sexta-feira, 16 de maio de 2014

Ser Edificante

     Quando se trata de Método ou Metologia, o essencial consiste na escolha das premissas, como a lógica comprova. É que partindo-se de premissas falsas o resultado será um produto falso, o que é evidente. E a própria sabedoria alerta que quando um cego conduz outro cego, ambos acabam no buraco.

      Pois bem, é de supor que todos gostariam de ser edificantes, promotores do bem, no sentido de que o espírito de servir à boa causa está posto à prova com nossas limitações, a superá-las. Com efeito, José Ortega y Gasset, em carta escrita ao discípulo, Julian Marías, no momento de transmissão da liderança da Escola de Madrid, descrevera: "O grande drama da vida talvez esteja em sua própria construção, fazer com ela, como o grito desesperado de São Paulo ao pronunciar "o homem tem que ser edificante", cruel exigência ou maravilhoso favor. Nessa situação ganha a imaginação a princípio. Mas só a princípio, já que ao efetivar-se o sonho, perdemos parte dessa grande mãe criativa, que tantas vezes se oculta na realidade que o mundo insiste em chamar de verdade. Construímo-nos exatamente como o novelista constrói seus personagens. Somos novelistas de nós mesmos e se não o fôssemos, jamais poderíamos entender qualquer obra literária ou poética. Quem não percebe o autor de sua vida, não aprecia a arte que lhe inspira e nem admira a natureza que o espelha. O lamentável é que, na maioria das vezes, compre-nos eleger um só e único caminho dentre os muitos que poderão chegar e atender aos apelos da vocação. São programas de vida e, não necessariamente, o projeto vital. Passam na fantasia mas nem sempre refletem o desejo. Ao escolher alguns, excluímos os demais, onde poderá haver justamente o ponto central. Pode acontecer, e geralmente acontece, que a multiplicidade dos dotes desoriente e perturbe o projeto vital, o chamamento sagrado do fogo interior. Como Goethe que viveu inseguro do seu Eu, devido à natural exuberância de suas aptidões. Quantos mais eu vi assim. Tamanha aptidão em confronto com uma vontade duvidosa! E uma vida de tal forma ambígua, flutuando ao sabor do acaso, sem maior determinação interna, torna-se vida em disponibilidade. Goethe queria permanecer eternamente em disponibilidade. Difícil questão: até que linha divisória a disponibilidade é o livre ser, a passagem para o novo, e até que ponto torna-se desperdício. Tudo indica que Fernando Pessoa, esse grande entre os maiores, tenha sido um caso análogo. [...]. Aqui, neste momento, Julian, penso se estou disponível, se sempre estive e tremo de pavor ao questionar se a disponibilidade já não cabe num homem tão envolvido! Enfim, se me fiz ou se me perdi. Neste inverno madrilenho, ao final da vida, é o meu drama e meu encanto. Ter Goethe e Pessoa como fantasmas e santos do meu sonho e do meu dia".

     Disso tudo, é lícito inferir que para ter um plano de vida racional e, portanto edificante, deveríamos recordar que, ainda que correspondam a impulsos e inclinações que podem fazer-se sentir com anterioridade a qualquer consideração inteligente sobre o que merece a pena buscar, os aspectos básicos do bem estar humano somente são realizáveis por quem dirige, atende e controla os seus instintos, inclinações e impulsos, de maneira inteligente.

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