domingo, 12 de maio de 2019

FACULDADE ESTACIO DE CURITIBA - IED 2019.1 - RELAÇÃO JURÍDICA - CONCEITOS NORMATIVOS


A teoria geral do direito, conforme foi se desenvolvendo na Idade Moderna, no florescimento das relações sociais capitalistas, foi também criando e consolidando uma série de conceitos teóricos que servem de ferramenta para o uso comum do jurista. Por meio de tais conceitos, estabelece-se uma linguagem comum, ao mesmo tempo em que certos procedimentos jurídicos tornam-se uniformizados. Tais ferramentas são expressão direta das relações sociais modernas, capitalistas. Um exemplo: o capitalismo se estrutura por meio da exploração do trabalho. Dessa realidade econômica capitalista surgem conceitos jurídicos como o de sujeito de direito, direito subjetivo, liberdade contratual, autonomia da vontade etc. Na verdade, poder-se-ia dizer num primeiro momento, seriam desdobramentos técnicos do próprio conceito de norma jurídica. Toda norma jurídica se dirige a alguém, e esse alguém é um sujeito de direito. Esse sujeito tem direitos subjetivos, advindos das próprias normas.

SUJEITO DE DIREITO: A primeira ferramenta técnica relacionada diretamente à questão da norma jurídica é o conceito de sujeito de direito.

A princípio, os juristas associam o conceito de sujeito de direito ao conceito de indivíduo. Nada mais falso. O conceito de sujeito de direito não se associa necessariamente a seres humanos. Desde o surgimento do capitalismo, há uma grande modalidade de sujeito de direito que não é composta de seres humanos, de carne e osso, com características biológicas: a empresa, ou seja, a pessoa jurídica, por exemplo. Nem todo sujeito de direito é um ser humano e nem todo indivíduo foi ou é sujeito de direito. Nas sociedades antigas, de modo geral, o direito do indivíduo estava ligado ao seu próprio povo. A derrota de um povo fazia de todos escravos e eventual libertação tornava todos livres. A individualidade se firmava apenas entre senhores, nunca entre as grandes massas de escravos. A afirmação do sujeito de direitos, aquele que compra e venda no mercado (para o trabalhador: mercado de trabalho, onde, mediante contrato, vende seu trabalho),  assim o conceito de propriedade privada também se estabelece. Há, portanto, uma relação intrínseca e necessária entre sujeito de direito e mercadoria. O conceito de sujeito de direito foi servindo para garantir temas laterais e complementares ao grande tema da circulação mercantil. Começa-se a falar de direitos humanos, dignidade humana, direitos sociais, direitos ao meio ambiente etc. Todos esses direitos atendem à mesma lógica inicial da circulação mercantil: se alguém queima uma floresta, deve reflorestá-la - ser processado, pagar uma multa. Trata-se de um sujeito de direito sobre o qual recaem direitos e deveres. 

Desde o surgimento do capitalismo, além de considerar a pessoa física um sujeito de direito, também foi se desenvolvendo o conceito de pessoa jurídica. O burguês, desde o início, se punha em associação com outros burgueses; fazia empreendimentos em comum com outras pessoas. E como a empresa tem necessidades prementes - receber, pagar, contratar, ir a juízo -, desenvolveu-se uma teoria que conferiu à empresa uma personalidade própria. Tal separação entre pessoa física e jurídica se prestou, historicamente, a ilegalidades e interesses formalmente escusos. Daí surgiu a teoria da desconsideração da pessoa jurídica para atingir as pessoas físicas que se escondiam por trás da pessoa jurídica e assim responsabilizá-las. O conceito de pessoa jurídica serviu, também, para grandes formulações e debates em torno da concepção institucional do Estado. De modo geral, pode-se assim dizer, a pessoa jurídica é um sujeito de direito porque portadora de direitos e deveres, com autonomia para relacionar-se juridicamente.

Muitas outras situações e coisas, embora não sendo pessoa física nem jurídica, são, no entanto, sujeito de direito. Pensemos no caso da herança jacente. Tendo morrido o sujeito de direito, proprietário de alguns bens, até o momento em que se determinar, juridicamente, a quem será destinado seu patrimônio, este continua vinculado às relações jurídicas subjacentes. O falecido era dono de uma casa alugada a um terceiro. Morto o proprietário, os aluguéis ainda são devidos. Ao mesmo tempo, os impostos sobre a casa continuam sendo devidos. Ora, a casa, mesmo sem um sujeito de direito que lhe seja titular, continua vinculada a direitos e obrigações. Essa herança jacente é, pois, um sujeito de direito porque a ela está vinculadas normas jurídicas que lhe dão deveres e direitos. Mas a herança jacente não é nem pessoa física ou jurídica. Esse patrimônio era de alguém e, em algum momento, irá para outro alguém. Nesse interregno, mesmo não sendo pessoa física nem jurídica, é um sujeito de direito. Portanto, são as normas que definem o sujeito de direito e não o contrário.

DIREITO SUBJETIVO: Um conceito correlato ao sujeito de direito e também de extrema importância ao funcionamento da reprodução jurídica da sociedade contemporânea capitalista, é o conceito de direito subjetivo. Por direito subjetivo quer-se dizer a respeito do direito de algum sujeito. A palavra subjetivo, em direito, quer sempre se referir a sujeito.

A consolidação da figura do sujeito de direito resulta da própria lógica da reprodução do capital. Posteriormente, o direito subjetivo, como conteúdo que é portado pelo sujeito de direito, vai ganhando seus contornos por meio de instituições políticas e normativas estatais. O direito subjetivo de um sujeito de direito é garantido pelo Estado. Nesse ponto, é preciso entender a distinção e a relação entre direito subjetivo e direito objetivo. Costuma-se chamar por direito subjetivo aquele que pertence a cada sujeito de direito. E, em geral, chama-se por direito objetivo a norma jurídica, a lei, ou o conjunto de leis. Essa é a diferença técnica entre os conceitos de direito subjetivo e direito objetivo.

Em algumas línguas, como o inglês, essa confusão não existe, porque há a utilização de duas palavras distintas, cada uma tratando de um conceito. Em inglês, quando se fala sobre direito pessoal (direito subjetivo), fala sobre right. E quando se quer falar sobre normas jurídicas (direito objetivo), fala-se em law. Exemplo: Faculdade de Direito (Law School).

Outra questão importante diz respeito ao que na velha tradição jurídica, que em geral se dividiam os direitos subjetivos em direitos pessoais e direitos reais. Aqui, a palavra real vem do latim res e quer dizer coisa. Num contrato, uma pessoa se obriga perante outra, daí se diz que tem direito pessoal em relação a essa outra. No caso, da propriedade de uma casa, há um direito sobre a coisa, de tal modo que ninguém poderá invadí-la. Então, nesse caso, os juristas tradicionalistas falavam que havia um direito da pessoa não em relação a outra pessoa, e sim em relação a uma coisa (a casa). O ocorre que o a relação jurídica sempre se dá entre pessoas mesmo que tenha um bem protegido por essa relação. No caso desses direitos subjetivos reais (sobre uma coisa), uma pessoa possui seu direito "erga omnes", isto é, vale em relação todas as demais pessoas. Assim, são os sujeitos de direito, as pessoas, os seres humanos, que têm direito ao ambiente saudável e por isso as árvores devem ser preservadas e não quer dizer, tecnicamente, que as árvores ou os animais sejam sujeitos de direito ou que tenham direito. 

DEVER E RESPONSABILIDADE: Outro conceito correlato ao de sujeito de direito e de direito subjetivo é o de dever. O jurista, pelo seu senso comum, sempre diz que a cada direito subjetivo de alguém corresponde o dever de outra pessoa. Então, sempre que alguém diz ter um direito, é porque outra pessoa ou grupo de pessoas deverá respeitar tal direito subjetivo. 

Tomado no sentido amplo, nos tempos escravistas o escravo tinha o dever de trabalhar, não porque o senhor tivesse direito de lhe impor tal obrigação e sim porque a força bruta o determinava. Apenas no capitalismo é que surge a necessidade estrutural de que a dominação seja feita por meio de alguém se obrigando juridicamente perante outrem. Assim, o trabalhador contrata vender a força de trabalho ao burguês porque quer, isto é, valendo-se, teoricamente, de sua autonomia da vontade. O direito dirá que ele deve trabalhar porque contratou assim fazer, porque quis. E isso gera para aparte contrária, o burguês, o direito de ter o fruto do trabalho daquele que com ele contratou. Se duas partes contratam um serviço em troca de dinheiro, o dever de uma é pagar e o da outra é prestar o serviço. Caso uma das duas partes não cumpra o dever, deu-se o fato que acarretará uma sanção. O dever é sempre a conduta contrária àquela que gera a sanção.

A palavra dever, tecnicamente, não é tomada nem no sentido de uma coação física nem no sentido de um impulso moral. Trata-se de um conceito formal, normativo. Juridicamente, o conceito de dever difere difere do conceito de responsabilidade. Não são necessariamente as mesmas pessoas aquela que tem o dever e aquela que responde pelo dever, caso este não tenha sido cumprido. Um funcionário de uma empresa (ou funcionário público) tem o dever de conduzir o veículo de sua firma de maneira diligente. No caso em que haja um acidente de trânsito, se a culpa foi do funcionário, é a empresa responsável. Daí que, para a ténica jurídica, dever é a conduta contrária àquela que gera a sanção, e a responsabilidade é a condição de quem suporta a sanção. Nos casos em que a mesma pessoa que tem o dever é aquela que tem a responsabilidade e portanto ela própria suporta a sanção, dizemos se tratar da responsabilidade subjetiva. Por outro lado, certas normas estipulam previamente os sujeitos que respondem pelos deveres não cumpridos, dizemos que estes são casos de responsabilidade objetiva. São casos de atividades de alto risco, ditas perigosas. O direito do trabalho também trabalha com esse conceito, ou seja, o empregador responde pelos atos do empregado. O Direito do Consumidor também.

No caso dos direitos políticos, como o eleitoral, há direitos subjetivos e não deveres. Todos têm o direito de votar e serem votados. Mas a ninguém corresponde o dever de votar em determinadas pessoas. Aqui temos uma questão interessante: o direito de votar e de ser votado, em caso de perda ou restrição desse direito (condenações criminais), o direito de votar pode ser questionado (casos, em que o condenado, beneficiário de liberdade condicional, precisa trabalhar e estar em dia com a Justiça Eleitoral), é possível uma medida judicial para que restabeleça o direito de votar. Não o de ser votado, obviamente. Outro detalhe, com o exercício do direito eleitoral, diz respeito a idade. Aqui há restrição parcial: dos 16 a 18 anos, só pode exercer esse direito em votar (capacidade ativa), não de ser votado (capacidade passiva). Temos também restrição com o relação ao direito de trânsito e outros.

Kelsen, premido por objeções nesse domínio, dirá que há um dever geral de respeitar os resultados eleitorais e os direitos políticos correspondem, sim, a deveres políticos da coletividade. Para ele, não pode haver direito subjetivo descompassado de dever alheio.

CAPACIDADE E COMPETÊNCIA: Na esteira dos conceitos de sujeito de direito, direito subjetivo, dever e responsabilidade, a teoria geral do direito também trabalha com as ferramentas da capacidade e da competência. São também conceitos técnicos extraídos das próprias normas jurídicas.
Desde o surgimento do capitalismo, quando se criou a ferramenta do sujeito de direito, atribuindo-lhe direitos subjetivos, não se deixou que todos os sujeitos pudessem comerciar livremente. Houve, durante algum tempo, impedimentos às mulheres, às crianças e adolescentes, aos velhos, aos aprisionados, aos negros, aos índios, aos estrangeiros. Ainda na atualidade alguns Estados impõem restrições a variados grupos.

É por tal razão que se construiu, tecnicamente, o conceito de capacidade. Trata-se de uma qualificativo formal para a legitimação jurídica dos atos dos sujeitos. O termo capacidade, juridicamente, não é aquilo que deixa entrever o senso comum, um conceito concreto, existencial das habilidades do sujeito. Não é a verificação das reais condições de uma pessoa. Trata-se apenas de um conceito formal, normativo. Capaz é aquela pessoa que as normas jurídicas determinam formalmente habilitada a realizar negócios jurídicos ou a ser titular de direitos e deveres.

O direito moderno utiliza critérios de idade como os qualificativos mais frequentes para conceder capacidade ao sujeito de direito. Além disso, o conceito de capacidade é utilizado tanto para a atribuição normativa que leve o sujeito a ter direitos subjetivos, como serve também para as normas que possibilitem dispor dos direitos subjetivos. Trata-se da capacidade passiva de possuir direitos a da capacidade ativa de poder transacioná-los, dispor deles. Pelas normas do direito brasileiro, somente com 18 anos, ou mais, uma pessoa terá plena capacidade para realizar negócios jurídicos. O nascimento, a morte e a idade são algumas balizas normativas utilizadas de modo generalizado para a atribuição da capacidade. Tais parâmetros podem, no entanto, ser alargados ou diminuídos. Há situações de antecipação da maioridade de dispor dos direitos, como no caso de emancipação. Há, também, situações nas quais se perde a capacidade de dispor, em que há interdição de direitos. Os incapazes (o pródigo, viciados em drogas, ébrios, deficientes mentais e os que tenham discernimento reduzidos) são considerados sem capacidade de dispor de seus direitos. Eles devem ser representados ou assistidos por outrem (pais, tutores, curadores). O nascituro (aquele que ainda está em gestação) está já protegido juridicamente, embora ainda não seja um sujeito de direito e não tenha capacidade jurídica.

Buscando proceder a uma divisão científica, o direito civil chama à capacidade advinda dos direitos que são conferidos a todos os seres humanos, por direitos da personalidade. Utiliza-se o termo capacidade, também, para se referir à capacidade postulatória dos advogados perante o Poder Judiciário. Salvo previsão legal, não pode qualquer pessoa, diretamente, pleitear seus direitos juridicamente. Exceções: Juizado Especial, Habeas Corpus, Trabalhista.

Além do conceito de capacidade, outro conceito muito utilizado pelo jurista é o de competência. Trata-se de outra ferramenta essencialmente normativa. Competência não é também um conceito do senso comum, vulgarmente confundido com habilidade. Trata-se de um conceito técnico, que se refere à condição formalmente apta a fazer tal ou qual procedimento jurídico. Seu uso é direcionado a organismos que preveem, aos sujeitos que em seu nome operam, a distribuição de específicos poderes. Enquanto em geral se utiliza o termo capacidade para as aptidões de ter ou transacionar direitos das pessoas físicas, o termo competência é usado para as mesmas aptidões, só que no caso de atribuições relacionadas às pessoas jurídicas. Determinadas pessoas, que são agantes dessas pessoas jurídicas, têm competências específicas, de acordo com as previsões legais, estatutárias ou contratuais. Com relação às pessoas jurídicas de direito privado (empresas), normalmente a previsão está estabelecida nos contratos sociais. No direito público, as previsões estão previstas em lei. Não é todo Juiz de Direito que pode apreciar todas as causas. A competência para as causas trabalhistas é dos Juízes da Justiça do Trabalho. A competência dos vereadores, prevista na Constituição Federal e nas legislações municipais, não pode extrapolar determinadas matérias.

Assim sendo, capacidade e competência não são termos que se usam para falar de habilidades ou aptidões efetivas de pessoas, e sim de disponibilidades facultadas por normas jurídicas a certos sujeitos de direito ou a certos agantes em seus papéis respaldados juridicamente.

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