sexta-feira, 9 de maio de 2014

Distinção entre Vida e vida

     Segundo Jeanne Marie Gagnebin, dentro da vasta obra de Giorgio Agamben (Filósofo e Jurista), o livro "O que resta de Auschwitz", (Editora Boitempo, São Paulo, 2008), ocupa lugar intermediário e singular. Publicado em 1998, retoma a problemática de Homo sacer (1995) e de Mezzi senza fine (1996), em particular a distinção entre vida nua (zoè) e forma de vida, propriamente humana (bios), desde a elaboração dessa distinção por Aristóteles até a transformação, na época moderna, da política em biolítica (na esteira das reflexões de Michel Foucault). O nome "Auschwitz" não é simplesmente o símbolo do horror e da crueldade inéditos que marcaram a História contemporânea com uma mancha indelével; "Auschwitz" também é a prova, por assim dizer, sempre viva de que o nomos (a lei, a norma) do espaço político contemporâneo - portanto, não só do espaço político específico do regime nazista - não é mais a bela (e idealizada) construção da cidade comum (pólis), mas sim o campo de concentração:

     O campo é o espaço que se abre quando o estado de exceção começa a tornar-se regra [...]. Na medida em que os seus habitantes foram despojados de todo estatuto e reduzidos integralmente à vida nua, o campo é também o mais absoluto espaço biopolítico jamais realizado, no qual o poder não tem diante de si senão a pura vida sem qualquer mediação.

     Como toda linguagem humana repousa sobre essa separação entre phonè e logos, entre linguagem e voz, assim também toda vida política em comum, todo bios, repousa sobre o abismo da zoè, dessa vida nua que nos assemelha aos bichos. O que Auschwitz nos legou também é aexigência, profundamente nova para o pensamento filosófico e, em particular, para a ética, de não nos esquecer nem da infância nem da vida nua: em vez de recalcar essa existência sem fala e sem forma, sem comunicação e sem sociabilidade, saber acolher essa indigência primeva que habita nossas construções discursivas e políticas, que só podem permanecer incompletas.

     E segundo Michel Maffesoli, em entrevista concedida ao IHU-Unisinos (23/04/2014), "A política moderna não tem mais sentido". Como descrevera: "Há uma transfiguração da política, ou seja, ela assume outra forma, outra figura" (...) "A política tal como se caracterizava essencialmente em termos de projeto racional não existe mais. Ao contrário disso, há um ressurgimento do emocional". Maffesoli disse que desde os anos 1980 assiste-se ao fim da modernidade e ao início da pós-modernidade. Apesar de ser "sempre difícil falar em pós-", o sociólogo francês chama a atenção para a existência não de um pensamento linear, mas de ciclos ou épocas que retornam. "Temos dificuldade de pensar que possa haver ciclos. Minha hipótese é de que os ciclos retornam, ou as épocas retornam. (...) Por um movimento de pêndulo, que nos remete justamente aos ciclos, percebemos que o importante hoje é o ventre, isto é o emocional, as emoções, e não o racional.". Disso tudo, diante da crise pela qual estamos imersos, é possível inferir com John Mitchell Finnis que: "A autoridade (e, por conseguinte a responsabilidade de governar) em uma comunidade tem de ser exercida por aqueles que que de fato podem resolver eficazmente os problemas de coordenação desta comunidade. Este princípio não é a última palavra sobre as exigências da razoabilidade prática relativa à atribuição ou ao reconhecimento da autoridade; porém, é a primeira e a mais fundamental. (in Adrian Sgarbi). De modo que quem pensa poder atuar nessa tarefa deverá ter em mente essas alterações, sob pena de continuar a tratar das questões políticas com olhar já defasado e daí realmente não encontrará solução aos problemas atuais, apenas alimentando a crise pensando em debelá-la.

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