sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Como estudar o Direito

     Sob esse título, Hamilton Rangel Júnior (Manual de Lógica Jurídica Aplicada, São Paulo, Atlas, 2009, p. 90/92), em boa técnica, assim descreve: "Ainda que complexo o estudo da lógica jurídica, após entendê-la, a facilidade para estudar-se o Direito tem de ser infinitamente maior. Sim, a lógica jurídica revelada exprime um roteiro de como elaborar o raciocínio sobre qualquer tema jurídico. Claro é que o que primeiro se nos apresenta na vida profissional não é a premissa da lógica jurídica, mas justamente o que se tem como premissa menor: o fato jurídico. Assim, não se estuda o Direito partindo-se da hermenêutica. Deve-se, antes, interdisciplinarmente identificar o caso concreto como prioritariamente pertencendo à esfera da autonomia individual, privada ou política. Somente então, a hermenêutica poderá dizer dos elementos que a Ordem Jurídica oferece para evitar a imoralidade institucional de o tema ser objeto de qualquer arbitrariedade dos demais interesses. Finalmente, a conclusão, expressando dialeticamente qual a solução para o caso, por meio de uma daquelas linguagens vistas na parte anterior. Estudar o Direito, então, é obedecer às seguintes etapas: a) interdisciplinarmente situar o caso concreto como prioritariamente pertencente à autonomia individual, privada ou política (premissa menor); b) promover a adequada hermenêutica, para, dinamizando as fontes de revelação de licitude, localizar os elementos definidos pela Ordem Jurídica, no entendimento doutrinário e jurisprudencial (sujeitos, objeto, meios, fins e tempo) para que a autonomia a que pertence o fato em análise não sofra arbitrariedades das outras duas manifestações de autonomia - moralidade institucional. Claro, casos haverá em que o legislador foi injusto. Então, caberá ao jurista destacar o absurdo (ridículo: eu diria, seguindo Perelman) e pleitear que prevaleça o Princípio Geral do Direito que privilegia a moralidade institucional, até porque, como se trata de regra constitucional, decorrente da dialética entre as três autonomias, postura diferente será nula por inconstitucionalidade; c) estabelecer a dialética conclusiva, revelando o porquê dessa ou daquela solução para o caso e as razões de as demais serem equivocadas. Dessa forma, por exemplo, se nos é apresentado um caso relativo ao tema reforma agrária, estudá-lo significará: l. apesar de aparentemente relativo ao âmbito da autonomia privada, já que envolve, no mínimo, a coletividade constitutiva da titularidade da propriedade - a compra-e-venda, a sucessão, a doação etc. -, esse tema é majoritariamente pertencente à esfera da autonomia política, por conta de sua sujeição ao Estado, a título de função social; 2. hermeneuticamente, a doutrina (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 15 ed., revista. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 797) tem encaminhado a exegese lógico-sistemática entre os dispositivos constitucionais (5º, XXIV e 184-5), epistemologicamente enriquecendo-a com noções de economia e sociologia, no sentido de firmar-se a premência do processo de reforma agrária; inexistentes antinomias, integra-se o regime da política agrária (185) incluindo-se as propriedades produtivas de qualquer dimensão, bem como as pequenas e médias de proprietários que não possuem outras (sujeito/objeto), como também suscetíveis de desapropriação, desde que a indenização seja justa, prévia e em dinheiro (5º, XXIV) (meio/tempo); parte-se do argumento de que, se, por força da função social (fim), à improdutividade da terra corresponde a iliquidez dos títulos da dívida agrária, a contrario sensu, à produtividade da terra deve-se fazer corresponder a liquidez do dinheiro justo e prévio. Rejeitar-se essa possibilidade será arbitrariedade da autonomia individual do proprietário que manteve seu patrimônio íntegro, por conta da indenização, sobre a autonomia política de fazer valer a função social do bem (imoralidade institucional); e 3. conclui-se que, para reforma agrária, também são desapropriáveis terras não arroladas no art. 185, desde que sob o regime do art. 5º, XXIV, já que visão diferente estaria contradizendo a noção de função social da propriedade. Acrescente-se, por fim, que a vantagem de se manter fiel à lógica jurídica, inicialmente, está na facilidade para organizar de forma completa as informações de doutrina e jurisprudência, mais facilmente memorizando-as, mesmo aquelas situações em que o legislador, o julgado, ou o estudioso se equivocou e desrespeitou a noção de moralidade institucional - nesse caso, a memorização se dá por reductio ad absurdum. Ainda, e mais vantajosamente, esse domínio lógico, no estudo, permite que, diante de casos não abordados pelos seus estudos, tematicamente desconhecidos, porém de solução premente (respostas em concursos públicos, por exemplo), possa o jurista lançar mão desse silogismo dialético-interdisciplinar geral característico do raciocínio jurídico, para deduzir o que seria a melhor solução. Esta última utilidade da lógica é a única situação em que a verossimilhança corre o risco de se converter em verdade.". Percebe-se que esse raciocínio está conforme o desenvolvido por Chaim Perelman (Lógica Jurídica, São Paulo, Martins Fontes, 1998), o qual adverte que: "Nas obras atuais consagradas à lógica jurídica, raramente levanta-se a questão: "Que é o direito?". Basta mudar de meio, de sociedade, de século ou de cultura para que se manifestem claramente divergências, e mesmo divergências fundamentais, nesta matéria. Dever-se-á separar o direito da moral e da religião? Haverá critérios, geralmente aceitos, que permitam distinguir um raciocínio jurídico de um raciocínio estranho ao direito? E, mais especificamente, considerações relativas à justiça serão ou não estranhas ao direito? É impossível responder a tais questões sem nos colocarmos no ponto de vista de uma ideia do direito próprio de dada sociedade, ou ao menos, tacitamente admitida por ela. Ora, haveremos de ver que a resposta a estas questões é determinante para que possamos precisar a noção de raciocínio jurídico, bem como a natureza e o estatuto dos conceitos e das teorias jurídicas.". Disso tudo, é lícito concluir que se a lógica jurídica é ligada à ideia que fazemos do direito e se adapta a ela, por essa razão, uma reflexão sobre a evolução do direito é uma preliminar indispensável ao exame das técnicas de raciocínio próprias desta disciplina que os juristas qualificam tradicionalmente de lógica jurídica indispensável à tarefa de como estudar o Direito.

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