sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Sujeito de Direitoe sujeito de Interesse

      Michel Foucault (Nascimento da Biopolítica, São Paulo, Martins Fontes, 2008, p. 370), em aula ministrada, descrevera que "o que o empirismo inglês traz, sem dúvida pela primeira vez, na filosofia ocidental, é um sujeito que não é definido nem pela sua liberdade, nem pela oposição entre alma e corpo, nem pela presença de um foco ou núcleo de concupiscência mais ou menos marcado pela queda ou pelo pecado, mas um sujeito que aparece como sujeito das opções individuais ao mesmo tempo irredutíveis e intransmissíveis. Irredutível quer dizer o quê? [...] Digo intransmissível, não no sentido de que não se poderia, a partir daí, substituir uma opção por outra. Poder-se-ia perfeitamente dizer que, se alguém prefere a saúde à doença, também pode preferir a doença à morte e, nesse caso, optar pela doença. É evidente também que podemos perfeitamente dizer: prefiro estar eu doente em vez de outra pessoa estar. [...] São portanto opções irredutíveis e opções intransmissíveis em relação ao sujeito. Esse princípio de uma opção individual, irredutível, intransmissível, esse princípio de uma opção e incondicionalmente referida ao próprio sujeito - é isso que se chama interesse. [...] Em suma, o interesse aparece como um princípio empírico de contrato. E a vontade jurídica que se forma então, o sujeito de direito que se constitui através do contrato é, no fundo o sujeito do interesse, mas o sujeito de um interesse de certo modo depurado, que se tornou calculador,  racionalizado, etc. [...] Os juristas dizem, em particular Blackstone dizia mais ou menos nessa época: respeita-se o contrato porque, a partir do momento em que os indivíduos, sujeitos de interesse, reconheceram que era interessante contratar, a obrigação do contrato constitui uma espécie de transcendência em relação à qual o sujeito se acha de certo modo submetido e constrangido, de modo que, tendo se tornado sujeito de direito, vai obedecer ao contrato. [...] o sujeito de direito e o sujeito de interesse não obedecem em absoluto à mesma lógica. O que caracteriza o sujeito de direito? É que ele tem de início direitos naturais, claro. Mas ele se torna sujeito de direito, num sistema positivo, quando aceita, pelo menos, o princípio de ceder direitos naturais, quando aceita pelo menos o princípio de renunciar a eles, quando subscreve uma limitação desses direitos, quando aceita o princípio da transferência. Ou seja, o sujeito de direito é por definição um sujeito que aceita a negatividade, que aceita a renúncia a si mesmo, que aceita, de certo modo, cindir-se e ser, num certo nível, detentor de um certo número de direitos naturais e imediatos e, em outro nível, aquele que aceita o princípio de renunciar a eles e vai com isso se constituir com um outro sujeito de direito superposto ao primeiro. A divisão do sujeito, a existência de uma transcendência do segundo sujeito em relação ao primeiro, uma relação de negatividade, de renuncia, de limitação entre um e outro, é isso que vai caracterizar a dialética ou a mecânica do sujeito de direito, e é aí nesse movimento, que emergem a lei e a proibição.". Pois bem, essas transposições têm por objetivo levar à consideração dos estudiosos do Direito a necessidade de aprofundar a pesquisa em Michel Foucault. É que é comum a observação, no âmbito acadêmico, no sentido de que os estudos desse autor limita-se ao livro Vigiar e Punir. Esta chamada, com estes poucos fragmentos, está para despertar a necessidade de uma busca maior das contribuições proporcionadas por esse autor. Vale a pena.

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