UNIDADE I (O Mundo histórico-cultural e o direito)
A Ciência,
como forma de organização do pensamento concernente ao estudo de um determinado
objeto, tem como finalidade a facilitação da vida do homem em relação a um ou
mais aspectos problemáticos da própria vida, seja esse aspecto natural, físico,
biológico, ou, como nos interessa mais de perto, social. O Direito insere-se dentro de um contexto social, tendo existência
ontológica e teleológica justificada na possibilidade de convívio do homem no
interior de uma sociedade. A vida do homem em sociedade caracteriza-se por uma
possibilidade quase infinita de experiências e ações possíveis, permitindo-se
ao homem social, quando chamado a agir, seja por qual motivo ou para qual
finalidade, tomar diversas atitudes diante de um determinado problema, sem
nunca poder esgotar as diferentes possiblidades possíveis, gerando um aspecto
denominado complexidade do
comportamento social. Complexidade, no
contexto, corresponde ao número indeterminado de atitudes possíveis à
disposição do homem, dentre as quais uma ou mais devem ser selecionadas para
determinada situação, sem poder esgotá-las.
Os fatos
(fenômenos) simplesmente acontecem no mundo. Isso corresponde, ao mundo
pré-científico, onde os fatos ocorrem ainda desprovidos de objetividade. Segundo
Husserl, o Direito insere-se em um
mundo por ele chamado “mundo da vida”, onde todos nós sentimos, operamos e
pensamos. O Direito classifica nos fatos e os torna fatos jurídicos, ou seja,
os fatos ganham relevância jurídica (Exemplo: a chuva tem relevância jurídica
em caso de contrato de seguro).
Baseado na fenomenologia de Husserl, podem-se
classificar os objetos pertencentes à experiência humana em quadro regiões
ônticas, a saber:
Objetos:
Ideais, Naturais, Culturais, Metafísicos;
Caracteres:
IDEAIS: a) irreais: não têm
existência no tempo e no espeço; b) não estão na experiência; c) são neutros ao
valor; Atos de conhecimento:
intelecto;
NATURAIS:
a) reais: têm existência espaço-temporal; b) estão na experiência; c) são
neutros ao valor: Atos de Conhecimento: explicação;
MÉTODO: empírico-indutivo;
CULTURAIS:
a) reais: têm existência no espaço e no tempo; b) estão na experiência; c)
são valiosos positiva ou negativamente; Atos
de Conhecimento: compreensão; MÉTODO:
empírico-dialético;
METAFÍSICOS:
a) reais: têm existência; b) não estão na experiência; são valiosos positiva ou
negativamente.
Para o nosso domínio, interessam os culturais. Cultura, em uma acepção filosófica e
sociológica (distinguindo-se do sentido comum dado ao termo, o qual indica
tão-somente o grau de aprimoramento do espírito através do conhecimento), significa tudo o que o ser humano
acrescenta a um bem natural a fim de torna-lo útil à consecução de um fim
desejado pela consciência (vontade). O
fim nada mais é que um valor
reconhecido como motivo de determinada conduta, ou seja, quando o homem,
através da avaliação obrada por sua consciência intencional, determina algo
como valioso, dentro de determinado contexto histórico, e se propõe meios (O Direito em relação à Justiça)
para atingi-lo, nesse momento acrescenta algo ao valor transformando-o em fim, regendo, com isso, o dever-ser da própria conduta sua a
consecução. Na verdade, o comportamento humano é completamente motivado para a
persecução de fins. Não se concebe o homem contratando
simplesmente pelo ato de contratar, mas visando, sempre, a aquisição de um
certo bem, ao qual é atribuído um valor
pela consciência, o que se faz através de um processo mental-racional. O fim leva o homem a agir desta ou
daquela forma, podendo o valor
envolvido assumir diversas matizes, como estéticas, econômicas, religiosas etc.
DIREITO COMO SINÔNIMO DE JUSTÇA (Justiça =
consiste em dar a cada um o que lhe pertence).
Sustenta-se que a justiça surgiu baseada no
princípio da gratidão. Nos tempos antigos (gregos e romanos) haviam muitos
ataques e os homens prestavam ajuda aos seus conterrâneos contra os invasores,
daí a gratidão.
Assim, desde a antiguidade ocidental, todos
seguiram uma regra máxima que definia a lógica das leis e do exercício da autoridade:
a manutenção da desigualdade entre os
seres humanos. Quem formulou a regra seguida foi Aristóteles (384 a.C. –
322 a.C. = 62 anos), que assim a definiu na Política: “Todos os homens que diferem entre si para pior, no mesmo
grau em que a alma difere do corpo e o ser humano difere do animal, são
naturalmente escravos, e para eles nada melhor do que estarem sujeitos à
autoridade de um senhor.”
Essa desigualdade radical, definida como “natural”,
funcionava como guia para a ação de quem detinha poder. Com o cristianismo uma
pequena alteração foi introduzida na fórmula. O governante mais sábio era
aquele que não interferia nas desigualdades introduzidas por Deus na natureza,
mas antes as mantinha tal como haviam sido criadas. A manutenção do desigual,
se bem realizada, equivaleria a fazer justiça – e o cumprimento desse objetivo
nada tinha a ver com a fórmula atual de que todos são iguais perante a lei (CF,
art. 5º. Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...]”). Ao contrário,
o ideal de justiça era “dar a cada qual o seu direito”, ou seja, tratar desigualmente
cada um segundo sua qualidade. O direito e o torto, no caso, não resultavam da
ação própria do soberano, mas antes do fato de suas ações se pautarem pelo
respeito ao plano divino, o qual funcionava como régua da vida terrena. Essa
régua seria conhecida na Terra apenas pelo rei (cujo poder teria, portanto,
origem divina). Com base nessa régua e atribuindo a justa parte a cada um, o
soberano merecia a fama de justo.
Com a evolução, temos o conceito “dar a cada um o
que lhe pertence”, desenvolvido por Chaim Perelman (ÉTICA E DIREITO, Martins
Fontes, São Paulo, 2002, p.9), desmembrado em 6 concepções:
a) A
cada qual a mesma coisa (todos os seres considerados devem ser tratados da
mesma forma);
b) A
cada qual segundo seus méritos (considera o mérito da pessoa humana);
c) A
cada qual segundo suas obras (considera o resultado da ação);
d) A
cada qual segundo suas necessidades (considera as necessidades; caridade);
e) A
cada qual segundo sua posição (considera determinada categoria; militares);
f) A
cada qual segundo o que a lei lhe atribui (considera o que a lei atribui).
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