domingo, 24 de julho de 2016

No rastro do passado

     "O etymon, o certo de cada palavra, contradiz muitas vezes a espessa aparência de significados convencionais que vão se acumulando em torno dela, em virtude de uma sociedade repressora e bem-pensante e de uma consciência nebulosa acerca dos valores profundos da linguagem". (Ivonne Bordelois, Em a palavra ameaçada).
     Gabriel Perissé escrevera: "Num opúsculo publicado em 1929, intitulado "A função da razão", o filósofo e matemático inglês Alfred North Whitehead mostrava que, para compreendermos a experiência humana, entre outros procedimentos, precisamos analisar as palavras, ou seja, trabalhar com a etimologia. Essa convicção metodológica é das mais arraigadas entre os pensadores. Desde Platão aos nossos dias, passando pelos medievais, rastrear a história das palavras constitui um passo importante da pesquisa e da reflexão. Se admitirmos que a linguagem, mais do que um veículo de informações, é um "lugar" (intangível, inabarcável) em que as relações e os nexos se realizam, a etimologia é um dos melhores instrumentos de que dispomos para mapear, investigar e esclarecer em que medida essas relações e nexos condizem com a realidade, ou a negam. A mais imediata constatação é a de que a linguagem está encharcada de realidade. Nenhuma palavra, por mais anórdina que pareça, está desvinculada da grande "rede" de sentidos. No campo da cultura, da religiosidade, dos costumes, da política, das artes, das profissões, todas as palavras guardam segredos. Alguns decifráveis. Outros invioláveis. Outros ainda falsificados por nossa imaginação, o que não deixa de ter o seu encanto. Podemos pensar nos estudos etimológicos como uma tarefa de três tempos. Um primeiro e imemorial, em que as palavras mandam ecos do passado greco-latino, termos que sobreviveram em documentos e dicionários vetustos, e continuam vivas, ativas. Um segundo tempo corresponde a termos que surgiram na modernidade, carregados de novas experiências. O linguajar brasileiro, fruto da miscigenação de idiomas, é um exemplo dessa etapa. E um terceiro tempo, o momento presente. São palavras que, nascidas neste nosso momento, hic ext nunc, tornar-se-ão objeto de pesquisa dos etimólogos do futuro, ao longo dos próximos séculos. [...] Entre frases falsas e provérbios, a etimologia é, no mínimo, inspiradora. Lidar com as palavras e suas hipotéticas origens, buscar-lhes o que Guimarães Rosa chamava de "caroço", o sentido intrínseco, o "verivérbio", é um jogo sem fim. E por isso pode sempre recomeçar.". 
     Assim, a maioria dos lingüístas contesta a possibilidade de haver um antepassado comum a todas as línguas atuais. Estudos realizados sob o comando do lingüísta Merrit Ruhlen, da Universidade de Stanford, porém, garantem que a primeira palavra pronunciada teria sido o monossílado tik (dedo). Ruhlen coordena a pesquisa 'Evolution of Human Languages', um projeto internacional de lingüistica pré-histórica, para o 'Santa Fé Institute', em lugares como Nepal e África. A palavra tik teria evoluído até resultar em digit no latim, e o grupo de Ruhlen suspeita que foi usada pela primeira vez por um homídeo por volta de 100 mil a.C. Apesar do trabalho de Ruhlen, os paleonlingüistas garantem que só é possível estudar as línguas depois de 12 mil a.C., logo após o aparecimento da agricultura. A chamada proto-indo-européia, da qual não há registro confiável, mas indícios de que seria a matriz dos idiomas falados por metade da população mundial de hoje, teria sido falada há mais de 6 mil anos. Depois disso, teria se fragmentado em dialetos que evoluíram em idiomas os mais distintos. Parece que a percepção etimológica é tão antiga quanto o ser homem. Há registros de que os cruzamentos idiomáticos em que a língua portuguesa somam mais de 50. Nossa atenção, voltada aos profissionais do direito, é no sentido de que o estudo da língua é plataforma fundamental. É que quem não domina o idioma não poderá falar e nem escrever corretamente, ou seja, com sentido adequado.

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