sábado, 31 de março de 2018

IED - UNIDADE I a IV (Continuação: Fundamentos do Direito. Direito e Moral)


IED - UNIDADE I a IV (Continuação: Fundamentos do Direito. Direito e Moral)

Didaticamente, poderíamos dizer que qualquer raciocínio que façamos, sobre os assuntos de nossa realidade mais comum, pode ser bem desenvolvido se refletirmos a respeito da razão de ser, das características e da utilidade maior desses assuntos. Assim, a lógica de raciocínio – que é, na verdade, universal -, ao estudarmos a razão de ser do Estado (valores, métodos e critérios), estamos no terreno dos Princípios Jurídicos – o que, para nós corresponde ao vasto campo da Cultura Jurídica. Quando formos dedicar nosso estudo às características do Estado, pisamos o terreno das Normas Jurídicas – campo da Técnica Jurídica. Finalmente, tratando-se da utilidade maior do Estado, chamemos a esse terreno de Aplicação Jurídica – campo do Exercício Jurídico.

Jean-Louis Bergel (Teoria Geral do Direito, São Paulo, Martins Fontes, 2001), indaga: “O direito será um fenômeno espontâneo que nasce da reunião dos homens em grupos e se impõe por si só a toda vida social ou será apenas um conjunto de regras impostas pelo poder público aos membros de uma sociedade e destinadas a organizar as relações deles? E responde:

01. Os fundamentos do direito se identificam com todas as suas raízes. Definir o direito de uma maneira homogênea e definitiva parece impossível. O termo “direito” é entendido pelos moralistas, pelos religiosos e por certos filósofos, no sentido de “justo” e de “justiça” enquanto, para os juristas, significa “regra de direito”. Para uns, é um ideal; para outros, é uma norma positiva. Alguns só veem nele uma “disciplina de ação destinada a instituir ou preservar certo estado da sociedade”, portanto uma simples disciplina social; outros buscam nele um conjunto de regras de boa conduta. Para alguns, o direito é apenas um aspecto dos fenômenos sociais, como a sociologia ou a história. Para outros, é “um sistema de representações intelectuais que se identificam segundo princípios que lhe são próprios, de modo totalmente independente dos fenômenos sociológicos ou históricos”. Alguns pensam que sempre é apenas “o resultado provisório da luta secular travada pelas forças sociais e das alianças de interesses que podem, em certos momentos, operar-se entre elas”. Outros rejeitam a ideia de que o direito procede apenas de uma evolução histórica e de um determinismo material e sustentam que o direito resulta apenas da vontade e da atividade humana. A busca de uma definição só pode apoiar-se nas diversas teses assim sustentadas, mesmo que aqui só se possa fazer uma evocação muito sumária delas. Ora, essa busca é forçosamente difícil e incerta em razão da heterogeneidade das ordens jurídicas, conforme as épocas e conforme os países, e das vicissitudes da determinação dos limites do direito em comparação com outras regras sociais. Pode-se provisoriamente admitir, porém, que o direito é uma disciplina social constituída pelo conjunto das regras de conduta que, numa sociedade com maior ou menor organização, regem as relações sociais e cujo respeito e garantido, quando necessário, pela coerção pública. O direito, em si, é então, provavelmente, ao mesmo tempo o produto dos fatos e da vontade do homem, um fenômeno material e um conjunto de valores morais e sociais, um ideal e uma realidade, um fenômeno histórico e uma ordem normativa, um conjunto de atos de vontade e de atos de autoridade, de liberdade e de coerção... São suas diversas expressões que são parciais e expressam mais ou menos, conforme os sistemas jurídicos e conforme as matérias, ora a ordem social ou os valores morais, ora o individualismo ou o coletivismo, ora a autoridade ou a liberdade... A regra de direito é o produto da vida social, mas também criada por uma vontade sem a qual ela seria apenas virtual e sem efeito. Procede de atos individuais ou se lhes aplica, mas só pode impor-se comumente porque é reconhecida ou imposta por uma autoridade social. A regra de direito se distingue então da lei científica pois, contrariamente a esta que expressa a constante e necessária sucessão de certos fenômenos, ela organiza comportamentos que nem sempre são observados. O direito fornece modelos variáveis. Não produz automaticamente efeitos constantes. Mas o direito é a um só tempo o fundamento do que é exigível do homem que vive em sociedade e o conjunto das regras que regem as relações dos homens entre si. É ao mesmo tempo a ordem moral e social e as regras de direito positivo. A regra de direito, pela qual se exterioriza a ordem jurídica e que assim é apenas seu elemento formal, não pode ser apartada do fundo do direito, noutras palavras, dos fundamentos e das finalidades do sistema jurídico. Por conseguinte, toda definição do direito supõe ao mesmo tempo o estudo do fenômeno jurídico e o da regra de direito, do fundo e da forma.

02. E adverte: Uma boa formação dos estudantes deveria ser mais bem nutrida de teoria geral e menos entulhada de meros conhecimentos acumulados.

03.  MORAL. Da raiz latina “mores” = costumes, conduta, comportamento, modo de agir. É o conjunto sistemático das normas que orientam o homem para a realização de um fim. Não se deve confundir fim, com objetivo. Objetivo é um determinado alvo que um homem se propõe a conquistar pelos seus esforços, ou por toda a sua vida, por exemplo: o conforto, o prazer, as honras, o poder político etc. Em função do objetivo fixado, o homem adota os modos de agir que lhe parecem eficazes para conquista-lo. Fim é uma destinação imanente a cada ser, mesmo independentemente de sua vontade, caso se trate de um ser livre; é a razão de ser de uma existência, é o seu sentido profundo. Assim, o problema fundamental da moral, é definir se o homem tem um fim, e, eventualmente, qual é este fim. O homem é o único ser no qual se verifica uma distância entre sua existência e a sua essência, entre o que ele é e o que ele deve ser. A flor é perfeitamente flor, desde botão evolui inelutavelmente para realizar sua essência de flor. O homem, quando nasce, traz em si uma imensa ambiguidade ou melhor, plurivalência: poderá ser um sábio ou um ignorante, um santo ou um viciado, um herói ou um bandido. Daí se induz uma primeira conclusão: qualquer que seja o seu fim, como sujeito é o homem que deve realiza-lo, é ele mesmo que deve superar a distância entre sua existência e sua essência, não em virtude de determinismos de forças físicas, químicas ou biológicas, mas livremente, pelo exercício de sua responsabilidade, diferençando-se, assim, de todos os outros seres. O homem só adquire sentido a partir do momento em que, além de sujeito, ele passa a constituir-se objeto de uma consciência que o apreende e o investe e integra numa visão conjunta. O fim do homem é, pois, o de realizar, pelo exercício de sua liberdade, a perfeição de sua natureza. É desta norma que cada uma das suas ações tira a sua moralidade. A moral é, pois, um saber normativo, e por este aspecto, se distingue da Ética, esta é uma ciência especulativa. Em resumo: a moral é a ação, a prática; e ética é a teoria da ação, o estudo, a pesquisa, a epistemologia, o conhecimento da moral. A Ética orienta a moral. A Ética tem por objetivo o estudo filosófico da ação e da conduta humana, procurando a justificação racional dos juízos de valor sobre a moralidade. A Moral se distingue, também, da ciência dos costumes que que é positiva, puramente constativa e que, utilizando os métodos da pesquisa sociológica, descreve o modo de agir de um grupo, num determinado tempo e época. Distintas entre si, pelos seus respectivos objetos, estas ciências, entretanto, se completam e se beneficiam mutuamente. Do que precede se pode verificar o erro dos que concebem a Moral como um mero e fastidioso catálogo de proibições. Ela não é negativista, mas essencialmente construtiva, neste sentido que orienta o homem na construção de seu próprio destino, na realização de sua própria plenitude. Para usar uma comparação: se cada geração fosse obrigada a redescobrir as regras para tocar piano, a humanidade jamais chegaria a criar uma “Fuga” de Bach, ou um minueto de Mozart. Assim, também, se cada geração devesse redescobrir as normas do bem viver, estaríamos ao nível dos trogloditas e a humanidade jamais conseguiria elevar seu nível moral. Desprezar a Moral é sempre uma tentativa de racionalizar uma decadência ou degradação humana. O termo moral empregado como substantivo masculino, refere-se ao estado psicológico de um grupo. Neste sentido, se diz, por exemplo, que a moral da tropa é alto, para significar que ela se encontra em boas disposições de coragem e de capacidade para a ação. O postulado básico da Moral é a liberdade, ou seja, o fato de que a vida humana se situa entre o determinismo e a espontaneidade. O homem não é encaminhado a seu fim por leis cósmicas rígidas e inexoráveis, como acontece com o mundo infra-humano. Mas não é, também, abandonado a um absoluto espontaneísmo, como se não tivesse um fim, mas apenas objetivos. Ele é solicitado a um fim por uma necessidade, não física, mas moral, que se chama dever. A Moral, postula, assim, a liberdade como risco pessoal, como opção voluntária, como autodeterminação. O fundamento da Moral é a liberdade e o pressuposto é a responsabilidade.
03.1. O jurista deve ser um regente de orquestra, apto a dominar e coordenar todos os instrumentos do direito: a solução jurídica não pode provir do som, por vezes discordante, de uma disposição isolada, mas depende para sua compreensão, para sua aplicação e sua execução dos princípios, das instituições, dos conceitos e dos procedimentos técnicos da ordem jurídica geral. O jurista não pode ser nem um mero autômato, condenado à aplicação servil de uma regulamentação exageradamente meticulosa, nem um aprendiz de feiticeiro que desencadeia consequências desordenadas e imprevistas por ignorar a dependência e a inserção da regra de direito em seu contexto.

04. CASO. No verão de 2004, o furação Charley pôs-se a rugir no Golfo do México e varreu a Flórida até o Oceano Atlântico. A tempestade, que levou 22 vidas e causou prejuízos de 11 bilhões de dólares (Michel McCarthy – USA Today, 20/08/2004), deixou também em seu rastro uma discussão sobre preços extorsivos. Em um posto de gasolina em Orlando, sacos de gelo de 2 dólares passaram a ser vendidos por 10 dólares. Sem energia para refrigeradores ou ar condicionado em pleno mês de agosto, verão no hemisfério norte, muitas pessoas não tinham alternativa senão pagar mais pelo gelo. Árvores derrubadas aumentaram a procura por serrotes e consertos de telhados. Prestadores de serviços cobraram 23 mil dólares para tirar 2 árvores de um telhado. Lojas que antes vendiam normalmente pequenos geradores domésticos por 250 dólares pediam agora 2 mil dólares. Por uma noite em um quarto de motel que normalmente custaria 40 dólares cobraram 160 a uma mulher de 77 anos que fugia do furacão com o marido idoso e a filha deficiente. Muitos habitantes da Flórida mostraram-se revoltados com os preços abusivos. “Depois da tempestade vêm os abutres” foi uma das manchetes do USA Today. Um morador, ao saber que deveria pagar 10.500 dólares para remover uma árvore que caíra em seu telhado, disse que era errado que as pessoas “tentassem capitalizar à custa das dificuldades e da miséria dos outros”. Charlie Crist, procurador-geral do estado, concordou: “Estou impressionado com o nível de ganância que alguns certamente têm na alma ao se aproveitar de outros que sofrem em consequência de um furacão.” A Flórida tem uma lei contra preços abusivos e, após o furacão, o gabinete do procurador-geral recebeu mais de 200 reclamações. Alguns dos reclamantes ganharam ações judiciais. Uma filial do Days Inn, em West Palm Beach, teve de pagar 70 mil dólares em multas e restituições por cobranças excessivas aos clientes. Entretanto, quando Crist exigiu o cumprimento da lei sobre preços extorsivos, alguns economistas argumentaram que a lei  - e o ultraje público – baseava-se em um equívoco. Nos tempos medievais, filósofos e teólogos acreditavam que a troca de mercadorias deveria ser regida por um “preço justo”, determinado pela tradição ou pelo valor intrínseco das coisas. Mas nas sociedades de mercado, observaram os economistas, os preços são fixados de acordo com a oferta e a procura. Não existe o que se denomina “preço justo”. Thomas Sowell, economista partidário do livre mercado, considerou o termo “extorsão” aqui aplicado uma “expressão emocionalmente poderosa porém economicamente sem sentido, à qual a maioria dos economistas não dá atenção, porque lhes parece vaga demais”. Em artigo no Tampa Tribune, Sowell procurou explicar “como os ‘preços abusivos’ ajudaram os cidadãos da Flórida”. As despesas aumentaram “quando os preços são significativamente mais altos do que aqueles aos quais as pessoas  estão acostumadas”, escreveu Sowell. Mas “os níveis de preços aos quais você está acostumado” não são moralmente sacrossantos. Eles não são mais “especiais ou ‘justos’ do que outros preços” que as condições do mercado – incluindo as provocadas por um furacão – possam acarretar. Preços mais altos de gelo, água engarrafada, consertos em telhados, geradores e quartos de motel têm a vantagem, argumentou Sowell, de limitar o uso pelos consumidores, aumentando o incentivo para que empresas de locais mais afastados forneçam as mercadorias e os serviços de maior necessidade depois do furacão. Se um saco de gelo alcança 10 dólares quando a Flórida enfrenta falta de energia no calor de agosto, os fabricantes de gelo considerarão vantajoso produzir a transportar mais. Não há nada injusto nesses preços, explicou Sowell; eles simplesmente refletem o valor que compradores e vendedores resolvem atribuir às coisas quando as compram e vendem. Jeff Jacoby, comentarista econômico que escreve para o Boston Globe, criticou as leis para preços abusivos de forma semelhante: “Não é extorsão cobrar o que o mercado pode suportar. Não é ganância nem falta de pudor. É assim que mercadorias e serviços são fornecidos em uma sociedade livre”. Jacoby reconheceu que “os picos de preços são irritantes, especialmente para alguém cuja vida acaba de ser lançada em um turbilhão por uma tempestade mortal”. Mas a ira pública não é justificativa para que se interfira no livre mercado. Por meio de incentivos aos fornecedores para que produzam mais mercadorias necessárias, os preços aparentemente exorbitantes “trazem mais benefícios do que malefícios”. Jacoby conclui: “Infernizar os comerciantes não vai acelerar a recuperação da Flórida. Deixá-los trabalhar vai.” O procurador-geral Crist (um republicano que mais tarde seria eleito governador da Flórida) publicou um texto em um jornal de Tampa defendendo a lei contra o abuso de preços: “Em tempos de emergência, o governo não pode ficar à sombra enquanto são cobrados às pessoas preços inescrupulosos no momento em que elas tentam salvar suas vidas ou procuram as mercadorias básicas para suas famílias depois de um furacão.” Crist repudiou a ideia de que esses preços “inescrupulosos” sejam reflexo de um comércio verdadeiramente livre:
             Não se trata de uma situação normal de livre mercado, na qual pessoas que desejam comprar algo decidem livremente entrar no mercado e encontram pessoas dispostas a vender-lhes o que desejam, na qual um preço obedece à lei da oferta e da procura. Numa situação de emergência, compradores coagidos não tem liberdade. A compra de artigos básicos e a busca de abrigo seguro são algo que lhes é imposto.
A discussão sobre abuso de preços provocada pelo furacão Charley levanta graves questões sobre moral e lei: É errado que vendedores de mercadorias e serviços se aproveitem de um desastre natural, cobrando tanto quanto o mercado possa suportar? Em caso positivo, o que, se é que existe algo, a lei deve fazer a respeito? O Estado deve proibir abuso de preços mesmo que, ao agir assim, interfira na liberdade de compradores e vendedores de negociar da maneira que escolherem?
Essas questões não dizem respeito apenas à maneira como os indivíduos devem tratar uns aos outros. Elas também dizem respeito a como a lei deve ser e como a sociedade deve se organizar. São questões sobre justiça. Para responder a elas, precisamos explorar o significado de justiça. Na verdade, já começamos a fazer isso. Se você prestar atenção ao debate, notará que os argumentos a favor das leis relativas ao abuso de preços e contra elas giram em torno de três ideias: aumentar o bem-estar, respeitar a liberdade e promover a virtude. Cada uma dessas ideias aponta para uma forma diferente de pensar sobre justiça. A defesa usual dos mercados sem restrições baseia-se em duas postulações – uma sobre bem-estar, outra sobre liberdade. Primeiro, os mercados promovem o bem-estar às sociedades como um todo por meio de incentivos para que as pessoas se esforcem a fim de fornecer as mercadorias que as outras desejam. (No dizer comum, frequentemente equiparamos o bem-estar à prosperidade econômica, embora bem-estar seja um conceito mais amplo, que pode incluir aspectos não econômicos do bem-estar social). Em segundo lugar, os mercados respeitam a liberdade individual; em vez de impor um determinado valor às mercadorias e serviços, deixam que as pessoas escolham por si mesmas que valor atribuir ao que compram e vendem. Não é de surpreender que os opositores das leis contra abuso de preços invoquem esses dois argumentos usuais na defesa do livre mercado. Como os partidários das leis contra abuso de preços respondem? Em primeiro lugar, argumentam que o bem-estar da sociedade como um todo não é realmente favorecido pelos preços exorbitantes cobrados em momentos difíceis. Mesmo que os preços altos originem um maior fornecimento de mercadorias, esse benefício deve ser confrontado com a sobrecarga que tais preços impõem àqueles com menor potencial para adquirir os bens. Para os abastados, os preços inflacionados de um galão de gasolina ou um quarto de motel durante uma tempestade podem ser um aborrecimento a mais; mas, para aqueles com posses mais modestas, tais preços constituem uma dificuldade real, que pode leva-los a permanecer em locais perigosos em vez de buscar segurança. Os defensores das leis contra o abuso de preços argumentam que qualquer estimativa do bem-estar geral deve considerar a dor e o sofrimento daqueles que são obrigados a pagar mais por suas necessidades básicas durante uma emergência. Em segundo lugar, os defensores das leis contra o abuso de preços sustentam que, em determinadas condições, o mercado livre não é verdadeiramente livre. Como diz Crist, “compradores sob coação não têm liberdade. Suas compras de artigos para suprir necessidades básicas, assim como a busca por abrigo seguro, são algo que lhes é imposto pela necessidade”. Se estiver fugindo de um furacão com a família, o preço exorbitante que paga pela gasolina ou por um abrigo não é realmente uma transação voluntária. É algo mais próximo da extorsão. Assim, para decidir se as leis de preços abusivos se justificam, precisamos avaliar essas relações entre bem-estar e liberdade. Entretanto, precisamos também considerar outro argumento. Grande parte do apoio às leis contra o abuso de preços vem de algo mais visceral do que bem-estar ou liberdade. As pessoas se revoltam com “abutres” que se aproveitam do desespero alheio, e querem puni-los – e não recompensá-los com lucros inesperados. Tais sentimentos são muitas vezes descartados como emoções rancorosas que não devem interferir na política pública ou na lei. Como escreve Jacoby, “demonizar os vendedores não vai acelerar a recuperação da Flórida”. O ultraje ante o abuso de preços, no entanto, é mais do que uma raiva insensata. Ele põe em questão um argumento moral que deve ser levado a sério. O ultraje é o tipo específico de raiva que você sente quando acredita que as pessoas estão conseguindo algo que não merecem. Esse tipo de ultraje é a raiva causada pela injustiça. Crist abordou a origem moral do ultraje ao descrever a “ganância que uma pessoa certamente tem na alma quando quer obter vantagem de alguém que sofre no rastro de um furacão”. Ele não fez a ligação explícita dessa observação com as leis contra o abuso de preços. Mas existe algo implícito em seu comentário, como o seguinte argumento, que pode ser chamado de argumento da virtude: a ganância é um defeito moral, um modo mau de ser, especialmente quando torna as pessoas indiferentes ao sofrimento alheio. Mais do que um defeito pessoal, ela se contrapõe à virtude cívica. Em tempos de dificuldades, uma boa sociedade se mantém unida. Em vez de fazer pressão para obter mais vantagens, as pessoas tentam se ajudar mutuamente. Uma sociedade na qual os vizinhos são explorados para a obtenção de lucros financeiros em tempos de crise não é uma sociedade boa. A ganância excessiva é, portanto, um vício que a boa sociedade deve procurar desencorajar, na medida do possível. As leis do abuso de preços podem não por fim à ganância, mas podem ao menos restringir sua expressão descarada e demonstrar o descontentamento da sociedade. Punindo o comportamento ganancioso ao invés de recompensá-lo, a sociedade afirma a virtude cívica do sacrifício compartilhado em prol do bem comum. Reconhecer a força moral do argumento da virtude não é insistir no fato de que ele deva prevalecer sobre as demais considerações. Você poderia concluir, em alguns casos, que uma comunidade atingida por um furacão deveria fazer um pacto com o diabo – permitir o abuso de preços na esperança de atrair de regiões distantes um exército de prestadores de serviços para consertar telhados, mesmo ao custo moral de sancionar a ganância. A prioridade é consertar telhados; as considerações de natureza social ficam para depois. O que se deve notar, entretanto, é que o debate sobre as leis contra o abuso de preços não é simplesmente um debate sobre bem-estar e liberdade. Ele também aborda a virtude – o incentivo a atitudes e disposições, a qualidade de caráter das quais depende uma boa sociedade. Algumas pessoas, entre elas muitas que apoiam as leis contra o abuso de preços, consideram frustrante o argumento da virtude. A razão: ele parece depender mais de julgamento de valores do que os argumentos que apelam para o bem-estar e a liberdade. Perguntar se uma diretriz vai acelerar a recuperação econômica ou travar o crescimento econômico não envolve o julgamento das preferências populares. Parte-se do pressuposto de que todos preferem mais rendimentos a menos, e não se julga como cada um gasta seu dinheiro. Da mesma forma, perguntar se em condições adversas as pessoas são realmente livres para escolher não requer que se avalie suas escolhas. A questão é se, ou até que ponto, as pessoas estão livres em vez de coagidas. A discussão sobre a virtude, em contrapartida, apoia-se na premissa de que a ganância é uma falha moral que o Estado deveria desencorajar. Mas quem deve julgar o que é virtude e o que é vício? Os cidadãos das diversas sociedades não discordam quanto a essas coisas? E não é perigoso impor julgamentos sobre a virtude por meio da lei? Em face desses temores, muitas pessoas sustentam que o governo deveria ser neutro no que diz respeito e virtude e vício; não lhe cabe tentar cultivar as boas atitudes ou desencorajar as más. Assim, quando examinamos nossas reações ao abuso de preços, vemo-nos forçados em duas direções: sentimo-nos ultrajados quando as pessoas conseguem coisas que não merecem; a ganância predadora da miséria humana, no nosso entender, deveria ser punida, e não premiada. Apesar disso, ficamos preocupados quando os julgamentos sobre virtude são levados para o caminho da lei. Esse dilema aponta para uma das grandes questões da filosofia política: Uma sociedade justa procura promover a virtude de seus cidadãos? Ou a lei deveria ser neutra quanto às concepções concernentes à virtude, deixando os cidadãos livres para escolher, por conta própria, a melhor forma de viver? Segundo uma ideia comumente aceita, essa questão divide o pensamento político em antigo e moderno. Em um sentido importante, essa ideia está correta. Aristóteles ensina que a justiça significa dar às pessoas o que elas merecem. E para determinar quem merece o quê, devemos estabelecer quais virtudes são dignas de honra e recompensa. Aristóteles sustenta que não podemos imaginar o que é uma Constituição justa sem antes refletir sobre a forma de vida mais desejável. Para ela, a lei não pode ser neutra no que tange à qualidade de vida. Em contrapartida, filósofos políticos modernos – de Immanuel Kant, no século XVIII, a John Rawls, no século XX – afirmam que os princípios de justiça que definem nossos direitos não devem basear-se em nenhuma concepção particular de virtude ou da melhor forme de vida. Ao contrário, uma sociedade justa respeita a liberdade de cada indivíduo para escolher a própria concepção do que seja uma vida boa. Pode-se então dizer que as teorias de justiça antigas partem da virtude, enquanto as modernas começam pela liberdade. No entanto, vale notar desde o início que essa contraposição pode levar a conclusões equivocadas. Se voltarmos nosso olhar para os argumentos sobre justiça que animam as diretrizes contemporâneas – não entre filósofos, mas entre homens mulheres comuns – encontraremos um quadro mais complicado. É verdade que a maior parte das nossas discussões é sobre como promover a prosperidade e respeitar a liberdade individual, pelo menos superficialmente. Entretanto, na base mesma desses argumentos, e por vezes se opondo a eles, podemos muitas vezes vislumbrar outro grupo de convicções – sobre quais virtudes são merecedoras de honras e recompensas e que modo de viver deve ser promovido por uma boa sociedade. Apesar de sermos devotados à prosperidade a à liberdade, não podemos absolutamente desconsiderar a natureza judiciosa da justiça. É profunda a convicção de que justiça envolve virtude e escolha: meditar sobre a justiça parece levar-nos inevitavelmente a meditar sobre a melhor maneira de viver.

OS MANDAMENTOS DO ADVOGADO (Eduardo Couture)

1º) ESTUDA – O direito está em constante transformação. Se não o acompanhas, serás cada dia menos advogado.
2º) PENSA – O direito se aprende estudando; porém, se pratica pensando.
3º) TRABALHA – A advocacia é uma fatigante e árdua atividade posta a serviço da justiça.
4º) LUTA – Teu dever é lutar pelo direito; porém, quando encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça.
5º) SÊ LEAL – Leal para com teu cliente, a quem não deves abandonar a não ser que percebas que é indigno de teu patrocínio. Leal para com o adversário, ainda quando ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe dizes; e que, mesmo quanto ao direito, às vezes tem de confiar no que tu lhe invocas.
6º) TOLERA – Tolera a verdade alheia, como gostarias que a tua fosse tolerada.
7º) TEM PACIÊNCIA – O tempo vinga-se das coisas que se fazem sem sua colaboração.
8º) TEM FÉ – Tem fé no direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino normal do direito; na paz, como substitutivo benevolente da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz.
9º) ESQUECE – A advocacia é uma luta de paixões. Se a cada batalha fores carregando tua alma de rancor, chegará o dia em que a vida será impossível para ti. Terminado o combate, esquece logo tanto a vitória quanto a derrota.
10º) AMA A TUA PROFISSÃO – Procura considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te peça conselho sobre seu futuro, consideres uma honra para ti aconselhá-lo que se torne advogado.

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