Ao estudioso do Direito cabe considerar que a base em que ele
assentar é a liberdade e o justo. Sendo assim, o Professor orienta, não
prescreve comportamentos. Nessa linha, a justiça que almejamos é indissociável
da educação. Não se educa recorrendo ao medo, escrevera H. Hesse. Devemos
despertar no próximo o desejo de educar-se. Aprendemos apenas o que nos causa
interesse. O educador que consegue ensinar é aquele que faz o aluno salivar
antes de ser alimentado. Impor aprendizado é estuprar mentes. Para aperfeiçoar
as faculdades físicas, intelectuais e morais do ser humano é preciso muito
amor, dissera Rony Emerson Ayres Aguirra Zanini. A verdadeira educação é
essencialmente intransitiva, ou reflexiva, subjetiva: sentencia Huberto Rohden.
01. INTRODUÇÃO AO DIREITO: DISCIPLINA FUNDAMENTAL
01.1. Introdução ao Estudo do Direito é uma disciplina
fundamental e, como o próprio nome está a indicar, introdutória. Por isso
mesmo, tal matéria constitui o primeiro contato dos estudantes de Direito com
os ensinamentos jurídicos. No Brasil, devemos a instituição obrigatória dessa
Matéria em 1931, pelo Decreto 19.852/1931. Assim, a Resolução nº 03, art. 1º, de
25/02/1972, do Conselho Federal de Educação, consagrou a denominação: “Introdução
ao Estudo do Direito”.
01.2. Pela MP-765, de 16/12/1994 e Portaria nº 1.886/94, art.
6º, lê-se: O conteúdo mínimo do curso jurídico, além do estágio, compreenderá
as seguintes matérias, que podem estar contidas em uma ou mais disciplinas do
currículo pleno de cada curso: I - Fundamentais:
Introdução ao Direito, Filosofia (geral e jurídica), Ética (geral e
profissional), Sociologia (geral e jurídica), Economia e Ciência Política (com
teoria do Estado); II – Profissionalizantes:
Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Penal, Direito Administrativo,
Direito Tributário, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito
Processual do Trabalho, Direito do Trabalho, Direito Empresarial e Direito
Internacional, além de outras (Eleitoral, Militar, Consumidor, Financeiro,
Previdenciário, Minas, Agrário, Especial, Atômico, Ambiental, Econômico,
Intelectuais, Urbanístico etc).
02. DIREITO E SOCIEDADE
02.1. Podemos afirmar, com absoluta segurança, que o homem é
um animal gregário. Significa dizer-se que não é só próprio da sua natureza,
como também inerente às suas condicionantes de sobrevivência o inter-relacionamento
com os semelhantes.
02.2. O ordenamento social se caracteriza por métodos e
arranjos prescritos pelo grupo sempre buscando padronizar as condutas
individuais dos membros que o constituem, num processo de constante
socialização destes, tendo-se por enfoque a conduta, mediante duas categorias
de normas: normas técnicas e normas éticas.
02.2.1. As normas técnicas resultam de observações e
experiências que culminam por permitir a formulação de enunciados específicos e
precisos acerca da maneira pela qual realmente ocorrem os fatos e os fenômenos,
com vistas a atingir um fim determinado.
02.2.2. As normas éticas, diferentemente das normas técnicas
(que nos mostram como executar um objetivo pretendido), nos indicam para que se
executa esse determinado objetivo. As normas éticas são precipuamente voltadas
para o comportamento de cada indivíduo (dever ser), para a integração do homem
ao grupo social. Elas asseguram direitos, impõem deveres, obrigações, atribuem
responsabilidades, cominam sanções. São exemplos, normas de religião, moral e
direito.
02.2.3. A diferença mais patente está no fato de que a norma
técnica está voltada para a realização de um objetivo, o modo de proceder para
atingir um resultado que se pretenda. A norma ética, por outro lado, está
voltada para a fundamentação ou justificação de realizar tal objetivo.
02.2.4. A norma é o “dever ser” idealizado, pensado,
imaginado. O “dever ser” em consonância com o interesse coletivo. Da norma,
transformada de um pensamento de um pensamento para uma regra, resultam as
obrigatoriedades dos indivíduos às suas maneiras de agir, quanto aos seus
comportamentos. A conduta, portanto, nada mais é do que a própria realização e
efetivação do “dever ser”. A conduta é o “dever ser” real, exercido na prática.
02.3. A sociedade está alicerçada em diversas instituições,
tais como: família, propriedade e Estado.
02.3.1. A família é a instituição básica, ponto de partida
para as demais. É a instituição mais antiga que se tem notícias. A família tem
a sua base e justificação, fundamentalmente, na reprodução da espécie humana e
nas suas inúmeras consequências de ordem jurídica, moral, religiosa,
educacional, cultural, assistencial, psicológica, econômica e social.
02.3.2. A propriedade é a segunda instituição fundamental. Ao
abordarmos o tema mundo cultural, afirmamos ser o mesmo constituído por seres
humanos e pelas coisas que estes produzem para viver como também para lhes
propiciar melhores condições de vida; é o mundo da produção de bens, que só o
homem é dado fazer. Uma vez produzidos os bens, fica ressaltado de plano o
problema da propriedade, pois tudo aquilo que se realize há de ter um dono (daí
o problema do furto ser censurado).
02.4. O Estado é a terceira instituição fundamental. No
conceito moderno, Estado é a centralização, dentre outros, dos poderes
político, administrativo, legislativo, judiciário, econômico e militar de um
povo, com território próprio e dentro do qual prevalece a sua soberania, a ser
respeitada pelos demais povos (Constituição Federal, art. 1º a 4º- CF; Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro. (Redação dada pela Lei nº 12.376, de
2010 – LIDB).
02.4.1. Onde: Povo é o conglomerado
de pessoas interligadas por origem racial, tradição, sentimentos e idioma
comuns, e às vezes até mesmo com uma religião também comum; Governo é o vínculo
político desse conglomerado de pessoas; é a sujeição a um poder maior, dotado
de autoridade legalmente constituída, para fins de administração e condução aos
seus propósitos e desenvolvimento.
02.4.2. E Território é a delimitação
geográfica até a qual poderá ser exercida a soberania, sem gerar conflitos.
02.5. De fato, família, propriedade e
Estado são as instituições que “correspondem,
respectivamente, às necessidades de reprodução, manutenção e defesa dos homens”,
segundo A. Machado Paupério. Justamente por isso são consideradas fundamentais.
Há porém, outras consideradas secundárias (Constituição, Parlamento, Tribunais,
Igreja, Escolas, Universidades, Associações de Classes, Sindicatos, Academias,
Divórcio), as quais servem de suporte e complementação das fundamentais. A
diferença entre ambas é que as fundamentais se fazem presentes em quase todo e
qualquer tipo de sociedade humana, enquanto as secundárias, como complementos
que são daquelas, podem ser encontradas em uma sociedade e, no entanto,
faltarem em outra.
03. DIREITO E LINGUAGEM
03.1. DICIONÁRIO. VOCABULÁRIO.
GLOSSÁRIO. 1) O dicionário é um livro que possui
a explicação dos significados das palavras. As palavras são apresentadas em
ordem alfabética. Alguns dicionários são
ilustrados para facilitar a assimilação dos significados das palavras. 2) Vocabulário
é o conjunto de termos e expressões que pertencem a uma língua,
mas também pode se referir ao grupo de palavras conhecidas de determinada
pessoa ou grupo, seja ele social, etário, regional, entre outros. O vocabulário
pode ser considerado o mesmo que glossário, léxico ou
dicionário, ou seja, um acumulamento de diferentes palavras e
seus significados. 3) Glossário é um tipo de dicionário específico para
palavras e expressões pouco conhecidas, seja por serem de natureza
técnica, regional ou de outro idioma. Por norma, o glossário forma o capítulo
inicial ou final de determinada obra literária, listando em ordem
alfabética as acepções corretas dos termos mais peculiares presentes
ao longo texto.
03.2. Escrevera Maria Francisca Carneiro
(Pesquisa Jurídica na Complexidade e Transdisciplinaridade, Curitiba, Juruá, 2007,
p. 43), que: “Nesta era de fragmentação
do conhecimento, dos valores e das coisas, os dicionaristas e enciclopedistas
ressurgem como se lhes coubesse a tarefa de reorganização do saber e do
mundo.[...] dicionário não é simplesmente o livro em que se dispõem e estudam
palavras ou matérias por ordem alfabética. [...] Um dos principais problemas
dos dicionários, a nosso ver, é a suposta homogeinização que ele aparenta
operar, tratando os conceitos como se estivessem todos no mesmo grau de
importância e simetria. [...] Existem dicionários especializados em todos os
assuntos. A função de um dicionário é sempre elucidar e de organizar valendo-se,
para tanto, de diversos meios, métodos e técnicas.[...] Não como negar, enfim,
a existência das camadas de linguagem explícitas e implícitas aos dicionários,
[...]. Por essa razão, não se pode negar, no todo ou em parte, que cada
dicionário é um pouco a metáfora do real ao qual quer se referir e o qual
tenciona apreender.”.
03.3. Segundo Dimitri Dimoulis (Manual de
Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, RT, 2011) “Todas as fontes do
direito brasileiro são redigidas em idioma português. As aulas de direito são
ministradas na mesma língua, que é também utilizada pela administração pública
e pelos tribunais. Isso corresponde, aliás, a uma obrigação constitucional: “A língua portuguesa é o idioma oficial da
República Federativa do Brasil” (art. 13, caput, da Constituição Federal).
03.3.1. Pode então parecer que o estudante do
direito não deve se preocupar muito com questões de língua, já que domina o
português. Essa aparência engana por completo. Em primeiro lugar, (...), muitos
termos utilizados no direito são desconhecidos pela maioria da população. Basta
consultar o índice alfabético no Código Civil, na letra “A” para encontrar
palavras como “acessão”, “álveo”, “anticrese”, “aquestos”, e “avulsão”. Em
segundo lugar, muitas palavras da língua ordinária adquirem significados
particulares no direito. Exemplo: a palavra “ação” é utilizada no direito
processual para indicar o direito de invocar a tutela jurisdicional e não para
designar qualquer ato ou efeito de atuar, como no idioma comum. Em terceiro
lugar, o estilo de redação utilizado nos vários documentos jurídicos (linguagem
jurídica ou forense) apresenta muitas particularidades e, para ser dominado e
utilizado corretamente, pressupõe longos e pacientes exercícios. Todos os
alunos de direito passam pela desagradável experiência de ler a decisão de um
tribunal sem conseguir entender quase nada, justamente porque não estão
acostumados com a linguagem forense. [...].
03.3.2. Elementos de linguística. A linguagem é a
mais valiosa e versátil ferramenta da humanidade. Serve para comunicar, para
transmitir informações, emoções, ordens, para intimidar e para se divertir. Em
sua maior parte, os contatos entre os seres humanos são feitos mediante a utilização
de idiomas naturais, de forma oral ou escrita. Mesmo os nossos pensamentos e
até os nossos sonhos são feitos por meio da utilização da linguagem.
03.3.3. Para que a língua possa servir como
instrumento de comunicação, o destinatário (auditório) deve entender o locutor
ou autor. [...] O essencial da linguagem é se fazer entender.
03.3.4. A linguagem jurídica. O ponto de partida
é a tese de que a linguagem jurídica se diferencia dos idiomas naturais. A
linguagem jurídica é um idioma técnico ou artificial, utilizado e entendido
pelo grupo sócio profissional dos operadores jurídicos. [...] Limitar-nos-emos
aqui a indicar duas características centrais da linguagem jurídica, a frente.
03.3.4.1. Linguagem do poder. O direito é um
idioma de poder. Não é utilizado para a simples comunicação humana, isto é,
para passar informações, instruir ou divertir. O direito emite mandamentos, ou
seja, utiliza a ferramenta da linguagem para influenciar o comportamento das
pessoas, convencendo-as de se comportarem da forma que este determina (“faça”, “não
faça”). Esse é o uso prescritivo da linguagem que indica que o direito é um
meio de exercício do poder.
03.3.4.2. Linguagem técnica. Poucos são os
documentos jurídicos e os textos de doutrina de fácil compreensão e de estilo
agradável. Isso não é devido à incapacidade literária de quem trabalha na área
do direito, mas a exigências do sistema jurídico. A linguagem jurídica não é
utilizada para informar e muito menos para agradar o público. Seu objetivo é
formular com precisão, brevidade, clareza e certeza determinadas prescrições e,
no caso de doutrina, expor de forma sistemática os regulamentos e os conceitos
jurídicos. [...] O leigo pode, por exemplo, considerar que queixa, denúncia e
notícia-crime são sinônimos. Mas a comunicação forense só é satisfatória se
todos conhecerem o significado técnico de cada um dos termos e os usarem de
forma correta.
04. DIREITO E MORAL
04.1. Qual a relação entre direito e moral? A
resposta depende da nossa visão sobre a definição e a função do direito, não
existindo uma única solução certa. Para formar e fundamentar essa opinião, é
imprescindível conhecer o que é a moral, para em seguida analisar suas relações
com o direito, sabendo que é direito evidentemente.
04.1.1. A moral (do latim mores = modos de
comportamento, costumes) define-se como o conjunto de convicções de uma pessoa,
de um grupo ou da sociedade inteira sobre o bem e o mal (No vocabulário comum,
a “moral” é sinônimo da “ética”). Todos concordam que a moral é composta por
regras de conduta que cumprem duas funções. Em primeiro lugar, orientam o
comportamento dos indivíduos na vida cotidiana: todos devem fazer o bem e
evitar a prática do mal. Em segundo lugar, servem como critério de avaliação da
conduta humana.
04.1.2. O que é direito? Uma das tarefas mais
simples e, ao mesmo tempo, mais difíceis do mundo é dar uma definição do
direito. Tarefa simples: todos os manuais de direito apresentam uma definição
do direito e qualquer estudante ou profissional da área jurídica pode oferecer
sua própria definição. Tarefa difícil: nunca houve nem haverá uma única
definição do direito. Peçam aos seus colegas de turma para colocar no papel uma
definição do direito. É seguro que cada um dará uma definição diferente e isso
significa que cada um tem uma ideia diferente sobre o direito. Não devemos nos
desesperar, considerando a definição impossível. Existem termos que são fáceis
de definir porque correspondem a um objeto ou a uma experiência concreta. [...]
O direito faz parte dos conceitos controvertidos porque a sua definição está
vinculada a ideias filosóficas que possuem forte carga emotiva e em relação às
quais não é fácil obter um acordo. O estudante deve aceitar essa realidade.
Direito significa sempre controvérsia. E já que as pessoas entendem o direito
de várias formas é de se esperar que sobre os problemas concretos de sua
aplicação haja muitas opiniões, conflitos e contestações. [...] O estudante não
deve satisfazer-se com qualquer definição. Deve refletir, pesquisar, criticar,
fazer suas escolhas e adotar a sua própria definição do direito. Deve, também,
saber que a sua definição será enriquecida e modificada, conforme for avançando
no conhecimento jurídico, multiplicando suas experiências e entendendo melhor
as práticas jurídicas. Uma possível resposta: “O Direito é regra de conduta, com força coativa.”.
04.1.3. Qual a diferença entre direito e moral?
Um possível resposta pode ser esta: O Direito, apesar de acolher alguns
preceitos morais fundamentais, garantidos com sanções eficazes, aplicáveis por
órgãos institucionais, tem campo mais específico que a moral, pois disciplina
também matéria técnica e econômica indiferente à moral, muitas vezes com ela
incompatíveis. A moral varia no tempo e no espaço. Assim sendo, cada povo
possui sua moral, que evolui no curso da história, consagrando novos modos de
agir e pensar. O dever moral não é exigível em juízo, reduzindo-se a dever de
consciência, enquanto o dever jurídico deve ser observado sob pena de o
transgressor sofrer os efeitos da sanção organizada, aplicável pelos órgãos
especializados da sociedade. No Direito, o dever é exigível, enquanto na moral,
não. Diz-se que o Direito é heterônomo, porque aquilo que juridicamente somos
obrigados a cumprir é posto por um terceiro, o Estado.
05. TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO
05.1. A Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen.
Hans Kelsen (1881-1973) dedicou a maior parte de sua vida à discussão da Teoria
do Direito. O normativismo jurídico kelseniano consiste basicamente da defesa
da construção de parâmetros metodológicos próprios para a Ciência do Direito,
expressos na denominada Teoria Pura do Direito, que não fossem uma mera
importação das Ciências Sociais e Humanas do Século XIX, tampouco a reprodução
dos paradigmas teóricos próprios das Ciências Naturais e Exatas. Assim cita
Kelsen : "A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas
no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção
escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é
produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma
norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra
norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante,
até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental -
hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que
constitui a unidade desta interconexão criadora; é a mais superior dentre o
ordenamento jurídico.", conforme exemplifica a pirâmide (A superior no ápice e as demais abaixo segundo a importância dentro do sistema).
05.2. A teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale é uma teoria jurídica
muito original e conhecida internacionalmente. Por essa teoria Reale teria
superado o mero normativismo jurídico que prevalecia nos meios acadêmicos e
jurisprudenciais de sua época, demonstrando que o fenômeno jurídico decorre de
um fato social, recebe inevitavelmente uma carga de valoração humana, antes de
tornar-se norma. Assim, Fato, Valor e Norma em seus diferentes momentos, mas
interligados entre si, explicariam a essência do fenômeno jurídico.
05.3.
Três amigos leram no jornal que uma jovem de 19 anos, separada, mãe de três
filhos, que ganha um salário mínimo trabalhando como empacotadora nas Casas
Turquia, foi condenada pelo 1º Tribunal do Júri de João Pessoa a três anos de
prisão por ter cometido aborto. Um dos amigos, que cursa o segundo ano de
direito, afirma que o aborto constitui crime contra a vida, punível segundo o
art. 124 do Código Penal com até três anos de prisão. Nesse sentido, considera
que a punição está certa, já que o Tribunal do Júri aplicou corretamente a lei.
O segundo
aluno discorda. Sustenta que a condenação foi injustificada, porque a lei sobre
o aborto não é quase nunca aplicada. Conta que seu irmão, formado em
sociologia, escreve, inclusive, uma monografia sobre o assunto; realizou uma
pesquisa empírica, constatando que, entre as 1.500 mulheres que realizaram
aborto em uma clínica particular no período de um ano, nenhuma foi acusada da
prática do delito. Assim sendo, considera “um absurdo” a condenação da mulher.
O
terceiro amigo diz que o problema é, no fundo, de cunho filosófico, envolvendo
reflexões sobre o moralmente certo e o errado. Não interessa tanto o conteúdo
da lei, nem a imputabilidade que se constata na prática. Interessa refletir
sobre a justificativa da decisão de realizar o aborto. Ninguém pode tirar a
vida de um ser humano e o feto é potencialmente um ser humano. Mas, ao lado
desse princípio, devemos levar em consideração a dignidade humana. O Tribunal
do Júri condenou uma jovem que realizou o aborto porque não tinha condições de
oferecer ao filho uma vida digna. Assim, o Tribunal decidiu de forma
unilateral, tendo ignorado o princípio da dignidade humana e a falta de
assistência social no país. Houve, então, uma injustiça, já que o problema foi
segundo a letra da lei e não segundo as exigências da justiça.
O aluno
de direito admite que o problema é filosófico. Mas observa que já leu vários
livros de filósofos sobre problemas morais e não chegou a uma conclusão
objetiva. Por isso, é necessário ter uma norma jurídica fixa e clara que
oriente as pessoas na vida prática, devendo ser seguida, mesmo quando se revela
problemática. O irmão do sociólogo sustenta que isso está totalmente fora da
realidade e acusa o amigo de ter se tonado alienado pelo estudo do direito e acreditar
cegamente na lei. Insiste que uma lei que não é efetivamente aplicada não passa
de um pedaço de papel impresso. O terceiro amigo diz que os dois outros
esquivam-se de suas responsabilidades como cidadãos, não querem pensar com a
própria cabeça nem assumir responsabilidade e, por isso, invocam a lei e a realidade
social. E aí começa uma briga...
Quem tem
razão? Resposta: _____________________________________________
Cada um
exprime um ponto de vista diferente. O primeiro explica aquilo que prevê o
direito e que o Tribunal do Júri deveria fazer, aplicando a lei. O segundo
indica como é aplicado o direito na prática. O terceiro aborda a questão do
aborto do ponto de vista filosófico, tentando encontrar a melhor solução para o
caso concreto. Os três amigos adotam, assim, as três principais perspectivas de
estudo do direito. Podemos examinar o ordenamento jurídico em relação ao
caráter justo e adequado de seus conteúdos, à sua validade ou à sua eficácia.
Essa é a tridimensionalidade do direito.
Podemos
pensar as três dimensões do direito como três esferas separadas:
a) Esfera
da validade (normativa, dogmática, do dever ser);
b) Esfera
da realidade (fática, sociológica, do ser);
c) Esfera
da idealidade-legitimidade (axiológica, filosófica, do querer ser).
A
primeira esfera trata do direito positivo, ou seja, do dever ser jurídico
fixado nas normas jurídicas válidas em determinado momento. Esse é o principal
objeto de interesse do estudante de direito e do operador jurídico, que devem
saber o que prevê o direito em determinado caso concreto. A segunda esfera
trata das relações entre o dever ser jurídico e o ser (relações entre direito e
realidade social). O dever ser ordena “não furtar” e o sociólogo do direito
descobre, por meio de uma pesquisa empírica que, por exemplo, 30% da população
cometeu furto nos últimos dois anos. A terceira esfera elabora um dever ser que
é diferente do dever ser jurídico, isto é, diferente do direito vigente. Os
autores refletem sobre os regulamentos mais adequados, que deveriam fazer parte
do dever ser jurídico segundo a opinião de um pensador ou de um grupo social.
Essa é a esfera do querer ser. As três esferas ou dimensões do conhecimento
jurídico estão relacionadas entre si.
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