CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA
(ÉTICA E DIREITO, Chaim Perelman, tradução Maria Ermantina
Galvão, São Paulo, Martins Fontes, 2002).
“É ilusório querer enumerar todos
os sentidos possíveis da noção de justiça. Vamos dar, porém, alguns exemplos
deles, que constituem as concepções mais correntes da justiça, cujo caráter
inconciliável veremos imediatamente:
1. A cada qual a mesma coisa. Segundo essa
concepção, todos os seres considerados devem ser tratados da mesma forma, sem
levar em conta nenhuma das particularidades que os distinguem.
2. A cada qual segundo seus méritos. Eis
uma concepção da justiça que já não exige a igualdade de todos, mas um
tratamento proporcional a uma qualidade intrínseca, ao mérito da pessoa humana.
3. A cada qual segundo suas obras. Essa
concepção da justiça tampouco requer um tratamento igual, mas um tratamento
proporcional. Considera o resultado da ação.
4. A cada qual segundo suas necessidades.
Essa fórmula da justiça, em vez de levar em conta méritos do homem ou de sua
produção, tenta sobretudo diminuir os sofrimentos que resultam da
impossibilidade em que ele se encontra de satisfazer suas necessidades.
5. A cada qual segundo sua posição. Eis uma
fórmula aristocrática da justiça. Consiste ela em tratar os seres não conforme
critérios intrínsecos ao indivíduo, mas conforme pertença a uma ou outra
determinada categoria de seres.
6. A cada qual segundo o que a lei lhe atribui.
Esta fórmula é a paráfrase do célebre cuique
suum dos romanos. Se ser justo é atribuir a cada qual o que lhe cabe,
cumpre, para evitar um círculo vicioso, poder determinar o que cabe a cada
homem. Se atribuirmos à expressão “o que cabe à cada homem” um sentido
jurídico, chegamos à conclusão de que ser justo é conceder a cada ser o que a
lei lhe atribui. Esta concepção nos permite dizer que um juiz é justo, ou seja,
íntegro, quando aplica às mesmas situações as mesmas leis. Ser justo é aplicar
as leis do país. Tal concepção da justiça, contrariamente a todas as
precedentes, não se arvora em juiz do direito positivo, mas se contenta em
aplicá-lo. É evidente que essa fórmula admite em sua aplicação tantas variantes
quantas legislações diferentes houver. Cada sistema de direito admite uma
justiça relativa a esse direito. O que pode ser justo numa legislação, pode não
o ser numa legislação diferente: com efeito, ser justo é aplicar, ser injusto é
distorcer, em sua aplicação, as regras de um determinado sistema jurídico. E.
Dupréel opõe essa concepção a todas as outras. Qualifica-a de “justiça
estática”, por ser baseada na manutenção da ordem estabelecida, e lhe opõe
todas as outras consideradas como as formas da “justiça dinâmica”, por poderem trazer
a modificação dessa ordem, das regras que a determinam. “Fator de
transformação, a justiça dinâmica se mostra um instrumento do espírito
reformador ou progressista, como ele
se autodenomina. A justiça estática, propriamente conservadora, é fator de
fixidez.”.
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