terça-feira, 15 de novembro de 2016

Valorização Positiva do Trabalho

     Numa bela página, Rodolfo Mondolfo (O Homem na Cultura Antiga), descreve o pensamento antigo sobre o trabalho, em recortes, assim: "O homo sapiens era, ao mesmo tempo, homo faber, interessado nos problemas e no desenvolvimento da técnica, e considerava sua sabedoria vinculada com sua atividade fabril; assim como, inversamente, o homo faber experimentava a exigência de conhecimentos técnicos que o convertessem, segundo diz Platão, em perito conhecedor de sua arte, capaz de proceder de acordo com as regras da arte e não por impulsos casuais.[...] O conceito de que conhecer é fazer e fazer é conhecer se apresenta desta maneira no escritor hipocrático, e converte o trabalho produtor em forma de conhecimento: a única verdadeira ou, pelo menos, a mais eficaz de todas. Os trabalhos que o hipotrático examina e cujas operações descreve - do forjador, do apisoador, do remendão, do jardineiro, do construtor, do músico, do curtidor, do cesteiro, do refinador de ouro, do escultor, do oleiro, do escriba - são todos produtivos e quase todos tipicamente manuais; mas reconhece ele que todos são capazes de iluminar a inteligência, porque acompanham e criam conhecimentos, e podem revelar processos ocultos cuja produção não pertence ao homem. É evidente que tudo isto deve conduzir a uma valorização positiva do trabalho. E tal consequência aparece expressa em Anaxágoras, que também partilha com Demócrito o mérito de haver buscado nas inovações da técnica estímulo e sugestão para o adianto de suas teorias científicas, como resulta das aplicações e desenvolvimentos geométricos, ópticos e astronômicos que teriam extraído ambos da novidade técnica introduzida pelo pintor Agatarco com sua pintura cenográfica em perspectiva. Mas sobretudo é Anaxágora quem generalizou a ideia da vinculação entre o homo sapiens e o homo faber, quando afirma que a superioridade intelectual do homem com respeito aos animais - isto é, sua capacidade de progresso e criação da cultura - tem sua causa e fonte na posse da mão. A mão é a executora de todo trabalho material, produtora de realidades novas que não surgem espontaneamente da Natureza mas da Arte, todavia operam sobre a Natureza e a modelam, e cuja produção vai acompanhada pelas operações que se cumprem e dos fins para os quais tendem, e implica e gera, portanto, conhecimentos e reflexões. Os produtos do trabalho manual e seu próprio processo de produção reagem desta maneira sobre seu produtor, e mediante seu próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento desenvolvem e aperfeiçoam o homem. A superioridade do homem sobre os demais animais procede, pois, para Anaxágoras, do trabalho. Em sua proposição, portanto, pode intuir-se germinalmente o conceito moderno de que o trabalho - como escreveu Antônio Labriola - é o meio pelo qual o homem se produz e desenvolve a si mesmo, como causa e efeito, autor e consequência ao mesmo tempo das condições sucessivas de seu próprio ser; e assim pode elevar-se acima da Natureza, dentro de cujos limites ficam encerrados os animais.".
     De minha parte, faria, se indagado, duas observações: 1ª) se Deus perguntasse, Rubens, o que você acha que falta no homem? Eu responderia: faltam mãos. Porque apenas duas são insuficientes, basta perceber na prática que sempre está faltando mão. Sempre estamos com as duas ocupadas. Tivéssemos mais, melhor seria. 2ª) considerando que o trabalho, efetivamente, dá dignidade ao homem, importante seria que pensasse bem, antes de provocar a demissão de qualquer trabalhador, sob qualquer pretexto (redução de custos etc.), porque o homem sem trabalho perde a dignidade e poderá vir a cometer delitos os mais variados. Neste caso, não seria culpado e sim vítima. Isto é importante tendo em vista a onde de violência tão reclamada pela sociedade. E a indagação terminal, seria esta: o que nós (a sociedade) estamos fazendo com o trabalhador?

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