domingo, 29 de maio de 2016

A Intimidade exterior e interior

"CF, art. 5º [...] X - são invioláveis, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;".   
 
      Numa bela página, Paulo José da Costa Júnior (O Direito de Estar Só, São Paulo, RT, 2007) descreve: "O legislador caminha sempre com o passo trôpego. Avança com vagar. Mais lentamente que os fatos sociais, que evoluem vertiginosamente, reivindicando normas e providências. Surgem assim valores novos, que vão avante das leis, desprotegidos, a reclamar tutela. A tutela de renovação é ininterrupta. Assemelha-se ao trabalho penoso de Sísifo, no inferno, a rolar, montanha acima, enorme pedra que, uma vez chegada ao alto, tombava novamente no fundo do vale. Poder-se-ia mesmo dizer que os manuais envelhecem, já no prelo, enquanto estão sendo impressos, necessitando de imediata obra de atualização. Dentre esses novos valores, que estavam a merecer tutela pronta e urgente do direito, sobressai a intimidade: a necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometidos pelo ritmo da vida moderna. No direito de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade, fechada na sua intimidade, resguardada da curiosidade dos olhares e ouvidos ávidos. Poder-se-ia falar numa intimidade exterior e noutra interior. Aquela, como a intimidade de que o homem haveria de desfrutar, abstraindo-se da multidão que o engloba. Insulando-se em meio a ela. E alheando-se, mesmo em companhia. A intimidade interior, que muitas vezes não implica solidão, já que o homem pode trazer para sua companhia os fantasmas que mais lhe apeteçam, é aquela de que o indivíduo goza materialmente, apartado de seus semelhantes. A intimidade exterior, portanto, é aquela de natureza psíquica. O homem a estabelece no burburinho da multidão. Ensimesmando-se em pleno tumulto coletivo. Decretando-se alheio, impenetrável às solicitações dos que o rodeiam. Presente e ausente. Rodeado e só. (A respeito, Ivette Senise Ferreira, em artigo intitulado "A intimidade e o Direito Penal - RBCCrim, v.5, São Paulo, p. 96-106, destaca que, modernamente, a intimidade consubstancia-se não apenas em isolamento, mas em conduta de 'resguardo das interferências alheias, de não ser o indivíduo importunado pela curiosidade ou pela indiscrição, de poder desfrutar a sua paz de espírito e ver respeitados os atributos de sua personalidade, frente aos outros indivíduos, ou ao Estado'"). A intimidade interior reveste-se de natureza física e material. O indivíduo afasta-se da multidão. Recolhe-se ao seu castelo. Desce às profundezas de sua alma e sai em busca de seu ser. Nada impede que o solitário físico venha a manter contato com a vida social, por intermédio dos meios de comunicação de que disponha. Ou mesmo trazendo para junto dele, na sua fantasia, o diálogo silente dos vivos e dos mortos.(Machado de Assis, nas sua Memórias póstumas de Brás Cubas - cap. 99 -, também vislumbra a intimidade psíquica, em plena multidão: 'O voluptuoso e esquisito é insular-se o homem no meio de um mar de gestos e de palavras, de nervos e paixões, decretar-se alheado, inacessível, ausente'). Há os que entendem que a proteção da vida privada foi judicialmente acolhida, pela primeira vez, em França, no julgado do Tribunal Civil do Sena, de 16 de junho de 1858. O fato consistiu em a irmã de uma artista ter encarregado dois artistas de desenhá-la, em seu leito de moribunda. O desenho foi abusivamente exposto e colocado à venda num estabelecimento comercial. O Tribunal determinou a apreensão do desenho e de suas várias provas fotográficas. Da decisão constou que, por maior que seja uma artista, por histórico que seja um grande homem, tem sua vida privada distinta da pública, seu lar separado da cena e do fórum. Podem desejar morrer na obscuridade, quando ou porque viveram no triunfo. Foi, entretanto, nos Estado Unidos, em fins do século passado, que se sentiu, pela vez primeira, a ameaça que se fazia ao direito que o homem tem de ser deixado a sós (the right to be let alone ou the right of on individual to live a life of reclusion and anonimity). Àquela época, em Boston, a imprensa local preocupava-se sobremaneira em divulgar os mexericos do salão da Srª Samuel D. Warren, elegante dama, filha de um senador da República e esposa de prestigioso advogado, que terminou por escrever pequena obra a respeito do assunto, em parceria com seu companheiro de banca, L. D. Brandeis, que depois veio a ser um dos mais famosos juízes da Suprema Corte. Foi apresentado, em 1902, à Corte Americana o primeiro caso de violação do direito à intimidade, que o rejeitou por quatro votos contra três. A opinião pública americana, porém, colocou-se por inteiro ao lado dos juízes vencidos, e a Suprema Corte acabou por reconhecer o direito à intimidade. Hoje, a quase-totalidade dos Estados americanos o proclama. E o Amercan Law Institute, na sua codificação oficiosa de delitos e quase-delitos civis, acolheu, em seu art. 867, a tutela à intimidade. É forçoso reconhecer: nos Estados Unidos, onde impera o sistema da common law, com maior facilidade o direito se adapta às conquistas e às exigências, sempre mutáveis, da vida moderna. No início da década de 1970, os vizinhos de determinada pessoa, residente na Califórnia, Estados Unidos, ao revolverem sua lata de lixo, suspeitaram de que lá houvesse vestígios de tóxicos, pelo que solicitaram a intervenção da polícia. De fato, após o exame dos detritos, verificou-se que se tratava de substâncias entorpecentes. Com base na prova colhida e na lei, o juiz criminal condenou os viciados. A Suprema Corte da Califórnia, porém, entendendo que a lata de lixo constitui um apêndice da economia doméstica, reformou a sentença condenatória, pois a prova que a lastreava havia ofendido privacy alheia. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, por razões similares, absolveu da prática de crime contra o IAPAS (hoje, extinto), porque as provas foram obtidas na gravação de fitas clandestinas, que reproduziram determinadas conversações telefônicas, ofendendo a privatividade alheia. (Anote-se: a expressão exata, em bom vernáculo, é privatividade, que vem de privativo. E não privacidade, que é péssimo português e bom anglicismo - vem de privacy.).". Esta obra traz importantes conceitos e desdobramentos relacionados com o direito à intimidade. Explora o assunto de maneira abrangente, expondo inclusive fatos reais de invasão da privatividade de algumas celebridades. O autor contrata as esferas da vida privada ou particular, retratando as diferenças entre a esfera da intimidade e a esfera do segredo; diferenças importantes para a tutela penal. Há considerações, inclusive, às limitações do direito à intimidade e a sua relação com o direito à honra, abordando-se o tema sob o foco da possibilidade da extinção da lesão à intimidade da pessoa, em caso de morte, e quanto à pessoa jurídica ser titular do direito à intimidade. O autor apresenta a tutela da intimidade no direito comparado, a seguir, adentra no embate entre o direito à intimidade e à liberdade de pensamento, especialmente em duas de suas ramificações de maior importância, a liberdade de informar e de ser informado. Neste âmbito, analisa a exceção da verdade e o direito de resposta. Também trata da disciplina dada às interceptações telefônicas em nosso País e, finalmente, do abuso da informática, da violação da intimidade por meios eletrônicos e do combate aos crimes informáticos com os instrumentos legais que existem hoje.

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