sábado, 9 de junho de 2018

Introdução ao Estudo do Direito - Final


Introdução ao Estudo do Direito -201 8.1 -Considerações sobre os conceitos de (Justiça, Lei, Faculdade, Fato Social, Ciência)

"Para que algo se mostre é necessário um desentranhamento do encoberto, a fim de que ele possa chegar a mostrar-se. Portanto, a palavra "fenomenologia" (= direito) não significa apenas "descrição daquilo que é dado"; ela inclui a supressão do encobrimento que não precisa consistir apenas em falsas construções teóricas. "(Hans­ George Gadamer).

Com base no resultado das pesquisas de André Franco Montoro (Introdução à Ciência do Direito), dentre outros, é possível conferi r que:

"Talvez em nenhuma época, como hoje, o estudo e a prática do direito tenham se identificado tanto com a própria defesa da civilização e do humano. Em qualquer das modalidades de atuação, como juiz, promotor, delegado, consultor, administrador ou legislador cabe ao jurista trabalhar permanentemente para assegurar a cada homem o respeito que lhe é devido. E defender, assim, aquela realidade fundamental que é a fonte das fontes do direito: a pessoa humana.

Ao lado dos técnicos da ad ministração, da economia ou da cibernética, os homens do direito têm a missão insubstituível de fazer com que o desenvolvimento da sociedade se processe em termos de justiça, isto é, que se assegure a cada homem e a todos os homens o respeito aos direitos que lhe são devidos.

Por isso, a Nação entrega às Faculdades de Direito a tarefa humanizadora, essencial ao desenvolvimento, de formar cidadãos que serão, na vida nacional, os lutadores permanentes da justiça e da liberdade.

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

A disciplina tradicionalmente denominada "Introdução à Ciência do Direito" recebeu nova designação oficial: "Introdução ao Estudo do Direito'', por iniciativa do Conselho Federal de Educação, que, em 28 de janeiro de 1972, aprovou o currículo mínimo para os cursos de Direito.

OBJETIVOS DO CURSO DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
Quais os objetivos de um curso de Introdução ao Direito?

Essa pergunta é fundamental, se quisermos examinar criticamente os atuais cursos e introduzir neles modificações que correspondam às expectativas e necessidades de um estudante que inicia o estudo do Direito. Sem a fixação dos objetivos, é impossível avaliar a eficiência de qualquer curso.

No caso do curso de Introdução à Ciência do Direito, pensamos que os principais objetivos podem ser assim indicados:

1)     Proporcionar aos alunos uma vi são geral do campo do direito, o que se desdobra naturalmente no conhecimento:
1.1.  Da posição do direito no conjunto dos conhecimentos humanos;

              1.2.   Dos ramos do direito público e privado; 
1.3. Das disciplinas jurídicas fundamentais;
2)  Introduzir os estudantes no conhecimento da terminologia jurídica e das categorias fundamentais do direito, tais como a norma jurídica, suas espécies e interpretação, o direito subjetivo e o dever jurídico, a relação jurídica, o sujeito ativo e passivo e o objeto do direito, a prestação jurídica, a pessoa física e a jurídica, a sanção e a ação judicial, a estrutura e os poderes do Estado, etc.
3) Conduzir a uma tomada de consciência sobre a importância e o significado do direito na promoção do desenvolvimento nacional, em termos de justiça, isto é, com o respeito à dignidade pessoal de todos os homens.

A esse tríplice objetivo procura atender o est1.1do respectivo, como se pode verificar pela distribuição das matérias na grade curricular. Assim é oportuna uma palavra sobre os métodos no ensino do Direito.

MÉTODOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM


A reforma universitária, que se processa no país, tem uma de suas justificativas na necessidade de ser assegurada ao estudante - o universitário especialmente - uma participação ativa no desenvolvimento dos cursos.

Daí que o aluno não pode continuar a ser simples ouvinte de preleções dos professores. Sua participação deve ser promovida pelo exame e discussão de textos, casos concretos, indicação e exibição de filmes, jurisprudência e questões de interesse real.

A divisão da turma em grupos, para a pesquisa e debate de tais problemas, com a apresentação dos resultados perante a classe, tem sido adotada com sucesso, e servido de base para a exposição posterior e explicações do professor.

A realização de trabalho pessoal e escrito pelos alunos sobre temas relativos ao programa é outra forma de participação ativa do estudante e com o propósito de facilitar essas e outras modalidades de participação e trabalho dos alunos no desenvolvimento do curso, indicação de bibliografia e outras formulações pertinentes ao curso.

PLANO DE TRABALHO


O direito pode ser encarado sob duas perspectivas diferentes: como elemento de conservação das estruturas sociais, ou como instrumento de promoção das transformações institucionais da sociedade, ou seja, direito conservador ou direito renovador.

É comum que, em países plenamente desenvolvidos, estabilizados e organizados, prevaleça a função conservadora do direito. E a concepção mais adequada a essa missão é a identificação do direito com "a lei", e, por extensão, ao "contrato", como lei entre as partes. Nesse sentido, é significativa a advertência com que fan1oso professor de Paris iniciava seu curso: "Não vim ensinar o direito, vim expor o Código Civil".

que, principalmente nos países em desenvolvimento e h·ansfo1mação, o erro dessa posição é patente. Fazer do direito uma força conservadora é perpetuar o subdesenvolvimento e o atraso. Identificar o direito com a lei é errar duplamente, porque significa desconhecer o verdadeiro fundamento e condená-lo à estagnação.



Para fundamentar a missão renovadora e dinâmica do direito em uma sociedade em mudança, é preciso rever certos conceitos de base e afirmar, na sua plenitude, o valor fundamental, que ao direito sentido próprio e dignidade: a justiça.

Não se trata de um conceito novo e sim permanente, que deve ser afirmado, estudado e efetivamente aplicado, se quisermos dar ao direito destinação verdadeira, que é a de ordenar a convivência e o desenvolvimento dos povos. Aqui, é lícito afirmar que o direito estará a serviço da justiça.

Nos contextos clássicos de Aristóteles, Ulpiano, Cícero, S. Tomás e outros, encontramos formulada a doutrina básica da justiça, adaptada a uma real idade profundamente diferente da atual. Encontram-se as sementes para a elaboração ulterior de um pensan1ento jurídico-filosófico, que precisa ser desenvolvido e aplicado às novas condições da sociedade e ao direito moderno.

A esse respeito, dois erros, a nosso ver, precisam ser evitados. Primeiro, a simples repetição daquele pensamento, como se o mundo não houvesse mudado. Segundo a rejeição pura e simples dessa doutrina, como se a mudança das condições sociais destruísse as exigências fundamentais do respeito à pessoa humana.

Dito isso, então, vem a pergunta: que é o direito?

Na linguagem comum e na linguagem científica, o vocábulo direito é empregado com significações diferentes. Os autores costumam distinguir dois sentidos fundamentais:

1.      O direito-norma, lei ou regra de ação ("norma agendi");
2.   O direito-faculdade, poder de ação, prerrogativa (''facultas agendi").

Assim é a lição de Clóvis Beviláqua (Teoria Geral do Direito Civil). Mesmo assim, uma pesquisa mais rigorosa revela outras significações, igualmente importantes, em que o termo "direito" é empregado em sentido nitidamente enriquecido nas seguintes expressões:

1.  O "direito" brasileiro proíbe o duelo;
2.       O Estado tem "direito" de cobrar impostos;
3.      O salário é "direito" do trabalhador;
4.       O ''direito" é um setor da realidade social;
5.      O estudo do ''direito" requer métodos próprio.

Cada uma dessas frases emprega uma das significações fundamentais do ''direito". Na primeira, "direito" significa a lei ou norma jurídica (direito-norma); na segunda, "direito" tem o sentido de faculdade ou poder de agir (direito-faculdade ou direito-poder-dever); na terceira, indica o que é devido por justiça (direito-justo); na quarta, o direito é considerado fenômeno social (direito-fato social); na última, ele é referido como disciplina científica (direito-ciência).

São cinco realidades distintas. E, se quisermos saber o que é o direito, precisamos estudar o conteúdo essencial de cada uma dessas significações.

Para isso, podemos traçar um plano de trabalho, que pode ser:


parte - O direito como ciência (Epistemologia Jurídica) parte - O direito como justo (Axiologia Jurídica)
parte - O direito como norma (Teoria da norma jurídica)

parte - O direito como faculdade (Teoria dos direitos subjetivos) S3 parte - O direito como fato social (Sociologia Jurídica).

O DIREITO COMO CIÊNCIA (Epistemologia Jurídica)


Ao estudar o direito como ciência, devemos naturalmente examinar sua definição, assim como o lugar que ele ocupa no conjunto das ciências e a natureza de seu objeto. Tais problemas pertencem ao campo da Epistemologia Jurídica.

Assim é que Epistemologia, do grego "epistême" (ciência) e "logos" (estudo), significa etimologicamente "teoria da ciência". Nesse sentido, podemos dizer, com Machado Neto, que "tratar da ciência do direito, ainda que para o mister elementar de defini-lo, é fazer Epistemologia ".

, entretanto,  na linguagem filosófica, certa imprecisão e diversidade de conceitos sobre a exata significação do vocábulo. Lalande, por exemplo, define Epistemologia como "o estudo crítico dos princípios. das hipóteses e dos resultados de cada ciência". E, em nota, esclarece que a palavra inglesa "Epistemology " é frequentemente empregada para designar toda a "teoria do conhecimento" ou "gnosiologia ". Da mesma forma, os italianos, em geral, não costumam distinguir epistemologia e teoria do conhecimento. De qualquer forma, os problemas citados: definição de direito, sua posição no quadro das ciências, a natureza de seu objeto, constituem inquestionavelmente temas de Epistemologia do Direito.

Conceituar o direito pode ser considerado corno defini-lo. E duas espécies de definição:

l. Nominalque consiste em dizer o que uma palavra ou nome significa;
2. Real, que consiste em dizer o que uma coisa ou realidade é.

Em obediência à recomendação da lógica, é o que vamos fazer em relação ao direito. Estudaremos, primeiramente a significação da palavra. Examinaremos, em seguida, a realidade ou realidades que constituem o direito.

O estudo das palavras não é destituído de valor. Pelo contrário, a palavra homem é a expressão de seu pensamento. E, quando um vocábulo é empregado durante várias gerações para designar uma realidade, ele se apresenta cheio de conteúdo e significação. O nome é a experiência acumulada e constitui, de certa forma, o limiar da ciência.

Retomando: que significa a palavra '"direito"? Qual a sua origem?

Nas línguas modernas encontramos dois conjuntos de termos utilizados para exprimir a ideia de direito. Um primeiro conjunto liga-se ao vocábulo "direito", que encontra similar em todas as línguas neolatinas e, de forma geral , nas línguas ocidentais modernas: "Droit" (francês); "Diritto" (italiano); "Derecho "(espanhol); "Recht" (alemão); "Right" (inglês); "Dreptu" (romeno). Essas palavras tem origem num vocábulo do baixo latim: "d irectum ", que significa "direito" ou "reto"; "Rectum " ou "directum " é o que é conforme a uma regra. Ao lado desse, existe outro conjunto de palavras que, nas línguas modernas , liga­ se à noção de direito. Esse conjunto é representado pelos vocábulos: "jurídico ", "jurisconsulto ", "judicial ", ''judiciário", "jurisprudência" etc., que encontram, também , similar em quase todas as línguas modernas.

E qual a origem desses vocábulos?

É visível que a etimologia dessas palavras encontra-se no termo latino "jus "-"juris ", que significa "direito". Ainda assim, se remontarmos um pouco além e formos investigar a significação originária do vocábulo "jus ", encontraremos, pelo menos, duas origens diferentes indicadas pelos filólogos. Alguns pretendem que "jus " se tenha constituído no idioma latino, como derivado de "jussum ", particípio passado do verbo "jubére ", que significa: mandar, ordenar. E apontam, nesse sentido, ce11as fórmulas que eram usadas nas Assembleias Curiais em Roma, nas quais os cidadãos, depois de discutirem as leis, decid iam sobra a promulgação. A fórmula usada então, para encerramento da discussão, era a seguinte: "Jubéate quirites" (mandai cidadãos), ou então "adséntite jubére quirites" (concordai em mandar , cidadãos). Há muitas outras: "justum ", "yu'', "Yós", "diké'', etc.

Para completar a indicação das origens do vocábulo "direito", convém citar, também, a palavra grega correspondente. Trata-se do vocábulo ''dik", que significa indicar. Não há, entretanto , nas línguas modernas palavras vinculadas ao "diké" grego. Apenas  nos trabalhos eruditos esse termo é mencionado . Esse fato confirma um dos aspectos conhecidos da história da cultura. Quase todas as palavras ligadas ao direito, são de origem latina. O que revel a a influência poderosa do direito romano sobre o direito moderno , ao lado da influência quase nula da cultura grega, nesse particular.

Em outros setores, como na filosofia, nas artes e nas ciências especulativas, foi profunda a influencia da cultura helênica. No campo do direito, quase nada encontran1os que nos liga à Grécia. A influência decisiva nesse campo foi de Roma. O gênio prático dos romanos contrasta com a sabedoria especulativa dos gregos. No campo do pensamento puro os gregos foram notáveis. Pode dizer-se que não houve em Roma filósofo que mereça ser posto ao lado de Sócrates, Platão ou Aristóteles. Do ponto de vista prático - e o direito se situa nesse campo - os romanos foram insuperáveis. E o monumento jurídico que eles deixaram à humanidade, o Direito Romano, comunicou-se até nós e ainda influi poderosamente no direito contemporâneo.

Não podemos nos limitar ao estudo do vocábulo. Devemos passar do plano das palavras para o das realidades.

Consideremos as expressões seguintes:

1 - o direito não permite o duelo;
   2 o Estado tem o direito de legislar;   
  3 a educação é direito da criança;
  4 -   cabe ao direito estudar a criminalidade;
  5  o direito constitui um setor da vida social.

Se atentarmos para a significação do vocábulo "direito", nessas diversas expressões, verificaremos que, em cada uma, ele significa coisa diferente.

Assim, no primeiro caso - "o direito não permite o duelo" - "direito" significa a norma, a lei, a regra social obrigatória (norma).

Na segunda expressão - "o Estado tem o direito de legislar" - "direito" significa a faculdade, o poder, a prerrogativa,   que o Estado tem de decretar leis (faculdade).

Na terceira expressão - "a educação é direito da criança" - "direito" significa o que é devido por justiça ou o que é justo).

Na última expressão - "cabe ao direito estudar a criminalidade" - "direito" significa ciência, ou, mais exatamente, a ciência do direito (ciência).

Na última expressão - "o direito representa um setor da vida social" - "direito·' é considerado como fenômeno da vida coletiva. Ao lado dos fatos econômicos, artísticos, culturais, esportivos, etc., também o direito é um fato social.

Temos assim, cinco realidades diferentes, a que correspondem as acepções fundamentais do direito. Um estudo mais detido nos revela que, partindo destas, podemos chegar, ainda, a outras significações, de menor importância.

Direito, no sentido de lei ou norma, é urna das acepções mais comuns do vocábulo.    Muitos autores o denominam "direito objetivo ", em oposição ao "direito subjetivo" ou "direito­ faculdade". que é sempre uma prerrogativa do sujeito ("subjectum").

Essa denominação, no entanto, é imprópria, porque outras acepções do direito, como justo ou fato social  são também, objetivas. Direito objetivo não é apenas a lei.

Inúmeras definições correntes referem-se à acepção do direito como lei. Assim, por exemplo, a de Clóvis Beviláqua, que, em "Teoria Geral do Direito Civil", conceitua o direito como:  "uma regra social obrigatória". Ou a de Aubry e Rau: "O Direito é o conjunto de preceitos ou regras, a cuja observância podemos obrigar o homem, por uma coerção exterior ou física". É esse, também, o caso da definição de Ihering que considera o direito como "um conjunto de normas, coativamente garantidas pelo poder público".

que o direito, na acepção de norma ou lei, indica real idades diferentes, quando se refere:

1    -ao direito positivo e ao direito natural;

2      - ao direito estatal e ao direito não estatal (ou social).

O Direito Positivo é constituído pelo conjunto de normas elaboradas por uma sociedade determinada, para reger a própria vida interna, com a proteção da força social.


    O Direito Natural significa coisa diferente. É constituído pelos princípios que servem de fundamento ao Direito Positivo.

A palavra "direito" indica realidades diferentes num e noutro caso. Inúmeras interpretações inexatas do Direito Natural decorrem, exatamente, do fato de se atribuir significação unívoca, isto é, uma única significação ao vocábulo "direito" em ambos os casos.

É, por exemplo, famoso o ponto de vista de Oudot, jurista francês, para quem o Direito Positivo e o Direito Natural. constituiriam dois Códigos paralelos. Teríamos, ao lado de cada norma do Direito Positivo, uma correspondente de Direito Natural.

Na acepção de Oudot e dos chamados "jusnaturalistas racionalistas'', o vocábulo "direito'', aplicado ao Direito Natural e ao Direito Positivo, teria a mesma significação. Seria unívoco.

Essa concepção do Direito Natural, é inaceitável. O Direito Natural, na sua formulação clássica, não é um conjunto de normas paralelas e semelhantes às do Direito Positivo. É o fundamento do Direito Positivo.  É constituído por aquelas normas que servem de fundamento a este, tais como: ''deve se fazer o bem'', "dar a cada um o que lhe é devido", "a vida social deve ser conservada", ''os contratos devem ser observados" etc., normas essas que são de outra natureza e de estrutura diferente das do Direito Positivo.

Assim, distinção semelhante devemos estabelecer entre o direito estatal e direito não estatal, também chamado direito grupal ou direito social, por Gurvitch, Lévi-Bruhl, Geny e outros.

A palavra "direito" aplica-se geral mente às normas jurídicas elaboradas pelo Estado, para reger a vida social, como por exemplo a Constituição, o Código Civil e as demais lei s e decretos federais, estaduais e municipais etc.

Mesmo assim, ao lado do direito estatal, existem outras normas obrigatórias, elaborada por diferentes grupos sociais e destinadas a reger a vida interna desses grupos sociais e destinadas a reger a vida interna desses grupos. Estão nesse caso, pelo menos em grande parte, o direito universitário, o direito esportivo, em parte o direito operário ou do trabalho (estabelecido por acordos ou convenções),   as  convenções  e  regi mentos   internos condominiais  o  direito  religioso  (canônico,  muçulmano,  etc.),  os  usos  e  costumes internacionais, etc.

Os estatutos, regulamentos e demais normas que regulamentam a vida de uma universidade, quando elaborados por esta, constituem um direito autônomo: o direito universitário.

O direito que vigora dentro da comunidade esportiva. constitui outro exemplo. A atividade esportiva está, entre nós, como em outros países, regulamentada, não pelo Estado e sim pelas próprias organizações do esporte. Estas elaboram normas e até mesmo códigos que regulan1, com força obrigatória, a atividade espo1tiva. Existem, inclusive, Tribunais Esportivos, incumbidos da aplicação de tais normas.

        Grande parte do moderno direito do trabalho, que regula as relações de emprego e do trabalho, em geral, foi, principalmente nos países da Europa, elaborada pelas próprias organizações interessadas. Os sindicatos e outras organizações operárias e patronais, considerando usos e costumes coletivos. foram estabelecendo normas, que passaram a regular, com força obrigatória, as relações de trabalho em cada categoria profissional. Não foi o Estado que elaborou essas normas. Foram os próprios interessados. No Brasil o processo foi diferente. Entretanto, em muitos setores ocorreu fenômeno semelhante, como demonstra Oliveira Viana, em "Instituições Políticas Brasileiras".

Do direito religioso são exemplos o direito canônico, o direito muçulmano, o judeu, o budista, elaborados pelas próprias comunidades e disciplinando, com normas precisas, a atividade espiritual de milhões de criaturas.

As regras editadas pelos organismos internacionais, que se multiplicam e os usos e costumes internacionais, com força obrigatória, foran1 amplamente estudados por Grvitch, Geny, Lévy-Bruhl, Le Fur, constituem outras tantas manifestações do direito não estatal ou social.

Como observara Gurvitch, esse direito pode existir dentro do Estado, ao lado do Estado e acima do Estado. Dentro do Estado, como o direito universitário ou o direito operário. Ao lado do Estado, como o direito canônico, que dispõe sobre matéria espiritual, enquanto o Estado regula a atividade temporal. Acima do Estado, como os usos e costumes internacionais.

Oportuno voltar, em algum momento, ao exan1e desse problema, que é amplamente estudado pela Sociologia Jurídica e pelo Direito moderno. Por ora, importa esclarecer que o vocábulo "direito", aplicado ao direito estatal e ao direito não estatal, tem significação diversa e não unívoca. É por isso que muitos autores não admitem que se denomine "direito" a esses ordenamentos jurídicos não estatais. Tais autores defendem a tese do "monismo jurídico". Negam caráter jurídico aos ordenamentos não estatais. Afirmam, como Kelsen, que um ordenamento jurídico: o estatal. Recusam o "pluralismo jurídico". O que revela que não é no mesmo sentido que se emprega a palavra "direito'·, num e noutro caso. É por admitirem o sentido estrito de "direito". que muitos autores negan1o caráter jurídico dos ordenamentos não estatais.

À segunda das acepções fundamentais que encontramos: o direito-faculdade ou direito­ poder. Neste caso, o vocábulo direito, com frequência, é empregado para designar o poder de uma pessoa individual ou coletiva, em relação a determinado objeto. O direito de votar do cidadão, o de usar um imóvel, cobrar uma dívida, propor uma ação, são exemplos de direito-faculdade ou direito subjetivo. Estão nesse caso, também, o direito de legislar ou de punir, de que o Estado é titular, o pátrio-poder exercido pelos pais, etc. Cada um desses direitos é uma prerrogativa ou faculdade de agir. Uma "facultas agendi", em oposição ao direito-lei, que é uma "norma agendi".

É nesse sentido que Meyer define o direito como "o poder moral de fazer, exigir ou possuir alguma coisa". E Ortolan, como "a faculdade de exigir dos outros uma ação ou inação". Kant, por sua vez, refere-se a este sentido, ao definir o direito como "a faculdade de exercer aqueles atos, cuja realização universalizada não impeça a coexistência dos homens". Esse, é também, o aspecto focalizado por Iheríng ao propor a seguinte definição de direito "é o interesse protegido pela lei''.


A expressão "direito subjetivo" explica-se e se justifica, porque o direito nessa acepção é real mente um poder do sujeito. É uma faculdade reconhecida ao sujeito ou titular do direito.

Devemos, entretanto, distinguir duas acepções nitidamente distintas de direito subjetivo:

1 - o direito-i nteresse; 
 2 - o direito-função.
Muitos direitos são concebidos ou reconhecidos no interesse de seu titular, como meios de permitir-lhe a satisfação das próprias necessidades materiais ou espirituais. É o caso do direito à vida, à integridade física ou à liberdade, o direito de usar um imóvel ou reivindicar uma propriedade. A esse tipo de direito subjetivo dá-se a denominação de direito-interesse.

Entretanto, ao lado do direito-interesse, instituído em benefício de seu titular, outra categoria de direitos subjetivos, instituídos em benefício de outras pessoas. É o direito­ função, como o pátrio-poder dos pais, que é conferido aos pais no interesse do filho. O mesmo ocorre com o direito de julgar ou de legislar, atribuídos ao juiz ou ao legislador, em beneficio da coletividade.

A palavra ''direito'', como foi expressado, é inda susceptível de outra significação, claran1ente distinta das anteriores, que coloca o direito em outra perspectiva e o relaciona com o conceito de justiça. Trata-se do direito na acepção de justo.

Dentro dessa acepção, devemos distinguir, também, dois sentidos diferentes:

1 - Umas vezes "direito", na acepção de justo, designa o bem "devido" por justiça. Por exemplo, quando dizemos que ''o salário é direito do trabalhador", a palavra "direito" significa aquilo que é devido por justiça.

2 - Outras vezes "justo" significa a "conformidade" com a justiça. Por exemplo, quando digo que "não é direito condenar um anormal", quero dizer, não é conforme à justiça.

São duas acepções diferentes, se bem que ambas relacionadas com o conceito de justiça. A primeira acepção pode ser denominada ''justo objetivo", porque direito nesse caso é aquele bem que é devido a uma pessoa por exigência da justiça. Nesse sentido o respeito à vida é devido a todo homem, o pagamento é devido ao vendedor, a aposentadoria é devida ao empregado, o imposto é devido ao Estado, etc. A esse sentido é que se refere a definição de S. Tomás, segundo a qual "direito é o que é devido a outrem, segundo uma igualdade". É, também, a essa acepção do direito, que se refere o famoso conceito de Ulpiano: "Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito". É importante essa definição, não apenas por constar dos textos do Direito Romano, e sim por remontar aos mais antigos estudos sobre o direito e ajustiça. Em Aristóteles e Platão, por exemplo, encontran1os a mesma definição, com pequenas variações.

A palavra "direito" é empregada no sentido de "justo objetivo". É o bem devido a outrem, segundo uma igualdade. É o objeto da justiça. Acepção fundamental, como veremos, que é retomada por ilustres juristas, como Karl Engisch, Michel Vi lley e outros.


A ela corresponde, com exatidão, o vocábulo 'us". E significa o que é devido por justiça.

A segunda acepção ligada ao conceito de justiça é, como expresso, a conformidade com a justiça. No exemplo visto - "não é direito condenar um anormal" - direito é sinônimo de justo, e justo significa um qualificativo.  Indica a conformidade com as exigências da justiça.

Encontramos definições de direito que se referem a esta acepção. Entre outras, podemos citar a de Liberatore: "direito é tudo o que é reto, na ordem dos costumes", onde está claramente indicada a conformidade com regra de conduta.

Num plano inteiramente diferente dos anteriores, a palavra direito é, com frequência, empregada para designar a ''ciência do direito".

Quando falamos em estudar "direito", formar-se em direito, doutor ou bacharel em direito, método ou objeto de direito, é no sentido de ''ciência" que empregamos a palavra.

Entre as definições de direito que o consideram sob este prisma, podemos citar o clássico conceito de Celso: "direito é a arte do bom e do justo" ou a definição de Hermann Post: "direito é a exposição sistematizada de todos os fenômenos da v ida jurídica e a detem1inação de suas causas".

Finalmente, numa perspectiva distinta das anteriores, a palavra direito é empregada, principalmente pelos sociólogos, no sentido de fato social.

Ao realizar o estudo de qualquer coletividade, a sociologia distingue diversas espécies de fenômenos sociais. Considera os fatos religiosos, econômicos, culturais e, entre eles, o direito.

O direito é, então, considerado um setor da vida social, independentemente de sua acepção como norma, faculdade, ciência ou justo. E, como setor da vida social, deve ser estudado sociologicamente. É dentro dessa perspectiva que se situa a Sociologia do Direito.

Sob esse aspecto, Gurvitch define o direito como ''uma tentativa para realizar, num dano meio social, a ideia de justiça, através de um sistema de normas imperativo-atributivas''. O direito é considerado como a tendência social no sentido da realização da justiça. É o direito como fato social. No mesmo sentido é o conceito de Kohler: "O direito é um fenômeno da cultura". Entre nós, Oliveira Viana situa-se principalmente nessa perspectiva ao estudar as "Instituições Políticas Brasileiras".

É essa, também, a perspectiva em que se coloca Tobias Barreto, ao definir o direito como "o conjunto das condições existenciais e evolucionais da sociedade, coativamente asseguradas", ou, em fórmula mais atual, o conjunto das condições de existência e desenvolvimento da sociedade, coativamente asseguradas.

As acepções fundamentais que acabamos de examinar são as que mais interessam ao estudo jurídico. Entretanto, podemos acrescentar, ainda, outras menos importantes, que são de uso corrente.

    Assim, a palavra direito é usada, muitas vezes, no sentido de tributo ou taxa. Por exemplo, quando se fala em "direitos'' alfandegários ou aduaneiros.

Direito é ainda empregado com o significado de '"reto", no sentido geométrico. Por exemplo, um "segmento direito". isto é. Geometricamente reto.

É, ainda, usado para indicar uma operação certa: "Este cálculo está direito". Isto é. aritmeticamente certo.

Pode-se usar a palavra para designa r um "homem direito", no sentido de ter uma conduta  moralmente correta, ilibada.

Direito pode significar, finalmente, oposto a esquerdo:  lado "'direito'·.

Evidentemente, essas últimas acepções não apresentam interesse jurídico.  São mencionadas apenas com o objetivo de fazer. na medida do possível, uma análise exaustiva das significações do direito.

DIREITO CONCEITO ANÁLOGO


Do exame que acabamos de fazer decorrem algw1ms conclusões. que devem ser explicitadas:

l - a palavra "direito'' não designa apenas urna. e sim várias realidades distintas:

2  - em consequência, não é possível formular urna definição ú nica do direito: devem ser formuladas diferentes definições. correspondentes às diversas realidades;

3  - o estudo feito demonstra que o vocábulo "direito" não é unívoco, nem equívoco. e sim análogo.

Corno sabemos. a lógica divide os termos cm unívocos, equívocos e análogos. Unívoco é o termo que se aplica a uma única real idade. Por exemplo: livro, homem, vegetal. Equívoco é o que se aplica a duas ou mais realidades radicalmente diversas. Por exemplo: o termo ''lente". aplicado ao professor e ao vidro refrativo. Análogo é o termo que se aplica a diversas realidades que apresentam entre si certa semelhança. O termo análogo é, assim intermediário entre o unívoco e o equívoco. Exemplo: o vocábulo "direito", que designa a lei, a faculdade. a ciência. o justo, o fato social. Os termos análogos podem ser classificados em três categorias diferentes, correspondentes às diversas espécies de analogia:

1 - analogia intrínseca ou de proporção própria;

2  - analogia extrínseca, de relação ou de atribuição:

3  - analogia metafórica ou de proporção imprópria ou figurada.

Dá-se a analogia intrínseca. ou de proporção quando o vocábulo é aplicado a diversa realidades, entre as quais existe uma relação de proporcionalidade. Exemplo: o vocábulo "princípio" aplica-se ao princípio (começo) do d ia, ao princípio (início) de uma estrada.


aos princípios da ciência. aos princípios morai s. (Obs. Para compreender os Princípios Gerais do Direito. ler: ··o Conceito de Princípios entre a Otimização e a Resposta
Correta'\ tese de mestrado de Rafael Tomaz de Oliveira. disponível na internet).

Essas diversas acepções são diferentes. "Princípio" não significa a mesma coisa nesses diversos casos. Existe entre eles, uma proporção que se poderia assim enunciar: os princípios da ciência estão para a ciência, assim como o princípio do dia está para o d ia, assim corno o princípio da estrada está para a estrada. assim como os princípios morais estão para a conduta. Em todas essas acepções. "princípio" significa aquilo de que alguma coisa, de qualquer forma, depende.

Há, aí, uma analogia de proporção, que é intrínseca. porque o termo "princípio" encerra, em si mesmo, essa analogia. Não se pode dizer, por exemplo. que os fundamentos da ciência, tenham mais a natureza de "princípio'' do que o começo do d ia. Todos são aquilo de que alguma coisa, de qualquer forma, depende.  Esse aditivo "de qualquer  forma'" indica normalmente a existência de uma analogia intrínseca.

Outras vezes, os termos apresentam outra espécie de analogia: é a chamada analogia extrínseca, de relação ou de atribuição.

Realiza-se esta analogia, quando o termo se aplica. em sentido direito e próprio. a uma realidade. Também se aplica, por extensão. a outra realidade ou realidades. que mantem com a anterior, relações de dependência. geralmente causais.

Neste caso, o primeiro objeto, aquele a que o termo se aplica em sentido direito e próprio. é chamado •·analogado principar·. E o objeto ou objetos a que o termo se aplica por extensão, denominam-se "analogados secundários" ou derivados.

Exemplo típico de analogia de relação ou extrínseca, é o que se com o vocábulo "sadio". Esse termo se aplica ao "homem sadio". ao "clima sadio". ao ''al i mento sadio" e à "cor sadia''.
E prestarmos atenção ao significado da palavra "sadio", em suas diversas acepções. verificaremos que o vocábulo não tem a mesma significação em todos os casos. Dá-se uma analogia extrínseca ou de relação. Qual dentre essas real idades é aquela que, com propriedade. pode ser denominada sadia? Quem é propriamente sadio? Ocl ima? O alimento? O homem? A cor? É. evidentemente, o homem. O homem é que é sadio. O alimento é chamado sadio, porque é uma das causas do homem sadio. O clima está no mesmo caso. A cor é sadia, porque é efeito ou manifestação da saúde. O vocábulo sadio aplica-se, assim, diretamente ao homem e. por extensão, a outras realidades, que mantem com ele relações de dependência (causa. efeito ou manifestação do homem sadio).

Percebe-se claramente que diferença entre a estrutura desta analogia e a que mencionamos no caso anterior.

Há, ainda, um terceiro caso de analogia: metafórica, imprópria ou figurada. Nesta espécie de analogia o termo tem uma significação d i reta e própria, e se aplica também a outras realidades, em sentido figurado. em virtude de uma proporção imprópria que se estabelece com a significação originária. Está no caso o termo "rei'·. que se aplica diretamente ao monarca na sociedade política e se estende ao leão “rei” dos animais, ao “rei” do aço ou do café em acepção evidentemente metafórica ou figurada.



Entre essas significações uma proporção figurada: o monarca está para o Estado, assim como o leão está para os animais, o rei do aço para os produtores de aço, etc.

Com essas considerações, podemos passar ao exame do tipo de ou tipos de analogia existentes entre as diversas significações do direito. Do tema ocupou-se largan1ente G. Renard, na segunda lição de ''Philosophie de l'instituition", dedicada ao estudo do ''Papel da analogia na ciência jurídica· ·.





ANALOG IA  ÀS  DIVERSAS FACULDADE, CIÊNCIA, FATO



Qual a analogia existente entre as acepções fundamentais do direito?

Sabemos que essas acepções fundamentais são o direito-norma, o direito-faculdade, o direito-justo, o direito-ciência e o direito-fato social. entre essas diferentes significações uma clara analogia de relação, isto é, o vocábulo "direito" aplica-se de forma principal a uma dessas acepções e estende-se às demais, em virtude das relações reais - e não apenas metafóricas - que existem entre essas acepções.

Qual é o sentido principal? Ou, em te1mos lógicos, qual o primeiro analogado?

Situa-se um dos problemas que divide autores e correntes jurídicas. Para grande número de juristas, o direito é, em primeiro lugar, um conjunto de normas, leis ou regras jurídicas. "Direito-norma" seria o analogado principal. É sob esse aspecto que o direito é estudado pela maioria dos autores modernos. ·'A palavra direito designa o conjunto de leis ou regras jurídicas aplicáveis à atividade dos homens' '. diz Planiol. "O direito é a norma das ações humanas na vida social, estabelecida por uma organização soberana e imposta coativamente à observância de todos", escreve De Ruggiero. Na mesma linha, Kelsen define o direito como "um sistema de normas que regulam o comportamento humano" e acrescenta: "O direito é a norma primária, que estabelece a sanção".

Outros preferem ver no '·direito-faculdade" ou direito subjetivo o significado fundamental. "O direito considerado na vida real (...) nos aparece como um poder do indivíduo", escreve Savigny.

Como observa Carlos Campos, o digo de Napoleão foi construído sobre o conceito do direito subjetivo. Os jurisconsultos romanos fizeram uma teoria sólida sobre ele. Foi retomado pelos grandes juristas dos séculos XVI e XVII. Está ao fundamento da Declaração Universal dos Direitos Humanos e das demais Declarações de Direitos. Constitui a base de todo o direito privado e o ponto de partida das modernas construções do direito público.

É esse, também, o ponto de vista em que se colocam, entre outros, Ihering, ao estudar "A luta pelo direito". Jayme de Altavila ao pesquisar a '"Origem dos direitos dos povos", assim como o de Kant Hegel e demais autores para quem o direito é fundamentalmente liberdade.


Dessa posição, aproxima-se também a doutrina egológica do direito, formulada pelo jurista argentino Carlos Cóssio. "A conclusão básica da teoria egológica é que o direito é conduta e não n01ma". escreve um dos autorizados seguidores da doutrina de Cóssio, no Brasil, o Prof. Machado Neto, da Universidade da Bahia. Para a concepção egológica, o direito não é forma, e sim '"conduta humana em interferência intersubjetiva" (relacionamento entre sujeitos ou "egos''. daí a designação da doutrina "egológica"). E, entre as modalidades fundamentais desse relacionamento intersubjetivo que caracteriza o direito, está a ''faculdade", ao lado da ''prestação". do "'ilícito" e da "sanção" que com ela se relacionam.

A moderna sociologia jurídica considera o direito sob outra perspectiva. "O direito é o fenômeno social por excelência, escreveu H. Levy Bruhl, mais do que a religião, mais do que a língua, mais do que a arte, ele revela a natureza íntima do grupo social". Oscoe Pound define o direito como: "o controle exercido pela aplicação da força de que dispõe uma sociedade politicamente organizada."

É interessante observar que a tendência ao sociologismo jurídico predomina de certa forma nos Estado Unidos e na Rússia. Nos Estados Unidos essa orientação é representada pela escola da jurisprudência sociológica de Benjamin Cardoso. Roscoe Pound, Gray, Uevelyn e outros. Na Rússia, o sociologismo, de vinculação marxista em que o jurista soviético Stuchka define o direito corno ·'um sistema de relações sociais que corresponde aos interesses da classe dominante e está defendido pela força organizada dessa classe."

De outra parte, muitos juristas vêm no direito, em primeiro lugar, uma ciência. "A previsão do que os tribunais decidirão é o que eu entendo por direito'' escreveu Hol rnes. Previsão é conhecimento, estudo, ciência. Ulpiano definira o direito como "a ciência do justo e do injusto; e Celso como a "arte do bom e do justo ou equidade". Na mesma linha situam-se, em geral, os mestres que consideram naturalmente o direito como disciplina a ser estudada e transmitida às novas gerações.

Ao lado das diferentes perspectivas que acabam de ser examinadas, coloca-se a dos que vêm no direito, fundamentalmente. o "justurn", isto é o "justo-objetivo'' ou. o "devido por justiça" . É essa a concepção tradicional que nos vem do Direito Romano e é modernamente reafirmada por ilustres juristas, como Geny, Villey, Engisch e outros.

A função do juiz e do jurista, em suas diversas atividades, consiste sempre em descobri r "o direito'', isto é, "o justo" e assegurá-lo. A lei ("lex") não se confunde com o direito ("jus"). A lei (direito-norma) não é propriamente "o direito", e sim uma das suas fontes. O '·direito subjetivo'' também não é a rigor o direito, e sim o poder de exigi-lo ou o seu reconheci mento. Da mesma forma, o direito-fato social e o direito-ciência são claramente acepções derivadas, vinculadas ao "justo" .

A norma ou lei é chamada "direito", porque ela estabelece ou deve estabelecer o que é justo. A faculdade é denominada ''direito" porque ela é, de certa forma. o poder de exigi r o justo ou o seu reconhecin1ento. Da mesma forma. a Ciência do Direito, é assim chan1ada, porque  é o conjunto de conhecimentos, que  tem por objeto o justo e suas manifestações. E o direito como fato social é, também, uma concepção derivada. Ele é o setor da realidade social. que tende para a realização da justiça.


Essa interpretação corresponde à natureza fundamental do direito e ao ensinamento de grandes mestres. "Não é da regra que emana o direito. mas do direito ("jus") é que se faz a regra", diz o velho brocardo de Justiniano: "Non ut ex regula jus sumatur, sede x jure. quod est, regula fiat".

No mesmo sentido é a lição contida na clássica definição de justiça de U I piano: "Vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu direito ("'jus suum cuique"). Qual  o sentido da palavra "jus" nessa definição? É precisamente o justo  objetivo. isto é. aquilo que é devido a cada um.

Modernamente, François Geny conclui seu estudo sobre "A ciência e a técnica no direito privado positivo", com o reconhecimento de que no fundo de todo o conteúdo do direito, encontra-se. como noção fundamental, a de justo. que inclui a cm si. não apenas preceito de justiça particular. distributiva ou comutativa, mas também as exigências do bem comum e da justiça social" com a final idade de assegurar a ordem essencial à manutenção e ao progresso da sociedade humana.

E Engisch, depois de observar que o pensamento jurídico moderno se orienta em primei ra linha pela lei, afirma que ao lidar com a lei percebe-se claramente "algo que está por detrás da lei e que nós nos propomos chamar simplesmente DIREITO.

Essa e ', também, a lição contemporânea de Bobbio, ao lembrar que a '·teoria de just iça", concerne ao fundo do direito e a "'teoria do direito-norma" concerne à forma do direito. De Del Vecchio. ao afirmar que a noção de justo é à pedra angular de todo o edifício jurídico e Burdeau, depois de enumerar como fatores da norma jurídica: a) o princípio afirmado pela regra; b) a obrigação que ela impõe; c) o fim que a justifica; conclui: - "a norma não vale por si mesma. mas apenas em consideração a um fim situado fora dela".

Nesse sentido, o justo objetivo é a acepção fundamental do direito. Entretanto, no direito moderno, essa noção vem sendo, muitas vezes esquecida e substituída pela premência do direito-norma. Considera-se, de preferência, não o conteúdo ou matéria do direito, mas seu aspecto formal ou obrigatoriedade.

Essa orientação deve ser atribuída à influência do positivismo jurídico e a certo fetichismo pela lei e pelo contrato. Uma das grandes tendências do direito no século XIX foi a de endeusan1ento da lei. e do contrato, como manifestações da vontade individual. Liga-se essa tendência ao voluntarismo ético e jurídico. cujas raízes, no mundo moderno. vamos encontrar principal mente em Grotius, Rousseau e Kant. Para esses autores, a vontade subjetiva, e não a real idade objetiva, é o princípio fundamental da moral e do direito. Dentro dessa concepção. a lei, como ·'vontade gerar'. é que tem importância básica.

Esse primado da lei ou norma tem recuado diante da real idade jurídica e social. Demonstrou-o. entre outros. Gastão Mori n. em dois estudos: "A lei e o contrato: a decadência de sua soberania" e "'A revolta do direito contra o código".

O direito não tem seu fundamento último na lei ou no contrato. O direito é fundamentalmente o justo. É o que é "devido" a cada um. indivíduo ou sociedade. segundo um princípio fundan1ental de igualdade. simples ou proporcional. A lei é um instrumento para a realização desse direito.  Ela deve servi r de guia ao jurista e   ser interpretada, sempre, em função de seu objetivo essencial, que é o de assegurar a cada um indivíduo, Estado ou outras instituições - o direito que lhe é devido.

Essa consideração não diminui a importância da lei. Pelo contrário, a valoriza.

Nesse sentido é oportuna a lição de Villey, Professor da Faculdade de Direito de Paris: "Se sou juiz e procuro a solução justa, sem ser escravo das leis, tendo duas razões para as levar em conta. Em primeiro lugar, porque elas são o resultado, a realização de longos esforços da doutrina para encontrar as regras do justo. Nossas leis resumem o estado atual da ciência do justo. A esse título elas nos servem de guia. E, de outro lado, que o meu dever é equilibrar e pesar todos os interesses presentes, não posso esquecer que o interesse comum exige determinações fixas, que a lei procura estabelecer." E acrescenta: "a nossa filosofia do direito não ignora as leis, pelo contrário, demonstra e delimita a sua autoridade."

No mesmo sentido é a observação de Rodriguez Aguilera: "A lei pode ser justa ou injusta. O mesmo ocorre com a sentença, embora seu destino natural seja sempre a justiça. A dependência, entretanto, não é necessária. De uma lei injusta pode surgir, na sua aplicação, urna sentença justa, ou que se aproxime da justiça, por haver o Juiz superado a letra da lei, mediante uma interpretação orientada pela justiça."

Outra aplicação dos princípios da analogia pode ser feita em relação ao Direito Positivo e ao Direito Natural.

A palavra "direito" não tem a mesma significação quando aplicada à lei natural e a lei positiva.

Alguns autores empregam em sentido unívoco a palavra "direito'', aplicada aos dois casos. É a posição do Oudot e dos jus-naturalistas de orientação racionalista, que conceituam o Direito Natural como um "direito" no mesmo plano de Direito Positivo. Para estes, como vimos, o Direito Natural é um digo paralelo aos códigos positivos. Ao lado de cada norma de Direito Positivo, teríamos uma de Direito Natural.

Essa concepção, entretanto, é inadmissível. E. pelo menos em pai1e, é responsável pelo descrédito em que ficou o Direito Natural, em certos setores científicos.

Se analisarmos o pensamento de muitos autores que negam o Direito Natural veremos que na realidade eles negam essa concepção de um Direito Natural paralelo a Direito
Positivo. Negan1 que o Direito Natural que o Direito Natural seja "direito", em sentido unívoco, isto é, no mesmo sentido em que se fala do Direito Positivo. E têm razão. Na realidade, esse Direito Natural não existe. É pura imaginação.

O Direito Natural é constituído, não por um conjw1to de preceitos paralelos ao Direito Positivo, mas pelos princípios fundamentais do Direito Positivo.

A palavra "direito", aplica-se a um e ao outro desses direitos, tem significação análoga. E a analogia 'que se realiza é a de relação. Em sentido direito e imediato, a palavra direito se aplica ao Direito Positivo, à Lei Positiva. Mas se estende também ao Direito Natural, porque este é o fundan1ento ou a base do Direito Positivo. Entre ambos existe urna relação de dependência, uma relação causal: um é fundamento do outro.


Os princípios que constituem o Direito Natural são, entre outros: o bem deve ser feito; não lesar a outrem; dar a cada um o que é seu; respeitar a personalidade do próximo et.

Qualquer norma do Direito Positivo. qual quer norma do Código Civil, Comercial ou Penal funda-se necessariamente nesses princípios. Mas é evidente que as nom1as do Direito Positivo apresentam uma formulação, estrutura e natureza diferentes dos princípios do Direito Natural.

Poderíamos dizer, com Aristóteles e São Tomás, que o Direito Natural está para o Direito Positivo, assim como os princípios da razão estão para a ordem especulativa. Na ordem especulativa as proposições e os raciocínios científicos também se fundam em certos princípios básicos, que são o fundamento de toda a ciência.

Passemos ao exame do direito estatal. Direito designa, em geral, as normas elaboradas pelo Estado. Mas se aplica, também. aos ordenamentos existentes no seio de outras comunidades: esportivas, religiosas, econômicas, universidades etc.

Aplica-se, assim, o vocábulo "direito" ao ordenamento jurídico-estatal, elaborado pelo Estado, e, ao mesmo tempo, aos ordenamentos jurídicos elaborados pelos grupos sociais. Fala-se em direito esportivo, direito condominial, direito social do trabalho, direito canônico etc.

Estamos, novamente, em face de um problema de importância para a ciência jurídica decorrente de uma compreensão ambígua do significado do vocábulo "direito". aplicado a esses diversos ordenamentos. Grande parte dessas dificuldades tem origem no fato de se considerar, no caso, o termo ''direito'' unívoco.

Muitos autores negam o direito não estatal, porque este não tem a mesma estrutura, a mesma natureza e a mesma força do Direito Estatal. O Estatuto de uma Universidade, por exemplo, não pode ser chamado "direito", no mesmo sentido em que o é a Constituição ou o digo Civil. O mesmo se pode dizer do Direito Esportivo, do Direito Operário e até do Direito Canônico ou do Condominial.

Na realidade, estamos em presença de mais um caso de analogia. O vocábulo "direito'" não significa a mesma coisa, nos diversos exemplos mencionados, mas apresenta significação analógica.

Qual o tipo de analogia que se realiza?

A analogia existente no caso é intrínseca ou de proporção.  E pode ser enunciada da seguinte forma: o Direito Estatal está para o Estado, assim como o Direito Universitário está para a universidade. assim corno Direito Esportivo está para a coletividade esportiva; ou o Direito Religioso, para a comunidade religiosa. Em todos esses casos, direito significa o ordenamento que rege a vida dessas coletividades.

No caso do Direito Estatal, esse ordenan1ento se apresenta mais perfeito, é realizado através de normas formuladas com certa solenidade e garantidas pela força coercitiva do Estado.  No caso dos demais ordenamentos, as normas   apresentam   característica diferentes, mas constituem, igual mente. regras sociais obrigatórias, com eficácia muitas vezes maior que a das normas estatais.


Em virtude de sua importância menor para a ciência jurídica, dispensemo-nos de examinar outras aplicações de analogia às demais acepções do direito.

Poder-se-ia perguntar se, entre as acepções de direito, existe algum caso de analogia metafórica. A resposta é afirmativa. É essa a analogia existente entre "direito", no sentido jurídico, e "direito", no sentido geométrico. Pode-se dizer que o direito jurídico está para a ordem social, assim como o direito geométrico está para a ordem geométrica. Ambos significam a conformidade com uma regra: com a regra ou norma social, no primeiro caso; com a regra ou régua geométrica, no segundo.

CONCLUSÕES

Ao final desse estudo, podemos formular as seguintes conclusões:


1 - o direito pode ser considerado como normas. como faculdade, como justo, como ciência ou como fato social;

2  - essas diferentes perspectivas revelam o caráter analógico do conceito de direito;

3   - muitos autores modernos (Planiol, Kelsen)  ut i lizam, de preferência.  o vocábulo ''direito" para indicar o direito-norma;

4   - outros preferem ver no direito, em primeiro lugar, o direito-faculdade (Cossio), o direito-fato social (Levy Bruhl) ou o direito-ciência (Holmes);

5   - a doutrina clássica e muitos contemporâneos (V illey, Engisch) consideram que o direito-justo (o que é devido a uma pessoa ou instituição) é o significado fw1damental do direito; nesse sentido, direito é. fundamentalmente. o "devi do por justiça".

Essas diferentes posições não são contraditórias. Representam pontos de vista sobre aspectos diferentes de um mesmo objeto. Mas revelam, muitas vezes, a orientação doutrinária ou filosófica de cada autor e sua época.

Atualmente, a trágica experiência dos Estados totalitários e dos regimes de força, ao lado de uma reflexão mais atenta sobre o direito vivo - presente nas sentenças, nas decisões administrativas e nos demais atos jurídicos - tem levado grandes setores do atual pensamento jurídico a reconhecer que o sentido fundamental do direito. em qualquer de seus aspectos, consiste sempre em estar a serviço da justiça ("Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça. " - Eduardo Couture), isto é, em assegurar a cada um aquilo que é devido, segundo uma relação proporcional, fundada na igual dignidade de todos os homens.

Nesse sentido, podemos aplicar a qualquer dos aspectos do direito a observação de Gurvitch: as normas jurídicas podem ser mais ou menos perfeitas, mas não serão '·direito" se não estiverem orientadas no sentido da realização da justiça.

Presentes em todos os momentos da existência do direito, a justiça se encontra em todas as leis, mas não esgota em nenhuma (Del Vecchio)".

FIM

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