Escrito por Cylmar Pitelli Teixeira Fortes
O sucesso profissional na advocacia não depende
apenas de méritos técnicos, mas também de seu carisma e relacionamentos.
Convida-nos o JOTA a escrever algumas linhas sobre os desafios que se
colocam para o jovem profissional da advocacia que pretende aventurar-se como
profissional liberal, iniciando seu próprio escritório, como o fizemos há cerca
de 30 anos.
Para decidir o que realmente se pretende da vida
profissional é preciso basicamente duas coisas: autoconhecimento e noção
acurada das opções disponíveis dentro da carreira que escolhemos. Faz todo
sentido, portanto, seja para o advogado, seja para qualquer outro profissional,
pesquisar características das atividades passíveis de serem seguidas antes de
se decidir por uma delas.
A aplicação do aforismo socrático “conhece a ti
mesmo”, pari passu com o conhecimento das principais características da
carreira específica que se cogita seguir, tende a facilitar a compatibilização
dos anseios pessoais com o trabalho, e portanto o atingimento da satisfação
profissional.
Excetuadas as carreiras públicas, que dependem de
concurso, as opções mais comuns no setor privado colocam o advogado,
usualmente, (i) a serviço de uma atividade empresária ou organização diversa,
como subordinado; ou (ii) engajado num escritório de advocacia já estabelecido;
ou ainda (iii) como um profissional liberal, alvo de nossas considerações.
A carreira puramente acadêmica, de outro lado, não
se confunde com a advocacia, mas nada impede que o advogado atue
profissionalmente no ambiente acadêmico ao mesmo tempo em que advoga, o que é
bastante comum.
Tendo esse recorte tripartite em mente, uma boa
maneira para o advogado aferir sua melhor vocação passa pelo cotejo das
características que tangenciam a profissão em cada uma daquelas áreas. As
distinções e semelhanças são inúmeras, mas podemos pinçar algumas delas com
esse objetivo, quiçá incitando o leitor a outras reflexões.
Como em qualquer carreira, o sucesso profissional
na advocacia não depende apenas de méritos técnicos e boa bagagem acadêmica
–obviamente fundamentais. A experiência de começar um escritório de advocacia
em 1990 difere sobremaneira do que seria fazê-lo agora, em 2018.
A tecnologia evoluiu muito desde os tempos em que
começamos, lá atrás, com nosso Apple TK300 iiE e seus floopy drives –
aliás como pioneiros na aplicação da informática na advocacia, num tempo em que
predominavam as máquinas de escrever. Muitas outras coisas, entretanto, não
mudaram desde então, e dificilmente mudarão.
Costumamos dizer que o advogado que começa um
escritório próprio não dispõe das mesmas “camadas de proteção” do profissional
que inicia sua vida em uma empresa ou dentro de um escritório de advocacia.
Claro que isso não o torna melhor nem pior: estar engajado a uma estrutura em
que seu trabalho é uma parte de algo maior, ou ser o único profissional
envolvido em todas as etapas da advocacia, são apenas características
distintivas na carreira.
O sucesso de um profissional liberal dependerá de
seu carisma e da amplitude de seus relacionamentos pessoais em maior
intensidade em comparação aos colegas integrados a uma organização ou engajados
num escritório estabelecido. Dependerá, também, de sua disposição para
empreender, o que vai muito além daquilo que se aprende nos bancos da
faculdade. O foco do advogado contratado nas outras duas posições é claramente
diverso.
Em qualquer área que atue, o advogado é um
prestador de serviços, alguém que, por meio de seu conhecimento e habilidades,
entrega um benefício a outrem. Para prestar serviços, ele tem que estar
disponível. Seja em uma empresa ou num escritório, o conceito de
disponibilidade permanece ligado à presença física. Um profissional liberal,
por isso, precisará de um endereço, não importa o quanto possam ajudar um smartphone
e uma boa conexão à internet.
Tampouco um perfil profissional nas redes sociais,
por mais sério que seja, será capaz de certificar satisfatoriamente sua
existência no mundo profissional. Ou seja, estar disponível, conectado e ser
fisicamente localizável, são requisitos para qualquer advogado, mas só um “greenfielder”[1]
deverá preocupar-se com infraestrutura física e os correspondentes (e temíveis)
custos fixos. Ele precisa sopesar essa característica em sua decisão. O desafio
é conhecido.
O profissional liberal, hoje,
precisará também estar minimamente preparado para lidar com as questões de
tecnologia que condicionam seu trabalho – infraestrutura, software de gestão,
armazenamento e gerenciamento eletrônico de documentos – melhores métodos para
procurar e selecionar auxiliares, asseio e conservação de seu espaço, dentre
outras coisas, sem se olvidar das tarefas próprias da profissão e os estudos,
núcleo e parte mais importante de seu trabalho, se quiser prosperar. Já o
advogado contratado não terá estas preocupações.
Numa empresa ou organização, o
cliente do advogado é seu próprio empregador. Num escritório estabelecido, o
jovem advogado conta com a experiência (e os filtros) de seus colegas, além do
apoio administrativo, proporcional ao tamanho da estrutura, no trato com os
clientes. Grandes organizações, normalmente, não contratam advogados
emergentes, pois preferem o porto seguro de um escritório consolidado e com
mais experiência, generalista ou específica. No mundo corporativo, apenas
empresários seguros, entesourados e confiantes, contratarão um profissional ou
escritório emergente – e ainda, se o conhecerem e à sua capacidade para
entregar o que dele se espera.
Contudo, isso não é um sinal de
pouco trabalho para o jovem profissional liberal. Além do universo de pessoas
físicas que precisam de um advogado pelas mais variadas razões, as micro e
pequenas empresas respondem, no comércio, por cerca de 96% da atividade, 30% do
faturamento e 53,5% dos empregos, com 1.647 mil empresas mercantis no país,
para ficarmos em apenas em alguns dados.[2] Mas pode, sim, significar
necessidade de lidar com questões mais prosaicas ordinariamente. A seletividade
das áreas de trabalho encontrará limites objetivos no nível da procura nas
áreas em que o advogado tem mais satisfação de atuar.
Advogados costumam dizer que fogem de consultas em
festas e eventos sociais. Dependendo de como esteja sua demanda no escritório,
por outro lado, o jovem advogado bem sucedido pode até preferir organizar uma
fila e salvar seu tempo ali mesmo…
Numa empresa ou organização, a especialidade do
advogado liga-se, em essência, ao negócio do empregador; num escritório
estabelecido, regra geral, e exceção feita às chamadas boutiques jurídicas
(pequenas firmas altamente especializadas em áreas específicas do Direito, e
assim reconhecidas pelo público), quanto maior for a estrutura, maior será o
nível de especialização do advogado; menor a estrutura, maior a atuação
generalista – também presente nas grandes estruturas, mas no nível da
coordenação do serviço jurídico. Lembro-me de que à época do bloqueio dos
Cruzados Novos pelo Governo Collor, cheguei a ver o aviso de um advogado que se
dizia especialista em Agravo de Instrumento…
Para o profissional liberal, é também sempre
importante considerar as portas que se abrem com cada oportunidade de trabalho,
com respeito a futuras experiências profissionais. A possibilidade de ostentar
o rótulo de quem já fez aquele trabalho em particular, isto é, o
ganho em expertise, pode ser muito relevante. Alguns trabalhos, de tão
interessantes, podem ser encarados como “propaganda remunerada”.
Finalmente, qualquer que seja o caminho que
seguirmos, nós advogados lidaremos, essencialmente, com a liberdade e o
patrimônio de nossos clientes. Por isso, é preciso entender que nos
relacionaremos sempre com lados muito particulares de suas vidas, onde a tensão
é algo usual e normal. Uma advocacia que se quer bem-sucedida, requer, em
primeiro lugar, a sensibilidade para percebermos essa realidade na formação dos
relacionamentos.
Juízos pautados em possível falta de reconhecimento
ou generosidade, por parte de nossos clientes, são particularmente delicados. O
jovem profissional deve preferir sempre a objetividade, especialmente ao fixar
o valor de seus serviços, não deve esperar nada além do combinado, para não
ceder espaços à frustração, nem jamais transigir com a ética, manchando sua
reputação para sempre.
Feita a
escolha, é persistir! Boa sorte!
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[1] O termo greenfield é
largamente utilizado nas empresas para designar projetos novos, que começam do zero.
A opção pelo masculino da advocacia é meramente redacional; o conteúdo deste
pequeno artigo obviamente não distingue o jovem advogado da jovem advogada.
[2] Pesquisa feita com base na Pesquisa Anual do Comércio (PAC), divulgada em
agosto de 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Cylmar Pitelli Teixeira Fortes – Sócio do Teixeira Fortes
Advogados, é mestre em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas de São
Paulo
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