“Trabalhar com alegria é o
verdadeiro sucesso nas profissões jurídicas. (Conjur – 04/03/2018 - Vlamidir
Passos de Freitas)
O sentido de levar a sério a profissão é muitas
vezes confundido com uma sucessão de deveres asfixiantes que vão sendo
eliminados, um a um, como em uma batalha campal na Idade Média.
Esta suposta eficiência faz do seu autor um
profissional sisudo, que age como o velho monge Jorge Burgos, do livro de
Umberto Eco Em nome da Rosa, “que define o riso como fonte de dúvida e
defende que ele não deve ser livremente permitido como meio para afrontar a
adversidade do dia-a-dia”[i].
Tal tipo de pessoa comporta-se como se em suas mãos
estivesse a responsabilidade de evitar um foguete nuclear disparado pelo
ditador coreano Kim Jong-uno, deflagrando a 3ª Grande Guerra. Busca o
perfeccionismo, sente um enorme prazer ao descobrir um erro alheio e não tem
paciência com aqueles que se revelam mais lentos no raciocínio. No fundo, vê-se
como superior aos seus semelhantes dissimulando sua vaidade na eficiência.
No entanto, esta eficiência é apenas aparente, pois
tal tipo de agir resulta em perda de tempo nos detalhes, torna medrosos e
inseguros os subordinados e acaba apresentando resultados insatisfatórios.
Tais características, que valem para todas as
profissões, estão, da mesma forma, presentes nas jurídicas. Exemplos.
O professor de Direito que despeja dezenas de
informações, sem dar aos alunos oportunidade para discussões, sob o argumento
de que está obrigado a cumprir o programa. O advogado que, ao gritos, censura o
estagiário novato que ao fazer um rascunho de petição requisita uma providência
do juiz ao invés de requerer. O diretor de Secretaria de Vara que não permite a
comemoração de um aniversário ao fim do expediente, sob a alegação de que o
serviço está atrasado.
Estas condutas, que nunca foram exemplo de bom
procedimento, agora se revelam cada vez mais longe de ser o caminho certo de
proporcionar eficiência, sucesso e felicidade.
Flávio Gikovate exemplifica com um jovem que ama
jogar futebol, para quem a vida profissional poderá vir a ser o prolongamento
do que era uma simples e agradável brincadeira. Assim registra o psiquiatra:
Se o jovem atleta for capaz, por
exemplo, de se divertir, ganhar a vida com aplicação, mas sem se preocupar
muito com a convocação para a seleção, talvez consiga continuar a curtir
futebol, mesmo sendo um jogador profissional.[ii]
O exemplo cai como uma luva às profissões
jurídicas, onde as decepções podem ocorrer a todo tempo. Imagine-se um juiz de
Direito que não consegue ter acesso ao cargo de desembargador e com isso fica
frustrado. Este desapontamento faz parte da vida e pouco lhe adiantará ficar
alimentando raiva contra os desembargadores que não votaram no seu nome. O que
tem a fazer é saber a lidar com o não, continuar a exercer sua profissão
corretamente e, dela, procurar ter as alegrias possíveis, ainda que sem a
sonhada promoção.
Em poucas palavras, a profissão deve ser prazerosa,
a alegria advém da realização pessoal e esta só é encontrada quando se faz o
que se gosta. Nem sempre isto é fácil, por vezes só se consegue com o tempo e,
em alguns casos, nem é possível.
Imagine-se um juiz do Trabalho que detesta fazer
audiências, Ora, sabidamente, nessa Justiça as audiências fazem parte da
rotina, ocupam tardes inteiras, por vezes em ambiente conflituoso. Um defensor
público que não gosta de atender os pobres que lhe procuram com complexos
problemas, que mal conseguem explicar o que querem e não possuem documentos.
Uma jovem delegada de Polícia que detesta sair em diligência de enfrentamento
com perigosos bandidos, preferindo o trabalho técnico.
Essas dificuldades profissionais que entravam a
felicidade na profissão, devem acima de tudo ser evitadas. Quem não gosta de
audiências não deve procurar a magistratura trabalhista. Mas, se essa é a
realidade, que tal pintar as paredes de cores que facilitem os acordos, receber
as partes com um sorriso e mostrar um gráfico que demonstra o tempo médio de um
processo até o final da execução?
A Defensoria não é lugar para quem não goste do
trato com pessoas de baixo nível social e cultural. Mas acompanhar e constatar
a satisfação de que vê sua dificuldade ser solucionada pode resultar em grande
satisfação profissional. Nas funções policiais é possível procurar delegacias
especializadas, mais técnicas, muito embora o objetivo possa demorar em razão
da disputa por posições.
Por vezes, a aversão é descoberta mais tarde,
quando já se está no exercício das funções. O que se tem a fazer é procurar
contornar o problema da forma que se revele mais adequada. Isso nem sempre é
fácil. Por exemplo, mudar de vida fazendo outro concurso pode esbarrar em
dificuldades de tempo, distância, problemas econômicos ou familiares.
E assim, pode ser até, que solução não haja. O que
se tem a fazer é simplesmente preparar-se psicologicamente para enfrentar o problema,
sabendo que ele será parte da vida. Sozinho ou com a ajuda de profissional
qualificado, é preciso procurar os aspectos positivos da profissão. Será sempre
melhor do que passar os dias a reclamar e a transmitir a insatisfação aos mais
próximos.
Nesta busca, uma dose de inquietação, de
curiosidade, ajuda muito. Se é estafante a rotina de ser juiz federal de uma
Vara de Execuções Fiscais, com 200 mil processos que dificilmente chegam a um
final de êxito, a curiosidade de pesquisar como outros países resolvem tal
problema pode ser a solução. Por exemplo, procurando saber como são feitas as
cobranças de tributos em Portugal, Argentina ou Chile. Com a ajuda da internet
isso, atualmente, é possível. E, quem sabe, desta pesquisa venha uma boa
proposta para minorar a situação insustentável dessas Varas.
Em última análise, em tais circunstâncias o que
fará a diferença é cultivar e ter amor, gosto pela vida. Convivemos com pessoas
que, exercendo a mesma profissão e recebendo o mesmo salário, revelam-se
felizes ou tristes, realizadas ou insatisfeitas. Isso passa por saber como
enfrentar os desafios com coragem, evitar cair no pessimismo e na auto-piedade.
Em outras palavras, pela inteligência emocional,
Augusto Cury dá-nos bom exemplo disto ao lembrar
que “há idosos com idade biológica de 80 anos, mas com um vigor inacreditável.
Amor a vida, sair, viajar, se aventurar, conhecer pessoas, inventar e se
reiventar”[iii]
é, com certeza, o melhor caminho.
Em suma, os que bem sabem conduzir a vida procuram
trabalhar com alegria, fazer da profissão uma forma de plena realização.
Outros, em igual situação, procuram ver o que há de pior e fazem da sua rotina
uma “via crucis”, sonhando com a aposentadoria, quando, certamente, iniciarão
nova fase de decepções. Qual das duas é a melhor opção?”
[i] Goés, Paulo de. O PROBLEMA DO
RISO EM O NOME DA ROSA, DE UMBERTO ECO. Disponível em https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/viewFile/1225/1159.
Acesso em 3/3/2018.
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