domingo, 25 de dezembro de 2016

A Religião e o autoconhecimento


     1º) "Em épocas difíceis, a religião é sempre o último refúgio do povo. Regra geral, todos se lembram de Deus quando os últimos recursos já foram tentados e falharam." (Ivo Storniolo);
     2º) "Deus é uma esfera infinita cujo centro está em toda parte e cujo limite não está em lugar nenhum." (Hermes Trismegisto);
     3º) "O que for a profundeza do teu ser, assim será teu desejo. O que for o teu desejo, assim será tua vontade. O que for a tua vontade, assim serão os teus atos. O que forem teus atos, assim será teu destino." (Brihadaranyaka Upanishad IV, 4.5);
     4º) "Um fluxo suave em vez de velocidade." (Kazuaki Tanahshi);
     5º) "Se [um pensamento] me vem três vezes à cabeça, eu faço o que ele quer. As intuições são insistentes e persistentes. Se a questão for importante, você não a esquecerá. Ela continuará a voltar. Ela o importunará. (...) Muitos de meus alunos são corretores da bolsa. Em seu ramo de negócios eles têm que agir rápido. Mas mesmo sob intensa pressão, eles conseguem usar a Lei de Três. Em poucos momentos, eles podem deixar uma ideia ir embora, e esperar. Se ela voltar imediatamente, eles a aprenderam a sentir a diferença entre uma reação de pânico e uma intuição. Suas Intuições geralmente acontecem logo antes de uma mudança no mercado. O pânico normalmente ocorre depois que a mudança já aconteceu." (Nancy Rosanoff).
     De todo o relacionado acima, é possível fazer algumas derivações, dentre elas uma. Que o conhecimento interior (autoconhecimento) geralmente desabrocha com o tempo e sutilmente influencia nosso caminho. E para que isso ocorra é útil que se exercite a lei da gratidão e do silêncio. Nós só nos tornamos criativos no silêncio. O tumulto é contrário a isso tudo. Da mesma forma, é útil, também, o exercício de cultivar uma imaginação positiva, que capacite a obter na vida aqueles triunfos de ordem espiritual e material que antes lhes pareciam impossíveis de alcançar. E com isso ser (não é ter é ser) a própria fé de que o universo trabalho em nosso favor.
         

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

A CALMA, O SILÊNCIO E A VERDADE




1   “Calma! É aos poucos que a vida vai dando certo.” (Revista Circuito);
     “[...] Seja o vosso falar: Sim, sim; Não, não [...]” (Mateus 5:33-37);
      “Apesar de todas as falsidades, fadigas e desencantos, o mundo ainda é bonito.” (Desiderata).
     “Se você está no ponto de estourar mentalmente, silencie alguns instantes para pensar. Se o motivo é moléstia no próprio corpo, a intranquilidade traz o pior. Se a razão é enfermidade em pessoa querida, o seu desajuste é fator agravante. Se você sofreu prejuízos materiais, a reclamação é bomba atrasada, lançando caso novo. Se perdeu alguma afeição, a queixa tornará você uma pessoa menos simpática, junto de outros amigos. Se deixou alguma oportunidade valiosa para trás, a inquietação é desperdício de tempo. Se contrariedades aparecem, o ato de esbravejar afastará de você o concurso espontâneo. Se você praticou um erro, o desespero é porta aberta a faltas maiores. Se você não atingiu o que desejava, a impaciência fará mais larga a distância entre você e o objetivo a alcançar. Seja qual for a dificuldade, conserve a calma, trabalhando, porque em todo o problema, a serenidade é o teto da alma, pedindo o serviço por solução.” (Sheik Omar).
Um possível resumo disso tudo está em nada do que foi construído entre os seres o foi sem intranquilidade, com barulho e falsidade. A falsidade é mãe da esperteza. Ambas são armadilhas terríveis. O esperto supõe, equivocamente, que os demais nada percebem. Ele subestima a capacidade espiritual dos demais e daí vive na falsidade imaginando estar se dando bem. Ele não medita sobre quem é, quem é o outro e como vê o outro. Daí o autoconhecimento e heteroconhecimento estão ausentes. O que lhe faz viver na ilusão. E vivendo na ilusão, nada do que planeja poderá atingir meta alguma, simplesmente porque vive na ilusão. Tudo que é grandioso é silencioso também. Sol não faz barulho; já um grilo faz barulho ensurdecedor. Por fim, por viver na ilusão, não medida também sobre as advertências de Santo Agostinho que teria dito que quando a vontade fica acima da razão, produz-se o mal e quando a vontade se submete à razão produz-se o bem. De todo o dito, importante ser prudente e fazer de tudo para ser feliz. Considerando que a felicidade é algo interno.

domingo, 4 de dezembro de 2016

O Ser mais excelente


     João Amós Coménio (1592-1670) escrevera um "tratado da arte universal de ensinar tudo a todos", ou seja, "Didáctica Magna", ao qual designou de a arte de ensinar. Também dirigiu um veemente apelo à paz e à tolerância, garantidas por meio de instituições internacionais, pelo qual é justamente considerado precursor do atual movimento ecumênico, da Sociedade das Nações, da ONU, da UNESCO e do Bureau International d'Education. Efetivamente, preconizara uma reforma universal da sociedade humana através dos seguintes meios: I - unificação do saber e sua propagação, graças a um sistema escolar aperfeiçoado, sob a direção de uma academia internacional; 2 - coordenação política, sob a direção de instituições internacionais tendentes a assegurar a manutenção da paz; 3 - reconciliação das Igrejas, sob a égide de um cristianismo tolerante. Dedicou uma página (O homem é a mais alta, a mais absoluta e a mais excelente das criaturas), onde narrara: "1. Quando Pítaco pronunciou o seu "conhece-te a ti mesmo", os sábios acolheram esta máxima com tão grandes aplausos que, para a recomendarem ao povo, afirmaram que ela viera do céu, e tiveram o cuidado de a fazer inscrever, em letras de ouro, no templo de Apolo, em Delfos, onde o povo afluía em grande número. Este foi um ato de sabedoria e de piedade; aquela foi, de fato, uma ficção, mas absolutamente conforme à verdade, como para nós é evidente mais que para eles. 2 - Efetivamente, a voz que, vindo do céu, ressoa nas Sagradas Escrituras, que outra coisa quer dizer senão: "ó homem, que tu me conheças, que eu te conheças?". Eu, fonte de eternidade, de sabedoria e de beatitude; tu, criatura, imagem e delícia minha. 3 - Com efeito, destinei-te a compartilhar comigo da eternidade; para uso, preparei o céu, a terra e tudo o que neles está contido; só em ti juntei, ao mesmo tempo, todas as prerrogativas, das quais as outras criaturas apenas têm uma: o ser, a vida, os sentidos e a razão. Fiz-te soberano das obras das minhas mãos, e coloquei tudo a teus pés, as ovelhas, os bois e os outros animais da terra, as aves do céu e os peixes do mar, e desta maneira coroei-te de gloria e de honra. A ti, finalmente, para que nada te faltasse, dei-me eu próprio, mediante a união hipostática, ligando para sempre a minha natureza com a tua, sorte que não coube a nenhuma das outras criaturas visíveis e invisíveis. Com efeito, qual das outras criaturas, no céu ou na terra, se pode gloriar de que Deus se revelasse na sua própria carne e apresentado pelos anjos?, ou seja, não apenas para que vejam e se admirem a ver quem desejavam ver, mas ainda para que adorem a Deus que se revelou de carne, ou seja, Filho de Deus e do homem. Deves, portanto, compreender que és o protótipo, o admirável compêndio das minhas obras, o representante de Deus no meio delas, a coroa da minha glória. 4 - Oxalá todas estas verdades sejam esculpidas, não nas portas dos templos, não nos frontispícios dos livros, não enfim, nas línguas, nos ouvidos e nos olhos de todos os homens, mas nos seus corações. Deve procurar-se, na verdade, que todos aqueles a quem cabe a missão de formar homens façam com que todos vivam conscientes desta dignidade e excelência, e empreguem todos os meios para atingir o objetivo desta sublimidade.".
     Algum tempo depois, Charles Spencer Chaplin (1889-1977), mais conhecido como Charlie Chaplin, retomara o tema em "O Último Discurso, de O Grande Ditador", em que escrevera:
"Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar - se possível - judeus, o gentio ... negros ... brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma do homem ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-se muito mais. A próxima natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem ... um apelo à fraternidade universal ... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora ... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas ... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis!" A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia ... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem os homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais ... que vos desprezam ... que vos escravizam ... que arregimentam as vossas vidas ... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina!
Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar ... os que não se fazem amar e os inumanos.
Soldados! Não batalheis pela escravidão! lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Estás em vós! Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela ... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia - usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo ... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos.
Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergues os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos."
     A dignidade do homem, na visão desses dois grandes, tinha por finalidade primária valorizar o ser humano. Daí decorre uma pergunta: é oportuno, hoje, dissertar acerca da nobreza ímpar do homem? Creio que o leitor já entendeu a mensagem. Ainda é, de todo conveniente, insistir no apreço at tema sobre a dignidade do ser humano, sobre aquilo sobre o qual é dissertado nas Faculdades de Direito. Então, chegou a hora de retomar, proclamar, alto e bom som, ainda que correndo o risco de reproduzir pregação no deserto, que o homem é dotado de valor inestimável. Ele não pode ser retratado em símbolo de ninharia material. Não ouro nem prata suficientes para expressar o valor do homem, nas palavras de Luiz Feracine.

domingo, 27 de novembro de 2016

Ensino, Aprendizado e a Vontade

     Em artigo elaborado e publicado pelo professor Desidério Murcho, ele destaca: "Quando levamos a sério a nossa formação intelectual e humana não queremos parafrasear o que estudamos nem falar disso à toa. O que queremos, ao invés, é a correcta e rigorosa compreensão do que estudamos. A compreensão correcta e rigorosa do que estudamos manifesta-se na formulação e expressão precisa das ideias estudadas. A formulação e expressão rigorosa das ideias estudadas é uma competência muito diferente da mera paráfrase acéfala ou do falar à toa. A competência para formular e exprimir com rigor as ideias estudadas é um trabalho que envolve inteligência, deliberação e escolha da nossa parte. Não se trata de falar à toa do que nos vem à cabeça ao ler aquele livro, nem de repetir sem pensar o que lemos, mas antes de manifestar da maneira mais rigorosa possível a maneira como entendemos as ideias estudadas.".
     Só existem duas maneiras de leitura: a informativa e a expressiva. Há diferença entre leitura expressiva e informativa. A leitura informativa é aquela realizada tão somente do que consta do texto. Por exemplo, a leitura de uma bula (tome de 6 em 6 horas), a leitura de um manual de eletrodoméstico (ligue na tomada de 110 ou 220). Já a leitura expressiva, que é que mais nos interessa, constitui a leitura que requer interpretação, ou seja, atribuição de sentido.
     Aqui entra a questão da vontade, do esforço. É o esforço o que constitui o valor da vida. Para Sêneca: "Não foi tão inimiga a Natureza a ponto de conceder a facilidade de vida aos outros animais e querer que fosse o homem o único que não pudesse viver sem tantas artes... Somos nós que nos temos dificultado tudo devido à nossa tendência a cansar-nos (fastidio) das coisas fáceis...". Assim também, deixou assentado Lucílio: "Viver é militar.". Portanto, os que se agitam e se expõem a toda classe de peripécias para realizar empreendimentos trabalhosos e árduos, e acometem expedições perigosíssimas, são homens fortes, e a flor do acampamento. Mesmo assim, os que deixam trabalhar os demais e se abandonam calmamente à quietude corruptora não chegarão ao desenvolvimento adequado para uma vida significativa.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Valorização Positiva do Trabalho

     Numa bela página, Rodolfo Mondolfo (O Homem na Cultura Antiga), descreve o pensamento antigo sobre o trabalho, em recortes, assim: "O homo sapiens era, ao mesmo tempo, homo faber, interessado nos problemas e no desenvolvimento da técnica, e considerava sua sabedoria vinculada com sua atividade fabril; assim como, inversamente, o homo faber experimentava a exigência de conhecimentos técnicos que o convertessem, segundo diz Platão, em perito conhecedor de sua arte, capaz de proceder de acordo com as regras da arte e não por impulsos casuais.[...] O conceito de que conhecer é fazer e fazer é conhecer se apresenta desta maneira no escritor hipocrático, e converte o trabalho produtor em forma de conhecimento: a única verdadeira ou, pelo menos, a mais eficaz de todas. Os trabalhos que o hipotrático examina e cujas operações descreve - do forjador, do apisoador, do remendão, do jardineiro, do construtor, do músico, do curtidor, do cesteiro, do refinador de ouro, do escultor, do oleiro, do escriba - são todos produtivos e quase todos tipicamente manuais; mas reconhece ele que todos são capazes de iluminar a inteligência, porque acompanham e criam conhecimentos, e podem revelar processos ocultos cuja produção não pertence ao homem. É evidente que tudo isto deve conduzir a uma valorização positiva do trabalho. E tal consequência aparece expressa em Anaxágoras, que também partilha com Demócrito o mérito de haver buscado nas inovações da técnica estímulo e sugestão para o adianto de suas teorias científicas, como resulta das aplicações e desenvolvimentos geométricos, ópticos e astronômicos que teriam extraído ambos da novidade técnica introduzida pelo pintor Agatarco com sua pintura cenográfica em perspectiva. Mas sobretudo é Anaxágora quem generalizou a ideia da vinculação entre o homo sapiens e o homo faber, quando afirma que a superioridade intelectual do homem com respeito aos animais - isto é, sua capacidade de progresso e criação da cultura - tem sua causa e fonte na posse da mão. A mão é a executora de todo trabalho material, produtora de realidades novas que não surgem espontaneamente da Natureza mas da Arte, todavia operam sobre a Natureza e a modelam, e cuja produção vai acompanhada pelas operações que se cumprem e dos fins para os quais tendem, e implica e gera, portanto, conhecimentos e reflexões. Os produtos do trabalho manual e seu próprio processo de produção reagem desta maneira sobre seu produtor, e mediante seu próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento desenvolvem e aperfeiçoam o homem. A superioridade do homem sobre os demais animais procede, pois, para Anaxágoras, do trabalho. Em sua proposição, portanto, pode intuir-se germinalmente o conceito moderno de que o trabalho - como escreveu Antônio Labriola - é o meio pelo qual o homem se produz e desenvolve a si mesmo, como causa e efeito, autor e consequência ao mesmo tempo das condições sucessivas de seu próprio ser; e assim pode elevar-se acima da Natureza, dentro de cujos limites ficam encerrados os animais.".
     De minha parte, faria, se indagado, duas observações: 1ª) se Deus perguntasse, Rubens, o que você acha que falta no homem? Eu responderia: faltam mãos. Porque apenas duas são insuficientes, basta perceber na prática que sempre está faltando mão. Sempre estamos com as duas ocupadas. Tivéssemos mais, melhor seria. 2ª) considerando que o trabalho, efetivamente, dá dignidade ao homem, importante seria que pensasse bem, antes de provocar a demissão de qualquer trabalhador, sob qualquer pretexto (redução de custos etc.), porque o homem sem trabalho perde a dignidade e poderá vir a cometer delitos os mais variados. Neste caso, não seria culpado e sim vítima. Isto é importante tendo em vista a onde de violência tão reclamada pela sociedade. E a indagação terminal, seria esta: o que nós (a sociedade) estamos fazendo com o trabalhador?

domingo, 6 de novembro de 2016

A Gratidão e a Ação

     O Templo Cultural Delfos postou vídeo sobre o III Encontro PIBID Unespar 2014 - Formar Professores para o futuro - em que teve a participação do Professor Antônio Sampaio Nóvoa, o qual dedicou alguns instantes para falar sobre o significado da gratidão, eis: "Se me derem mais dois minutos explico-vos o quero dizer com a palavra agradeço. Há uns meses atrás estava em Brasília a preparar a aula magna da universidade de Brasília e vinha-se à cabeça que queria agradecer aos colegas brasileiros tudo o que me têm dado e tem sido muito. E vinha-me à cabeça o tratado da gratidão de Santo Tomás de Aquino. Todos aqui saberão que o tratado de Santo Tomás de Aquino tem três níveis de gratidão: um nível mais superficial, um nível intermediário e um nível mais profundo. O nível mais superficial é o nível do reconhecimento; do reconhecimento intelectual; o nível cerebral, o nível cognitivo do reconhecimento; o segundo nível é o nível do agradecimento, do dar graças a alguém por aquilo que esse alguém fez por nós e o terceiro nível mais profundo do agradecimento é o nível do vínculo, é o nível do sentirmos vinculados e comprometido com essas pessoas. E de repente descobri algo que eu nunca tinha pensado, que em inglês ou em alemão se agradece no nível mais superficial da gratidão. Quando se diz "thank you" ou quando se diz "zu danken" estamos a agradecer no nível intelectual. Que na maior parte das muitas línguas europeias se agradece no nível intermediário da gratidão. Quando se diz "merci" em francês, quer dizer dar uma mercê, dar uma graça... Eu dou-lhe uma mercê, estou-lhe grato, dou-lhe uma mercê por aquilo que me trouxe, por aquilo que me deu. Ou "gracias" em espanhol ou "grazie" em italiano. Dou-lhe uma graça por aquilo que me deu e é nesse sentido que eu lhe agradeço, é nesse sentido que eu lhe sou grato. E que só em português que eu conheço que eu saiba é que se agradece com o terceiro nível do tratado da gratidão. Nós dizemos "obrigado". E obrigado quer dizer isso mesmo. Fico-vos obrigado. Fico obrigado perante vós. Fico vinculado perante vós. Fico-vos comprometido a um diálogo, agradecendo-vos o vosso convite, agradecendo-vos a vossa atenção. Fico obrigado, vinculado a continuar este diálogo e a poder contribuir, na medida das minhas possibilidades para os vossos projectos, para os vossos trabalhos, para as vossas reflexões, para o vosso diálogo... É esse diálogo que quero e é nesse preciso sentido que vos digo MUITO OBRIGADO.".
     A expressão dada pelo Professor confirma aquela dada por Antoine de Saint-Exupéry em outro domínio "O Pequeno Príncipe": Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...". Assim também, Wallace Delois Watles, em domínio diverso,narrara: "A Lei da Gratidão é princípio natural de que ação e reação são sempre iguais, em direções opostas. O alcance de sua mente em louvor agradecido ao Supremo é a libertação ou o uso da força criadora. Não pode deixar de alcançar aquele ao qual é endereçado e a reação é um movimento instantâneo em sua direção. "Aproxime-se de Deus e Ele se aproximará de você.". Essa é uma afirmação psicologicamente verdadeira. Se sua gratidão for forte e constante, a reação da Substância Informe será forte e contínua. As coisas que você deseja estarão sempre se movimentando em sua direção. Observe a atitude agradecida de Jesus, como Ele sempre dizia: "Eu Te agradeço, Pai, por teres me ouvido." Não se pode exercer muito poder sem gratidão, pois é ela que nos mantém ligados ao Poder." 
     Talvez seja por essas razões que Hanna Arendt (em Condição Humana), e outros, tenha dito que o homem entra no mundo pelo nascimento e sai do mundo pela morte. Ele se firma no mundo pela ação que pratica. Quando nasce, o mundo já é orientado. A ação dele consiste em dar continuidade às as ações já praticadas por outros que o antecederam. Ele não parte da estaca zero do conhecimento. E a dignidade humana consiste na preservação da espontaneidade. O mal consiste no constrangimento da espontaneidade. E a ação uma vez praticada, desencadeada, ganha movimento próprio e é difícil prever todas as consequências. E não se delibera contra a Natureza. Por isso, devemos sofrer as nossas convicções e seguir em frente.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O Cientista das Inteligências Múltiplas


     1ª) "A educação precisa justificar-se realçando o entendimento humano."; 2ª) "Todos os indivíduos têm potencial para ser criativos, mas só serão se quiserem.".
     Consta da Revista de Quem Educa, edição especial, nº 19, da Editora Abril, uma uma lista de 41 educadores que fizeram história, da Grécia antiga aos dias de hoje. Dentre eles está Howard Gardner, cujo texto transcreve-se: "Formado no campo da psicologia e da reurologia, o cientista norte-americano Howard Gardner causou forte impacto na área educacional com sua teoria das inteligências múltiplas, divulgada no início da década de l980. Seu interesse pelos processos de aprendizado já estava presente nos primeiros estudos de pós-graduação, quando pesquisou as descobertas do suíço Jean Piaget (1896-1980). Por outro lado, a dedicação à música e às artes, que começou na infância, o levou a supor que as noções consagradas a respeito das aptidões intelectuais humanas eram parciais e insuficientes. Até ali, o padrão mais aceito para a avaliação de inteligência eram os testes de QI, criados nos primeiros anos do século 20 pelo psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911) a pedido do ministro da Educação de seu país. O QI (quociente de inteligência) media, basicamente, a capacidade de dominar o raciocínio que hoje se conhece como lógico-matemático, mas durante muito tempo foi tomado como padrão para aferir se as crianças correspondiam ao desempenho escolar esperado para a idade delas. "Como o aprendizado dos símbolos e raciocínios matemáticos envolve maior dificuldade do que o de palavras, Binet acreditou que seria um bom parâmetro para destacar alunos mais e menos inteligentes", diz Celso Antunes, coordenador-geral de ensino do Centro Universitário Sant'Anna, em São Paulo. "Mais tarde, Piaget também destacou essa dificuldade e, dessa forma, cresceu exponencialmente a valorização da inteligência lógico-matemática.". TRABALHO DOS GÊNIOS. Sob a influência do norte-americano Robert Sternberg, que estudou as variações dos conceitos de inteligência em diferentes culturas, Gardner foi levado a conceituá-la como o potencial para resolver problemas e para criar aquilo que é valorizado em determinado contexto social e histórico. Na elaboração de sua teoria, ele partiu da observação do trabalho dos gênios. "Ficou claro que a manifestação da genialidade humana é bem mais específica que generalista, uma vez que bem poucos gênios o são em todas as áreas", afirma Antunes. Gardner foi buscar evidências também no estudo de pessoas com lesões e disfunções cerebrais, que o ajudou a formular hipóteses sobre a relação entre as habilidades individuais e determinadas regiões do órgão. Finalmente, o psicólogo se valeu do mapeamento encefálico mediante técnicas surgidas nas décadas recentes. Suas conclusões, como a maioria das que se referem ao funcionamento do cérebro, são eminentemente empíricas. Ele concluiu, a princípio, que há sete tipos de inteligência: 1. Lógico-matemática é a capacidade de realizar operações numéricas e de fazer deduções. 2. Linguística é a habilidade de aprender idiomas e de usar a fala e a escrita para atingir objetivos. 3. Especial é a disposição para reconhecer e manipular situações que envolvam apreensões visuais. 4. Físico-cinestésica é o potencial para usar o corpo com o fim de resolver problemas ou fabricar produtos. 5. Interpessoal é a capacidade de entender as intenções e os desejos dos outros e consequentemente de se relacionar bem em sociedade. 6. Intrapessoal é a inclinação para se conhecer e usar o entendimento de si mesmo para alcançar certos fins. 7. Musical é a aptidão para tocar, apreciar e compor padrões musicais. Mais tarde, Gardner acrescentou à lista as inteligências natural (reconhecer e classificar espécies da natureza) e existencial (refletir sobre questões fundamentais da vida humana) e sugeriu o agrupamento da interpessoal e da intrapessoal numa só. A primeira implicação da teoria das múltiplas inteligências é que existem talentos diferenciados para atividades específicas. O físico Albert Einstein tinha excepcional aptidão lógico-matemática, mas provavelmente não dispunha do mesmo pendor para outros tipos de habilidade. O mesmo pode ser dito da veia musical de Wolfgang Amadeus Mozart ou da inteligência físico-cinestésica de Pelé. Por outro lado, embora essas capacidades sejam independentes, raramente funcionam de forma isolada. O que leva as pessoas a desenvolver capacidades inatas são a educação que recebem e as oportunidades que encontram. Para Gardner, cada indivíduo nasce com um vasto potencial de talentos ainda não moldado pela cultura, o que só começa a ocorrer por volta dos 5 anos. Segundo ele, a educação costuma errar ao não levar em conta os vários potenciais de cada um. Além disso, é comum que essas aptidões sejam sufocadas pelo hábito nivelador de grande parte das escolas. Preservá-las já seria um grande serviço ao aluno. "O escritor imita a criança que brinca: cria um mundo de fantasia que leva a sério, embora o separe da realidade", diz Gardner. PARA PENSAR. Uma das consequências nefastas da valorização exclusiva da inteligência lógico-matemática é a tendência de definir o desempenho dos alunos mais pelo que eles não são (dada a impossibilidade de que todos se destaquem numa única área de conhecimento) do que pelo que são. Ainda prevalece o hábito de valorizar as habilidades relacionadas às artes e aos esportes apenas nas chamadas atividades extracurriculares. INDAGAÇÃO. Você acha que, em sua prática diária, isso pode começar a ser mudado? De que forma? Muitas escolas, inclusive no Brasil, se esforçaram para mudar seus procedimentos em função das descobertas de Howard Gardner. A maneira mais difundida de aplicar a teoria das inteligências múltiplas é tentar estimular todas as habilidades potenciais dos alunos quando se está ensinando um mesmo conteúdo. As melhores estratégias partem da resolução de problemas. Segundo Gardner, não é possível compensar totalmente a desvantagem genética com um ambiente estimulador da habilidade correspondente, mas condições adequadas de aprendizado sempre suscitam alguma resposta positiva do aluno - desde que elas despertem o prazer do aprendizado. O psicólogo norte-americano atribui à escola duas funções essenciais: modelar papéis sociais e transmitir valores. "A missão da educação deve continuar a ser uma confrontação com a verdade, a beleza e a bondade, sem negar as facetas problemáticas dessas categorias ou as discordâncias entre diferentes culturas", escreveu. Pela própria natureza de suas descobertas, o trabalho de Gardner favorece uma visão integral de cada indivíduo e a valorização da multiplicidade e da diversidade na sala de aula.", finaliza o articulista.

domingo, 23 de outubro de 2016

Em que consiste uma aula?


     No entendimento de Gilles Deleuze (filósofo francês - 18/01/1925 a 04/11/1995), descrevera uma aula assim: "Para mim, uma aula não tem como objetivo ser entendida totalmente. Uma aula é uma espécie de matéria em movimento. É por isso que é musical. Numa aula, cada grupo ou cada estudante pega o que lhe convém. Uma aula ruim é a que não convém a ninguém. Não podem dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm de esperar. Obviamente, tem alguém meio adormecido. Por que ela acorda misteriosamente no momento que lhe diz respeito? Não há uma lei que diz respeito a alguém. O assunto de seu interesse é outra coisa. Uma aula é uma emoção. É tanto emoção quanto inteligência. Sem emoção, não há nada, não há interesse algum. Não é uma questão de entender e ouvir tudo, mas em acordar em tempo de captar o que lhe convém pessoalmente. É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse, que pulam de um para outro. Isso forma uma espécie de tecido esplêndido, uma espécie de textura.". (Youtube.com/notaterapia, 15 ou 17-10-2016). Conceito de uma plasticidade estonteante, convenhamos! Coisa de gênio. Assim é que Walt Whitman deixou assentado poetizando, que:
"Ao começar meus estudos,
me agradou tanto o passo inicial,
a simples conscientização dos fatos,
as formas, o poder de movimento,
o mais pequeno inseto ou animal,
os sentidos, o dom de ver, o amor
- o passo inicial, torno a dizer,
me assustou tanto,
e me agradou tanto,
que não foi fácil, para mim, passar
e não foi fácil seguir adiante,
pois eu teria querido ficar ali
flanando o tempo todo,
cantando aquilo
em cânticos extasiados.".
     É por essas razões que o aprendizado 'a fim de' passar no vestibular ou concluir o curso - comumente logo esquecido, passados esses períodos - pode e deve ser substituído pelo aprendizado constante em função do prazer e da utilidade. E assim se iniciaria ou deverá iniciar-se o cultivo da ciência: só é bom cientista aquele que pensa como quem brinca. Brincando sem perder a seriedade.

domingo, 16 de outubro de 2016

Como o Conhecimento será possível?

     Felizmente, desde sempre há constante preocupação com o conhecimento: ele fascina. E cada educador buscou dar a própria contribuição. Dentre tantos, Protágoras, por exemplo  (em grego antigo: Πρωταγόρας; Abdera, c. 490 a.C.Sicília, c. 415 a.C.[1]) foi um sofista da Grécia Antiga, , como celebridade por cunhar a frase:"O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.", sustentara, segundo Rodolfo Mondolfo, que: "Posto que todo conhecimento da realidade é relativo ao sujeito, não se pode obter mudança no conhecimento que não seja por meio de mudança no sujeito, isto é em sua disposição interior. Tal como o agricultor só pode melhorar os resultados de suas colheitas se modifica as condições orgânicas das plantas exercendo ação direta sobre elas, que são as que devem produzir os frutos, e não sobre os frutos, que são o que são em correspondência com o estado das plantas produtoras; ou tal como o médico, que pode mudar o desgosto experimentado pelo enfermo a respeito do alimento, em gosto semelhante ao que sente o homem sadio, utilizando não já raciocínios para convencer o enfermo da falsidade de suas impressões, alteradas pela enfermidade, mas medicamentos que modificam seu estado orgânico, fonte e causa das impressões que experimenta; assim, o educador deve dirigir suas vistas para o hábito espiritual subjetivo do qual dependem as percepções e valorizações, as tendências e ações de seu educando, e esforçar-se por influir sobre elas atuando sobre sua causa, isto é, modificando o hábito do qual procedem, antes que trabalhar em vão por refutá-las como falsas e demonstrar a verdade das contrárias. [...] E assim, também, na educação é preciso produzir a mudança de um hábito em outro melhor." Michel Miaille, em sua "Uma Introdução Crítica ao Direito", ao apresentar seu livro, adverte: "Tal objetivo é, em primeiro lugar, pedagógico: trata-se de convidar aquele que inicia o estudo do direito a uma reflexão sobre aquilo que vai fazer. [...] Há, aparentemente, alguma lógica nesta posição: como poderia um neófito refletir sobre aquilo que não conhece ainda? Primeiro, é preciso aprender; poder-se-á, em seguida refletir. [...] Comecemos por um relembrar de vocabulário que fará compreender melhor o alcance da tarefa. Introduzir é um termo composto de duas palavras latinas: um advérbio (intro) e um verbo (ducere). Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num lugar novo. Ora, ao contrário do que se poderia facilmente pensar, esta deslocação de um lugar para outro, este movimento, não pode ser neutro. Não há introdução que se imponha por si mesma, pela lógica das coisas. Tomemos um exemplo para nos convencermos desta afirmação. A visita a uma casa desconhecida, sob a orientação de um guia, é sempre uma estranha experiência: o guia introduz-nos na casa, faz-vo-la visitar, faz-vos, de facto, descobrir as suas diferentes divisões. Mas há sempre portas que permanecem fechadas, zonas que se não visitam, e, muitas vezes, uma ordem de visita que não corresponde à lógica do edifício. Em suma, vocês descobriram essa casa "de uma certa maneira": essa introdução foi condicionada por imperativos práticos e não necessariamente pela ambição de dar um verdadeiro conhecimento do edifício. É, aliás, admissível que, se vocês conhecessem bem o guarda, tivessem podido passear sem restrições na casa, abrir as portas proibidas e visitar as zonas fechadas ao público. Em resumo, teriam um outro conhecimento dessa casa, porque teriam aí sido introduzidos de forma diferente. Quer dizer, então, se vocês fossem um dos habitantes dessa casa? Conhece-la-iam "do interior" - conheceriam os seus recantos familiares, as escadas ocultas, o desgaste produzido pelo tempo e a atmosfera íntima. Tudo se passa com se, nas três hipóteses que acabamos de imaginar, não houvesse uma casa, mas três edifícios, no fundo muito diferentes pelo conhecimento que temos deles.". Também, Paulo de Barros Carvalho, neste pequeno fragmento, descrevera: "Decompondo-se o fenômeno do conhecimento, encontramos a linguagem, sem o que o conhecimento não se fixa nem se transmite. Já existe um quantum de conhecimento na percepção, mas ele se realiza mesmo, na sua plenitude, no plano proposicional e, portanto, com a intervenção da linguagem. "Conhecer", ainda que experimente mais de uma acepção, significa "saber proposições sobre". Conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas.".
 
 
 

"Em Carta aos Jovens,

O russo Ivan Pavlov, Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina, certa feita escreveu uma carta aos jovens interessados pela pesquisa e pela ciência. A meu ver, não só jovens no sentido cronológico, mas também para todos aqueles que, independente da idade, estão a se iniciar no universo da pesquisa científica. Até porque, de resto, idade cronológica, por vezes, não atesta maturidade. Mas, o que realçou Pavlov aos jovens iniciantes em pesquisa/ciência? Falou de premissas básicas que, mutatis mutandis, com as mediações contextuais, têm muito a dizer contemporaneamente. Uma expressão russa da carta, tanto em língua portuguesa como inglesa, está traduzida como paixão. Possivelmente, por o que estou informado, não tem a ver com a paixão no sentido tradicional da nossa "raiz linguística" (que pode resultar até em sofrimento), mas diz respeito, sim, a 'entusiasmo comprometido com algo'. Reproduzo, a seguir, a versão da carta em língua portuguesa e inglesa - o cotejamento, entre as duas versões, pode revelar diferenças.
Pavlov: sobre os jovens e a ciência 
Carta aos Jovens 

Por Ivan Pavlov 

O que desejaria eu aos jovens de minha Pátria, consagrados à ciência?
Antes de tudo - constância. Nunca posso falar sem emoção sobre essa importante condição para o trabalho científico. Constância, constância e constância!
Desde o início de seus trabalhos, habituem-se a uma rigorosa constância na acumulação do conhecimento. 
Aprendam o ABC da Ciência antes de tentar galgar seu cume. Nunca acreditem no que se segue sem assimilar o que vem antes. Nunca tente dissimular sua falta de conhecimento, ainda que com suposições e hipóteses audaciosas. Como se alegra nossa vista com o jogo de cores dessa bolha de sabão - no entanto, ela, inevitavelmente, arrebenta e nada fica, além da confusão.
Acostume-se à discrição e à paciência. Aprendam o trabalho árduo da ciência. Estudem, comparem, acumulem fatos.
Ao contrário das asas perfeitas dos pássaros, a ciência nunca conseguirá alçar voo, nem se sustentar no espaço. Fatos - esta é a atmosfera do cientista. Sem eles, nunca poderemos voar. Sem eles, nossa teoria não passa de um esforço vazio.
Porém, estudem, experimentem, observem, esforcem-se para não abandonar os fatos à superfície. Não se transformem em arquivistas de fatos. Tentem penetrar no ministério de sua origem e, com perseverança, procurem as leis que os governam.
Em segundo lugar - sejam modestos. Nunca pensem que sabem tudo. E não se tenham em alta conta; possam ter sempre a coragem de dizer: sou ignorante. Não deixe que o orgulho os domine. Por causa dele, poderão obstinar-se, quando for necessário concordar; por causa dele, renunciarão ao conselho saudável e ao auxílio amigo; por causa dele, perderão a medida da objetividade.
No grupo que me foi dado dirigir, todos formavam uma mesma atmosfera. Estávamos todos atrelados a uma única tarefa e cada um agia segundo sua capacidade e possibilidades. Dificilmente era possível distinguir você próprio do resto do grupo. Mas dessa comunidade tirávamos proveito.
Em terceiro lugar - a paixão. Lembre-se de que a ciência exige que as pessoas se dediquem a ela durante a vida inteira. E se tivessem duas vidas, ainda assim não seria suficiente. A ciência demanda dos indivíduos grande tensão e forte paixão.
Sejam apaixonados por sua ciência e por suas pesquisas.
Nossa Pátria abre um vasto horizonte para os cientistas e é preciso reconhecer - a ciência generosamente nos introduz na vida de nosso país. Prossigam com o máximo de generosidade!
O que dizer sobre a situação de nossos jovens cientistas? Eis que aqui tudo é claro. A vocês muito foi dado, mas de vocês muito se exige. E para os jovens, assim como para nós, a questão de honra é ser digno de uma esperança maior, aquela que é depositada na ciência de nossa pátria.
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Tradução: Annibal Villela, in CASTRO, C. de M. A prática da pesquisa. São Paulo:  McGraW-Hill do Brasil, 1977".
 
     Assim é que, com esses fragmentos, deixamos à reflexão  por parte daqueles dispostos à aventura do conhecimento, sabendo que a linguagem da ciência é complexa e em constante mutação. Requer, por isso, intenso esforço a fim de se compreender e apreciar o mundo fascinante da ciência e de nossa época dominada pelas conquistas da eletrônica, energia nuclear, espaço, tempo etc., é preciso tentarmos o mistério da terminologia.

domingo, 9 de outubro de 2016

O Tempo

     O Relógio

Diante de coisa tão doída
Conservemo-nos serenos

Cada minuto da vida
Nunca é mais, é sempre menos

Ser é apenas uma face
Do não ser, e não do ser

Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer. (Cassiano Ricardo)
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O correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Ser capaz de ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza... (Guimarães Rosa)

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Por João Victor,
O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não o sei.” (Confissões – Agostinho, Livro XI)
Poucos textos carregam o rigor de raciocínio que o Livro XI das Confissões de Agostinho apresenta. Para quem não sabe, Santo Agostinho de Hipona foi um dos Pais da Igreja, responsável pelo estabelecimento de vários dos dogmas ainda aceitos pelo cristianismo. Mas sua importância não se limita aos que professam a crença cristã. Agostinho também foi um filósofo excepcional, como poderemos ver através de sua célebre análise do tempo.
A pergunta sobre o tempo não é fácil. Pode parecer, mas não é. Como Agostinho nos mostra, é difícil entender de que modo existem passado e futuro. De fato, não há como defender que eles existem realmente, pois o passado já não existe mais, e o futuro ainda não existe.
Como, então, medimos o tempo, se o passado não existe e o futuro também não? Não podemos nem mesmo dizer que o passado foi longo, pois não há o que possa ter sido longo, já que ele não existe no momento em que o dizemos. Ou seja: como dizer que o passado foi longo, se não há o que possa ter sido longo? O mesmo se aplica ao futuro.
E quanto ao presente? Este, é claro, inegavelmente, existe, de algum modo. Mas, será que o presente pode ser longo? Agostinho usa o exemplo de cem anos presentes. Serão eles longos? Ora, mas o primeiro desses cem anos é presente, e os outros 99 são futuros e, portanto, ainda não existem. Quando o primeiro ano passar, o segundo será presente, o primeiro, passado, e os outros 98, futuros. Logo, cem anos não podem ser presentes.
Mas o ano se subdivide também em semanas, e o mesmo problema se apresenta. Mas a semana também se subdivide em dias, e os dias em horas, e as horas em minutos, e assim por diante. O que resta, então, que não possa ser subdividido e que, portanto, seja, de fato, presente? Um instante que não tem duração. O presente nada mais é do que um instante que, tão logo seja, deixa de ser, por não ter extensão nem duração.
Contudo, apesar do problema, percebemos os intervalos de tempos, e os comparamos entre si, medindo-os. Mas como fazemos isso? Não é possível medir o que não existe, logo, não se pode medir o passado e o futuro. E o presente não tem duração, não podendo, também, ser medido.
A solução de Agostinho para o problema é engenhosa e totalmente inovadora. Ele diz o seguinte: o passado e o futuro só existem no presente. Pois o passado existe como lembrança do que já foi, e o futuro existe como antecipação do que será. É desse modo que medimos o tempo. Ao dizermos que um certo poema é longo, por exemplo, sabemos disso porque lemos o poema e, na medida em que lemos, guardamos na memória o que já passou do poema, mantemos a atenção no que estamos lendo, e projetamos no futuro o que leremos. Ao terminarmos o poema, tudo virou lembrança, passado, e nossa memória nos diz sobre a duração do poema.
A originalidade de Agostinho deve-se ao compreender de que somos seres temporais e que, portanto, não podemos falar do tempo como se fosse um objeto exterior. Nossa compreensão do tempo é psicológica, e é assim que lidamos com ele, internamente. À pergunta “com que meço eu o tempo”, Agostinho responde: com meu espírito.
Se resta a dúvida sobre como diminui o futuro, se ele ainda não existe, Agostinho diz que “o futuro não é um tempo longo, porque ele não existe; o futuro longo é apenas a longa expectação do futuro. Nem é longo o tempo passado porque não existe, mas o pretérito longo outra coisa não é senão a longa expectação do passado”.
É crucial notar que Agostinho fala aqui de um tempo psicológico, em contraste com um tempo ontológico, exterior ao ser humano. Portanto, Agostinho não está negando a existência do tempo ontológico, como possa parecer, mas sim diferenciando-o do tempo psicológico, que só existe desse modo, ou seja, como lembrança, atenção e projeção.
Outro ponto interessante é que Agostinho abriu as portas, com essa análise do tempo, para inúmeros filósofos que depois dele vieram. Através da internalização do tempo na consciência, foi possível o surgimento de grandes pensadores e obras como Heidegger com o “Ser e tempo”. Mesmo antes de Heidegger, temos Kant, com a “Crítica da Razão Pura”, que transforma o tempo numa das categorias do entendimento, pelas quais acessamos os fenômenos. Ambos os casos mostram pensadores que analisaram o tempo como sendo interno ao ser humano. Claro que a abordagem desses dois autores é muito diferente da de Agostinho, mas é inegável sua importância para que célebres pensadores tenham chegado a suas conclusões.
Em suma, podemos ver, com isso, que Agostinho foi um filósofo extremamente rigoroso em seu raciocínio, e frutífero em vários âmbitos. É comum haver desprezo para com ele por ter sido um pensador religioso, e por seu modo de escrita, sempre citando Deus e louvando-o, mas isso é leviandade. Suas posições não devem ser rejeitadas apenas pelo fundo religioso que tem, mesmo porque há casos bastante claros onde esse fundo religioso pode ser deixado de lado. A questão do tempo é uma delas.
Cito aqui, a título de exemplo, outro campo no qual Agostinho se destacou e deixo uma contribuição significativa: a literatura. Agostinho é conhecido, juntamente com Jean-Jacques Rousseau e Henry Miller, por sua inovação no âmbito da auto-biografia. Ele foi, em suas Confissões, extremamente honesto, sem desvirtuamentos de sua vida, e o valor literário dessa obra é inegável. Rousseau e Miller, como dito, também se destacaram, mas Agostinho foi o primeiro e, sem dúvida alguma, ajudou a firmar o gênero. Outro indício inegável de sua genialidade.
Por último, deixo aqui uma confissão: o motivo que me levou a trazer Agostinho para cá, hoje, é o fim de ano. 2013 se aproxima, e penso que Agostinho nos ajuda um pouco a entender o fenômeno que experienciamos agora. Afinal, o calendário é criação humana, e a tese agostiniana do tempo parece fazer muito sentido quando pensamos a respeito. Criamos o calendário, medimos o tempo, e também damos à passagem do tempo significado. O clima diferenciado começou desde a aproximação do Natal e agora se intensifica. Esperança, renovação, novos planos são algumas das coisas que vemos em abundância nessa época. E, apesar do que muita gente diz por aí, isso é maravilhoso. Hipocrisia existe, é claro, e ilusão quanto à renovação, bom, isso é bastante discutível. Porque o fim de 2012 é um símbolo, assim como cada fim de ano, e nós somos seres simbólicos. Por que não utilizá-los bem? A rigor, se aceitamos o que Agostinho diz, o fato de que poderemos jogar o calendário no lixo amanhã não tem ligação alguma com o mundo exterior. Mas tem com o interior. O calendário importa só para nós, seres humanos, e só em nós ele pode gerar alguma mudança. É uma boa coisa que nos lembremos de 2012, e projetemos 2013 para ser melhor. Com atenção no presente, claro, só assim pra ser melhor.
E, sobre a ilusão do calendário, estou com Drummond [ou melhor, achava que era Drummond, mas uma leitora atentou para o fato de que o texto não é do autor e isso foi, inclusive, confirmado por sua assessoria, assim, estou com o “autor desconhecido”] e contra os chatos de plantão:
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.

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Quando nada acontece há um grande milagre acontecendo que não estamos vendo. (Guimarães Rosa)

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A vida é aquilo que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outra coisa. (John Lennon).

domingo, 2 de outubro de 2016

Confúcio e a Moral

     Filósofos interessados no campo da moral geralmente podem ser divididos em dois grupos: 1º) aqueles que se interessam pela essência moral; 2º) e aqueles que se interessam pelos atos morais. Confúcio com certeza tem mais a dizer sobre a essência moral do que sobre atos morais. Mesmo assim isso não significa que a correção dos atos seja, em última instância, desimportante dentro da sua filosofia. Significa, sim, que em qualquer apreciação da filosofia dele é razoável começar com suas visões sobre a essência da moralidade. Confúcio (551-479 a.C.), embora tivesse origens nobres, nasceu em circunstâncias bastante humildes no reino de Lu, na atual Shantung, em uma época em que o domínio imperial estava em declínio. Pregava uma filosofia moral que tinha o homem como peça central. Para ter responsabilidade moral, ele acreditava, um homem deve pensar por si próprio. Essa crença fez com que Confúcio desse tanta importância ao pensamento quanto ao aprendizado. Antes de ver o que ele tem a dizer sobre a essência moral, é conveniente falar sobre dois conceitos que eram correntes na época dele: o Caminho (tao) e a Virtude (te). A importância que ele atribuía ao Caminho pode ser percebida na seguinte observação: "Não viveu em vão aquele que morre no dia em que descobre o Caminho". Usado nesse sentido, o termo "Caminho" parece cobrir a soma total de verdades sobre o universo e sobre o homem; e não apenas do indivíduo, também do Estado diz-se que possui ou não o Caminho. Ele descrevera qua a tarefa de cuidar das pessoas como algo difícil até mesmo para os sábios. Dizia ele, o Caminho como se trata de algo que pode ser transmitido de professor para discípulo, é necessariamente algo que pode ser colocado em palavras. Entretanto, há um outro sentido, ligeiramente diferente, no qual o termo é usado. O Caminho é dito, também, como sendo o caminho de alguém, por exemplo, "os caminhos dos antigos reis", ou "o caminho do Mestre". O Caminho, então, é um termo altamente subjetivo e se aproxima muito do termo "verdade", tal como é encontrado nas escrituras filosóficas e religiosas do Ocidente. Quanto ao segundo - a Virtude - trata-se de algo que alguém cultiva e que permite a tal pessoa governar bem um reino. E uma das coisas que causava preocupação a ele era, de acordo com ele próprio, seu fracasso em cultivar a própria virtude. Ele também disse que, se um homem guiasse o povo por meio da virtude, o povo não apenas reformaria a si próprio como desenvolveria um sentimento de vergonha. Com isso, é lícito concluir que o governante deve unir os dois conceitos, ou seja: seguir o caminho virtuoso.

domingo, 25 de setembro de 2016

Como fazer nossas dissertações?

     Em "Um Método Dissertativo", Emília Amaral e Severino Antônio questionam e esclarecem: "Como fazer nossas dissertações? Como expor com clareza nosso ponto de vista? Como argumentar coerentemente e validamente? Como organizar a estrutura lógica de nosso texto-introdução, desenvolvimento e conclusão?
     Agora, faremos a sugestão de um método dissertativo. Um processo que você pode usar como infra-estrutura base para montar o rascunho de sua redação. Depois, haverá muitas outras experiências para você desenvolver os vários processos de escrita dissertativa e, assim, escolher os que deseja, os que tiverem resultado mais criativo. Vamos partir de um exemplo, um tema proposto no vestibular da CESCEM-SP: Nenhum homem é uma ilha.
     Primeiro, você sabe, precisamos entender o tema. Ilha, naturalmente, está em sentido figurado, significando solidão, isolamento.
      Vamos sugerir alguns passos para a elaboração do rascunho de sua redação.
1. transforme o tema em uma pergunta: Nenhum homem é uma ilha?
2. procure responder essa pergunta, de um modo simples e claro, concordando ou discordando (ou, ainda, concordando em parte e discordando em parte): essa resposta é o seu ponto de vista;
3. pergunte a você mesmo, o porquê de sua resposta, uma causa, um motivo, uma razão para justificar sua posição: aí estará o seu argumento principal;
4. agora, procure descobrir outros motivos que ajudem a defender o seu ponto de vista, a fundamentar sua posição. Estes serão argumentos auxiliares;
5. em seguida, procure algum fato que sirva de exemplo para reforçar a sua posição. Esse fato-exemplo pode vir de sua memória visual, das coisas que você ouviu, do que você leu etc. Pode ser um fato da vida política, econômica, social. Pode ser um fato histórico etc. Ele precisa ser bastante expressivo e coerente com o seu ponto de vista. O fato-exemplo, geralmente, dá força e clareza à nossa argumentação. Esclarece a nossa opinião. Fortalece os nossos argumentos. Além disso, pessoaliza o nosso texto, diferencia o nosso texto: como ele nasce da experiência de vida, ele dá uma marca pessoal à dissertação.
6. A partir desses elementos, procure juntá-los num texto, que é o rascunho de sua redação. Por enquanto, você pode agrupá-los na sequência que foi sugerida:
= interrogar o tema;
= responder, com a opinião;
= apresentar o argumento básico;
= apresentar argumentos auxiliares;
= apresentar fato-exemplo.
Observação. Existem pessoas que gostam de escrever diretamente o rascunho, sem fazer planejamento prévio. Para essas pessoas, o planejamento pode reprimir o fluxo das ideias. Se você gosta, se é seu jeito, faça diretamente o seu rascunho e, em seguida, experimente o método que estamos sugerindo, passo a passo: você vai descobrindo, vai reconhecendo no rascunho os elementos que estão sendo abordados pelas etapas do processo. O que não estiver presente no seu texto, você vai, então, acrescentando. Esse exercício aumentará a sua capacidade de mudar o seu rascunho, amadurecendo o seu texto, tornando-o mais completo e mais expressivo.". 
    Certa feita, Clarice Lispector teria expressado: "Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva. Não estou me referindo muito a escrever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num conto ou num romance. É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar, nada o substitui. E é uma salvação. Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não abençoada... Lembro-me agora com saudade da dor de escrever livros.".
     "No texto de Clarice Lispector, percebemos que há uma abordagem sobre o processo de escrever: uma maldição, mas uma maldição que salva. Porque a maldição de escrever, ao mesmo tempo, é vista pela escritora como algo que salva, ilumina, que a acaba, paradoxalmente, "abençoando"? Observe que a resposta se inicia a partir de Salva a alma presa ..., cabendo, assim, desde este momento do texto, a expressão porque. A expressão então pode ser associada à ultima frase, na qual Clarice explica as consequências da maldição salvadora de escrever.".

domingo, 18 de setembro de 2016

Homem: Quem é Ele?

"Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti, quando estão todos duvidando
E para estes no entanto, achar uma desculpa;
Se és capaz de desejar sem te deseperares;
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso; 
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares;
e não parecer bom demais nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires;
De sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores;
Se, encontrando a derrota e o triunfo, conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E, as coisas porque desta vida, estraçalhadas,
E refazê-las com bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar uma única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perdes, e ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tonar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
A dar, seja o que for, que neles ainda existe
E a persistir assim quando exausto, contudo,
Resta a vontade em ti, que ainda ordena: persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
E, entre reis, não perder a naturalidade;
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes, ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo
Ao minuto fatal todo valor e brilho:
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E - o que é muito mais - és um HOMEM, meu filho!". (IF DE KIPLING - tradução de Guilherme de Almeida).

domingo, 11 de setembro de 2016

Esquemas Mentais

     Colhe-se do pensamento sufista: "O espírito dorme na pedra, respira nas plantas, move-se nos animais e pensa no homem". Assim, Teilhard de Chardin escrevera que a consciência humana tem raízes que remontam até os primórdios daquilo que chamamos de matéria puramente bruta e inerte. Com maior amplitude, encontra-se no livro persa 'Mathanawi' do autor Jalalu'I-Din Rumi (1207-1273 d.C), o seguinte pensamento: "Morri mineral, converti-me em planta. Morri planta e nasci animal. Morri animal e me converti em homem. Por que, pois, hei de temer a alguém?". E mais: "Tempos houve em que o ser humano levava uma vida em estado selvagem. Não havia nem recompensa nem castigo para o mal ou o bem que praticava. Então, os homens imaginaram leis para infligir castigo ao pecador, a fim de, destarte, a justiça poder exercer domínio igual sobre todos e não permitir a violência. Era castigado, quem pecava. Mas, as leis tão-somente atingiam a violência aberta, manifesta, não, porém, os crimes ocultos. Então, alguém, mais inteligente, engendrou o medo dos deuses, para que os homens temessem não apenas as consequências dos seus feitos visíveis, mas, igualmente, das palavras e, até, dos pensamentos mais íntimos, mais secretos. Nascera a religião. Esse homem, mais inteligente, ensinava que existe um ser sobrenatural, imortal, capaz de perceber tudo quanto é feito, dito ou pensado. A ficção foi recebida com alegria e prazer. A residência dos deuses foi posta no céu de onde provêm as bênçãos e os castigos, tais como chuvas, trovões e relâmpagos. O homem que descobriu este expediente cercou a humanidade com uma atmosfera de medo. Convenceu-os, assim, a aceitar a raça dos deuses" (Benjamin Farrington - A doutrina de Epicuro, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1967).
     Parece que, desde sempre, o homem buscou saber de si e do exterior. Sabe-se ou supõe saber que os registros das indagações deram-se com os poetas, depois com profetas, depois com os filósofos, depois com cientistas. Também, percebe-se, que desde sempre, existiram e continuam a existir os mitos. O mito - do grego "mythos" = discurso, narrativa, boato, legenda, fábula, apólogo. Originariamente, o termo significava uma narrativa fantasiosa da genealogia e dos feitos das divindades do politeísmo registrados nas teogonias. Como narrações imaginosas, distinguiam-se dos escritos propriamente históricos, pelo fato de não se enquadrarem dentro das coordenadas do espaço e to tempo histórico - revela-se um esquema mental restritivo. Ele conduz ao maniqueísmo (doutrina fundada por Mani no século III, na Pérsia, e segundo a qual o Universo é a criação de dois princípios que se combatem: o bem ou Deus, e o mal ou o Diabo; por extensão, toda doutrina fundada nos dois princípios opostos do bem e do mal). Por exemplo, por esse esquema mental mitológico, ainda atualmente, existe a ideia de que a sabedoria é atributo dos idosos. Isso, contudo, não se verifica. Tanto o idoso poderá tornar-se sábio como o jovem. As pesquisas apontam que há jovens com sabedoria e idosos que não passaram da idade mental típica da infância. Com efeito: "[...] a sabedoria não tem preferências pelo poder, pela riqueza ou pela idade juvenil ou senil. O que importa é a capacidade de discernir o momento oportuno e a ação certa para atingir com eficiência.[...] Toda vida humana é uma espécie de culto exterior ao deus que ela adora em seu interior." (Ivo Storniolo - Trabalho e Felicidade, Paulus, 2002, p. 69 e 72). Como dizia alguém, a vida é um grande problema, por sua vez dividido em muitos pequenos ou grandes problemas. De modo que viver é resolver problemas, e viver bem é ser capaz de resolver o problema que se encontrar pela frente. Quanto a isso, devemos substituir a palavra problema por desafio. É que problema nunca se resolve e desafio se supera. Tocando em frente, portanto. Conforme Erich Fromm, há milhares de anos foi dito a uma pequena tribo: "Coloquei diante de vós a vida e a morte, a graça e a maldição - escolhestes a vida.". Esta é também a nossa, escolha.