domingo, 10 de julho de 2016

Dicionários, Discionários; Um Glossário.

     Em (Pesquisa Jurídica na Complexidade e Transdisciplinaridade, Maria Francisca Carneiro, Curitiba: Juruá, 2007, p.43/45), ela faz a seguinte abordagem sobre o tema: "Nesta era de fragmentação do conhecimento, dos valores e das coisas, os dicionaristas e enciclopedistas ressurgem como se lhes coubesse a tarefa de reorganização do saber e do mundo. Além da fragmentação, o excesso da produção e a velocidade da comunicação, culminada pela internet - onde tudo está disponível -, ocasionaram um tipo sui generis de dispersão, para a qual a feitura dos dicionários significa também o reconhecimento do sujeito, sua localização espácio-temporal e a reorganização da sua relação com os objetos por ele criados, que agora estão espraiados em um mundo difuso, embora conectado pelas interfaces da sociedade de informação. Entretanto, dicionário não é simplesmente o livro em que se dispõem e estudam palavras ou matérias por ordem alfabética. Há problemas intrínsecos ao conceito de dicionário, que se apresentam de modo mais ou menos objetivo. Existem camadas subjacentes de significação da linguagem, que se sobrepõem, se movimentam e se inter-relacionam, como se fossem níveis liquefeitos de tintas que podem configurar diversos matizes, transmutáveis uns em relação aos outros. Nem tudo é sempre ordem em um dicionário! Um dos principais problemas dos dicionários, a nosso ver, é a suposta homogeinização que ele aparenta operar, tratando os conceitos como se estivessem todos no mesmo grau de importância e simetria. Há distâncias e proximidades entre os conceitos ou vocábulos de um dicionário, que didaticamente poderiam ser expostas em graus lógicos. Entretanto, na pragmática do discurso, os eufemismos, as metáforas e outras figuras de linguagem têm o condão da cinestesia, provocando movimentos que podem suavizar ou acentuar as arestas ou os ângulos mais abruptos das significações. O apogeu do enciclopedismo, na história da civilização, deu-se por volta dos séculos XVIII e XIX, embora haja registro histórico da elaboração de dicionários gregos no século III A.C. A ordem alfabética tem sido adotada quase que por unanimidade nos dicionários. As palavras costumam ser classificadas por suas categorias gramaticais e a ortografia, preferencialmente, é a oficial. Alguns dicionários informam a origem dos vocábulos e outros acrescem-lhes a pronúncia, que pode ter variações. As traduções dos vocábulos, nos dicionários, podem ser simultâneas para um, dois ou mais idiomas, quando a atividade da glosa se torna mais complexa, pois não é raro que a mesma palavra apresente diversas acepções. A maior parte dos dicionaristas entende que as definições devem ser "precisas", cabendo examiná-las discriminadamente, a começar pelo sentido e emprego vocabular. Assim, a atividade da glosa não se refere apenas ao significado; mas também ao uso e à função das palavras. Os dicionários podem conter ilustrações, separatas ou suplementos. Aqui nos deparamos, por exemplo, com a comunicação por imagens, pois alguns textos semióticos - por exemplo, as obras de arte - podem ser intraduzíveis em palavras, sob pena de quedarem ao plano do inefável. Os dicionários que se propõem a resolver dificuldades ortográficas e gramaticais denominam-se vocabulários. Os que estudam as formações dos vocábulos através dos tempos e dos lugares são chamados etimológicos e os que se dedicam ao emprego da língua corrente são os léxicos. Aqueles que buscam compendiar todo o saber humano são ditos enciclopédias, enquanto que os glossários atêm-se ao pensamento de um autor ou de uma corrente de pensamento, portanto, não se pretendem exaustivos. Nesse aspecto, há um contraponto entre as enciclopédias e os glossários. Existem dicionários especializados em todos os assuntos. A função de um dicionário é sempre de elucidar e de organizar valendo-se, para tanto, de diversos meios, métodos e técnicas. Já as enciclopédias, têm origem etimológtica na "Paidéia" - vocábulo grego que significa educação, conhecimento. Até meados do século XVI, tradicionalmente, as enciclopédias eram escritas por um só homem, sendo que a pluralidade de pessoas na realização da tarefa consolidou-se no Iluminismo. Para a elaboração de dicionários, glossários ou enciclopédias é necessário estabelecer "entradas", que são classes (partes maiores), nas quais vão sendo inseridas as subclasses (parte menores e singulares). A organização lógica de um dicionário é matemática belíssima, podendo inclusive ser objeto de fruição estética, enquanto as reflexões sobre o seu conteúdo perpassam desde a crítica sócio-linguística, incluindo os meandros literários, até as objetivações pragmáticas da linguagem. Não há negar, enfim, a existência das camadas de linguagem explícitas e implícitas aos dicionários, conforme referimos no início deste escrito. Por essa razão, não se pode negar, no todo ou em parte, que cada dicionário é um pouco a metáfora do real ao qual quer se referir e o qual tenciona aprender.". 
     Sobre a gramática, atualmente, segundo Celso Cunha e Luíz F. Linley Cintra, não está muito claro que, na verdade, com a gramática, talvez muito mais do que com a biologia, pode-se caracterizar e diferenciar essencialmente - isto é, a partir do que constitui a sua essência - a espécie humana das outras de animais: o homem é um animal que fala, que elabora um discurso, organiza o seu pensamento em palavras e frases por um processo consciente. Por isso, "minha língua é minha pátria", não um instrumento que se usa, mas um espaço de identidade, onde o homem se vê como homem. Assim, abrir uma gramática significa fazer uma opção não pela coerção da norma mas pela liberdade de reconhecer nossas construções verbais e de nos movimentarmos, com maior desenvoltura, pelas classes gramaticais e funções sintáticas, sem que isso nos faça esquecer que tudo são palavras e que a língua é uma unidade, e ela própria nos unifica em nossa condição.

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