sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Método de Investigação e Método de Exposição

     Em substancioso artigo, o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, sob o título "O Crime pode ser nosso e a punição também, publicado (O Estado de São Paulo, edição de 12 de janeiro de 2015 - Opinião, referido em Migalhas-3533, de 12/01/15 e 3534, de 13/01/15, sob o título "Crime e Castigo"), assegura que: "O crime é um fenômeno humano, representado por uma conduta que é descrita pela lei penal, que prevê uma sanção para quem o comete, sendo por essas razões passível de ser praticado por dolo e por qualquer homem. Assim sendo, ninguém poderá, em sã consciência, afirmar que jamais cometerá um crime. Repito, trata-se de um evento inserido dentro das atividades humanas e que assim, potencialmente, sujeita cada um de nós à sua prática. É claro que há delitos e delitos. Sabemos que, em face da formação ética e moral, como também dos valores superiores que informam a  sua conduta, o homem que preza o seu semelhante jamais adotará determinadas condutas previstas pela lei penal, em face da enormidade da infâmia e de desumanidade nelas contidas. No entanto, mesmo no rol dos delitos chamados de hediondos, por paradoxal que possa parecer, o crime de homicídio, por exemplo, é um daqueles crimes que poderá ser cometido por qualquer um de nós, embora atinja o bem supremo que é a vida. Exatamente por ser um crime de ímpeto, provocado por circunstâncias criadas pela própria vida, é grande o seu grau de imprevisibilidade, podendo atingir o mais equilibrado e ponderado dos homens, que diante de situações excepcionais passa a ter a sua vontade subjugada por estas mesmas circunstâncias. Repito, portanto, que alguns crimes, como o homicídio, podem ser cometidos por qualquer cidadão, independentemente dos elevados princípios que possam orientar a sua conduta. Ademais, não se pode esquecer a possibilidade de haver uma acusação falsa em razão das distorções da realidade ou por outro qualquer fator, atingindo um inocente. Saliente-se: acusações improcedentes ou desproporcionais à própria realidade delituosa, que conduzem às condenações injustas, estão cada vez mais presentes no nosso sistemas de Justiça. Esse sistema está, atualmente, impregnado por uma cultura punitiva que cria sempre a expectativa da culpa e da condenação, e jamais a da inocência e da absolvição. [...]". Diante disso e mais o que o leitor poderá ver diretamente no próprio texto, Migalhas encontrou, por desvio, a analogia perfeita para o "Crime e Castigo", do escritor russo Fiodor Dostoiévski, o qual narra a história de Rodion..., um jovem estudante que comete um assassinato e se vê perseguido por sua incapacidade de continuar sua vida após o delito. Esse romance se baseia numa visão sobre religião e existencialismo com um foco predominante no tema de atingir salvação por sofrimento, sem deixar de comentar algumas questões do socialismo e niilismo. Assim é que, de certo modo, a tarefa dos operadores do Direito vem realizar. Então, na concepção de Karel Kosik (Dialética do Concreto, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976): "Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde. Compreender o fenômeno é atingir a essência. Sem o fenômeno, sem a sua manifestação e revelação, a essência seria inatingível. No mundo da pseudoconcreticidade o aspecto fenomênico da coisa, em que a coisa se manifesta e se esconde, é considerado como a essência mesma, e a diferença entre o fenômeno e a essência desaparece. [...] Tal ocultação não pode ser absoluta: se quiser pesquisar a estrutura da coisa e quiser perscrutar "a coisa em si", se apenas quer ter a possibilidade de descobrir a essência oculta ou a estrutura da realidade - o homem, já antes de iniciar qualquer investigação, deve necessariamente possuir uma segura consciência do fato de que existe algo suscetível de ser definido como estrutura da coisa, essência da coisa, "coisa em si", e de que existe uma oculta verdade da coisa, distinta dos fenômenos que se manifestam imediatamente. O homem faz um desvio, se esforça na descoberta da verdade só porque, de um modo qualquer, pressupõe a existência da verdade, porque possui uma segura consciência da existência da "coisa em si". [...]. Indo ao conhecimento, diz ele: "O conhecimento se realiza como separação de fenômeno e essência, do que é secundário e do que é essencial, já que só através dessa separação se pode mostrar a sua coerência interna, e com isso, o caráter específico da coisa. Neste processo, o secundário não é deixado de lado como irreal ou menos real,mas revela seu caráter fenomênico ou secundário mediante a demonstração de sua verdade na essência da coisa. Esta demonstração do todo, que é elemento constitutivo do conhecimento filosófico - com efeito, sem decomposição não há conhecimento - demonstra uma estrutura análoga à do agir humano: também a ação se baseia na decomposição do todo. [...] Com se sabe, Marx distinguia entre o método da investigação e o método da exposição. Apesar disso, passa-se por cima do método da investigação como sobre qualquer coisa já conhecida; e equipara-se o método de exposição à forma de apresentação, não se percebendo, por conseguinte, que ele é o método da explicação, graças ao qual o fenômeno se torna transparente, racional, compreensível. O método da investigação compreende três graus: 1) minuciosa apropriação da matéria, pleno domínio do material, nele incluídos todos os detalhes históricos aplicáveis, disponíveis; 2) análise de cada forma de desenvolvimento do próprio material; 3) investigação da coerência interna, isto é, determinação da unidade das várias formas de desenvolvimento. Sem pleno domínio de tal método de investigação, qualquer dialética não passa de especulação vazia.". Pois bem, percorrido esse trajeto, de modo cuidadoso, mediante interpretação dos fatos, provas robustas, com possibilidade de manifestação de todos os envolvidos, pode-se dizer que foi observado o devido processo legal - característica do regime democrático - com seus requisitos inafastáveis: contraditório e ampla defesa e daí a decisão pode ser considerada legítima, antes disso ou sem isso, será mero simulacro, não processo.

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