sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Conhecimento - a linguagem como constitutiva da realidade

     Paulo de Barros Carvalho (IOB, 1ª Quinzena de julho de 1996, nº 11/96, p. 265) descreve sobre esse título que: "Decompondo-se o fenômeno do conhecimento, encontramos a linguagem, sem o que o conhecimento não se fixa nem se transmite, já existe um quantum de conhecimento na percepção, mas ele se realiza mesmo, na sua plenitude, no plano proposicional e, portanto, com a intervenção da linguagem. "Conhecer", ainda que experimente mais de uma acepção, significa "saber proposições sobre". Conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas. Por outro lado, a cada momento se confirma a natureza da linguagem como constitutiva de nossa realidade. Já. L. WITTGENSTEIN afirmava, na proposição 5.6, do Tractatus Logico-Philosophicus, que "os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo", que dito de outro modo, pode significar: meu mundo vai até aonde for minha linguagem. E a experiência o comprova: olhando para uma folha de laranja, um botânico seria capaz de escrever laudas, relatando a "realidade" que vê, ao passo que o leigo ficaria limitado a poucas linhas. Dirigindo o olhar para uma radiografia de pulmão, o médico poderia sacar múltiplas e importantes informações, enquanto o advogado ver-se-ia compelido a oferecer registros ligeiros e superficiais. Por seu turno, examinando um fragmento do Texto Constitucional, um engenheiro não lograria mais do que extrair uma mensagem circunscrita à formula literal utilizada pelo legislador, enquanto o bacharel em Direito estaria em condições para desenvolver uma análise ampla, contextual, trazendo à tona normas implícitas, identificando valores e apontando princípios que também não têm forma expressa. Por que uns têm acesso a esses campos e outros não? Por que alguns ingressam em certos setores do mundo, ao mesmo tempo em que outros se acham absolutamente impedidos de fazê-lo? A resposta é uma só: a realidade do botânico, com relação à Botânica, é bem mais ampla do que a de outros profissionais, o mesmo ocorrendo com a realidade do médico e a do bacharel em Direito. E quem fez com que essas realidades se expandissem, dilatando o domínio do conhecimento? A linguagem. [...] Decididamente, é também a linguagem que nos dá os fatos do mundo físico e do social. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. enfatiza, portanto, a necessidade de distinguir fato e evento, concluindo que "Fato" não é pois algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade." (Introdução ao Estudo do Direito - Atlas - 1988, p. 253). Ora, feita a observação, verifica-se que o homem vai criando os nomes e os fatos, na conformidade de seus interesses e de suas necessidades. Para nós basta "neve", entretanto, para os esquimós, envolvidos por circunstâncias bem diversas, impõe-se a distinção entre várias modalidades de "neve". Não se pode precisar o exato motivo, mas a cultura portuguesa houve por bem, num determinado momento de sua evolução histórica, especificar a palavra "saudade", diferentemente de outras culturas que a mantêm incluída dentro de conceitos mais gerais, como "nostalgia", "tristeza" etc. Em português, como em castelhano, temos "relógio" ("reloj"); já em inglês discriminou-se "clock" para o relógio de parede e "watch" para o de bolso ou de pulseira. E em francês existem três vocábulos distintos: "horloge" (de torre ou de parede), "pendule" (de mesa ou de pé) e "montre" (de bolso ou de pulseira). O esclarecimento das razões determinantes dessas especificações pode ser procurado na Gramática Histórica, disciplina incumbida de estudar as dinâmicas que presidem a evolução do idioma. Todavia, aquilo que se pode dizer é que as palavras que vão sendo criadas, ou aqueles vocábulos já conhecidos que passam a assumir novas acepções, tanto uns como outros incorporam-se ao patrimônio linguístico por força de necessidades sociais. A Física tinha no átomo a unidade irredutível da matéria. Assim que o interesse científico se acentuou, intensificando-se a pesquisa que culminou com a possibilidade de decomposição daquela partícula, tornou-se imperiosa a expansão da linguagem para constituir a nova realidade: eis o próton, o nêutron, o elétron. Breve comparação entre dicionários de um mesmo idioma, editados em momentos históricos diferentes, aponta para significativo crescimento do número de palavras, assim na chamada "linguagem natural", que nos discursos das várias ciências. É a linguagem constituindo realidades novas e alargando as fronteiras do nosso conhecimento.". Portanto: se há uma presença constante, ao longo de toda a história humana, é a da linguagem. Ela é personagem importante na literatura, nas lendas, nos mitos, nos ritos, no mundo das artes, das comunicações, da religião e, enfim, dos diversos saberes. Ora de maneira romântica, ora de maneira brutal, ora acenando para um mundo de felicidade, ora ameaçando com toda sorte de desgraças, a linguagem, nas suas mais diversas facetas, é uma das energias que movimentam a vida humana. Por isto mesmo ela deverá ser devidamente compreendida e vivida. Uma adequada abordagem da linguagem deve contemplar ao mesmo tempo as pessoas na sua individualidade, as pessoas e sociedades nos seus múltiplos relacionamentos.

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