sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Dois tipos de cuidados: cuidado com e cuidar de

     Zeus foi inventado por volta de 1.580 a.C. pelos conquistadores (jônios, aqueus, dórios) que dominaram os povos que a cultuavam a Grande Deusa Mãe (deusa feminina). Esses conquistadores conheciam bem a imagem dela e a rebaixaram por meio de processos de difamação e de viés competitivo, o que antes era de perspectiva cooperativa. Furtaram, ao mesmo tempo, muito da essência e do poder dela para atribuí-los ao Deus masculino (Zeus), ou seja: foi um golpe do poder masculino em prejuízo do feminino e isso vem se arrastando até os dias atuais, onde as minorias e partes mais fracas não consideradas devidamente (mulheres, estrangeiros e escravos na época - trabalhadores atualmente). Pois bem: isso vem demonstrar que a linguagem e qualquer mudança sobre ela vem afetar a situação fática. Então, consultando dicionário (Antônio Houaiss, "Dicionário da língua portuguesa", Rio de Janeiro, Objetiva, 2004, p. 203), temos para: 1) cuidar: prestar atenção, reparar, tomar conta de, prevenir-se; e 2) cuidado: aprimorado, bem feito, atenção especial, cautela, desvelo que se dedica a algo ou a alguém. Assim é que, segundo Joan C. Tronto ("Gênero, Corpo, Conhecimento", Rio de Janeiro, Record, Rosa dos Tempos, 1997, p. 187): "A linguagem do cuidado aparece em muitas colocações em nossa fala cotidiana, incluindo uma miríade de agentes e atividades. Realizar tarefas domésticas é cuidar da casa. Médicos, enfermeiras e outros proporcionam cuidados médicos. Poderíamos perguntar se uma companhia cuida de seus trabalhadores. Alguém poderia indagar: quem está cuidando desse assunto? Os historiadores cuidam do passado. Os juízes cuidam para que seja feita justiça. Presumimos normalmente que as mães cuidem de seus filhos, que as enfermeiras cuidem dos pacientes, que os professores cuidem dos alunos, que os assistentes cuidem de seus assistidos. O que todos esses exemplos têm em comum pode ser destilado: cuidar implica algum tipo de responsabilidade e compromisso contínuos. Essa noção está de acordo com o significado original da palavra cuidado em inglês: care significava carga; cuidar é assumir uma carga. Quando uma pessoa ou grupo cuida de alguma coisa ou de alguém, presumimos que estão dispostos a trabalhar, a se sacrificar, a gastar dinheiro, a mostrar envolvimento emocional e a despender energia em relação ao objeto de cuidados. Podemos, assim, compreender afirmações como: ele só cuida (ele só se preocupa) de ganhar dinheiro; ela cuida (com carinho) de sua mãe; esta sociedade não cuida (não se preocupa com) dos sem-teto. À reclamação, você não tem cuidado (você não se importa), respondemos mostrando alguma prova de trabalho, sacrifício ou compromisso. Se cuidar envolve um compromisso, deverá, então, ter um objeto. Assim, cuidar é necessariamente relacional. Dizemos que cuidamos de ou temos cuidado com alguma coisa ou com alguém. Podemos distinguir "cuidar de" com base no objeto dos cuidados. "Cuidado com" refere-se a objetos menos concretos; caracteriza-se por uma forma mais geral de compromisso. "Cuidar de" implica um objeto específico, particular que é o centro dos cuidados. As fronteiras entre essas duas formas de cuidar não são tão nítidas como essas afirmações fazem subentender. Todavia, a distinção é útil para revelar algo sobre a maneira como pensamos sobre cuidados em nossa sociedade, porque se ajusta à forma como ela define os cuidados de acordo com o gênero. [...]". Talvez por isso, em resposta à crise moderna, alguns pensadores de princípios políticos de identidade, incluindo movimentos contra o racismo, para a libertação nacional e para a sobrevivência dos povos indígenas, reivindiquem mais coração e não menos, como Pascal, em oposição a Descartes, tenha dito: "O coração tem razões que a própria razão desconhece.". Disso tudo, importa, portanto, que a palavra decorre ou nasce de convenções e ao longo da própria existência ela venha agregando significados novos. Daí a importância de buscar o sentido original, quando possível, considerando o texto da época e o contexto atual para aplicação do vocábulo. De suma importância, ainda, considerar que a ordem jurídica nacional fixa, por exemplo, (CF, art. 13) que: "A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil." , também o (CPC, art. 156): "Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo.". Esses cuidados são fundamentais para comunicação de qualidade.

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