domingo, 8 de maio de 2016

De onde vêm as palavras e a ideia de ordem e de justiça

     "De onde menos se espera, dali mesmo é que não sai nada." (Aparício Torelly, Barão de Itararé 1895-1971). 
     Dentre tantos, dois autores que se ocuparam desse tema: Deonísio da Silveira (De onde vêm as palavras)  e Émile Benveniste (O vocabulário das instituições indo-européias). O primeiro é brasileiro. O segundo é francês. Para Deonísio: "No princípio, era o verbo", diz o Evangelho de São João. E Osman Lins, escritor que muito lutou pela dignidade de seu ofício, escreveu: "a palavra sagra os reis, exorciza os possessos, efetiva os encantamentos. Capaz de muitos usos, é também a bala dos desarmados e o bicho que corrói as carcaças podres". E Carlos Drummond de Andrade: "lutar com palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã". E Fernando Pessoa: "a palavra é, uma só unidade, três coisas distintas - o sentido que tem, os sentidos que evoca, e o rítmo que envolve esse sentido e estes sentidos". As palavras têm mistérios e são cheias de sutis complexidades. Diz-se que umas dão azar; outras, sorte. Este é um livro sobre palavras, frases famosas e curiosidades da Língua Portuguesa, de nossa e de outras literaturas. De onde vieram essas palavras, como as formaram, como mudaram de sentido, em que circunstâncias foram pronunciadas frases que depois se tornaram célebres. Apesar de ter exigido muita pesquisa e as origens aqui dadas estarem baseadas em fontes científicas pertinentes, esta não é um livro de etimologia no sentido tradicional. [...]". De Benveniste, na avaliação de Rosa Maria de Andrade Nery (Introdução ao Pensamento Jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado), tem-se: "Análise extraordinária dos termos thémis e diké nos é dada por Benveniste ao buscar a raiz comum de termos que remontam às raízes de línguas indo-européias. O conceito de ordem aparece junto a tudo que se refere ao homem e ao mundo, como fundamento moral e religioso de toda a sociedade. Da análise sequencial da evolução das palavras nascidas desse conceito de ordem chega-se ao latim ritus (ordenamento, rito), ao grego artús (ordenamento), que se tornaram raízes de numerosas variedades lexicais de aspectos religiosos, jurídicos e técnicos ligados ao conceito de ordem. Essa ideia de ordem, como de algo que decorre da necessidade de estabelecimento de sistema firmemente posto para a segurança das relações morais e religiosas das pessoas em sociedade, permite, a partir de termos de outras línguas, compreender a extensão dessa sabedoria. Por exemplo, o que se passou em sânscrito védico como o termo dharma (neutro dharman = lei), que também gerou outras ideias: a) dha = pôr = estabelecimento, sede, local; b) dhe - pôr de maneira criativa, colocar, estabelecer na existência, que deu em latim facio e em grego títhémi (Thémis designa o direito familiar e se opõe a diké, que é o direito entre as famílias da tribo. A thémis é o apanágio de basiléus, que é de origem celeste, e o plural thémistes indica o conjunto dessas prescrições, código inspirado pelos deuses, leis não escritas, compilações de ditos, de decretos, pronunciamentos por oráculos, que fixam na consciência do juiz (no caso, o chefe da família) a conduta a seguir sempre que estiver em jogo a ordem do génos). Tudo isso para significar que a ideia de lei, como derivada dessa raiz indo-européia, transfere para nós o sentido de que lei é aquilo que se mantém firmemente, o que está estabelecido solidamente. Segundo belíssima explicação de Benveniste, houve a transição de "mostrar" para "dizer". Mostrar pela palavra, não pelo gesto: ensinar. O autor parte do sentido do termo Thémis, que deriva de dhé (pôr, colocar, estabelecer na existência), e Diké, que deriva de deik, dis (do sânscrito, direção, região). Depois demonstra que tais palavras são oriundas da mesma raiz que gerou dis em iraniano; dico-dixem em latim; deíknumi em grego (mostrar). Deik + ius = iudex. Deik é um ato de fala. Iu-dex = mostrar com autoridade. Em latim dicere: somente o juiz podia dicere ius. O pretor podia do, dico, addico = dar, enunciar regras, adjudicar. Deik é uma fórmula, para mostrar o que deve ser (=decisão judiciária), para proporcionar as coisas, com equilíbrio e moderação. Assim, Aristóteles, em outras passagens de sua Ética a Nicômaco: a) a ação justa é um meio-termo entre o agir injustamente e o ser tratado injustamente, pois no primeiro caso se tem demais e no outro se tem muito pouco; b) a justiça se relaciona com o próximo e se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou de dinheiro, ou de outras coisas, que devem ser divididas entre os cidadãos; c) o princípio da justiça distributiva, portanto, é a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo nesta acepção é o meio-termo entre dois extremos desproporcionais, já que o proporcional é um meio-termo, e o justo é o proporcional. Kelsen também criticou essa proposta aristotélica. Para ele a autêntica função da teoria do mesotes não é determinar a essência da justiça, mas reforçar a vigência do ordenamento social existente, estabelecido pela moral e pelos direitos positivos.". 
     Ao divulgar esses autores para utilização pelos estudiosos de Direito, permito-me a expectativa de que venham a contribuir para uma retomada ou avançar naquilo que já se iniciou do efetivo alcance universalista, científico e, sobretudo, humanista, do saber jurídico. Deixo, agora, a tarefa da busca, da pesquisa, do estudo aos interessados para aprofundamento do tema.

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