AULA
13 e 14 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro I e II:
Compreender a importância da LInDB como importante instrumento que regula a
vigência, a validade, a eficácia, a aplicação, a interpretação e a revogação de
normas no direito brasileiro. Conceito de validade normativa à luz da LInDB; o
processo de vigência legislativa; o conceito de direito intertemporal).
ORIGEM DA
LALAVRA LEI. Na atividade pública e privada, consagrou-se o uso da
palavra lei para significar aquilo que é objeto da regra ou norma
jurídica. Talvez seja por isso a comum confusão que se faz entre direito, lei e
justiça. Bem pensado, quase tudo o que se tem escrito como se fosse do Direito,
na realidade está a se referir à norma ou regra jurídica.
Até onde as pesquisas avançaram,
constatou-se que: a) na bíblia, para quem esse livro tem alguma
referência, a palavra 'lei', nas Escrituras Hebraicas, é principalmente uma
tradução da palavra hebraica tohráh, aparentada com o verbo ya-ráh, que
significa 'dirigir, ensinar, instruir'. Em alguns casos é traduzida do termo
aramaico dath. Outras palavras traduzidas por 'lei', na versão Almeida são
mish-pát (decisão judicial, julgamento) e mits-wáh (mandamento).
Nas Escrituras Gregas, a palavra nó-mos, do verbo né-mo (repartir,
distribuir), é traduzida por 'lei'; b) ainda que a etimologia seja
incerta, a mais aceita atualmente faz derivar o termo do sânscrito 'lagh',
que originou o verbo grego 'légein' e a conhecida para a latina 'lex',
sugerindo, por outro lado, a ideia de estabelecer, tornar estável, permanente.
Todavia, em Cícero (De Legitus, I, 6, 19), 'Lex' deriva do verbo 'legere' ou
'deligere', porque a lei indicaria o melhor caminho a ser trilhado pelo
cidadão (conceito político). O próprio Cícero, contudo, ensina que 'Lex' poderia
derivar, também, de 'legere', ler (lex e legendo), pelo fato de
as leis serem escritas e dadas ao povo para leitura e conhecimento. Santo
Isidoro adota esta etimologia, contrapondo, assim a lei ao costume, este uma
lei não escrita. Santo Agostinho fica com a primeira hipótese. Outra etimologia
bem aceita é a que faz 'lex' derivar de 'ligare' (ligar,
unir, obrigar), porque é próprio da lei unir a vontade a uma diretriz,
obrigando-a a tomar determinada direção, a qual foi eleito por Santo Tomás de
Aquivo (Dicitud emim lex a ligando, quia obligat ad argendum).
J. Cabral de Moncada
(Filosofia do Direito e do Estado, 2ª edição, Coimbra Editora, p. 283), para
outro domínio, que não o religioso, escreveu: "Como escrevia Mill, a
respeito de Comte: <nada conhecemos para lá dos fenómenos, e o próprio
conhecimento que destes temos é relativo e não absoluto. Não conhecemos nem a
essência nem o modo de produção de nenhum facto; conhecemos somente as relações
de sucessão e semelhança de uns factos com outros. Essas relações são
constantes, sempre idênticas nas mesmas circunstâncias. Tais semelhanças
constantes, que ligam os fenômenos entre si, bem como as sucessões invariáveis
que os encadeiam em séries, a título de antecedentes e consequentes, eis ao que
se dá o nome de leis. É tudo o que sabemos deles. A sua essência, porém,
bem como as suas causas últimas, quer eficientes, quer finais, são-nos
desconhecidas e permanecer-nos-ão para sempre impenetráveis>".
Sendo assim, este texto
pretendeu ser apenas uma contribuição para a compreensão sobre a trajetória
percorrida até a atual ideia de lei. É que segundo Heráclito (frag. 112),
"O pensar é a maior virtude, e consiste a sabedoria em dizer a verdade e,
escutando a natureza, obrar segundo ela." e Pontes de Miranda ensina que:
"A humanidade não se realiza em Roma, nem em Berlim, nem em Londres, nem
em Paris, - mas no Homem." e que "A ciência do direito não é somente
ciência empírica da civilização, não se serve apenas do método histórico, e não
tem por única preocupação os valores jurídicos; é também ciência da natureza,
que estuda realidades psico-físicas, forças sociais, processos biológicos da
vida em comum. Continua a biologia, como todas as ciências sociais.".
Presidência da República
Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos |
Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro. (Redação
dada pela Lei nº 12.376, de 2010
|
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe
confere o artigo 180 da Constituição, decreta:
Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei
começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente
publicada.
§ 1o § 1o Nos Estados,
estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia
três meses depois de oficialmente publicada. (Vide
Lei nº 1.991, de 1953) (Vide Lei nº
2.145, de 1953) (Vide Lei nº
2.410, de 1955) (Vide
Lei nº 2.770, de 1956) (Vide Lei nº
3.244, de 1957) (Vide
Lei nº 4.966, de 1966) (Vide
Decreto-Lei nº 333, de 1967)
(Vide
Lei nº 2.807, de 1956)
(Vide
Lei nº 4.820, de 1965)
§ 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer
nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos
parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4o As correções a texto de lei já em vigor
consideram-se lei nova.
Art. 2o Não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições
gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei
anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei
revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece.
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e
geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada. (Redação dada
pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado
segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela
Lei nº 3.238, de 1957)
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que
o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do
exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a
arbítrio de outrem. (Incluído pela
Lei nº 3.238, de 1957)
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a
decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela
Lei nº 3.238, de 1957)
Art. 7o A lei do país em que domiciliada a
pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a
capacidade e os direitos de família.
§ 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será
aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades
da celebração.
§ 2o O casamento de
estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares
do país de ambos os nubentes. (Redação dada
pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá
os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.
§ 4o O regime de bens, legal ou convencional,
obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for
diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar
brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz,
no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do
regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada
esta adoção ao competente registro. (Redação dada
pela Lei nº 6.515, de 1977)
§ 6º O divórcio realizado no
estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido
no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido
antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação
produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a
eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na
forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do
interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças
estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos
os efeitos legais. (Redação
dada pela Lei nº 12.036, de 2009).
§ 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do
chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o
do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio,
considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se
encontre.
Art. 8o Para qualificar os bens e regular
as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem
situados.
§ 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for
domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se
destinarem a transporte para outros lugares.
§ 2o O penhor regula-se pela lei do domicílio
que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á
a lei do país em que se constituirem.
§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada
no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as
peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2o A obrigação resultante do contrato
reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à
lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a
natureza e a situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada
pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de
quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de
cujus. (Redação dada pela
Lei nº 9.047, de 1995)
§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário
regula a capacidade para suceder.
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo,
como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se
constituirem.
§ 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil
filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos
aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as
organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituido, dirijam ou
hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens
imóveis ou susceptiveis de desapropriação.
§ 3o Os Governos estrangeiros podem adquirir a
propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou
dos agentes consulares. (Vide
Lei nº 4.331, de 1964)
Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira,
quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a
obrigação.
§ 1o Só à autoridade judiciária brasileira
compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.
§ 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá,
concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei
brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente,
observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.
Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país
estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de
produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira
desconheça.
Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz
exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.
Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no
estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente
verificado à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias
para a execução no lugar em que foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal
Federal. (Vide
art.105, I, i da Constituição Federal).
Parágrafo único. (Revogado
pela Lei nº 12.036, de 2009).
Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se
houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem
considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como
quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando
ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são
competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o
casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o
registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira
nascido no país da sede do Consulado. (Redação dada
pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º As
autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação
consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores
ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos,
devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à
descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao
acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção
do nome adotado quando se deu o casamento. (Incluído
pela Lei nº 12.874, de 2013) Vigência
§ 2o
É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que
se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou
com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo
necessário que a assinatura do advogado conste da escritura
pública. (Incluído
pela Lei nº 12.874, de 2013) Vigência
Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados
no artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei
nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os
requisitos legais. (Incluído pela
Lei nº 3.238, de 1957)
Parágrafo único. No caso em que a celebração dêsses
atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo
18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em
90 (noventa) dias contados da data da publicação desta
lei. (Incluído pela
Lei nº 3.238, de 1957)
Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1942, 121o da
Independência e 54o da República.
GETULIO
VARGAS
Alexandre Marcondes Filho
Oswaldo Aranha.
Alexandre Marcondes Filho
Oswaldo Aranha.
Segundo Dimitri Dimoulis (Manual de Introdução ao
Estudo do Direito, SP, RT, 2011), a pergunta central é: por que o legislador
editou uma norma? Qual foi sua finalidade? Por essa razão a doutrina denomina
também a interpretação de “teleológica”. Teleologia significa busca de finalidade e provém da palavra
grega telos (= término e escopo; por
isso diz-se, também, que os métodos teleológicos estão fundamentados na busca
da ratio legis, da razão que motivou
a criação da lei.).
Os juristas desenvolveram métodos de
interpretação das normas jurídicas que permitem dar respostas relativamente
satisfatórias, mesmo se persistem as controvérsias sobre o sentido de cada
método e, principalmente, sobre a solução que deve ser adotada quando os
métodos levam a resultados contraditórios ou não permitem chegar a uma
conclusão.
Os principais instrumentos que possui o operador
do direito para resolver os problemas de interpretação são os quatro métodos da
interpretação, desenvolvidos pela doutrina e, geralmente, vinculados ao nome de
Savigny. 1) interpretação gramatical
(textual ou literal); 2) interpretação sistemática (lógica); 3) teleologia
subjetiva (histórica); 4) teleologia objetiva.
Interpretação
gramatical: Esse método busca identificar o significado das palavras
utilizadas pelo legislador, tentando entender o que ele quis ordenar por
intermédio da lei.
Interpretação
sistemática: A interpretação sistemática visa integrar e harmonizar as
normas jurídicas considerando-as como um conjunto. Para melhor entender o
mandamento legislativo, devemos analisar a norma dentro do contexto da regulamentação
legal, levando em consideração as relações lógicas e hierárquicas entre as
várias normas. Com efeito, não é possível entender a maioria das disposições
jurídicas sem analisar o direito como um todo.
Interpretação
histórica (teleologia subjetiva): Esse método vai além da interpretação das
palavras empregadas no texto da norma. Busca a vontade do legislador histórico,
ou seja, as intenções (ver concepções de justiça) que ele tinha quando
estabeleceu determinado regulamento.
Interpretação
teleológica objetiva: Aqui o intérprete busca a finalidade social das
normas jurídicas, tentando propor uma interpretação que seja conforme a
critérios e exigências atuais. O raciocínio é o seguinte: ao criar a lei, o
legislador pretendia tutelar determinados interesses ou bens e alcançar certas
finalidades. Se entre a criação da lei e o momento atual houve mudanças
sociais, devemos aplicar a norma após termos identificado qual seria a vontade
do mesmo legislador se ele legislasse em nossos dias.
Obs. A contraposição entre a letra da lei (verba) e o seu espírito (mens) é frequentemente nos trabalhos
jurídicos sobre a interpretação. O Digesto afirma que o sentido da lei não se
encontra em suas palavras, e sim na compreensão de sua vontade.
Vigência: A
palavra vigência indica o período no qual as prescrições jurídicas têm efeito,
sendo este período delimitado pela entrada e a retirada da norma do ordenamento
jurídico. O momento de entrada em vigor de um texto normativo é quase sempre
estabelecido em seu último artigo. As fórmulas utilizadas são: “Esta lei entra
em vigor na data de sua publicação” ou “este decreto entra em vigor no prazo de
X dias, contado da data de sua publicação”.
Revogação:
Em alguns casos a norma estabelece um lapso temporal de vigência. Isto ocorre
nas seguintes hipóteses: Normas transitórias (que regulamentam o modo de
passagem de um antigo a um novo regulamento, estabelecendo um prazo para que a
administração pública ajuste-se às novas exigências ou preservando direitos
adquiridos. Normas de direito financeiro e tributário que costumam ser de
validade anual. Normas que regulamentam situações excepcionais (Ex. o decreto
que proclama o estado de sítio). Nessas hipóteses, a perda da validade
denomina-se caducidade.
Validade:
A maioria das normas jurídicas é de validade indeterminada. Quando o legislador
não estabelece a duração da norma.
Vigência:
A vigência está relacionada ao período que a lei está operando seus efeitos
sobre as situações previstas. Difere de validade porque um lei publicada já é
válida mesmo que esteja em período de suspensão, dormência.
Ultratividade:
A antiga lei pode continuar sendo aplicada em determinados casos após a
cessação de sua vigência (Ex. Direitos adquiridos, Ato Jurídico Perfeito e
Coisa Julgada).
Retroatividade:
São retroativas as disposições que têm efeitos sobre situações ocorridas antes de
sua entrada em vigor. Em matéria de retroatividade, aplicam-se as seguintes
regras no ordenamento jurídico brasileiro: deve ser considerada como
excepcional; se for expressamente previsto em seu texto; no âmbito penal se não
prejudicar o réu (art. 5º, XL, da CF e art. 2º, § único, do CP; leis que criam
ou aumentam tributos não podem ser retroativas nem aplicadas ao exercício
financeiro no qual foram criadas e só podem ser cobradas em relação a fatos
geradores que ocorram no mínimo 90 dias após a publicação da lei (art. 150,
III, da CF).
Direito
intertemporal: trata e esclarece os fundamentos das principais teorias
sobre a disciplina para a resolução dos conflitos da lei no tempo. A partir
disso, são expostas as influências desse desenvolvimento teórico no ordenamento
jurídico brasileiro.
17
Outubro 2014
Tiago
Bitencourt De David
O presente estudo retoma parcialmente abordagem já realizada em outro pequeno
ensaio[1], mas agora desenvolvendo de forma
específica o problema da antinomia de segundo grau relativa ao conflito entre
norma especial precedente e norma geral posterior, ou seja, em face de um
embate entre os critérios da especialidade e cronológico.
A escolha do tema decorre do interesse em face da
ausência de um metacritério racionalmente estabelecido para que se resolva o
conflito que ocorre entre dois critérios de importância equivalente, problema
que inocorre no caso de antinomia de segundo grau envolvendo o critério
hierárquico, vez que dada a estrutura piramidal do Direito positivo o mesmo
deve prevalecer[2]. Quando dissemos que não
há um metacritério para resolver a antinomia entre especialidade e cronologia,
isso não quer dizer que a doutrina nada disse sobre o assunto, mas sim de que
não se encontra devidamente assentada e justificada a prevalência de um ou
outro, merecendo debate o tema que não pode ser ignorado ou abordado
apresentando-se uma resposta desprovida de fundamentação razoável.
Interessa aqui revelar o estado da questão na
doutrina jurídica e para tanto impositivo colher o quanto os doutrinadores
pensaram sobre o tema, por isso nos deteremos ao que disseram e seus
posicionamentos serão expostos em citações diretas para revelar na inteireza o
vaticínio de cada um, cotejando-se e comentando-se as respectivas falas. De
igual modo, a importância prática do debate merece ser esmiuçado e para tanto
serão objeto de abordagem tanto questões vislumbradas pelo pesquisador quanto
já efetivamente enfrentadas explicitamente na jurisprudência.
1 – Status
quaestionis.
A abordagem de tal assunto não deve principiar pela
aceitação acrítica de uma resposta dada ao mesmo, mas na aceitação de que se
trata de acesa polêmica e cujas consequências práticas de sua (falta de)
solução (in)satisfatória alcança desde o Direito Civil ao Direito Processual
Penal, acarretando graves efeitos na solução de conflitos.
Dada a estrutura piramidal ou, ainda, sistemática
com prevalência do núcleo sobre a periferia, a hierarquia revela-se dominante
nas antinomias de segundo grau. Diferentemente, os critérios cronológico e da
especialidade estão no mesmo patamar, sem sobreposição apriorística de um sobre
outro. Então, como decidir qual dos critérios prevalece?
A resposta corrente é no sentido da prevalência da
especialidade sobre a cronologia. Não são encontrados doutrinadores a admitir a
sobreposição do critério cronológico. Assim, norma especial anterior
prevaleceria sobre norma geral posterior. Exemplificando tal entendimento,
colhemos lição oferecida por Alysson Leandro Mascaro[3]:
“De outra forma, se puder se usar ao mesmo tempo o
critério da cronologia e da especialidade, há de se escolher o da
especialidade. Uma norma específica, ainda que mais velha, é preferível à geral
mais nova no ponto de sua especialidade.
Neste caso, entre a cronologia e a especialidade,
o critério mais forte para resolver a antinomia será a especialidade.”
Igualmente apontando a prevalência da
especialidade, mas preconizando alguma cautela, Norberto Bobbio[4] aduz que:
“Conflito entre o critério da especialidade e o
cronológico: esse conflito tem lugar quando uma norma anterior-especial é
incompatível com uma norma posterior-geral. Tem-se conflito porque, aplicando o
critério da especialidade, dá-se preponderância à primeira norma, aplicando o
critério cronológico, dá-se prevalência à segunda. Também aqui foi transmitida
uma regra geral, que soa assim: Lex posterior generalis non derogat priori
speciali. Com base nessa regra, o conflito entre critério da especialidade
e critério cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro: a lei geral
sucessiva não tira do caminho a lei especial precedente. O que leva a uma
posterior exceção ao princípio lex posterior derogat priori: esse
princípio falha, não só quando a lex posterior é inferior, mas
também quando é generalis (e a lex prior é specialis).
Essa regra, por outro lado, deve ser tomada com certa cautela, e tem um valor
menos decisivo que o da regra anterior. Dir-se-ia que a lex specialis é
menos forte que a lex superior, e que, portanto, a sua vitória sobre a lex
posterior é mais contratada. Para fazer afirmações mais precisas nesse
campo, seria necessário dispor de uma ampla casuística.”
Admitindo uma superioridade prima facie, mas
já apontando problemas práticos decorrentes de sempre aplicar-se a normatização
especial, sustenta Maria Helena Diniz[5] o
quanto segue:
“Em caso de antinomia entre o critério da
especialidade e o cronológico, valeria o metacritério lex posterior
generalis non derogat priori speciali, segundo o qual a regra de
especialidade prevaleceria sobre a cronológica. Esse metacritério é
parcialmente inefetivo, por ser menos seguro que o anterior. A metarregra lex
posterior generalis non derogat priori speciali não tem valor absoluto,
dado que, às vezes, lex posterior generalis derogat priori speciali,
tendo em vista certas circunstâncias presentes. A preferência entre um critério
e outro não é evidente, pois se constata uma oscilação entre eles. Não há uma
regra definida; conforme o caso, haverá supremacia ora de um, ora de outro
critério.”
José de Oliveira Ascensão[6]
igualmente sustenta, com ressalvas, a preponderância da norma especial sobre a
geral superveniente. Segundo Ascensão[7]:
“307. Lei
geral não revoga lei especial
I – Voltemos agora um pouco atrás. Há outro aspecto
da relação entre lei geral e lei especial que se reveste de considerável importância:
é o que respeita à revogação. Devemos saber se, em princípio, a lei geral
revoga a lei especial ou a lei especial a geral.
Afastamos antes de mais uma situação que não se
confunde com esta. Podem as várias leis ser compatíveis: assim acontece se a lei
nova aditou uma consequência jurídica, geral ou especial, ao regime anterior,
sem haver contradição. Neste caso, não há que se falar em revogação.
Quanto à pergunta sobre a revogabilidade da lei
especial pela lei geral, a resposta é tendencialmente negativa. A afirmação
aparentemente lógica de que a lei geral, por ser mais extensa, incluirá no seu
âmbito a matéria da lei especial, ficando esta revogada, não se sobrepõe à
consideração substancial de que o regime geral não toma em conta as
circunstâncias particulares que justificaram justamente a emissão da lei
especial. Por isso não será afetada em razão de o regime geral ter sido
modificado. Uma lei sobre o turismo não afetará uma lei especial sobre o
turismo de montanha.
II – Mas esta consequência não é fatal. Não
acontecerá assim se se retirar da lei nova a pretensão de regular totalmente a
matéria, não deixando subsistir leis especiais. Haverá então circunstâncias
relevantes, em termos de interpretação, que nos permitam concluir que a lei
geral nova pretende afastar a lei especial antiga. Pode, por exemplo, a lei
nova ter por objetivo justamente pôr termo a regimes especiais antigos que
deixaram de se justificar. Se se puder chegar a esta conclusão, a lei especial
antiga fica revogada pela lei geral.
Em qualquer caso, o intérprete terá de procurar
apurar um sentido objetivo da lei. Esse sentido é o de regular exaustivamente
um setor, não deixando subsistir fontes especiais. Não é diretamente o sentido
de revogar as fontes especiais, pois essa é mera consequência da destinação à
regulação integral.
Esse
sentido há de revelar-se por indícios de uma das seguintes ordens:
1) a
premência da solução, igualmente sentida no setor em que vigorava a lei
especial;
2) o fato de a solução constante da lei ‘especial’
não se justificar afinal por necessidades próprias desse setor, pelo que não
merece subsistir como lei especial.
Em
sentido técnico, a nova lei realiza a revogação global da legislação referente
àquele instituto.
III –
Este segundo é o caso mais delicado, pelo que merece ainda um esclarecimento.
O fato de uma matéria ser incluída numa lei que é
especial em relação a outra não significa necessariamente que essa matéria seja
substancialmente especial. Pode ter sido aí incluída por o legislador ter
aproveitado a oportunidade de aprovação da lei especial para integral nela
princípios que se justificavam em toda a ordem jurídica. Nesse caso, à
especialidade formal não corresponde uma especialidade substancial. Por isso,
se a lei geral for alterada e trouxer solução contrária, esta afasta também a
solução formalmente incluída na lei especial. Em rigor, não há sequer lei
especial.
Mas pode chegar-se a outra situação. Pode ter sido
editada uma solução para um domínio especial – trabalho, agricultura, etc. –
que apenas compõe um regime global, sem ser justificada por necessidades
especiais desse setor.
Se o legislador se decide a alterar o regime geral,
o que temos de perguntar é o seguinte: o regime estabelecido nesse domínio
especial é justificado por considerações próprias desse setor?
Se o é – e mesmo que estejamos em total
discordância com a solução trazida - o regime especial é insensível à alteração
da lei geral.
Mas se não o é, se não há razões de especialidade
substancial que o justifiquem, então esse regime foi atingido pela alteração da
lei geral. Não há nada nele que oponha resistência à vigência da lei geral.”
Note-se que José de Oliveira Ascensão ao final de
sua exposição faz uma advertência importantíssima, a saber, a especialidade
somente se sustenta se há razões que justifiquem o tratamento diverso daquele
emanado do regime geral, pois é isso que autoriza a manutenção de um regime
jurídico especial que não merece subsistir caso inexista justificativa para o
tratamento distinto daquele estabelecido pela normatização geral. É muito
importante prestar atenção a tal observação do doutrinador porque ela será de
grande valia adiante para compreender-se a resolução prática de problemas
envolvendo o tema.
Assumindo que o problema é bem mais complexo do que
se imaginava e que ele é sério, de difícil solução, veja-se o que diz Adrian
Sgarbi[8] quando aponta que sequer seria
possível falar em preponderância de um critério sobre outro:
“5.2.3
Conflito entre os critérios cronológico e o da especialidade
[...]
Este conflito entre critérios não é de fácil
solução. Porque tanto se pode dizer que com a edição da norma N2 pretendeu o
legislador eliminar todas as previsões especiais de uma só vez estabelecendo
novo regime geral, como se pode sustentar com argumentos de justiça a
prevalência da lei especial.”
Adrian Sgarbi levanta aqui o problema da norma
geral simplesmente instituir um regime jurídico novo, fulminando os
microssistemas em prol de uma recondução a um tratamento geral, não-setorizado.
Isso nada tem de impossível e até mesmo já aconteceu recentemente, bastando
pensar no retorno de parte do Direito Comercial[9]
ao Direito Civil, unificando-se o Direito das Obrigações e a parte geral dos
Contratos, assim como pouco sobrou dos contratos comerciais em espécie. A
advertência de Sgarbi não revela um descaso científico, mas antes a assunção
corajosa da existência de um problema real e de intensas consequências
práticas.
O mais interessante é que Sgarbi sequer defende uma
superioridade prima facie da norma especial. No ponto o doutrinador
discrepa da visão comumente advogada sobre o assunto.
Em última análise, Sgarbi leva-nos a questionar:
por que a especialidade prevalece(ria) sobre a cronologia?
Parece-nos que especialidade é correntemente
apresentada como dominante em razão da manutenção do tratamento setorizado
ainda que sobrevindo uma normatização geral na medida em que a disciplina
especial estaria justificada pela necessidade de exclusão daquela espécie de
relação jurídica do âmbito geral, bastando pensar na proteção decorrente da CLT
e do CDC. A solução proposta pelo entendimento majoritário parece amparar-se na
necessidade de tratamento diferenciado para situações que por motivos diversos
ensejaram a normatização de forma específica e que assim sendo não fica sujeita
aos ditames gerais. E aqui, no seio da própria tese da prevalência da norma
especial sobre a geral, já se encontra o fundamento de sua inaplicabilidade
como muito bem destacado por José de Oliveira Ascensão, a saber, o tratamento especial
somente se justifica na estrita medida da necessidade de sua diferenciação.
Um outro questionamento começa a revelar melhor os
contornos da problemática, bastando pensar em alguns casos práticos. Pode uma
norma geral posterior mais favorável ao consumidor não ser aplicada em razão da
especialidade do CDC, gerando-se uma disparidade entre o tratamento dispensado
pelo Código Civil e pelo CDC em detrimento do vulnerável que ficaria em
situação pior do que aquele envolvido em relação paritária? No Processo Penal,
é viável aplicar a legislação processual penal específica mesmo quando normas
gerais supervenientes alteram o procedimento em favor de promover uma melhor
eficácia do contraditório e da ampla defesa?
Exagerando um pouco, mas para fins de didáticos
pergunta-se: poderia realmente o legislador estabelecer um procedimento penal
para o estelionato e outro para o furto, estabelecendo momentos diferentes para
o interrogatório no curso da instrução probatória? O que (não) se pode fazer em
nome da especialidade? O abuso do argumento da superioridade do critério da
especialidade não enseja uma inconstitucionalidade por violação da igualdade e
da razoabilidade?
Portanto, para estabelecer um metacritério ou para
dizer que não é possível tal postura é necessário: a) justificar racionalmente
o entendimento alcançado; b) apontar como na prática o posicionamento
funcionaria, enfrentando questões tais como aquelas suscitadas acima.
2 – Da
pirâmide ao átomo
Os problemas práticos suscitados acima revelam que
uma alteração no núcleo do sistema acaba por influir na periferia, ou, ainda,
que a mudança nos sistemas afetam diretamente os microssistemas, vez que
mudando-se o paradigma há ressonância nos pontos periféricos do sistema. Daí a
imagem do Direito positivo ser melhor vislumbrada como um átomo ou uma
molécula, de forma que alterando-se a composição nuclear modifica-se também o
entorno. O que se quer dizer é que ao mudar-se uma parte do sistema jurídico,
mesmo não querendo-se, modifica-se outras partes não alteradas diretamente. A
influência entre os elementos do sistema é recíproca e os mesmo comunicam-se,
mesmo quando a ação exterior deseja a alteração estritamente localizada. Isso
já havia sido, ainda que percebido de forma diversa, por José Oliveira Ascensão
já invocado acima. Entretanto, foram Erik Jayme e Cláudia Lima Marques que
apresentam abordagem realmente inovadora sobre o tema.
Abandonando a ideia de conflitos e antinomia,
apontando solução conciliatória e harmonizadora, Cláudia Lima Marques[10], arrimada nas lições de Erik Jayme, assim
vaticina:
O grande mestre de Heildelberg propõe então a
convivência de uma segunda solução ao lado da tradicional: a coordenação destas
fontes. Propõe uma coordenação flexível e útil (effet utile) das normas
em conflito no sistema, a fim de se restabelecer a sua coerência, isto é, uma
mudança de paradigma: da retirada simples (revogação) de uma das normas em
conflito do sistema jurídico (ou do “monólogo” de uma só norma possível a
“comunicar” a solução justa) à convivência destas normas, ao diálogo das normas
para alcançar sua ratio, à finalidade “narrada” ou comunicada em ambas.
O Superior Tribunal de Justiça já adotou
expressamente a teoria de Erik Jayme, veja-se excerto da ementa do julgamento
do Recurso Especial 1.184.765:
[...]
9. A antinomia aparente entre o artigo 185-A, do
CTN (que cuida da decretação de indisponibilidade de bens e direitos do devedor
executado) e os artigos 655 e 655-A, do CPC (penhora de dinheiro em depósito ou
aplicação financeira) é superada com a aplicação da Teoria pós-moderna do
Dialógo das Fontes, idealizada pelo alemão Erik Jayme e aplicada, no Brasil,
pela primeira vez, por Cláudia Lima Marques, a fim de preservar a coexistência
entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil.
10. Com efeito, consoante a Teoria do Diálogo das
Fontes, as normas gerais mais benéficas supervenientes preferem à norma
especial (concebida para conferir tratamento privilegiado a determinada
categoria), a fim de preservar a coerência do sistema normativo.
[...]
E Cláudia Lima Marques[11]
alicerçada em tal referencial teórico bem responde a um dos questionamentos
suscitados acima quando da indagação dos problemas práticos decorrentes da
defesa intransigente da supremacia da norma especial sobre a geral:
[...] Subsidiariamente, o sistema geral de
responsabilidade civil sem culpa ou o sistema geral de decadência podem ser
usados para regular aspectos de casos de consumo, se trazem normas mais
favoráveis ao consumidor. [...]
No caso de conflito entre previsões entre a CLT ou
CDC, cuja característica comum é a de serem estatutos protetivos, e o Código
Civil, aplica-se este – e não aqueles – quando a normatização geral for mais
benéfica ao trabalhador e ao consumidor, sob pena de tratamento favorável entre
iguais e desfavorável aos vulneráveis nas relações não-paritárias. Na linha de
José Oliveira Ascensão dir-se-ia que o advento da norma geral mais benéfica ao
consumidor acaba por revogar tacitamente uma previsão especial que não mais
merece existir pelo despropósito de sua permanência no sistema jurídico na
medida em que em vez de beneficiar, acabaria por prejudicar aquele ao qual sua
proteção foi o motivo ensejador da edição do diploma legislativo.
De igual modo, uma vez que foi estabelecido pela
Lei Federal 11.719/2008 que o interrogatório do acusado deve ser levado a
efeito ao final da coleta da prova oral, diferentemente do que ocorria na
sistemática processual penal anterior, de igual modo impõe-se tal modo de
proceder também quando a acusação versar sobre tráfico de drogas, merecendo
releitura o art. 57 da Lei Federal 11.343/2006 (Lei de Drogas) que tinha em
vista o paradigma anterior. Note-se que aqui aplica-se perfeitamente a
advertência de José Oliveira Ascensão quando diz que muitas vezes na legislação
especial o que há é uma normatização geral e é por isso que tivemos em vista ao
longo deste estudo o conflito de normas - e não de leis – sabendo que dentro de
uma lei específica há dispositivos que apenas consagram prescrições gerais e
que devem ser tidas como tais. Do contrário, ter-se-á uma diferenciação de rito
sem qualquer necessidade subjacente, padecendo o sistema de falha lógica, algo
por si só lamentável, mas agravado pela manutenção de um proceder isolado que
menor prestígio empresta às garantias constitucionais do contraditório e da
ampla defesa. Em sentido contrário, exemplificativamente: STF, HC122229 e STJ,
RHC 46.792, de onde extrai-se, em suma, como ratio decidendi, o caráter
especial da Lei de Drogas perante a natureza geral do CPP e à luz da remissão
do art. 394, § 2º, do CPP.
Note-se, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal
(AP 528) enfrentou a questão consistente na manutenção do interrogatório no
início da audiência de instrução em se tratando de ação penal originária (art.
7º da Lei Federal 8.038/90), concluindo pela realização da defesa pessoal ao
final, na forma do art. 400 do CPP, rechaçando-se a superioridade do critério
da especialidade quando viável harmonização que prestigia as garantias do
contraditório e da ampla defesa, bem como tendo em vista a remissão feita pelo
art. 9º da Lei Federal 8.038/90. Igualmente o Superior Tribunal de Justiça
acolheu tal orientação, bastando ver o decidido no HC 205.364.
Uma vez assumido que uma diferenciação somente
justifica-se na medida em que haja necessidade que imponha o tratamento
distinto, bem como tendo em vista que o procedimento, mais especificamente o
interrogatório, deve ser harmonizado, realizando-se de igual modo na medida em
que não há fundamento penal ou processual penal que sustente diversidade
ritualística, tendo sua previsão normativa caráter geral, ainda que prevista em
lei especial. Aliás, mormente quando a previsão apenas repetia o quanto
previsto no paradigma então vigente. Aqui revela-se deveras importante ter em
vista que a antinomia não é entre leis, mas entre normas, nada impedindo que
uma norma geral emane de lei especial, assim como nada obsta que norma especial
emane de lei geral. Por isso parece-nos que o entendimento consagrado pelas
Cortes Superiores no que tange às ações penais originárias deve ser estendido
ao rito da Lei de Drogas.
Da mesma forma que há normas gerais depreendidas a
partir de diplomas especiais, igualmente há normas especialíssimas em leis
gerais. E é isso que impõe a aplicação do art. 445 do Código Civil em
detrimento do art. 26 do CDC, pois o primeiro não dispõe especificamente sobre
bens duráveis, mas de forma especialíssima sobre vícios em bens duráveis
imóveis, ou seja, é previsão duplamente especial, ainda que constante em lei
geral. Aqui tem-se um caso onde aplica-se a normatização mais específica em
prol do consumidor em detrimento do quanto disposto no CDC.
Ao fim e ao cabo, a antinomia resolve-se mediante a
análise de como no caso concreto a força normativa da Constituição é otimizada,
seja protegendo-se o vulnerável, seja amplificando-se as garantias processuais
penais[12]. A resolução do conflito deve ter
em vista a antinomia de normas – e não de leis – solvendo-se o problema com
atenção ao quanto exigido pela igualdade e pela razoabilidade que impõem que o
tratamento diferenciado depende umbilicalmente de razões que justifiquem a
distinção; sem motivo hábil a sustentar a desigualdade, impõe-se a igualdade de
normatização.
[1] DE DAVID, Tiago Bitencourt. Critérios clássicos já não resolvem bem as
antinomias. Conjur, 14 de maio de 2014. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2014-mai-14/tiago-bitencourt-criterios-classicos-nao-resolvem-bem-antinomias
[2] Aqui manifesto discordância com Norberto Bobbio e outros que pensam
diversamente, ventilando situações nas quais a hierarquia cederia à
especialidade, vez que quando esta parece sobrepor-se é porque não há,
realmente, uma antinomia, mas concretização no particular de solução já
potencialmente existente na previsão mais abstrata e hierarquicamente superior,
sob pena de invalidade da norma especial.
[3] MASCARO, Alysson Leandro.
Introdução ao Estudo do Direito. 2ªed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 141.
[4] BOBBIO, Norberto. Teoria do
Ordenamento Jurídico. Tradução de Ari Marcelo Solon. São Paulo: EDIPRO, 2011,
p. 109 e 110.
[5] DINIZ, Maria Helena. Conflito de
Normas. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 64.
[6] ASCENSÃO, José de Oliveira.
Introdução à Ciência do Direito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 518 e
519.
[7] ASCENSÃO, José de Oliveira.
Introdução à Ciência do Direito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 518 e
519.
[8] SGARBI, Adrian. Introdução à
teoria do direito. São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 157 e 158.
[9] Atualmente Direito de Empresa.
[10]
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
26.
[11]
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
27.
[12] No mesmo
sentido: FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 4ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2004, p. 107.
Tiago
Bitencourt De David – Juiz Federal Substituto – Terceira Região. Mestre em
Direito (PUCRS). Especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER).
Pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM,
Toledo/Espanha).
DAVID,
Tiago Bitencourt De. Conflito entre os critérios cronológico e da
especialidade: resolução da antinomia de segundo grau à luz da doutrina e da
jurisprudência.. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 14, nº 1180, 17
de outubro de 2014. Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/286-artigos-out-2014/6770-conflito-entre-os-criterios-cronologico-e-da-especialidade-resolucao-da-antinomia-de-segundo-grau-a-luz-da-doutrina-e-da-jurisprudencia.
Professor!
O que Couture disse a respeito? Ah! Sim meu caro acadêmico. Couture escrevera
como primeiro mandamento: “ESTUDA –
O direito está em constante transformação. Se não o acompanhas, serás a cada
dia menos advogado.”. Até a próxima aula e tenham ótimo descanso.
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