, como, por exemplo, a educação; 4) A emancipação crescente da mulher, seja por razões de ordem econômica, para garantir um certo equilíbrio do orçamento familiar, seja por razões ideológicas inspiradas principalmente num falso feminismo. No Brasil, de certo modo, a família atravessa uma crise característica de muitos países em desenvolvimento: a pequena família conjugal perdeu a proteção emocional, afetiva e econômica que encontrava dentro do complexo patriarcal, em dissolução, e não recebeu da sociedade global ou substitutivos que a poderiam ajudar no desempenho de suas funções. Só uma reforma de estruturas, que reconheça a família como sujeito de deveres e de direitos específicos poderá preservar a família monogâmica e conjugal, que é certamente a mais segura.
     Enfim, é possível afirmar que embora a ordem jurídica proteja todas as espécies de arranjos, a família tem conceito próprio já desenvolvido e é restritivo, cuja característica essencial é: ser formada na base de um homem e uma mulher. Os demais arranjos, embora recebam proteção da ordem jurídica, ainda são carentes de conceitos bem formados e que nem todos são passíveis de transformação em família. Daí que o objetivo deste texto é alertar para a atenção aos conceitos e assim evitar a possível confusão entre termos e expressões, que isso pode gerar, sob pena de o Direito virar uma coisa ininteligível e sem estabilidade.
    

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Educação e Filosofia: Desafios ao Diálogo

     Sob esse título, ao prefaciar o livro (Filosofia e Educação:Um Diálogo Necessário, Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2011, p.9/12), cuja organização coube a Claudia Battestin a Fábio Antonio Gabriel, Sílvio Gallo desenvolvera discurso que vale a pena ser conhecido. Eis então:
"Filosofia e Educação têm estado próximas desde suas respectivas origens na cultura ocidental. Essa proximidade às vezes gera coerência entre ambas; às vezes, gera cooperação mútua; mas outras vezes, gera contradição.
     Ao longo da história, foram sendo experimentadas várias formas de articular Filosofia e Educação. Talvez a mais comum e corrente delas seja aquela que afirma que a Filosofia fornece os "fundamentos" para a ação coletiva. Penso que esta articulação "fundamentalista" precisa ser evitada, pois ela não é produtiva nem para a Filosofia nem para a Educação. Por quê? Porque, na maioria das vezes, quando afirmamos que a Filosofia é responsável por fornecer os fundamentos para a teoria e a prática educativas, estamos diminuindo a Educação, estamos dizendo que ela não pode existir sem a Filosofia. E penso que isso não é fato. Faz-se educação sem Filosofia. Em meu ponto de vista, se faz Educação melhor com Filosofia, mas afirmar que não se faz Educação sem ela (seja no âmbito da teoria, seja no âmbito da prática) seria um exagero e um absurdo.
     A relação necessária entre Educação e Filosofia é a relação de diálogo. E diálogo só acontece entre iguais, entre instâncias de um mesmo nível. Se estamos com duas instâncias em níveis diferentes (uma fundamentando e outra sendo fundamentada) temos uma relação desigual, a emissão de palavras de ordem, uma relação de mando e obediência. A filosofia não precisa disto. Tampouco a Educação o necessita. Mas um diálogo aberto entre elas é importante para as duas áreas, fortalece cada uma delas.
     Eu diria ainda um pouco mais: o desejável seria um diálogo transversal entre Filosofia e Educação. Um diálogo entre iguais, um diálogo de atravessamentos. Um diálogo no qual a Filosofia se faz Educação e a Educação se faz Filosofia. Um diálogo que não seja uma forma de uma parasitar e alimentar-se da outra, sem nada oferecer em troca, mas um diálogo que produza uma simbiose, um crescimento mútuo, em que uma alimenta-se da outra ao mesmo tempo em que alimenta a outra. Ou, se quisermos utilizar um conceito interessante de Deleuze e Guattari, podemos falar em fazer rizoma entre a Filosofia e a Educação. Promover uma mistura, uma mestiçagem, um amálgama no qual uma se perde na outra, para ressurgir mais forte, mais produtiva.
     Na perspectiva deste diálogo transversal eu diria, com mais certeza e tranquilidade: ainda que se faça Educação sem Filosofia, se faz melhor Educação com Filosofia. Do mesmo modo, ainda que se faça Filosofia em Educação, faz-se melhor Filosofia com Educação.
     Tomando pelo lado da Filosofia, o que ela pode receber deste diálogo entre iguais? Se pensarmos a Filosofia com um campo de produção de saberes que consiste em experimentar problemas e criar conceitos (na direção daquilo que os filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari apontaram em O que é a Filosofia?), a Educação pode ser pensada como um "campo problemático", como um "plano de imanência". Segundo os autores citados, a Filosofia consiste numa atividade de criação conceitual, mas o conceito é sempre imanente, um ato de pensamento produzido a partir da experimentação concreta de problemas concretos. Sem um plano de imanência não há criação de conceitos e não há Filosofia. Sem a experiência sensível do problema não há produção de conceito, não há Filosofia. No âmbito de uma Filosofia da Educação temos justamente esta simbiose, este rizoma de dois campos, com a Educação oferecendo à Filosofia um conjunto de problemas (ou um campo problemático, eu prefiro) que instigam ao pensamento, que dão o que pensar, isto é, que colocam em movimento o ato mesmo do filosofar.
     Tomando pelo lado da Educação, ela recebe da Filosofia a possibilidade do pensamento pelo conceito, a possibilidade de uma conceituação dos problemas educacionais. Isso significa que não se pensa em Educação sem o aporte da Filosofia? De forma alguma. Mas, com a Filosofia, a Educação pode pensar-se conceitualmente, de uma forma e numa modalidade que outras áreas de saber não lhe possibilitam.
     Nesta perspectiva, pois, a Filosofia e Educação podem estabelecer um diálogo entre iguais, um diálogo transversal do qual ambas se alimentam e crescem, em possibilidades de pensamento e de criação.
     O livro que o leitor ora tem em mãos nos oferece diversas possibilidades para o exercício deste diálogo transversal. Os textos estão organizados em três blocos, que evidenciam três interfaces distintas para o diálogo transversal entre Filosofia e Educação. Vemos aqui uma multiplicidade de problemas educativos sendo abordados por uma multiplicidade de ferramentas conceituais da Filosofia. Faço especial destaque para dois destes blocos. Aquele intitulado "E mais diálogos necessários: a Filosofia e outros saberes", uma vez que se evidencia, aqui, a transversalidade da qual falei antes; os textos deste bloco experimentam atravessamentos da Educação com a Filosofia e com outros campos e outros saberes, especialmente as Artes. A multiplicidade de vozes no diálogo leva a uma riqueza tanto para a Educação quando para a Filosofia, que podem se repensar e se produzir nesta polifonia. O outro bloco que quero destacar é o que se intitula "Filosofia e ensino de filosofia: fundamento e prática da filosofia no contexto escolar", na medida em que ele coloca em evidência um campo de investigação emergente na Filosofia da Educação no Brasil nesta última década. Cada vez mais se tem investigado a problemática do ensino de Filosofia desde uma perspectiva filosófica e este livro traz um conjunto de textos que abordam distintos aspectos desta problemática.
     Enfim, o que encontramos nestas páginas são possibilidades de pensamento, possibilidades de diálogo, exercício de promover articulações entre Educação e a Filosofia através das quais emerge um diálogo de fato entre essas duas áreas, um diálogo que valoriza cada um deles, pelas novas possibilidades de criação e de pensamento que são abertas. Desejo a cada um que o tenha em mãos que adentre por estas páginas e que seja mais um sujeito destes diálogos, que não estão dados e prontos, mas convidam para a interação e a participação de cada um que lê este livro.". 
     Sem nada acrescentar, destaco a importância da proposta desse modo de pensar com relação ao ensino, o estudo, a busca, a pesquisa em Direito uma vez que o Direito trabalhado com esse viés filosófico fica muito mais rico e mais realista. É que aquele modo de trabalhar o direito de forma um tanto abstrata é coisa do passado. Aquele Direito trabalhado sob o enfoque predominantemente positivista é coisa do passado. O trabalho com o Direito, na atualidade, busca a hermenêutica. Nesse sentido, estão as importantes propostas de José Afonso da Silva, Jacques Chevallier, dentre outros, as quais abrem muitas especulações que ultrapassam a figura do Estado, sendo uma delas, a de que a reavaliação das funções do Direito na sociedade, originando uma nova visão do fenômeno normativo para além da configuração rígida e piramidal que predominou até o século passado. A forma do trato das relações em horizontais, transversais e em rede dão o tom do mais recente modelo que está sendo apresentado e no Brasil esse tom é extremamente salutar.
 

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Da Política, do Poder e da Soberania

     Questionar sobre Política exige respostas simples e conclusivas. Em dois pensadores contemporâneos a questão está posta, resumida, assim: l) Hannah Arendt (O que é Política, Rio de Janeiro, Bertrand, 2004, p. 9), cujo pensamento político é original, independente e dificilmente pode ser classificado nos esquemas tradicionais da teoria política: "A compreensão da política está vinculada com as ideias de liberdade e da espontaneidade humana, para a qual deve haver um espaço para o desenvolvimento, quer dizer, um espaço para a política, está acima da compreensão usual e mais burocrática da coisa política, que realça apenas a organização e a garantia da vida dos homens." [...] "O homem pode agir, tomar iniciativas, impor um novo começo. O milagre da liberdade está contido nesse poder começar que, por seu lado, está contido no fato de que cada homem é em si um novo começo, já que continuará existindo depois dele." [...] "A política surge não no homem e sim entre os homens a liberdade e a espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um espaço entre homens, onde só então se torna possível a política. O sentido da política é a liberdade."; 2) Michel Foucault (História da Sexualidade, v. I, São Paulo, Martins Fontes, 2001, p; 103), neste a teoria política é concebida via poder. Ele a concebe: "[...] o poder como uma multiplicidade de correlações de força imanente ao domínio onde se exercem e construtivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de forças encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais.". [...] O poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares (...) o poder não é uma instituição e nem uma  estrutura, não é certa potência e sim o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada. A sociedade civil é uma matriz permanente de poder político não é humanitária e sim comunitária.". Fosse humanitária haveria uma preocupação de todos com todos; sendo comunitária, há uma preocupação restrita apenas, quando muito, com os próprios da comunidade. Daqui poder-se-á entender o que está acontecendo na Europa atualmente: cada país está preocupado com os seus. É que o poder transforma os indivíduos em sujeitos, ou seja, na vida cotidiana, os indivíduos são classificados em categorias, os designa às suas individualidades, lhes impõem uma lei de verdade que eles devem aceitar e que os outros devem reconhecer neles. Então, "A palavra soberania e o conceito que ela exprime - afirma um atento observador da realidade contemporânea, Nicola Matteucci - não foram inventados no século XVI. Na antiguidade e na Idade Média, para indicar a mais alta sede do poder, utilizava-se uma série de expressões. [...] A existência de uma sociedade política organizada sobre um princípio de autoridade suprema de governo é um facto testemunhado pela história de todas as civilizações e pela reflexão política de todos os tempos.".O pai da falsa concepção de soberania é Hobbes, seguido por Rousseau e por aqueles que aplicaram as suas teorias políticas a partir da Revolução Francesa. Embora, atualmente, no contexto de uma crise política, social e moral de proporções talvez sem precedentes na história, as conclusões do pensamento tradicional e cristão são postas em causa. Fala-se abertamente da extinção da soberania e do Estado. Dentre eles estão: Gérard Mainet e Valclav Havel. A era da soberania, diz-se, chega ao fim, dizem. Da meditação concentrada sobre a Política, sobre o Poder e sobre a Soberania é possível, quem sabe, compreender um pouco mais a respeito do se passa em vários países, inclusive, o nosso.