“O Direito não é pura teoria, mas uma força viva. Todos os direitos da
humanidade foram conseguidos na luta. O Direito é um trabalho incessante, não
somente dos poderes públicos, mas da nação inteira” (Ihering – A luta pelo
direito). Perfeito: o direito é uma ciência social aplicada.
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Dispõe o Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942,
art. 3º que: “Ninguém se escusa de
cumprir a lei, alegando que não a conhece.”.
Das palavras de André de Carvalho
Ramos e Erik Frederico Gramstrup (Comentários à Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro – LINDB, São Paulo, Saraiva, 2016, p. 40/41), tem-se que:
“O art. 3º da LINDB trata da
alegação de desconhecimento da lei, tida como incabível. Trata-se de uma ficção, mais que presunção de
conhecimento geral da lei. Sabe-se bem que, ante a complexidade do sistema
jurídico, nem mesmo especialistas e profissionais estão em condições de
apreendê-lo em toda sua riqueza e detalhe. Por isso mesmo se cuida de ficção,
mantida como pressuposto necessário ao funcionamento do Direito. Caso fosse
possível ao súdito da norma escusar-se, alegando que não a conhece, solapada
estaria a obrigatoriedade que distingue o Direito em face de outros complexos
normativos, tais como os de origem religiosa, moral e de cortesia. A razão da
ficção de conhecimento generalizado da lei serve a propósitos de ordem prática,
a possibilitar a organização da vida social pelo padrão do Direito. De onde o
brocardo antigo: ignorantia legis neminen
excusat.
Outras justificativas podem ser
acrescentadas, sem a importância da necessidade já mencionada. O fato é que,
mesmo sem conhecer a lei em toda minudência, os membros de uma coletividade são
capazes de apreender seus princípios e valores básicos. Nas situações
ordinárias da vida, é o que basta para conduzir-se sem violação da lei. Caso o
sujeito em questão exerça atividade que requeira conhecimento especializado,
será razoável exigir que adquira igualmente o conhecimento das normas setoriais
aplicáveis àquela atividade; assim, por exemplo, com os exercentes de
profissões regulamentadas, com os que exercem atividade empresária e com os que
contratam com o Poder Público. Outro exemplo: é exigível que uma pessoa
jurídica operadora de engenharia genética conheça as normas de biossegurança.
Tudo isso é dito, porém, sem perder de vista que a razão própria e principal da
pressuposição de que a lei é conhecida por todos atende a uma necessidade vital
do próprio Direito.
Caio Mário da Silva Pereira
sustenta que tanto a teoria da pressuposição quanto da ficção é frágil. In verbis: “os juristas modernos preferiam encarar a realidade e focalizar o
problema à luz da verdade objetiva. A lei é obrigatória, a lei tem de ser
obedecida, não por motivo de um conhecimento presumido ou ficto, mas para que
seja possível a convivência social. A lei é obrigatória por uma razão de
interesse da própria vida social organizada. Quando a Lei de Introdução ao
Código Civil declara que ninguém se escusa de cumprir a lei, sob a alegação de
que não a conhece, está pura e simplesmente proclamando o princípio de que ela
é obrigatória para todos, ainda para aqueles que efetivamente a ignoram.
Apesar de acompanharmos o autor
quanto à asserção de que a obrigatoriedade da lei impõe-se pela necessidade de
harmonia na convivência social, ela apenas conseguiu dar o motivo pelo qual se
estabeleceu a ficção de seu conhecimento geral, uma vez publicada. [...]”.
H. Lévy-Bruhl, por sua vez, que
trata o direito pelo viés sociológico, no ponto, escrevera: “Os homens têm
necessidade de saber como se comportar uns em relação aos outros, mas como
saberão, se as regras imperativas a que eles devem ser submetidos variam de um
momento para outro? Sem dúvida eles têm a intuição de que essas regras não lhes
são estranhas, mas emanam deles próprios – e é essa, aliás, a razão profunda do
adágio, segundo o qual – “presume-se que ninguém ignora a lei”. Mas este
sentimento geral e vago não basta para guiar os homens no seu comportamento
cotidiano. As regras de direito devem ter um mínimo de precisão e de rigidez indispensável
à segurança das relações sociais. Elas o adquirem pelo fato de se expressarem
em palavras e, nas sociedades modernas, através de fórmula escrita. Mas, daí
surge um inevitável conflito entre o caráter estático das normas e o dinamismo
da vida. E este conflito dá ao direito, que parece ao profano tão frio e
austero, um aspecto dramático e, algumas vezes, até mesmo patético. É
apaixonante acompanhar o esforço dos homens para alcançar a justiça, através de
fórmulas que, por definição, não poderão realizar plenamente.”
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