domingo, 17 de julho de 2016

Democracia: O Judiciário deve dar ouvidos ao clamor público?

     Em entrevista concedida ao Consultor Jurídico, em 10 de julho de 2016, Anna Pintore (Professora de Filosofia do Direito na Universidade de Cagliari, Sardenha, Itália) discutiu o papel do Judiciário e do Legislativo numa sociedade democrática (falou da Itália, evidentemente) e respondeu várias questões, dentre elas, destacamos estas duas abaixo:
"ConJurO que é democracia: a prevalência da vontade da maioria ou a garantia de respeito pelos direitos de cada cidadão?
Anna Pintore
– Pela filosofia analítica, não há nenhuma definição verdadeira de democracia. Há apenas definições lexicais que capturam as utilizações atuais de um termo e, geralmente, refletem a imprecisão, que é uma característica endêmica da linguagem comum. O significado de democracia atual, por exemplo, é muito vago e hesitante, porque nós temos uma tendência de usar a palavra para descrever tudo o que é bom na política. Há aqueles que defendem que a definição de democracia deva incluir, ao lado de uma dimensão formal, que é o autogoverno, também uma dimensão substancial, ou seja, os direitos fundamentais e todos aqueles princípios feitos pelo sistema jurídico das sociedades ocidentais. Para mim, uma definição tão densa assim de democracia tem muitas falhas. Ela é tão carregada de valores que corre o risco de tornar democracia uma coisa boa por definição, o que não é adequado. Há democracia boa e democracia ruim. Essa definição ampla demais acaba escondendo conflitos que devem ser enfrentados, sendo o mais agudo entre a soberania popular e os direitos individuais. Essa definição também apresenta como necessários certos aspectos do nosso sistema jurídico que são, na verdade, apenas contingentes. Por exemplo, a ideia neoconstitucionalista de uma constituição rígida, sujeita à revisão judicial, como essencial para a existência da democracia... Não é bem assim, a menos que se sustente que a Holanda e o Reino Unido, que não têm constituições, não são democráticos.
Por tudo isso, eu prefiro ficar com uma definição mais sutil de democracia como o autogoverno popular. É como pensa Norberto Bobbio, que concebe a democracia como um conjunto de regras do jogo político sobre quem decide e como decide, e não sobre o que é decidido. Essa definição sutil não é a mesma que entender democracia como a vontade da maioria. Ela prevê a existência de direitos políticos, eleições periódicas, liberdade de associação em partidos e propaganda política, e escancara as controvérsias presentes no sistema jurídico e os limites necessárias para a soberania do povo.
ConJurO Judiciário deve dar ouvidos ao clamor público?
Anna Pintore – Vou repetir o que disse à pergunta anterior: o Judiciário deve aplicar a lei. Dessa forma, serve como órgão de garantia contra as violações dos direitos individuais. Ou, se entende que a lei está em contraste com a Constituição, no sistema judicial italiano, o papel do juiz é remeter a questão à Corte Constitucional. Certamente não deve agir de acordo com a opinião pública porque sua função não é essa. O populismo jurídico é um desastre tanto a nível judiciário como a nível legislativo. Na Itália, mas imagino que não só aqui, há uma tendência da parte da magistratura de forçar a lei para dar uma resposta às situações que criam um alarme social, geralmente ampliado pela imprensa. Vamos pegar como exemplo o caso de um bêbado que pega um carro e mata um pedestre. Ou mesmo o caso de uma empresa que não adota todas as medidas de segurança e, por causa disso, causa a morte de um funcionário. Não há dúvida de que são situações horríveis, mas é impensável sustentar que sejam casos de homicídio doloso, e não culposo. Ainda assim, tanto promotores quanto juízes italianos já seguiram por esse caminho populista e, se a posição tivesse sido mantida até o final, poderia ter derrubado uma das distinções dogmáticas penais mais basilares, que é a diferença entre dolo e culpa. Uma forma muito mais nobre e, em certo sentido, oposta de populismo judicial é expressa pela ideia de que os juízes devem ser os porta-vozes não tanto do humor superficial como dos valores profundos prevalentes na sociedade. Para os defensores dessa linha, os juízes são o poder mais adaptado a acolher as orientações e tendências sociais, mais que o Legislativo, que é um poder partidário e
cisões pela maioria.".
     Vale a pena ver a entrevista toda conforme indicado acima (Consultor Jurídico). Nosso interesse aqui diz respeito, principalmente, sobre a questão do crime doloso e do culposo. Várias vozes já se levantaram contra a atitude de aplicar a força e torcer a ordem jurídica, ou seja: imprimir o conceito de crime doloso para o culposo. É que o Direito não ser uma coisa que ora é, ora não é. Quando assim ocorre, instala-se a insegurança e a deserdem. Tudo que o Direito não quer. O Direito busca a ordem, a segurança e a paz. Nisto há consenso.

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