sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O Político e o Educador

     O objetivo destes apontamentos é traçar uma concepção abrangente da relação complexa entre a Política e Educação, portanto: não se trata de política partidária. Foi elaborado mediante recortes de Sólon e Aristóteles. Com efeito, para Sólon: "O povo seguirá melhor aos seus líderes se não for livre demais e nem contido demais, pois o excesso produz atitudes insolentes quando as grandes fortunas ficam nas mãos de homens que carecem de condições de julgamento.". Em Aristóteles encontra-se a proposição: "[...] o objetivo da vida política é o melhor dos fins, e essa ciência dedica o melhor de seus esforços a fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações" [...]; [...]"a fim de ouvir inteligentemente as preleções sobre o que é nobre e justo, e em geral sobre temas de ciência política, é preciso ter sido educado nos bons hábitos."; [...] "E não faz diferença que seja jovem em anos ou no caráter; o defeito não depende da idade, mas do modo de viver e de seguir um após outro cada objetivo que lhe depara a paixão."; "[...] "Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra. Ora, a política mostra ser dessa natureza, pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada cidadão deve aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdades tidas em maior apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas a ela. Ora, como a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla sobre o que devemos e o que não devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger as das outras, de modo que essa finalidade será o bem humano. Com efeito, ainda que tal fim seja o mesmo tanto para o indivíduo como para o Estado, o deste último parece ser algo maior e mais completo, quer a atingir, quer a preservar. Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo só, é mais belo e mais divino alcançá-lo para com uma nação ou para as cidades-Estados."; "[...] Ligada ao assunto que acabamos de de discutir está a questão sobre se precisamos considerar as mesmas, ou não, as virtudes de um homem virtuoso e as de um cidadão sério e zeloso. Devemos, procurar uma concepção sobre a virtude de um cidadão. Um cidadão é uma parte da comunidade, como o marinheiro o é em relação à tripulação; embora cada membro da tripulação tenha sua própria função, e um nome que se ajuste a ela - remador, timoneiro, vigia -, e possua portanto sua virtude naquele trabalho em particular, há também uma espécie de virtude que toda a tripulação deve ter, uma função da qual todos desempenhem um papel: a condução segura da viagem; pois cada membro da tripulação objetiva assegurá-la. De modo similar, o objetivo de todos os cidadãos, não importa quão dessemelhantes possam ser, é a segurança da comunidade, isto é, a constituição da qual são cidadãos. Desse modo, a virtude do cidadão deve sê-lo em relação à constituição; e, se houver mais espécies de constituições, não apenas uma, então não pode haver uma única virtude perfeita, na qual se encaixe o cidadão virtuoso. Por outro lado, dizemos que o homem virtuoso o é por causa de uma única virtude perfeita. Está claro, então, que é possível ser um cidadão virtuoso e sério sem ter a virtude que torna virtuoso um homem virtuoso. Analisemos o assunto por outro ângulo e consideremos a virtude da melhor constituição, supondo que seja possível, para um Estado, consistir inteiramente de homens virtuosos e zelosos; cada qual devia então fazer, e bem, seu próprio trabalho; executá-lo bem depende da virtude de cada qual em relação a ele. Mas, uma vez que é impossível que todos ps cidadãos sejam semelhantes, então pode haver virtudes semelhantes no cidadão e no homem virtuoso. Pois a virtude do cidadão virtuoso deve estar ao alcance de todos; apenas assim pode o Estado, em si, ser realmente virtuoso. Mas é impossível, a todos, ter a virtude do homem virtuoso, a não ser que seja condição essencial, para uma cidade virtuosa, que todos os cidadãos sejam homens. Uma cidade compõe-se de partes diferentes. Assim como uma animada consiste de corpo e mente, e a mente consiste de raciocínio e desejo, e uma família consiste de marido e esposa, e um negócio consiste de senhor e escravo, assim também uma cidade se constitui de todas essas coisas e de muitas outras, todas diferentes. As virtudes de todos os cidadãos não podem, portanto, ser uma, não mais do que, num coral, as virtudes do líder e dos que estão a seu lado são uma. Embora, em geral, isso seja perfeitamente verdadeiro, pode-se perguntar se não é possível, num caso específico, que a mesma virtude pertença tanto ao cidadão virtuoso quanto ao homem virtuoso. Poderíamos responder que caso assim existe, uma vez que tomamos como certo que um bom governante é a um só tempo virtuoso e sábio, e a sabedoria é essencial para a pessoa envolvida com os trabalhos do Estado. (Alguns dizem que essa é uma questão de educação e que deve haver um tipo de educação diferente para os governantes. Exemplificam: a) o treinamento dos filhos da realeza na equitação e na guerra; b) um ditado de Eurípedes, que supostamente se refere à educação da classe governante: "Nada de supérfluo na educação, por favor; apenas aquilo que interessa à nação".) Embora possamos dizer que a virtude é a mesma no bom governante e no homem virtuoso, pois o governado também é cidadão, não podemos afirmar, em absoluto, que as virtudes do cidadão e do homem sejam uma; somente dizemos que isso pode vir a acontecer no caso de um cidadão específico. Pois certamente as virtudes do governante e do cidadão não são as mesmas. E tal, sem dúvida, é o motivo pelo qual o Jasão de Férae disse que passaria fome no momento em que deixasse de ser governante, pois essa era a única espécie de trabalho que sabia exercer. Mas certamente é bom aprender a obedecer, tanto quanto comandar, e creio que podemos dizer que a virtude do cidadão é exatamente esta: saber bem como governar e como ser governado. Se, então, dissermos que a virtude do governante é ser bom em governar, e que a virtude do cidadão é ser bom tanto em governar como em obedecer, as duas virtudes não podem ser do mesmo nível. Há algo assim numa regra despótica. O trabalho, quando feito nessas condições, é necessário mas servil; o senhor só precisa saber como usar tal trabalho. Alguma coisa mais - como ser capaz de desempenhar, e realmente o fazer, o trabalho dos servos - é simplesmente servil. Isso se aplica a vários tipos de trabalho, incluindo os manuais, especializados ou não; apenas nas democracias radicais os artesãos conseguem ocupar cargos públicos. Então o trabalho daqueles que estão sujeitos a um senhor não é algo que ou o homem virtuoso, ou o estadista ou o cidadão virtuoso precisem apender, exceto para o uso que podem fazer dele. De outro modo, a distinção entre senhor e servo simplesmente deixaria de existir. Mas existe outra espécie de regra: a exercida entre homens livres e iguais no nascimento. Nós a denominamos "constitucional" ou "política". É ela que um governante deve primeiro aprender, e a aprende ao ser governado, assim como em qualquer arma alguém aprende a comandar sendo, primeiramente, um oficial júnior. Este é um princípio justo; não é possível ser bom comandante sem primeiro aprender a obedecer. Não que o governo e a obediência virtuosos sejam a mesma coisa; mas o cidadão virtuoso precisa ter o conhecimento e a habilidade tanto de governar como de ser governado. É isso que entendemos por virtude de um cidadão - entender o  governo de homens livres por homens livres. Voltando ao homem virtuoso, encontramos a mesma ambivalência; ele é virtuoso quer governe, quer seja governado. E isso é verdade até mesmo quando o bom comportamento e a justiça não são os mesmos num assunto como o são da esfera do governo. Pois está claro que a virtude (por exemplo, a justiça) de um homem virtuoso, livre mas governado, jamais será uma e a mesma; tomará formas diferentes, de acordo com sua condição, de governante ou de governado, assim como os padrões de bom comportamento e a coragem variam entre os homens e as mulheres. Um homem pareceria covarde se tivesse somente a coragem da mulher; uma mulher pareceria loquaz se fosse não mais reticente do que um homem bem-comportado. Homens e mulheres desempenham diferentes papéis, no lar; ele conquista, ela cuida. Mas, para um governante, a única qualidade especial, ou virtude, é a inteligência; todas as outras pertencem, assim me parece, a governados e a subordinados. A qualidade necessária de um subordinado não é a inteligência mas a informação correta; ele é como a pessoa que faz flautas, enquanto o governante é aquele que a toca.". Pois bem, o recorte foi longo e valeu a pena aos propósitos almejados. É que a relação entre a Política e a Educação consiste numa estrutura composta de muitas camadas e de vários níveis. Esses níveis devem ser entendidos tanto no sentido de modos de consideração de pontos de vistas quanto no sentido de dimensões da relação objetivamente existente da Política com sua história e com a Educação. O contexto procurou deixar claro qual o sentido mais preciso que se tem em mente em cada caso.

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