domingo, 22 de outubro de 2017

DIREITO E LÓGICA



DIREITO E LÓGICA (Roteiro de Lógica Jurídica, Fábio Ulhoa Coelho, Editora Max Limonad Ltda., São Paulo, 3ª edição, 2ª tiragem, 1997).
“Na antiguidade, viveu um homem de nome Zenão, nascido em Eléia. Os registros disponíveis da morte dele fazem crer que ele foi um homem dotado de grande força moral (caráter bem formado, íntegro). Participou da organização de uma conspiração contra um tirano. Foi capturado e submetido a tortura em praça pública, para que delatasse os seus companheiros de insurreição. Como não o fez, acabou morto. Assim, o espetáculo da própria tortura, montado para atemorizar os inimigos do tirado, produziu o efeito inverso. Segundo as crônicas, a extraordinária lealdade e força demonstrada por Zenão, perante a violência brutal que sofrera, teriam despertado na população a consciência da necessidade de se libertar do tirano, seguindo-se, então, a sua deposição.
DA LIBERDADE INTELECTUAL. Zenão era filósofo, discípulo de Parmênides. Isso significa que ele acreditava na ideia de que a razão, e não os sentidos, tem acesso à verdade (verdade é uma palavra afeta a lógica). Os homens podem se assegurar do que o conhecem de certa realidade, não pelo que veem, escutam ou cheiram nela, e sim em função do que pensam dela. [...]. Evidentemente, essas ideias não eram compartilhadas por todos os filósofos da Antiguidade. Heráclito, por exemplo, afirmava exatamente o inverso, ou seja, a multiplicidade e variedade do real são a sua essência e não a simples aparência. [...] Esses argumentos e suas conclusões não conferem, certamente, com a nossa experiência sensível, que capta o movimento como algo real, existente. Nós vemos as pessoas caminhando, a água dos rios fluindo, os pássaros voando, as máquinas construídas pelos homens em funcionamento, as flores desabrochando, sentimos o vento no rosto, nadamos no mar, e desse modo não nos convencemos, de imediato, da pertinência da conclusão alcançada pelo filósofo eleata. Assim, em que passagem de reflexão dele poderíamos encontrar algum erro? Outro pensador da Antiguidade, Diógenes de Sinope, conhecido como o cínico, em uma aula, propôs-se a contestar o argumento de negação do movimento caminhando silenciosamente diante de seus alunos, para, em seguida, reprovar aqueles que ficaram satisfeitos com tal contestação (Hegel). Claro, porque um argumento deve ser contrariado por outro argumento, a identificar o erro de raciocínio do opositor. Em que passagem do próprio argumento Zenão teria se equivocado? Ou, ao contrário, somos nós que estamos iludidos quando acreditamos que existe movimento? Na verdade, nem o eleata errou ao demonstrar a inexistência do movimento, nem nós estamos equivocados quando pensamos que o movimento existe. Isso porque a lógica não confere, necessariamente, com a realidade.”. Professor: o que é contestar? Depende. Na verdade, a palavra contestação tem vários significados, por exemplo: 1. Negar a validade, a veracidade ou a exatidão de; CONTRADIZER; REFUTAR [td. : Contestou a crítica, por tendenciosa. Antôn.: aprovar, concordar. ]
2. Apresentar resposta contraditória a, replicar a, refutando [tr. + a : Contestarei à sua carta com uma ação no tribunal.] [int. : Ao ouvir aquilo, Ana contestou com veemência.]
3. Lançar dúvida sobre a veracidade de (decisão, ideia etc.); questionar (algo) a (alguém). [td. : O delegado contestou as provas apresentadas pela vítima.] [tdi. + a : Contestou ao professor os seus argumentos.]
4. Manifestar discordância, resistencia ou oposição; OPOR-SE [int. : O povo não tem razão para contestar.]
5. Rejeitar como inválido, injusto ou ilegal (decisão, sentença, processo ou resultado de processo etc.); IMPUGNAR; REFUTAR [td. : Contestou a marcação do pênalti.: Vou contestar o resultado do concurso. Antôn.: aceitar, acatar. ]
6. Jur. Provar, asseverar com razões, confirmar [td. ].
[F.: Do lat. contestare, por contestari. Hom./Par.: conteste(s) (fl.), conteste(s) (a.[pl.]); contestáveis (fl.), contestáveis (a2g.[pl.]); contesto (fl.), contexto [ê] (sm.).] (Dicionário Caldas Aulete).
Em Direito: “Contestação - É uma das peças de resposta do réu, onde ele pode se defender daquilo que lhe foi imputado. Trata-se do meio pelo qual o réu contrapõe-se aos pedidos formulados na inicial, devendo concentrar todas as manifestações de resistência à pretensão do autor. É na contestação que o réu pleiteia que o juiz não acolha o pedido feito pelo autor. De acordo com o artigo 300, do Código de Processo Civil, "compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir", com Fundamentação legal. E fundamentar, com base na lei, é elencar os dispositivos legais que dão sustentação ao argumento desenvolvido (Fundamentação legal: art. 39, I; 113, § 1º, 261, 278, § 1º, 297 a 303, do CPC).
“Restaria saber o seguinte: é possível consignar essa lógica prática como lógica jurídica? Perelman responde que sim! Desde que a materialidade jurídica seja configurada segundo os enunciados verossímeis ou prováveis que realizam sua realidade. Pode-se usar, nessa lógica, lugares comuns, ou ‘topoi’, que são formas de definir as opiniões aceitas ou os pontos de vista consagrados, que são mais ou menos estratificados em termos de valores que a comunidade jurídica aceita e que passam a ser manipulados materialmente segundo uma lógica prática, como por exemplo, os raciocínios ‘a pari’, ‘a contrario’, ‘a fortiori’, ‘a minus ad maius’, etc. Ao trabalhar a materialidade desse processo, específico do direito, então é possível dizer-se que existe uma lógica jurídica, que não é de modo algum uma Lógica Formal aplicada ao Direito. Apesar de se poder aplicar a Lógica Formal ao direito, aquela lógica jurídica não se confunde com esta; ela é na verdade uma lógica material, calcada na experiência e na materialidade dos assuntos jurídicos, dentro de um contexto de argumentação e de um desenvolvimento não puramente demonstrativo, mas de uma articulação fundamentalmente opinativa, e portanto de persuasão retórica. A retórica serve para dissuadir ou persuadir, implicando a manipulação de uma série de instrumentos que Perelman chama de técnicas argumentativas, as quais, aplicadas ao mundo jurídico, determinam então aquilo que se chama “lógica jurídica”. Então, existe a lógica jurídica porque existe a razão jurídica, razão esta que é prática e não teórica. Esta razão é a razão da prudência (fronesis), a razão do razoável. Se se entender que o conceito de razão vai além de sua expressão puramente teórica, onde se encontra o reino da Lógica Formal, então podemos considerar e afirmar a existência da lógica jurídica enquanto dá conta da realidade prático-jurídica, realidade esta que não pode ser entendida como simples desrazão, como irracionalidade obscura, onde impera o arbítrio e o absurdo (ridículo). O mundo da razão prática é o mundo do provável, do verossímel, do plausível e, por isso, é também um mundo racional na precisa medida em que permite a previsão e o controle razoáveis das decisões e ações humanas no plano social.” (Alaôr Caffé Alves).
Professor! Na última aula ficou dito que a metodologia aplicada ao estudo do Direito seria a das ciências humanas. Por acaso, existe alguma metodologia que não seja humana? Vamos lá, meu caro. Pela palavra “humano”, fruto de convenção, quer-se qualificar o homem inserido no processo cultural civilizatório. O homem não inserido, não é, tecnicamente, humano, é só homem (não culturado, inculto, animal) e esse homem o Direito não lhe alcança plenamente. A sua situação deve ser regida por lei especial, pelo que enuncia o artigo 4º, parágrafo único, do atual diploma civil. Quem bom. Mais uma pergunta, professor! Pois não! Há pouco foi dito que “depende”. Quer dizer passaremos cinco anos ou mais estudando Direito, para chegar ao final e descobrir que depende? kkkkk. Boa essa! Talentoso você, meu caro jovem! Até a próxima aula e bom descanso.

“A linguagem e a vida são inseparáveis. [...] Não é possível dizer tudo, ainda que se desejasse. Muitas vezes, é difícil dizer algo.” (Emília Amaral e Severino Antônio). E por prudência, não é aconselhável dizer tudo.

 


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