Em entrevista concedida ao Consultor Jurídico, em 10 de julho de 2016, Anna Pintore (Professora de Filosofia do Direito na Universidade de Cagliari, Sardenha, Itália) discutiu o papel do Judiciário e do Legislativo numa sociedade democrática (falou da Itália, evidentemente) e respondeu várias questões, dentre elas, destacamos estas duas abaixo:
"ConJur – O que é democracia: a
prevalência da vontade da maioria ou a garantia de respeito pelos direitos de
cada cidadão?
Anna Pintore – Pela filosofia analítica, não há nenhuma definição verdadeira de democracia. Há apenas definições lexicais que capturam as utilizações atuais de um termo e, geralmente, refletem a imprecisão, que é uma característica endêmica da linguagem comum. O significado de democracia atual, por exemplo, é muito vago e hesitante, porque nós temos uma tendência de usar a palavra para descrever tudo o que é bom na política. Há aqueles que defendem que a definição de democracia deva incluir, ao lado de uma dimensão formal, que é o autogoverno, também uma dimensão substancial, ou seja, os direitos fundamentais e todos aqueles princípios feitos pelo sistema jurídico das sociedades ocidentais. Para mim, uma definição tão densa assim de democracia tem muitas falhas. Ela é tão carregada de valores que corre o risco de tornar democracia uma coisa boa por definição, o que não é adequado. Há democracia boa e democracia ruim. Essa definição ampla demais acaba escondendo conflitos que devem ser enfrentados, sendo o mais agudo entre a soberania popular e os direitos individuais. Essa definição também apresenta como necessários certos aspectos do nosso sistema jurídico que são, na verdade, apenas contingentes. Por exemplo, a ideia neoconstitucionalista de uma constituição rígida, sujeita à revisão judicial, como essencial para a existência da democracia... Não é bem assim, a menos que se sustente que a Holanda e o Reino Unido, que não têm constituições, não são democráticos.
Por tudo isso, eu prefiro ficar com uma definição mais sutil de democracia como o autogoverno popular. É como pensa Norberto Bobbio, que concebe a democracia como um conjunto de regras do jogo político sobre quem decide e como decide, e não sobre o que é decidido. Essa definição sutil não é a mesma que entender democracia como a vontade da maioria. Ela prevê a existência de direitos políticos, eleições periódicas, liberdade de associação em partidos e propaganda política, e escancara as controvérsias presentes no sistema jurídico e os limites necessárias para a soberania do povo.
ConJur – O Judiciário deve dar ouvidos ao clamor público?Anna Pintore – Pela filosofia analítica, não há nenhuma definição verdadeira de democracia. Há apenas definições lexicais que capturam as utilizações atuais de um termo e, geralmente, refletem a imprecisão, que é uma característica endêmica da linguagem comum. O significado de democracia atual, por exemplo, é muito vago e hesitante, porque nós temos uma tendência de usar a palavra para descrever tudo o que é bom na política. Há aqueles que defendem que a definição de democracia deva incluir, ao lado de uma dimensão formal, que é o autogoverno, também uma dimensão substancial, ou seja, os direitos fundamentais e todos aqueles princípios feitos pelo sistema jurídico das sociedades ocidentais. Para mim, uma definição tão densa assim de democracia tem muitas falhas. Ela é tão carregada de valores que corre o risco de tornar democracia uma coisa boa por definição, o que não é adequado. Há democracia boa e democracia ruim. Essa definição ampla demais acaba escondendo conflitos que devem ser enfrentados, sendo o mais agudo entre a soberania popular e os direitos individuais. Essa definição também apresenta como necessários certos aspectos do nosso sistema jurídico que são, na verdade, apenas contingentes. Por exemplo, a ideia neoconstitucionalista de uma constituição rígida, sujeita à revisão judicial, como essencial para a existência da democracia... Não é bem assim, a menos que se sustente que a Holanda e o Reino Unido, que não têm constituições, não são democráticos.
Por tudo isso, eu prefiro ficar com uma definição mais sutil de democracia como o autogoverno popular. É como pensa Norberto Bobbio, que concebe a democracia como um conjunto de regras do jogo político sobre quem decide e como decide, e não sobre o que é decidido. Essa definição sutil não é a mesma que entender democracia como a vontade da maioria. Ela prevê a existência de direitos políticos, eleições periódicas, liberdade de associação em partidos e propaganda política, e escancara as controvérsias presentes no sistema jurídico e os limites necessárias para a soberania do povo.
Anna Pintore – Vou repetir o que disse à pergunta anterior: o Judiciário deve aplicar a lei. Dessa forma, serve como órgão de garantia contra as violações dos direitos individuais. Ou, se entende que a lei está em contraste com a Constituição, no sistema judicial italiano, o papel do juiz é remeter a questão à Corte Constitucional. Certamente não deve agir de acordo com a opinião pública porque sua função não é essa. O populismo jurídico é um desastre tanto a nível judiciário como a nível legislativo. Na Itália, mas imagino que não só aqui, há uma tendência da parte da magistratura de forçar a lei para dar uma resposta às situações que criam um alarme social, geralmente ampliado pela imprensa. Vamos pegar como exemplo o caso de um bêbado que pega um carro e mata um pedestre. Ou mesmo o caso de uma empresa que não adota todas as medidas de segurança e, por causa disso, causa a morte de um funcionário. Não há dúvida de que são situações horríveis, mas é impensável sustentar que sejam casos de homicídio doloso, e não culposo. Ainda assim, tanto promotores quanto juízes italianos já seguiram por esse caminho populista e, se a posição tivesse sido mantida até o final, poderia ter derrubado uma das distinções dogmáticas penais mais basilares, que é a diferença entre dolo e culpa. Uma forma muito mais nobre e, em certo sentido, oposta de populismo judicial é expressa pela ideia de que os juízes devem ser os porta-vozes não tanto do humor superficial como dos valores profundos prevalentes na sociedade. Para os defensores dessa linha, os juízes são o poder mais adaptado a acolher as orientações e tendências sociais, mais que o Legislativo, que é um poder partidário e cisões pela maioria.".
Vale a pena ver a entrevista toda conforme indicado acima (Consultor Jurídico). Nosso interesse aqui diz respeito, principalmente, sobre a questão do crime doloso e do culposo. Várias vozes já se levantaram contra a atitude de aplicar a força e torcer a ordem jurídica, ou seja: imprimir o conceito de crime doloso para o culposo. É que o Direito não ser uma coisa que ora é, ora não é. Quando assim ocorre, instala-se a insegurança e a deserdem. Tudo que o Direito não quer. O Direito busca a ordem, a segurança e a paz. Nisto há consenso.
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